INTRODUÇÃO
Este estudo analisa a presença e a atuação das instituições sem fins lucrativos classificadas como associações ou fundações de natureza privada sem fins lucrativos, que atuam com o governo do município de Campinas, São Paulo, na execução de atividades de Educação Infantil (EI). Incluiram-se ainda na análise alguns elementos referentes às Organizações Sociais (OSs), uma vez que essas instituições também participam como uma das modalidades de oferta da EI no município de Campinas, no período compreendido pela série histórica.
Segundo o Código Civil Brasileiro, lei n.º 10.406/2002, associação e fundação são os dois modelos possíveis de constituição de pessoas jurídicas, conhecidas como integrantes do chamado terceiro setor e/ou Organizações da Sociedade Civil (OSCs). A associação privada é formada pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos, ao passo que a fundação, também pessoa jurídica sem fins lucrativos, se forma a partir da existência de um patrimônio, por meio de escritura pública em testamento, para servir a um objetivo específico estatutário, voltado às causas de interesse público (BRASIL, 2002). No caso do município de Campinas, a associação privada é a modalidade jurídica predominantemente adotada, normalizada por meio do termo de colaboração, a partir de 2017, em decorrência da exigência da lei n.º 13.019/2014.
As OSs, também consideradas entidades sem fins lucrativos de direito privado, diferem das demais por se constituírem via fomento do poder público para sua criação e fornecimento de qualificação (DI PIETRO, 2015). São regidas pelo contrato de gestão, conforme lei n.º 9.637/1998, e por lei complementar estadual e municipal. Segundo Di Pietro (2015, p. 263), “[...] elas, como regra geral, prestam serviço público por delegação do poder público, [...] utilizando-se de patrimônio público, muitas vezes contando com servidores públicos em seu quadro de pessoal”.
A formalização das instituições sem fins lucrativos possibilita que as entidades e seus doadores tenham acesso aos benefícios fiscais e às verbas públicas, além de lhes fornecer habilitação para a celebração de contratos com os órgãos da administração pública. Como exigência para celebração de contratos, as instituições privadas necessitam solicitar junto aos órgãos competentes os títulos de qualificação como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Utilidade Pública Estadual (UPE) e Municipal (UPM) e/ou mais recentemente o CEBAS/Educação3, conforme lei n.º 12.101/2009 e alterações posteriores, considerado como um marco regulatório na normatização para as políticas de transferências da oferta da educação pública ao setor privado denominado “sem fins lucrativos”.
A pesquisa considerou os anos de 2007 a 2018, por ser o período de criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), instituído e regulamentado pela lei n.º 11.494/2007. De acordo com a referida lei, segundo o artigo 8º, § 3º, a distribuição dos recursos do fundo passou a considerar também o cômputo das matrículas ofertadas pelas instituições privadas sem fins lucrativos, desde que conveniadas com o poder público. Com isso, foi possível pensar que, além dos incentivos fiscais disponibilizados às instituições privadas, as condições favoráveis de acesso às verbas públicas do Fundeb podem ser consideradas elemento indutor na manutenção e/ou ampliação das instituições sem fins lucrativos no atendimento da EI de Campinas. Além disso, em 2007 inaugurou-se uma nova modalidade de oferta representada pelas unidades públicas com gestão privada, inicialmente denominadas Naves-mãe, estudada por Domiciano-Pellisson (2016) e mais tarde também chamada de Bem Querer, o que corroborou para o aumento da oferta de vagas privatizadas da EI em Campinas.
O presente trabalho entende como vaga privatizada aquela demandada ao serviço público, porém ofertada por uma das duas modalidades vinculadas: rede conveniada e unidades públicas com gestão privada (Nave-mãe/Bem querer), as quais recebem valores per capita do poder público municipal para prover o atendimento da EI no município. As modalidades serão melhor caracterizadas na segunda e terceira parte desse trabalho.
