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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.36  Belo Horizonte  2020  Epub 20-Ene-2020

https://doi.org/10.1590/0102-4698227793 

DOSSIÊ ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NO CAMPO EDUCACIONAL

ARTIGO - RELAÇÃO ENTRE NÍVEIS CONCEITUAIS DE ESCRITA E ESTRATÉGIAS DE RECONHECIMENTO DE PALAVRAS

RELATIONSHIP BETWEEN CONCEPTUAL LEVELS OF WRITING AND WORD RECOGNITION STRATEGIES

RELACIÓN ENTRE NIVELES CONCEPTUALES DE ESCRITURA Y ESTRATEGIAS DE RECONOCIMIENTO DE PALABRAS

SARA MOURÃO MONTEIROI 
http://orcid.org/0000-0002-2419-5928

MARGARIDA ALVES MARTINSII 
http://orcid.org/0000-0002-2773-1634

I Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação, Belo Horizonte, MG, Brasil.

II Instituto Universitário de Ciências Psicológicas Sociais e da Vida (ISPA), Lisboa, Portugal


RESUMO:

Os níveis conceituais da escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999), revelam o processo evolutivo da compreensão do princípio alfabético pelas crianças. Por outro lado, as teorias sobre a aprendizagem da leitura revelam as estratégias de reconhecimento de palavras. Visando analisar a relação entre os níveis conceituais de escrita e as estratégias de leitura de palavras compostas por sílabas de estruturas CV, CCV e CVC, aplicou-se testes de leitura e de escrita de palavras em 47 crianças do 1º ano do Ensino Fundamental. Concluiu-se que a evolução da compreensão do princípio alfabético promovem avanços na leitura de palavras compostas por sílabas CV e a formação do léxico ortográfico; e que o confronto com as estruturas silábicas CVC e CCV contribui para que o sistema de análise sequencial das letras no reconhecimento da palavra se modifique, ampliando a percepção das crianças sobre a complexidade das estruturas fonológicas dos segmentos silábicos.

Palavras-chave: Alfabetização; Níveis conceituais de escrita; Reconhecimento de palavras

ABSTRACT:

The conceptual levels of writing (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999) reveal the evolutionary process of children’s comprehension of the alphabetic principle. On the other hand, theories about reading learning reveal word recognition strategies. Aiming to analyze the relation between the conceptual levels of writing and the strategies of reading words composed by syllables of structures CV, CCV and CVC, tests of reading and writing of words were applied in 47 children of the 1st year of elementary school. It was concluded that the evolution of the comprehension of the alphabetic principle promotes advances in the reading of words composed by CV syllables and in the formation of the orthographic lexicon; and that the confrontation with the syllable structures CVC and CCV contributes for the system of sequential analysis of letters in word recognition to change, expanding the children’s perception of the complexity of phonological structures of syllable segments.

Keywords: Literacy instruction; Conceptual writing levels; Word Recognition

RESUMEN:

Los niveles conceptuales de la escritura (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999) revelan el proceso evolutivo de la comprensión infantil del principio alfabético. Por otro lado, las teorías sobre el aprendizaje de la lectura revelan estrategias de reconocimiento de palabras. Con el objetivo de analizar la relación entre los niveles conceptuales de escritura y las estrategias de lectura de palabras compuestas por sílabas de estructuras CV, CCV y CVC, se aplicaron pruebas de lectura y escritura de palabras en 47 niños del primer año de primaria. Se concluyó que la evolución de la comprensión del principio alfabético promueve avances en la lectura de palabras compuestas por sílabas CV y la formación del léxico ortográfico; y que la confrontación con las estructuras de sílabas CVC y CCV contribuye al cambio del sistema de análisis secuencial de letras en reconocimiento de palabras, ampliando la percepción de los niños sobre la complejidad de las estructuras fonológicas de los segmentos de sílabas.

Palabras clave: Alfabetización; Niveles de escritura conceptual; Reconocimiento de palabras

INTRODUÇÃO

NÍVEIS CONCEITUAIS DE ESCRITA E ESTRATÉGIAS DE LEITURA NA FASE INICIAL DA APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESCRITA

A teoria da psicogênese da escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999) pressupõe um processo evolutivo de apropriação da língua escrita por meio do qual as crianças se esforçam para compreender o que os sinais gráficos da escrita representam e como eles são organizados para formar um sistema notacional. Os níveis que constituem esse processo são orientados pelas hipóteses formuladas pelas crianças em torno dessas duas questões.

Na primeira fase (pré-silábica), as crianças estabelecem distinção entre o modo de representação icônico e não icônico, apreendendo a função simbólica da escrita. Para Ferreiro e Teberosky (1999), essa construção permite que as crianças comecem a observar as propriedades da escrita: espaços em branco que separam as palavras em um texto escrito, extensão do texto, diferenciação das letras de outros sinais gráficos no texto, formato das letras, dentre outros. Nesta fase, ainda, as crianças buscam controlar as variações na escrita sob os eixos qualitativos e quantitativos, estabelecendo condições gráficas para diferenciar as escritas que definem o que pode ser interpretado. Duas condições gráficas são estabelecidas para considerar as escritas: a quantidade suficiente e a variedade de letras na configuração gráfica das palavras.

Nas fases seguintes, que se distinguem da primeira pela fonetização da escrita, as crianças estabelecem progressivamente relações entre oralidade e escrita. Na fase silábica, as crianças, buscando fazer coincidir a escrita ao número de sílabas percebidas na pronúncia das palavras, registram uma letra para cada sílaba da palavra, inicialmente, sem estabelecer correspondência com as propriedades sonoras das sílabas. No momento em que surge a questão sobre quais letras devem ser escritas, elas passam a usar letras com valores sonoros relativamente estáveis para o registro das sílabas.

O período de transição entre a escrita silábica e uma outra que considere o fonema como unidade a ser representada pelas letras se configura como uma fase evolutiva - fase silábico-alfabética. Os registros das crianças evidenciam que a hipótese silábica não é abandonada logo que elas começam a reconstruir suas ideias com base na natureza alfabética do sistema de escrita; ela vai se desestabilizando progressivamente pela hipótese alfabética, que vai, por sua vez, se consolidando. As crianças percebem, então, que não é possível registrar o segmento silábico com apenas uma letra, elas buscam estabelecer alguma regularidade na combinação de letras para conseguirem representar a estrutura interna das unidades silábicas da palavra.

Na fase alfabética, a última no processo de compreensão do princípio alfabético, a criança demonstra ter compreendido a relação fonema-grafema e centra sua atenção na análise dos fonemas na pronúncia das palavras, quando está produzindo suas escritas. Para Ferreiro e Teberosky (1999), “a partir desse momento, a criança se defrontará com as dificuldades próprias da ortografia, mas não terá problemas de escrita, no sentido estrito” (p. 219).

O desenvolvimento da leitura foi investigado, na teoria psicogenética de Ferreiro e Teberosky (1999), explorando-se palavras e orações em experimentos com e sem imagens, com crianças em idade pré-escolar e escolar. Para as autoras, a evolução da leitura pode ser compreendida por três categorias de respostas das crianças:

a) O texto e desenho são indiferenciados. b) O texto é considerado como uma etiqueta do desenho; nele figura o nome do objeto desenhado; há diferenciação entre desenho e texto. c) As propriedades do texto fornecem indicadores que permitem sustentar a antecipação feita a partir da imagem. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 73)

A partir do momento em que a criança passa a considerar a grafia da palavra em seu processo de leitura, “os fragmentos gráficos são colocados em correspondência com segmentos do enunciado.” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 101).

Em outra perspectiva teórica, os modelos de aprendizagem da leitura de palavras, em sistemas de escrita alfabética, se baseiam em fases nas quais estratégias de reconhecimento da palavra escrita são modificadas (GOUGH; HILLINGER, 1980; CHALL, 1983; FRITH, 1985, 1990; STUART; COLTHEART, 1988; EHRI; WILCE, 1985; EHRI, 2005). Ao abordar tais modelos de aprendizagem da leitura, destacaremos o modelo conexionista de Ehri (1998, 2005, 2013a, 2013b), que descreve o mecanismo de alterações nas estratégias de leitura ao longo do processo de alfabetização.

Apesar de as fases serem concebidas como momentos que emergem sucessivamente ao longo da aprendizagem, Ehri (1998, 2013a) nos alerta sobre a necessidade de compreendermos os modelos teóricos de forma flexível, uma vez que o que ocorre não são propriamente substituições de estratégias de reconhecimento da palavra escrita de uma fase para a outra, mas o uso predominante de determinadas conexões que fazem parte dos mecanismos de reconhecimento das palavras escritas. Nessa perspectiva, as fases de aprendizagem podem ser definidas pelo “tipo predominante de conexão que relaciona palavras escritas com as suas outras identidades na memória” (EHRI, 2013a, p. 158). Para a autora, as conexões vão sendo ampliadas e “a qualquer momento, a criança pode usar mais do que um tipo de conexão, embora geralmente um tipo específico predomine em cada fase.” (EHRI, 2013b, p. 59) São quatro fases nas quais as conexões se modificam por meio de um processo “governado pelo conhecimento alfabético que a criança possui, e pela utilização que ela faz dele, e não por sua idade ou escolaridade.” (EHRI, 2013b, p. 59). Esse aspecto é especialmente importante por estabelecer o conhecimento alfabético como elemento fundante na definição das fases do desenvolvimento da leitura.

Em geral, as teorias postulam uma fase inicial em que o reconhecimento da palavra escrita se baseia em pistas visuais, que podem ser traços específicos no formato gráfico da palavra ou letras conhecidas pela criança ou contexto. A leitura por pistas tem como foco palavras familiares, que são facilmente memorizadas a partir da identificação de algum aspecto gráfico saliente à percepção das crianças (GOUGH; HILLINGER, 1980; ERHI, 2013; FRITH, 1985, 1990). Nessa fase, a criança ainda não demonstra ter noção da função simbólica das letras, que é desenvolvida por meio de um processo mais amplo de apropriação da natureza do sistema de escrita, como descrito na teoria da psicogênese da língua escrita.

A passagem de uma fase em que a criança se apoia apenas em pistas visuais para as fases seguintes “é provocada sobretudo pela sensibilidade que a criança vai desenvolvendo aos sons das palavras e sua relação com as letras” (SOARES, 2016, p. 75). Ou seja, em meio ao processo de compreensão do princípio do sistema de escrita alfabética emergem as estratégias de decomposição grafêmica.3

Na segunda fase de desenvolvimento, como nos explica Soares (2016),

a criança, não tendo ainda domínio do sistema alfabético, utiliza, como pista para a leitura, apenas algumas letras correspondentes aos sons mais salientes da palavra, particularmente as consoantes e vogais cujos nomes são percebidos nas palavras. Nesta fase, a criança, quando tenta ler, prende-se a representações parciais das palavras, pronunciando fonemas correspondentes às letras que conhece. (SOARES, 2016, p. 76)

Essa seria uma forma incipiente de leitura alfabética, “chamada leitura por pistas fonéticas” (EHRI, 2013a, p. 162), que precederia a decodificação. Na teoria de Ehri, essa fase, que é denominada alfabética parcial,

emerge quando as crianças conseguem usar os valores sonoros de algumas letras para formar conexões entre grafias e pronúncias para lembrar de como ler as palavras. Isso exige não apenas saber os nomes ou sons das letras, como ser capaz de detectar alguns dos sons que constituem as palavras em suas pronúncias (consciência fonêmica). (EHRI, 2013a, p. 161)

Na próxima fase, a fase alfabética plena, o conhecimento completo das correspondências entre grafemas e fonemas e o seu uso para ler novas palavras são fundamentais para o desenvolvimento da leitura (EHRI; WILCE, 1985; EHRI, 1992, 1998). As estratégias características da consolidação dessa fase da aprendizagem da leitura, a fase alfabética consolidada, se apoiam no reconhecimento de “sequências de letras que simbolizam misturas de unidades grafofonêmicas, incluindo morfemas (afixos e raízes de palavras), ataque e rimas, palavras monossilábicas que se tornaram palavras automáticas e grafias mais frequentes de sílabas em palavras polissilábicas.” (EHRI, 2013a, p.168)

A formação de conexões entre unidades ortográficas ocorre rapidamente quando as crianças aprendem a ler palavras que apresentam os mesmos padrões de correspondências grafofonêmicas e/ou de sequência de letras, formando-se unidades consolidadas no mecanismo de reconhecimento das palavras. Assim, o reconhecimento de palavras torna-se rápido e preciso o suficiente para permitir o desenvolvimento da fluência na leitura de textos.