A pesquisa valeu-se do uso de fontes primárias para a obtenção de dados, tais como documentos legais e normativas, encontrados nos sites governamentais. Utilizou-se também de páginas oficiais e não oficiais das instituições sem fins lucrativos para caracterizá-las quanto à natureza e ao perfil social. E, para a obtenção das taxas de matrículas na Educação Infantil, fez-se uso das informações publicadas pelo Portal de Estatísticas do Estado de São Paulo (SEADE) e dos microdados do censo escolar publicados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), cuja leitura foi realizada por meio do software de análises estatísticas nas ciências sociais (SPSS). O trabalho buscou analisar a evolução das matrículas de EI no município de Campinas, por dependência administrada, com o foco nas três modalidades assim distribuídas: oferta pública direta, oferta conveniada e unidades públicas com gestão privada, influenciada pela política de fundos que possibilitou também contabilizar as matrículas conveniadas.
Além da introdução que constitui a primeira parte, este texto apresenta ainda mais três tópicos. No primeiro deles, constrói-se uma breve digressão histórica destacando as origens e a natureza das Instituições sem fins lucrativos, apontando para a sua expansão no atendimento da Educação Infantil em Campinas ao longo do século XX e início do século XXI e para o tipo de relação estabelecida com a SME para a oferta de EI. No segundo tópico, analisam-se as normativas que regulamentam a prestação de Serviços de Educação Infantil pelas entidades no município de Campinas, especialmente os acordos estabelecidos entre o governo municipal e as instituições sem fins lucrativos normalizadas pelo Termo de Convênio, Termo de Colaboração ou Contrato de Gestão, a depender da natureza dessas instituições. O terceiro tópico apresenta as vias pelas quais ocorreu a oferta de vagas de Educação Infantil no município de Campinas no período de 2007 a 2018, a saber: pública direta, rede conveniada e Centros de Educação Infantil públicos com gestão privada. Analisa-se o movimento de expansão do setor privado, principalmente por meio das instituições sem fins lucrativos; e, para finalizar a pesquisa, aponta-se para a evidência que mostra a opção do governo municipal pela expansão da oferta de vagas privatizadas, cujo movimento alterou o perfil da oferta de EI no município de Campinas.
O termo privatização utilizado neste trabalho associa-se ao termo referido por Adrião (2015) para designar
o movimento que tem direcionado a educação básica pública brasileira para o campo e sob o interesse do setor privado corporativo, lucrativo ou não, ou a este associado [...]. Trata-se de processos pelos quais a educação pública brasileira se subordina ao setor privado (ADRIÃO, 2015, p. 7-8).
Ademais, a pesquisa indica que o fortalecimento desta modalidade de atendimento retomou as características assistenciais alternativas, provisórias e precárias às crianças pequenas, dificultando avanços na construção de um atendimento referenciado, qualificado e que, de fato, assegure os direitos ao ensino laico, público e de qualidade, proclamados na constituição cidadã. Apesar de a CF/1988 declarar em seu artigo 213, parágrafo 1º, que os recursos públicos devam ser aplicados prioritariamente na rede pública direta, observaram-se, nessa última década, manobras dos gestores públicos no sentido de desconsiderar o princípio fundamental da Carta, ampliando exclusivamente o atendimento por meio do setor privado denominado “sem finalidade lucrativa”.
AS INSTITUIÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS DO MUNICÍPIO DE CAMPINAS EM ATUAÇÃO NA EI, VINCULADAS À SME NO PERÍODO 2007 A 2018: BREVE HISTÓRICO
O presente estudo evidenciou a participação histórica das entidades sem fins lucrativos no atendimento à criança pequena no município de Campinas. A partir de tal estudo, pode-se afirmar que a Educação Infantil no município “nasceu nos braços” das instituições privadas sem fins lucrativos.
Os primeiros registros de instituições que atendiam crianças pequenas em Campinas remontam ao início do século XX. A primeira unidade a ser nomeada como creche no município foi a creche Bento Quirino, construída em 1914 com donativos do Major Bento Quirino, em terreno doado pela Câmara Municipal. Em 1916, com um grupo de senhoras católicas, o Bispo Dom Nery fundou a Sociedade Feminina de Assistência à Infância, com a finalidade de gerir a creche (IBGE, 1952). Com mais de 100 anos de existência, a entidade ainda hoje atua no atendimento de crianças da EI, subsidiada pela PMC (CECCON, 2018).