Um aspecto importante dos processos que constituem a aprendizagem da leitura e da escrita de palavras, é o fato de eles estarem subordinados às características da língua que se aprende, sobretudo no que diz respeito à profundidade das correspondências fonemas-grafemas e à complexidade das estruturas silábicas da língua. A complexidade silábica é especialmente importante para a discussão do tema deste trabalho, pois entendemos que o domínio primeiro do padrão silábico CV está relacionado diretamente com o desenvolvimento da consciência grafofonêmica, acabando por tornar-se uma forte referência para as estratégias de leitura de outras estruturas silábicas no nível alfabético. A complexidade silábica refere-se ao fato de os leitores iniciantes conseguirem ler com certa facilidade sílabas formadas por uma consoante e uma vogal (CV), enquanto experimentam dificuldades para decodificar palavras compostas de sílabas com estruturas complexas.

O estudo de Seymour (2013) sugere que o efeito da complexidade silábica impacta o processo de aprendizagem porque

a presença de sílabas claramente definidas contendo poucos grupos de consoantes é ideal para o estabelecimento de correspondências entre grafemas e fonemas e sua fusão em segmentos falados. Em uma língua com sílabas complexas, esse processo é mais difícil, pois as correspondências básicas costumam estar embutidas em grupos iniciais e de coda e porque os limites silábicos são ambíguos. (SEYMOUR, 2013, p. 330)

No que se refere ao português brasileiro, a predominância de sílabas CV

É uma das características que aproxima a sua ortografia da transparência, pois a segmentação ataque-rima é equivalente, em grande número de palavras, à segmentação fonêmica (por exemplo, na palavra boneca, em cada sílaba o ataque corresponde a um fonema consonantal, e a rima corresponde a um fonema vocálico). (SOARES, 2016, p. 312)

Moreira (2009), em seu trabalho de doutoramento, comparando o percurso de aprendizagem da leitura por crianças e adultos, levantou e testou a hipótese de que crianças e adultos em fase de alfabetização escolar seguem um processo de aquisição de leitura que parte da sílaba mais canônica para a menos canônica. Os resultados evidenciaram que

tanto crianças quanto adultos passaram por um processo progressivo de aquisição da sílaba, que partia de estruturas silábicas mais simples evoluindo gradativamente para estruturas mais complexas. Em ambos os grupos, a sílaba prototípica foi a CV, enquanto a menos prototípica foi a CCVC, ficando as demais numa posição intermediária na escala. (MOREIRA, 2009, p. 222-223)

Soares, Cárnio e Wertzner (2015) examinaram o perfil de acurácia de leitura de crianças do ensino fundamental, considerando a extensão e a estrutura silábica das palavras, e concluíram que “as palavras que apresentam estrutura silábica mais complexa que o padrão mais frequente da língua Portuguesa (CV) parecem ser mais difíceis de serem lidas por crianças com menos tempo de escolarização.” (SOARES; CÁRNIO; WERTZNER, 2015, p. 246). O estudo evidenciou ainda que os alunos do quarto ano do ensino fundamental estavam mais familiarizados com os padrões ortográficos,

empregando mais frequentemente as representações ortográficas estocadas devido ao maior tempo de exposição à leitura e escrita. Dessa maneira, tendem a ler acuradamente tanto palavras regulares quanto irregulares, bem como aquelas com estrutura silábica mais complexa. (SOARES; CÁRNIO; WERTZNER, 2015, p. 246)

Em estudos anteriores (MONTEIRO, 2007; MONTEIRO; SOARES, 2007) sobre estratégias de leitura por crianças que enfrentavam dificuldades no processo de alfabetização, observamos que para a leitura de sílabas CCV, elas tendiam a combinar a primeira consoante da sílaba com a vogal, transformando a estrutura CCV em CV. Da mesma forma, elas, pela omissão da última consoante, transformavam sílabas CVC em CV. Esse fenômeno também foi observado por Simões (2015) no exame dos erros cometidos pelas crianças dos dois primeiros anos de escolarização.

Neste estudo procuramos responder as seguintes questões: quais estratégias de reconhecimento de palavras são predominantes em cada nível conceitual de escrita; em que nível conceitual de escrita inicia-se e consolida-se a leitura de palavras compostas pelo padrão CV; e quais estratégias são mobilizadas para a leitura de palavras compostas pelas estruturas silábicas CCV e CVC. Examinamos o desempenho e as estratégias de leitura de palavras compostas por sílabas de estruturas CV, CCV e CVC por crianças que, no início do primeiro ano do ensino fundamental, se encontravam em diferentes níveis conceituais de escrita. Nossos objetivos foram: i) analisar as estratégias de reconhecimento de palavras de crianças em diferentes níveis conceituais de escrita, ii) verificar se o desempenho em leitura de palavras (leitura correta) compostas pelo padrão silábico CV é superior se comparado aos desempenhos de leitura dos padrões CCV e CVC, iii) verificar se o desempenho em leitura de palavras (leitura correta) compostas pelos padrões silábicos CV, CCV e CVC nos níveis conceituais silábico-alfabético e alfabético é superior se comparados aos demais níveis conceituais de escrita, iv) analisar as estratégias de reconhecimento de palavras compostas pelos padrões silábicos CV, CCV e CVC das crianças que tiverem bom desempenho na leitura de palavras compostas apenas por sílabas CV.

METODOLOGIA

Participantes

Participaram 47 crianças, 27 do sexo feminino e 20 do sexo masculino, com idade média de 06 anos e 02 meses, frequentando, no ano de 2014, o 1º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública federal localizada no município de Belo Horizonte. A entrada das crianças na escola ocorreu por meio de sorteio público entre as famílias inscritas previamente na secretaria da instituição no final do ano de 2013. Seus pais são profissionais liberais e prestadores de serviço (professores universitários, professores da educação básica, prestadores de serviço e profissionais da área da saúde). Todas as crianças frequentaram escolas de educação infantil, em redes públicas de ensino ou em escolas pequenas da rede privada, situadas em seus bairros.

No momento em que se iniciou a pesquisa com as crianças, no início do ano letivo (fevereiro, março e abril), as atividades de alfabetização propostas em sala de aula se baseavam na aprendizagem das letras e na análise de aspectos gráficos da palavra escrita e de produção escrita de palavras relacionadas com as temáticas dos projetos de estudo desenvolvidos junto às crianças ou selecionadas de um texto lido pela professora. Na figura 1, a atividade proposta aos alunos explora o formato e o traçado da letra B, bem como sua escrita no início de palavras. Outras atividades foram feitas com as letras do alfabeto, igualmente contextualizadas em palavras familiares e com recursos concretos, por exemplo, letras móveis.

FIGURA 1 Atividade de conhecimento de letras 

As atividades de análise dos aspectos gráficos da palavra escrita apoiavam-se em procedimentos que permitiam aos alunos a percepção da relação entre a oralidade e a escrita, com foco na noção de palavra oral e escrita (figuras 2 e 3). A atividade proposta se apoia primeiramente na percepção das rimas que compõem uma cantiga de roda. O jogo de rima permite à criança a construção da noção de palavra enquanto unidade fonológica. Observamos na sequência da atividade tarefas pautadas em procedimentos de identificação de segmentos sonoros e gráficos de palavras e de identificação da palavra como unidade gráfica, tendo como referência a observação dos espaços entre as palavras de frases.

FIGURA 2 Atividade de identificação de rimas, de análise de palavras e frases 

FIGURA 3 Atividade de identificação de rimas, de análise de palavras e frases 

As atividades eram realizadas coletivamente na lousa, em duplas ou em pequenos grupos. As intervenções das professoras ocorriam nos momentos em que as crianças escreviam ou liam as palavras que estavam sendo foco de atenção. O livro didático adotado pela escola ainda não estava sendo usado pelas crianças.

ESCRITA DE PALAVRAS

Com o objetivo de identificar o nível conceitual de escrita das crianças, solicitou-se a elas que escrevessem seis palavras: quatro dissílabas (BOTA, CAFÉ, PEDRA, FESTA), uma trissílaba (MACACO) e uma polissílaba (TELEFONE). A tarefa de escrita ocorreu individualmente, realizada em sala cedida pela direção da escola, em uma única sessão, com duração média de vinte minutos. Depois da escrita de cada palavra, pediu-se para que a criança fizesse a leitura de controle de suas escritas. Foram feitos registros, em notas de campo, dos gestos, das expressões, dos comentários, das perguntas, das explicações das crianças que pudessem servir de referência para a apreensão de suas ideias a respeito do sistema de escrita alfabética.

Leitura de palavras

Usamos, no teste de leitura, as palavras selecionadas para o teste de escrita acrescentadas de outras seis (totalizando doze palavras), considerando-se a composição silábica: i) palavras compostas apenas por sílabas CV (BOTA, CAFÉ, MACACO, TELEFONE), ii) palavras compostas por uma CV e outra CVC (FESTA, PASTA, PORTA, CORDA), iii) palavras compostas por uma CV e outra sílaba CCV e (BRUXA, PREGO, PEDRA, COBRA).

O teste de leitura foi feito em dias diferentes do teste de escrita, individualmente e em uma única sessão, em tempo que variou de quinze a vinte minutos. Apresentaram-se às crianças cartões com as palavras escritas em tipo Arial, tamanho 24, em preto sobre fundo branco. Elas foram orientadas a ler em voz alta todas as palavras, que estavam ordenadas aleatoriamente. A ordem das palavras foi mantida para todas as crianças. As respostas foram registradas em áudio e transcritas posteriormente.

Para a realização da pesquisa, contamos com a autorização da direção, que gentilmente nos cedeu uma sala de aula, e do consentimento dos pais das crianças matriculadas no primeiro ano do ensino fundamental na escola.

RESULTADOS

Os níveis conceituais de escrita das crianças

A identificação do nível conceitual de escrita foi feita a partir das características predominantes das produções das crianças e das notas de campo, tendo como referência os trabalhos de Ferreiro e Teberosky (1999), Martins (1994) e Martins et. al. (2014). Assim, neste trabalho, adotamos a seguinte classificação: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético.

Todas as crianças utilizaram letras para anotar as palavras ditadas no teste de escrita. Aquelas que se encontravam no nível pré-silábico fizeram uso das letras de forma aleatória, sem se atentarem para a relação entre a oralidade e a escrita, como se pode ver nos exemplos a seguir (figura 4).

Fonte: Dados da pesquisa.

FIGURA 4 Escritas de nível pré-silábico 

No nível silábico, observamos duas subcategorias: silábico inicial e silábico estrito com valor sonoro. As escritas silábicas iniciais evidenciam que a criança começa a prestar atenção na relação oralidade e escrita. Ao produzirem o registro escrito, ela segmenta a palavra oralmente e procura estabelecer uma correspondência letra x segmentos orais. No entanto, seus registros não se pautam pela relação estritamente sonora e outras letras são usadas para compor a grafia da palavra. Na figura 5, podemos ver exemplos desse tipo de escrita: as crianças escreveram uma ou duas letras relacionadas aos segmentos orais e colocaram mais letras aleatoriamente.