A partir de meados do século passado, o atendimento da criança pequena em Campinas coexistiu com diferentes modelos de atendimento: a rede privada stricto sensu, as instituições conveniadas e a rede pública direta. Inicialmente, os atendimentos na EI, durante a primeira metade do século passado, eram majoritariamente feitos pelas instituições assistenciais. Mesmo com o início do aparelhamento público para oferta da EI a partir de 1940, com os primeiros parques infantis, e em 1968 com a primeira creche pública da cidade, as instituições privadas sem fins lucrativos permaneceram com os atendimentos em grande parte subsidiados pelo poder público. Isso foi constatado no cadastramento municipal da PMC de 1944 a 1964, em atendimento ao decreto-lei n.º 239/1944, cujo registro apontou pelo menos 24 instituições que ofertavam atendimento às crianças, subsidiadas pelo poder público (CECCON, 2018).
Nas décadas de 1970 e 1980, com o movimento de ampliação das salas de pré-escolas comunitárias, novamente as instituições sem fins lucrativos se fortaleceram e assumiram papel relevante no atendimento da criança pequena, subsidiadas por meio de programas do Governo Federal/MEC. Conforme o Quadro 1, 14 entidades (ou seja, 31%) em atuação no período de 2007 a 2018 foram criadas nesse período.
Na década de 1990, as entidades ganharam novo impulso com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - PDRAE (1995) -, elaborado durante o governo FHC, que viu no “Terceiro Setor” a possibilidade de transferência da oferta dos serviços sociais. A partir da EC 19/98, foram introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro as agências executivas (lei n.º 9.649/98) e as organizações sociais (lei n.º 9637/98), provocando mudança significativa na estrutura da administração pública no Brasil (SILVA, 1999). A EC 19 estabeleceu o contrato de gestão como instrumento de formalização das relações entre as agências executivas e as organizações sociais e o Estado.
A partir dessas alterações na legislação federal, as demais esferas da Administração Pública (estados e municípios), que já mantinham vínculos com as instituições sem fins lucrativos, parecem ter visto na nova lei uma oportunidade para ampliar o atendimento dos serviços sociais, dentre eles os relacionados à EI. Essas normativas podem ter induzido o aumento da criação de entidades sem fins lucrativos em Campinas, como demonstra o Quadro 1. De 1990 até 2007, 15 novas entidades foram criadas no município, o que representou 33% do total.
As instituições privadas estão classificadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei n.º 9394/96, em seu art. 20, como particulares, filantrópicas, comunitárias e confessionais. Entretanto, apenas essa classificação não foi suficiente para compreender a complexidade das instituições sem fins lucrativos em atuação na EI, vinculadas ou conveniadas à SME de Campinas. Observou-se que elas apresentavam ainda perfis e características diferentes entre si, a depender do contexto histórico e político em que surgiram, bem como das práticas que assumiram e que assumem na atualidade.
Para melhor compreensão da natureza destas instituições vinculadas à SME no período de 2007 a 2018, no atendimento da Educação Infantil em Campinas, elas foram classificadas e agrupadas por Ceccon (2018), de acordo com suas características, em históricas, tradicionais e contemporâneas:
As Históricas são definidas como entidades filantrópicas caritativas, fundadas basicamente por instituições religiosas como forma de combater a miséria social. Surgiram numa concepção assistencial como responsáveis pela questão social emergida da relação capitalista dos “sem direitos”; possuem dependência própria e geralmente são administradas por membros religiosos; e contam com o apoio do Estado, mas também possuem meios de se auto financiarem. As tradicionais, embora possuam dependências físicas próprias como as históricas, normalmente estão localizadas nas regiões mais distantes do centro, e têm como característica básica a participação da comunidade local e o desejo de “construir” uma sociedade melhor. Embora reconheçam a necessidade de “ter direito a ter direitos”, mantêm a prática assistencial das históricas e possuem características bastantes semelhantes às “comunitárias”, que emergiram nas décadas de 1970 e 1980. Necessitam fundamentalmente de recursos do Estado para seu funcionamento. As contemporâneas têm sua origem no início desse século, na emergência das alterações normativas, resultado das políticas de transferência das atividades sociais do Estado para o chamado “terceiro setor”. São destituídas de dependência física para sua atuação, pois atuam em dependências públicas, necessitando apenas de um endereço para a sua formalização. Essas instituições podem surgir a partir das conveniadas históricas ou tradicionais, normalmente como filiais, ou mesmo criadas exclusivamente para gerir unidades públicas, como as OS, com grande capacidade de ampliação. Geralmente, possuem um escritório para gerir os negócios, em uma clara relação mercantil, e tem o Estado como seu financiador (CECCON, 2018, p. 77).