Fonte: Dados da pesquisa.

FIGURA 5 Escritas de nível silábico inicial 

No nível silábico estrito com valor sonoro, as crianças produziram escritas a partir da segmentação oral e do registro do número de sílabas das palavras, considerando unidades sonoras salientes reconhecidos na cadeia sonora da fala (figura 6).

Fonte: Dados da pesquisa.

FIGURA 6 Escritas de nível silábico estrito com valor sonoro 

No nível silábico-alfabético, as crianças produziram palavras que evidenciaram correspondências letra-som adequadas à estrutura fonética das palavras e, ao mesmo tempo, registro parcial dessa estrutura (figura 7).

Fonte: Dados da pesquisa.

FIGURA 7 Escritas de nível silábico-alfabético 

No nível alfabético, as crianças, produziram correspondências letra-som adequadas à estrutura fonética das palavras compostas por sílabas CV, e registros incompletos de sílabas CVC e CCV, como se pode ver nos exemplos da figura 8.

Fonte: Dados da pesquisa.

FIGURA 8 Escritas de nível alfabético 

No gráfico 1, podemos observar que o grupo de participantes da pesquisa estava, em relação aos níveis conceituais de escrita, no início do ano letivo, bastante heterogêneo.

Fonte: Dados da pesquisa.

GRÁFICO 1 Distribuição das crianças (%) nos níveis conceituais de escrita 

Podemos observar que os agrupamentos em níveis conceituais situados nas extremidades do desenvolvimento da aquisição do sistema de escrita foram maiores: pré-silábico (grupo 1 = 17%), início da fonetização (grupo 2 = 25,5%) e alfabético (grupo 5 = 38,3%). A porcentagem de crianças que apresentaram escritas com evidências de hipóteses silábica (grupo 3) e silábico-alfabética (grupo 4) foi de 8,5% e de 10,6%, respectivamente.

O desempenho das crianças no teste de leitura de palavras

O desempenho das crianças na leitura de palavras independente do nível conceitual de escrita

Para analisar o desempenho das crianças na leitura de palavras, independentemente do nível conceitual de escrita em que as crianças se encontravam, foi calculada a média de palavras corretamente lidas no teste de leitura. Verificamos a média de leitura das palavras compostas por apenas sílabas CV foi superior (M=2.38, Dp=2.27) se comparada à média de leitura das palavras que continham uma sílaba dos outros dois padrões silábicos - CVC e CCV (M=1.15; Dp=1.83). A diferença entre as duas médias se mostrou significativa no teste T para amostras aos pares (t(46)=4.53, p<.001). Estes dados corroboram os estudos, citados anteriormente, que indicam o desenvolvimento da leitura de palavras na direção da sílaba mais canônica para a menos canônica.

A aprendizagem da escrita também se desenvolve na mesma direção. Abaurre (1999) concluiu, em seus estudos sobre a aquisição da escrita, que ao se tornarem alfabéticas, as crianças “demonstram dominar rapidamente, na escrita, a estrutura silábica do tipo CV (a chamada sílaba canônica, ou não marcada), que representa o contraste máximo entre o segmento nuclear, com valor alto na escala de sonoridade, e o segmento que ocupa a margem inicial da sílaba, com valor mais baixo de sonoridade.” (p. 175). Para Miranda (2009), há uma forte relação entre esse fato e o processo de aquisição da linguagem oral. A autora destaca que “o processo de aquisição da escrita proporciona ao aprendiz momentos de retomada de conhecimentos já construídos de modo inconsciente, especialmente aqueles relacionados à fonologia de sua língua, os quais vão se tornando disponíveis ao acesso consciente, à medida que avança o processo de aquisição do sistema de escrita.” (p. 410).

O desempenho das crianças na leitura de palavras compostas por sílabas CV e os níveis conceituais de escrita

Para analisar se houve diferença estatisticamente significativa no desempenho da leitura de palavras compostas por sílabas CV nos níveis conceituais de escrita, realizamos uma ANOVA tendo como variável independente o nível de escrita das crianças e como variável dependente o desempenho em leitura de palavras compostas apenas por sílabas CV, tendo sido encontrada diferença significativa entre os grupos F(4,42)= 88.32; p<.001). Uma análise post-doc utilizando o teste de Bonferroni mostrou a existência de diferenças significativas entre o grupo alfabético e os grupos restantes p<.001, assim como entre o grupo silábico-alfabético e os grupos pré-silábico, início de fonetização e silábico p<.001. Os dados indicam, assim, que a leitura de palavras compostas pelo padrão silábico CV pode se iniciar no nível silábico-alfabético, considerado uma transição entre a hipótese silábica e a hipótese alfabética (gráfico 2).

Fonte: Dados da pesquisa.

GRÁFICO 2 Média de leitura correta de palavras compostas por sílabas CV por nível de escrita 

O desempenho das crianças na leitura de palavras compostas por sílabas CVV e CCV e os níveis conceituais de escrita

Para analisar se houve diferenças estatisticamente significativas na leitura de palavras em função do nível de conceitualização realizamos uma ANOVA (welch) tendo como variável independente o nível conceitual de escrita das crianças e como variável dependente o desempenho em leitura de palavras compostas por sílabas CVC e CCV, tendo sido encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos F(4,42)= 8.33; p<.001). Uma análise post-doc utilizando o teste de Bonferroni mostrou a existência de diferenças significativas entre o nível alfabético e os restantes níveis p<.05.

Fonte: Dados da pesquisa.

GRÁFICO 3 Média de leitura correta de palavras compostas por sílaba CVC_CCV por nível de escrita 

Com relação ao desempenho na leitura de palavras formadas com padrões silábicos CVC e CCV, apresentam-se no Gráfico 3 as médias de leitura correta de palavras em função dos grupos de conceitualização das crianças. Observamos o desempenho bem superior do grupo alfabético em relação ao grupo silábico-alfabético e aos demais grupos, indicando que os mecanismos de decodificação desses padrões silábicos emergem a partir da consolidação do mecanismo de decodificação do padrão CV.