A partir dessa classificação, identificou-se que, embora as entidades históricas e tradicionais pareçam pertencer ao passado, isso não se confirma. Elas foram encontradas em diferentes períodos históricos, e algumas recentemente criadas apresentam características semelhantes às que surgiram no início do século passado. As entidades privadas de perfil contemporâneo nascem a partir do estímulo das novas legislações para a transferência e/ou obtenção dos recursos públicos.
As instituições sem fins lucrativos vinculadas à SME de Campinas no período de 2007 a 2018 tiveram suas origens em diferentes períodos históricos, com características próprias do seu momento de criação. O Quadro 1 apresenta o número de instituições sem fins lucrativos, por período de criação e tipo de vínculo contratual estabelecido com SME.
Fonte: atualizada a partir de Ceccon (2018). *Os dados referem-se às unidades criadas ou que possuem filiais em atuação apenas como associação privada.
Conforme o quadro acima, existem 46 instituições sem fins lucrativos vinculadas à SME em atuação no atendimento da EI no município de Campinas, e, dentre elas, 6 são filiais, com novos registros jurídicos no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). Oito entidades foram criadas entre os anos de 1940 e 1969, sendo que sete delas possuem características das conveniadas históricas e tradicionais, ligadas à SME pelo termo de convênio, e uma filial com característica das contemporâneas, normalizada por meio do contrato de gestão.
De 1970 a 1989, das 14 instituições criadas no período, 12 vinculam-se à SME por meio de termo de convênio; apenas uma por contrato de gestão e mais uma que atende a duas modalidades, termo de convênio e contrato de gestão. O período 1990 e 2006, conforme já destacado, foi o período no qual mais se criaram instituições sem fins lucrativos: 15 no total e mais 3 filiais. Destas, 13 são regidas pelo termo de convênio, uma delas por contrato de gestão e outra por termo de convênio e contrato de gestão.
De 2007 a 2018, foram criadas apenas quatro entidades, com o menor índice dos períodos, correspondente a 7%. Com o perfil das entidades conveniadas tradicionais foi fundada apenas uma entidade com instalações próprias para atendimento da EI. As demais, de perfil contemporâneo, embora sejam classificadas como associação privada, não contam com instalações próprias para atendimento, e suas sedes estão situadas em salas comerciais ou residenciais. O vínculo com a SME foi formalizado por meio de contrato de gestão, o que, do ponto de vista jurídico, não seria indicado, uma vez que “a previsão da obtenção de recursos orçamentários e bens públicos, pelas organizações sociais, com dispensa de licitação conforme o definido no artigo 12 da lei n° 9.637/98, se constituiria em violação ao princípio da isonomia, sendo, portanto, inconstitucional” (ADRIÃO E BEZERRA, 2013, p. 260).
Com base no Quadro 1, observa-se que o termo de convênio foi o instrumento por excelência adotado para formalizar o vínculo entre a PMC e as instituições privadas conveniadas históricas e tradicionais para oferta da EI em Campinas até 2016, substituído pelo Termo de Colaboração a partir de 2017, em decorrência da lei nº 13.019/2014.
Quanto ao perfil social e à orientação religiosa presente na maioria das instituições sem fins lucrativos, estas podem ser classificadas conforme a Tabela 1.