Os níveis conceituais de escrita e as estratégias de reconhecimento de palavras

O exame das estratégias de leitura das crianças levou em consideração a pronúncia das palavras durante a realização do teste. A categorização das estratégias de leitura se baseou nos estudos de Salles (2005), Pinheiro (2001), Ávila et al. (2009) e Reis et. al. (2015).

As estratégias de leitura identificadas neste estudo foram:

  • Substituição arbitrária da palavra: ao passar as fichas de palavra, as crianças pronunciavam quaisquer palavras. Algumas crianças disseram uma lista de substantivos, como por exemplo, objetos da sala de aula (mochila, lápis, papel, canetinha etc.), animais (pato, leão, cachorro etc.) e frutas (banana, mamão, maçã etc.).

  • Substituição da palavra baseada na identificação de letras isoladas ou parte da palavra para lembrar palavras aprendidas ou memorizadas, como por exemplo, borboleta para a palavra bota.

  • Decodificação com silabação de palavras compostas por sílabas canônicas (CV): a leitura foi feita pela identificação das unidades silábicas das palavras, como por exemplo, bo - ta para a palavra bota.

  • Leitura correta e fluente de palavra compostas por sílabas canônicas (CV).

  • Decodificação desviante de palavras compostas por sílabas CVV e CCV.

No quadro abaixo apresentamos as estratégias usadas pelas crianças nos cinco grupos relativos aos níveis conceituais de escrita.

Fonte: Dados da pesquisa.

QUADRO 1 Níveis conceituais de escrita e estratégias de reconhecimento de palavras 

O que caracteriza a leitura das crianças nos níveis Pré-Silábico, Silábico Inicial e Silábico é a substituição da palavra. No nível pré-silábico, a substituição está relacionada com a ideia da criança de que uma sequência de letras pode indicar nome das coisas. Observamos que elas, motivadas pela apresentação do conjunto de palavras a serem lidas, se preocuparam em construir um referencial, quase sempre escolhendo um campo semântico, para lembrar um conjunto organizado de palavras. É interessante notar que muitas crianças iniciaram esse procedimento depois de terem identificado letras isoladas em algumas palavras, como nos mostra o exemplo a seguir.

Fonte: Dados da pesquisa.

DIÁLOGO 1 

Quando as crianças estão aprendendo as letras, o seu reconhecimento pode ser feito a partir do nome que se inicia com a letra identificada (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999), como por exemplo, quando a criança diz “Essa é a letra eme (M) de mochila.” Além disso, “o conhecimento do nome das letras precede regularmente o do seu equivalente sonoro enquanto valor fonético.” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 57) Se tomarmos como referência a teoria de Ehri (2013a), podemos considerar esse grupo de crianças como leitores pré-alfabéticos, “pois não possuem o conhecimento ou a capacidade para usar os nomes ou sons das letras para formar conexões alfabéticas” (EHRI, 2013a, p. 160)

É preciso ressaltar o fato das crianças já, nesse nível conceitual de escrita, serem capazes de reconhecer palavras como unidades linguísticas. Segundo Soares (2016), “esse reconhecimento, porém, não significa que a criança seja capaz de dissociar a palavra fonológica de seu referente: dissociar significado de significante.” SOARES (2016, p. 174) A superação desse pensamento infantil, o realismo nominal, decorre do avanço progressivo da capacidade da criança para prestar atenção à dimensão fonológica da língua, fazendo com que as crianças percebam palavra escrita como uma representação da oralidade.

No nível silábico, em suas duas subcategorias, embora tenhamos observado a permanência do uso da estratégia de substituição arbitrária de palavras, as letras ou parte da palavra começaram a ser usadas para recordar palavras memorizadas anteriormente. No exemplo abaixo, vemos que a criança procura indícios na composição gráfica das palavras para recuperar palavras memorizadas anteriormente, e é isso que difere uma estratégia da outra.

Fonte: Dados da pesquisa.

DIÁLOGO 2 

Não se trata aqui do uso de pistas fonéticas parciais, que caracteriza a fase alfabética parcial, na teoria de Ehri (2013a). Vale ressaltar que não encontramos evidência dessa fase de desenvolvimento da leitura em nenhum nível conceitual de escrita. Wimmer e Hummer (1990) apudEhri (2013a) “sugerem que a fase alfabética parcial talvez não se aplique às crianças que estão aprendendo a ler em sistemas de escrita transparentes” (EHRI, 2013a, p. 164).

Analisando a tabela “Níveis conceituais de escrita e estratégias de reconhecimento de palavras”, vemos que nos níveis conceituais em que a escrita começa a ser fonetizada (silábico inicial, silábico com valor sonoro), as crianças usaram estratégias de reconhecimento de palavras que não levaram em consideração a noção da função simbólica das letras. Esses dados confirmam o que Frith (1985) afirma sobre a disparidade entre os processos de leitura e de escrita na fase inicial da aprendizagem da língua escrita. Em sua teoria de desenvolvimento da aprendizagem da escrita, Frith (1985) estabelece que o processo de escrita promove inicialmente melhores condições para o desenvolvimento da percepção da relação entre oralidade e escrita.

No nível silábico-alfabético, quando a compreensão do princípio alfabético está próxima de se estabilizar, as crianças leram corretamente as palavras compostas apenas pelas sílabas canônicas, usando a estratégia de decodificação com silabação. O mecanismo de reconhecimento de palavras é lento e com foco na identificação dos segmentos silábicos. Nos exemplos abaixo podemos observar duas estratégias usadas por essas crianças.

Fonte: Dados da pesquisa.

DIÁLOGO 3

Nesse exemplo, observa-se que o acesso à palavra ocorre por meio da combinação de uma consoante com uma vogal, que permite à criança pronunciar os segmentos silábicos da palavra. Essa estratégia nos parece que a criança apoia-se na categorização das letras para fazer a conexão entre grafemas e fonemas. Se há um trabalho cognitivo intenso da criança, que envolve atenção, percepção e memória, por outro lado, tal mecanismo pode estar relacionado à apropriação de um procedimento pedagógico aprendido pelas crianças. Em outro exemplo, podemos ver que a identificação de segmentos silábicos da palavra pode ocorrer sem a necessidade de exteriorização no mecanismo de combinação de letras.