Associações Privadas e Organização Social | período de fundação | 1890-1939 | 1940-1969 | 1970-1989 | 1990-2006 | 2007-2018 | Total |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Número de Instituições | 6 | 8 | 14 | 15 | 3 | 46 | |
Classificação Social | Comunitária | − | − | − | 7 | − | 7 |
Confessional | − | − | − | − | − | − | |
Filantrópica | 6 | 8 | 14 | 7 | − | 35 | |
Não identificado | − | − | − | 1 | 3 | 4 | |
Orientação Religiosa | Católica | 5 | 3 | 8 | 2 | − | 18 |
Evangélica | − | − | 2 | 3 | − | 5 | |
Espírita | 1 | 1 | 4 | 1 | − | 7 | |
Não identificada | − | 4 | − | 9 | 3 | 16 |
Fonte: Ceccon (2018). Elaboração da autora com base em FNDE4 e sites das instituições conveniadas. Os dados têm como referência o mês de maio.
Observa-se a prevalência das entidades filantrópicas em praticamente todos os períodos, exceto de 2007 a 2018. Uma das hipóteses para essa opção pode estar relacionada à busca de certificados assegurados às associações assistenciais, como o da filantropia. O certificado de filantropia possibilitaria às associações de assistência social o recebimento de recursos públicos e garantia da isenção de contribuições previdenciárias patronais, além de outros benefícios fiscais que fazem diferença significativa para o caixa dessas entidades. Entretanto, a partir de 2009, com a Lei do CEBAS/ Educação, anteriormente citada, essa exigência deixa de ser necessária para acessar tais benefícios.
As instituições comunitárias surgiram na década de 1990, pós-Constituição Federal -CF/1988. Com base na definição do termo “comunitária”, uma das características da instituição com esse perfil é a inclusão de representantes da comunidade como membros da entidade. Compreendendo 1990 como o período pós-abertura democrática e de ampla participação social, é representativa essa constituição das entidades.
Se, por um lado, pode-se considerar um elemento positivo a presença das instituições filantrópicas e comunitárias, uma vez que promoviam uma estreita relação com a comunidade, por outro isso pode representar o favorecimento para um recrudescimento desse modelo de atendimento, estimulado pelas políticas de EI compensatória e a baixo custo. Conforme apontam Costa (2005) e Rosemberg (1999), respectivamente, isso se deu a partir da década de 1970 e contribuiu para a conformação da realidade atual.
Observa-se a inexistência de instituições classificadas como confessionais em todos os períodos históricos nos dados oficiais, embora sua existência seja visível até mesmo no nome fantasia da instituição. Uma hipótese para a entidade não assumir seu perfil religioso pode ser devido ao fato de a Lei Municipal n.º 4.863/1979 - que regulamenta a certificação das entidades em Campinas como de Utilidade Pública Municipal - não permitir o fornecimento de certificação às instituições de cunho religioso, conforme seu artigo 5º, o que impossibilitaria a realização da formalização.
É possível observar também o protagonismo das instituições que atuam no atendimento da EI em Campinas que, de orientação católica ou espírita, até a década de 1980, cedem lugar às evangélicas e às “não identificadas”, isto é, para as entidades sem perfil religioso.
Se no passado a questão da pobreza e a falta de recursos do poder público justificavam os atendimentos da criança pequena pelas instituições sem fins lucrativos, hoje as razões parecem ser outras. Observam-se as instituições sendo qualificadas e reestruturadas para assumirem a expansão da oferta e, inclusive, a oferta anteriormente pública. De um lado, verificam-se as instituições denominadas como do tipo contemporâneas na gestão das Naves-mãe/Bem Querer crescendo num ritmo acelerado; e, de outro, as de perfis do tipo históricas também sendo ampliadas para atender às novas demandas.
AS INSTITUIÇÕES PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE EDUCAÇÃO INFANTIL EM CAMPINAS: LEGISLAÇÃO E NORMAS
Para o atendimento à demanda de vagas na EI no município de Campinas, no período de 2007 a 2018, os governos municipais estabeleceram acordos com as instituições sem fins lucrativos por meio de duas modalidades: o convênio com associações privadas históricas e tradicionais, normalizado pelo Termo de Convênio e, a partir de 2017, pelo Termo de Colaboração, e a gestão privada de equipamentos públicos, por meio do Contrato de Gestão com associações privadas e Organizações Sociais (OS).
Na celebração do convênio entre o governo municipal e a associação privada sem fins lucrativos (rede conveniada) até 2016, ou seja, durante quase todo o período da série histórica, na ausência de legislação específica, a SME baseava-se na Lei Municipal de Campinas n.º 10.869/2001, alterada pela lei n.º 11.279, de 19 de junho de 2002, e na lei n.º 8.666/1993, sem licitação e controle social, sob o risco de incidir em irregularidades administrativas, embora seja conhecido que a prática de conveniamento era indicada pelo MEC, conforme declaram Borghi, Bertagna e Adrião (2014).
Com o objetivo de regular esses acordos e ampliar as ações das instituições, foi aprovada a Lei Federal n.º 13.019, em 31 de julho de 2014, conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Essa lei estabelece normas gerais para os acordos, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros entre a administração pública e as Organizações da Sociedade Civil (OSCs), em regime de mútua cooperação, para finalidades de interesse público. A lei instituiu o Termo de Colaboração e o Termo de Fomento e definiu as diretrizes para as políticas de parcerias, bem como alterou as leis n.º 8.429/1992 e n.º 9.790/1999 (DI PIETRO, 2015). Para os municípios, a referida lei n.º 13019/2014 entrou em vigor a partir de 2017. Em atendimento a esta, no município de Campinas, os contratos com as associações privadas (conveniadas) foram renovados e atualizados a partir de 2017.
Por força do artigo 84 da lei n.º 13.019/2014, conforme Di Pietro (2015), o convênio, há muito utilizado como instrumento para vinculação entre o poder público e o privado, deixa de existir como forma de normalização e fica restrito apenas aos entes federados.
Nesse sentido, os mesmos riscos de incorrer em irregularidades ocorriam nos contratos de gestão celebrados entre PMC e associação privada ou OS para gestão das unidades públicas. Como se tratava de transferência de recursos, as normas regulatórias para o contrato de gestão não seguiam exclusivamente a Lei Federal n.º 9.637/1998. No caso das OS, há um conjunto de normas que deve ser seguido e que, inclusive, não se aplica para a contratação de associação privada.
A partir de 2017, a PMC celebrou os acordos com as associações privadas e OS para gestão privada de unidades públicas de EI, com base na Lei Complementar Municipal n.º 101/2015, regulamentada pelo decreto n.º 18.740/2015, alterada pelo decreto n.º 18.786/2015 e pela Lei Complementar n.º 117/2015. Nesse ínterim, também se instituiu, em 2015, o Termo de Referência Técnica5, a fim de regular os contratos de gestão legalmente constituídos para a gestão dos CEI. Segundo a PMC, esse movimento se fez necessário em decorrência da nova legislação vigente (CAMPINAS, 2015a, 2015b).
Cabe apontar que a lei n.º 13.019/2014 reforça que os contratos de gestão são instrumentos utilizados para normalizar os acordos com as OS desde que cumpridos os requisitos previstos na lei n.º 101/1998, o que ficou em desacordo com contratos em vigência até 2018 na PMC.
Tanto em âmbito federal como municipal, o que se observa é que paulatinamente os mecanismos político-normativos, sobretudo a partir do PDRAE/1995, foram sendo ampliados com o intuito de instrumentalizar gestores públicos e instituições sem fins lucrativos para regular de modo mais específico as relações contratuais com o setor privado. As instituições, por sua vez, foram se adaptando e se (re)constituindo a fim de manter a prática de prestação de serviços sociais ao Estado e acessar os recursos públicos disponibilizados.
A OFERTA DE VAGAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL NO SISTEMA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE CAMPINAS DE 2007 A 2018
O município de Campinas contava em 2018 com uma população aproximada de 84.374 crianças com idade de 0 a 5 anos e 11 meses, sendo 55.929 crianças de 0 a 3 anos e 28.445 de 4 a 5 anos. (SEADE, 2018) Encontravam-se matriculadas na Educação Infantil (EI) do município 56.882 crianças, sendo 27.311 na faixa etária da pré-escola e 29.571 na faixa etária da creche, no ano de 2018 (INEP, 2019).