Fonte: Dados da pesquisa.

DIÁLOGO 4 

Como podemos identificar, o mecanismo de leitura é um pouco mais rápido. No entanto, quando o leitor precisar ler uma frase, por exemplo, se tornará pouco eficiente. Apresentamos a essa mesma criança o título do livro “A bota do bode” (FRANCA, M.; FRANCA, E., 1990).

Fonte: Dados da pesquisa.

DIÁLOGO 5 

Podemos observar o grande esforço cognitivo da criança na decodificação das palavras que compõem a frase. Na sequência da decodificação da frase, fica evidente a importância da síntese dos segmentos silábicos decodificados para o acesso ao significado das palavras, consequentemente para o processo de interpretação da frase.

Outro dado muito importante sobre o reconhecimento de palavras nesse nível conceitual de escrita, é o fato das crianças terem usado a estratégia de substituição baseada na identificação de parte de palavra, da mesma forma que as crianças silábicas, para ler palavras compostas por sílabas não canônicas, indicando que o mecanismo de decodificação que usam para ler sílabas canônicas não são adequados para a leitura de padrões silábicos ainda não aprendidos, como no exemplo abaixo.

Fonte: Dados da pesquisa.

DIÁLOGO 6 

Há uma diferença qualitativa no uso da estratégia nesse nível conceitual em relação ao nível anterior (nível silábico): o uso de pista fonética, semelhante ao que é descrito na fase alfabética parcial na teoria de Ehri (2013a, 2013b). Nota-se que, em sua teoria, essa fase antecede o desenvolvimento do mecanismo de decodificação. Neste estudo, no entanto, essa estratégia aparece quando a criança, se aproximando da consolidação da compreensão do princípio alfabético, já é capaz de decodificar sílabas canônicas. Mas, então, o que acontece quando as crianças chegam ao nível conceitual alfabético?

De uma maneira geral, impulsionado pela compreensão completa da natureza do sistema de escrita e pela ampliação do conhecimento do alfabeto, foi possível observar um avanço significativo no desenvolvimento da leitura de palavras: todas as crianças leram com fluência as palavras compostas por CV, evidenciando uma rápida análise visual das palavras. Retomando a teoria de desenvolvimento da leitura de Ehri (2013a, 2013b), tal avanço corresponde à fase alfabética plena, na qual a consolidação do conhecimento das correspondências grafofonêmicas possibilita o desenvolvimento do reconhecimento direto do léxico e a leitura de palavras não conhecidas. Nesse momento, aprender a ler palavras com os mesmos padrões de correspondência letra-som e com a mesma sequência de letras é um fator fundamental para o desenvolvimento da fluência no reconhecimento de palavras.

No entanto, o mesmo avanço não foi observado na leitura de palavras compostas pelos dois outros padrões silábicos pesquisados. Diferentemente do que ocorreu com as crianças no nível silábico-alfabético, que se basearam na substituição de palavras e não souberam explicar o que dificultava a leitura das palavras apresentadas, as crianças alfabéticas fizeram tentativas de decodificação, mesmo usando estratégias desviantes que serão apresentadas a seguir.

Omissão de fonema na pronúncia da palavra (“feta”, para a palavra FESTA - “bu-xa”, para a palavra BRUXA) e acréscimo de fonema na pronúncia da palavra (“buruxa”, para a palavra BRUXA)

Já vimos que, na fase inicial da aprendizagem da leitura, o reconhecimento da palavra requer uma análise visual, baseada preferencialmente pela via fonológica,4 na qual as letras são categorizadas e identificadas em paralelo.

A omissão e o acréscimo de fonema na pronúncia da palavra nos coloca uma questão interessante sobre os critérios que as crianças usam para identificar as unidades silábicas da palavra, considerando o mapeamento das letras colocado em operação. Na análise da palavra BRUXA, por exemplo, as crianças encontraram um desafio logo na primeira sílaba da palavra, que é composta de duas consoantes que antecedem a vogal (CCV). A consoante omitida é a segunda da sequência complexa. O princípio desse tipo de mecanismo pode estar na busca da coerência sequencial, que é imposta pelo sistema de análise visual: na impossibilidade de se ler a sílaba completa, como resultado da relação sequencial das duas primeiras consoantes, estabelece-se uma relação entre a primeira consoante e a vogal. Essa estratégia sugere que o mapeamento das letras pode ser flexível, levando em conta não a sequência exata das letras, mas um agrupamento definido pela criança, que estaria relacionado a automatização de composições de letras para se formar uma unidade silábica.

Vale ressaltar que em todos os casos, a criança percebeu a ineficácia da estratégia para conseguir ler a palavra alvo, como se pode ver no exemplo abaixo.

Fonte: Dados da pesquisa.

DIÁLOGO 7 

COMBINAÇÃO INADEQUADA DE GRAFEMAS NA ANÁLISE VISUAL (“PO /RRR/TTT”, PARA A PALAVRA PORTA)

Nesse caso, houve uma interrupção da leitura no momento em que as crianças perceberam a impossibilidade de pronunciar uma sequência de valores fonéticos consonantais. Tomando como exemplo a leitura da palavra PORTA, podemos observar que o mecanismo de decodificação se orienta pelo reconhecimento desviante do primeiro segmento silábico e de uma sequência que não encontra legalidade nas regras gerais do português brasileiro. Essa segmentação inadequada vai, então, trazer problemas para a criança: “po /r:::/t:::”. Também não consigo ler.”. Ao tentar explicar à impossibilidade de se ler a sequência de letras RT, a criança aponta um problema na configuração gráfica da palavra: “um R com T?” .