Considerando o número de crianças em idade pré-escolar no conjunto da população aproximada e o número de matriculadas no município, verificou-se que as matrículas do segmento pré-escola correspondiam a 94,6% do total de crianças do município. Notou-se, então, uma diferença de 5,4% que aparecem sem atendimento, o que causa grande estranheza, uma vez que este segmento da EI se encontrava universalizado desde 2007, conforme a SME. Uma hipótese refere-se à possível diferença no cálculo da população aproximada; e outra hipótese, que necessita ser investigada, pode estar relacionada ao fato de ter havido mudança na Resolução Municipal de Cadastro6 para oferta de vaga no município a partir de 2016, em que o cadastro da rede municipal se desmembrou do cadastro das instituições conveniadas. Com isso, na busca pela oferta do ensino integral ofertado pelas conveniadas, as famílias podem ter optado por aguardarem vaga nas entidades, e não realizarem os cadastros no Sistema Integre7, conforme a resolução determina. Importante lembrar que, conforme a Lei Municipal 11.600/2003, é dever do município garantir que todas as unidades de educação do município mantenham o cadastro permanente de crianças, como forma de verificar e planejar o atendimento da demanda. Segundo a Secretaria Municipal de Educação de Campinas (SME), desde 2007 todas as crianças de 4 a 5 anos que procuraram vaga nesse período foram atendidas.
Já o segmento creche atingiu um percentual de atendimento de 52,87% do total de crianças na faixa etária do município em 2018. No entanto, esse percentual não representa o total da demanda por creche no município, pois, conforme dados do sistema Integre, em 2018, havia ainda uma demanda de aproximadamente 7 mil crianças aguardando vaga - o que indica que o município ainda está distante de alcançar a Meta 1 do Plano Municipal de Educação de Campinas (PME), lei 15.029/2015, que prevê “... ampliar a oferta de Educação Infantil em creches, pelo poder público municipal, de forma a atender em período integral a demanda de 0 a 03 (três) anos e 11 (onze) meses até o fim da vigência deste PME, sendo facultativo às famílias optar pelo período integral ou parcial.” O percentual de 52,87% em 2018 está acima da média do atendimento de crianças de 0 a 3 anos no Brasil, que, conforme dados do INEP8, alcançou 32,7% nesse mesmo ano. O percentual de crianças atendidas na creche em Campinas no ano de 2018 é maior do que a meta prevista no PNE para o Brasil em 2024, que é atender 50% das crianças na faixa etária da creche.
Para viabilizar a oferta da EI em Campinas, a SME utiliza-se de três modalidades diferentes de atendimento: rede pública direta, unidades públicas com gestão privada e rede conveniada - as duas últimas com a participação das entidades sem fins lucrativos, as quais se diferem basicamente pela propriedade e pela modalidade de vínculo estabelecido com a Prefeitura Municipal de Campinas (PMC).
A rede pública municipal direta é mantida e administrada pelo poder público e atende à etapa da EI no segmento creche de 0 a 3 anos e pré-escola de 4 a 6 anos. O atendimento é realizado por docentes e especialistas do quadro do magistério público municipal e por agentes de educação infantil com ingresso por concurso público. As unidades funcionam em prédios próprios, cedidos ou alugados, geralmente bem equipados. Em 2018, a rede pública direta contava com 134 unidades e ofertava um total de 24.616 matrículas de EI, sendo 12.947 do segmento creche e 11.669 da pré-escola.