A partir da análise dessas estratégias de decodificação, podemos levantar as seguintes questões: os conflitos gerados pela análise das sílabas não canônicas impactaram a representação que as crianças têm em relação à sílaba gráfica e, consequentemente, à formação de conexões entre palavra escrita e oral?

Nos exemplos abaixo podemos perceber que o confronto com outros padrões silábicos promove o surgimento de novos esquemas de assimilação sobre a configuração gráfica das palavras, que levam à percepção de outros subgrupos de letras como indicadores de unidades silábicas da palavra escrita.

Fonte: Dados da pesquisa.

DIÁLOGO 8 

Em síntese, os resultados indicam que os conflitos gerados no processo de reconhecimento das palavras compostas pelas sílabas CVC e CCV estão relacionados à resistência das crianças em aceitar padrões silábicos que diferem da combinação Consoante/Vogal. A flexibilização do mapeamento das letras, que no exame da palavra amplia a extensão da sílaba e a percepção da complexidade silábica podem contribuir para a análise oral do conjunto das estruturas silábicas que compõem a língua portuguesa.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo sugerem que a evolução da compreensão do princípio alfabético e a consolidação da aprendizagem da estrutura silábica CV promovem avanços das estratégias de leitura e a formação do léxico ortográfico.

A estratégia de substituição arbitrária da palavra com construção de contextos semânticos é a estratégia que caracteriza o reconhecimento de palavras no nível pré-silábico, quando as crianças ainda estão com a atenção voltada para o significado das palavras. A Substituição da palavra baseada na identificação de letras isoladas ou parte da palavra foi observada a partir do nível silábico. Vale ressaltar que tal estratégia, embora estivesse presente no nível silábico-alfabético, não caracteriza o reconhecimento da palavra nos níveis conceituais mais avançados, pelo contrário, ela é totalmente abandonada no nível alfabético.

No nível silábico-alfabético, as crianças iniciam o desenvolvimento das estratégias de decodificação, orientadas por critérios de categorização das letras que funcionam como indicadores na identificação de unidades silábicas da palavra escrita: uma representação qualitativa da sílaba como unidade ortográfica baseada no padrão silábico canônico (CV). Esses achados corroboram resultados de outras pesquisas que atestam o rápido domínio desse padrão silábico tanto na leitura quanto nas produções escritas de crianças (SEYMOUR, 2013; MOREIRA, 2009; SOARES; CÁRNIO; WERTZNER, 2015).

No âmbito da produção escrita, Ferreiro e Zamudio (2013) discutem a possibilidade de o padrão canônico servir como um modelo geral para que as crianças resolvam problemas de escrita. Ao discutir as omissões gráficas nas produções escritas, por exemplo, as autoras consideram que “um modelo gráfico CV pode contribuir com a sua realização. Mas este modelo gráfico poderia explicar também as omissões, já que, ao omitir, tanto as sílabas CVC como as CCV se convertem em sílabas CV” (FERREIRO; ZAMUDIO, 2013, p. 239).

Por outro lado, o domínio dos padrões silábicos na aprendizagem da escrita parece seguir uma sequência semelhante àquela que as pesquisas indicam no domínio da linguagem oral. Segundo Soares (2016),

Assim, identifica-se, no processo de alfabetização, inicialmente o domínio da leitura e escrita de palavras com sílabas CV, podendo-se mesmo considerar um momento em que a criança está já alfabetizada em sílabas CV, e só posteriormente, após atingido o domínio da leitura e escrita de sílabas mais complexas, pode-se considerar que esteja plenamente alfabetizada. (SOARES, 2016, p. 314)

Por fim, este estudo evidencia que o confronto com as estruturas silábicas CVC e CCV pode contribuir para que o sistema de análise sequencial das letras no reconhecimento da palavra se modifique, ampliando a percepção, por parte da criança, da complexidade das estruturas fonológicas da língua portuguesa, particularmente dos segmentos silábicos. Desta forma, logo que as crianças compreendem o princípio da escrita alfabética podem ser levadas a analisar palavras compostas pelas estruturas silábicas CVC e CCV por meio de diferentes atividades pedagógicas pautadas pela análise da configuração gráfica das palavras e do confronto de suas escritas. A intervenção pedagógica pode ajudá-las a perceber a relação entre sequências de letras e a diferenciação na pronúncia de sílabas em palavras semelhantes fonologicamente, como por exemplo, PATO e PRATO.

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3A decomposição grafêmica é compreendida aqui como “a análise de um encadeamento de letras nos seus grafemas constituintes e a conversão e a combinação desse encadeamento de grafemas num encadeamento de fonemas” (PINHEIRO, 2006, p.55).

4É consenso entre os estudos orientados pelos modelos de leitura a distinção de duas vias para a leitura de palavras em voz alta: a via lexical, que é usada quando a tarefa é ler palavras reais e de alta frequência; e a via fonológica, que permite a leitura de novas palavras e daquelas com cujas formas escritas - ortografia -, mas não necessariamente com a pronúncia, o leitor tem pouca familiaridade (COLTHEART, 2005; COLTHEART et al, 2001; PLAUT, 2005; para uma revisão da literatura sobre reconhecimento de palavras com crianças falantes do português: LÚCIO; PINHEIRO, 2001).

Recebido: 22 de Agosto de 2019; Aceito: 15 de Outubro de 2019

Contato: Sara Mourão Monteiro, Rua Ouro Fino, nº 177 Apto.701|Cruzeiro, Belo Horizonte|MG|Brasil, CEP 30.310-110

Sara M. Monteiro - Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Conhecimento e Inclusão Social em Educação/ Faculdade de Educação/Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro do Grupo de Pesquisa em Alfabetização/GPA/Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita/UFMG. E-mail:<mourao.sara@gmail.com>.

Margarida A. Martins - Doutora em Psicologia da Educação. Professora Titular de Psicologia Educacional/ Instituto Universitário de Ciências Psicológicas Sociais e da Vida (ISPA), Lisboa, Portugal. Pesquisadora no Centro de Investigação em Educação (CIE-ISPA). E-mail:<mmartins@ispa.pt>.

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