A rede conveniada9 é composta por entidades da sociedade civil, de natureza jurídica classificada como associação privada sem fins lucrativos, que atuam vinculadas à SME. Possuem dependência própria, atendem crianças do segmento de creche e pré-escola e recebem para sua manutenção subsídios públicos per capita, alimentação escolar, uniforme e transporte escolar. Em 2018, contava-se com 45 unidades vinculadas para a oferta de 8.383 matrículas, sendo 3.688 crianças de 0 a 3 anos (creche) e 4.695 crianças de 4 e 5 anos (pré-escola), que correspondem a aproximadamente 21% do total de matrículas ofertadas pelo município. A maior parte das entidades conveniadas atende também ao segmento pré-escola em período integral. Há ainda entidades que, além do subsídio per capita, recebem recursos do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (FMDCA) e da Federação das Entidades Assistenciais de Campinas (FEAC) (CECCON, 2018).
Os CEI públicos com gestão privada10- modalidade criada a partir de 2007, inicialmente denominados “Nave-mãe” pelo ex-prefeito Hélio de Oliveira Santos (PDT), e as posteriormente criadas, rebatizadas pelo prefeito Jonas Donizette (PSB) como “Bem Querer”11, caracterizam-se pelo atendimento de crianças da EI na faixa etária de 4 meses a 5 anos e 11 meses em espaços públicos, porém geridos pelas instituições de direito privado. As entidades gestoras são compostas de entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, de natureza jurídica como associação privada ou Organização Social (OS). Em 2018, atendiam em 28 unidades uma demanda de 9.943 crianças, sendo 6.663 do segmento creche e 3.280 do pré-escola. Recebem subsídio per capita para gestão das unidades, bem como uniformes escolares, alimentação escolar, transporte, além de acompanhamento administrativo e pedagógico e formação para a equipe escolar.
A ampliação da participação das instituições privadas sem fins lucrativos - resultado das políticas normativas em âmbito federal e municipal -, implementada pela SME de Campinas a partir de 2007, alterou o perfil da oferta de vagas na EI. O total de 56.882 matrículas ofertadas na etapa da EI dentro do Sistema Municipal de Educação de Campinas encontrava-se, em 2018, assim distribuído nas diferentes redes de atendimento: 9.943 matrículas nas unidades públicas com gestão privada; 8.383 matrículas na rede conveniada; 13.464 matrículas ofertadas na rede privada stricto sensu; e 24.616 matrículas na rede pública direta. Vale lembrar que, em 2007, o número de matrículas da rede pública direta era de 26.039 crianças. Observa-se, então, uma redução de quase 1.500 vagas no período, como pode ser constatado na Tabela 2.
Campinas | Período | Total Geral Educação Infantil | Rede Estadual | Rede Municipal (exceto unidades públicas com gestão privada) | Unidades públicas com gestão privada (Nave-mãe/ Bem Querer)12 | Rede Conveniada13 | Rede Particular14 |
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2007 | 38.256 | - | 26.039 | - | 11.943 | 274 | |
2008 | 40.923 | - | 25.493 | 1.605 | 2.377 | 11.448 | |
2009 | 39.857 | 23.119 | 3.009 | 6.158 | 7.587 | ||
2010 | 42.667 | 4 | 25.849 | 4.123 | 4.965 | 7.726 | |
2011 | 44.538 | - | 25.362 | 5.474 | 5.629 | 8.073 | |
2012 | 46.796 | - | 24.717 | 6.000 | 6.236 | 9.843 | |
2013 | 47.419 | - | 23.911 | 6.811 | 6.460 | 10.237 | |
2014 | 48.450 | - | 23.482 | 7.159 | 6.806 | 11.003 | |
2015 | 49.926 | - | 23.614 | 7.561 | 7.002 | 11.749 | |
2016 | 52.651 | - | 24.028 | 8.864 | 7.674 | 12.085 | |
2017 | 54.893 | 545 | 24.284 | 9.163 | 8.066 | 12.835 | |
2018 | 56.882 | 476 | 24.616 | 9.943 | 8.383 | 13.464 | |
Percentual de crescimento | % | 48,68 | - | -5,46 | 519,50 | 36,13 | 77,46 |
No período analisado, o total de matrículas na EI apresentou um crescimento de 48,68%, o que representa cerca de 18 mil novas vagas. Contudo, observou-se que a ampliação se deu exclusivamente pelo setor privado, sendo 519,5% pelas unidades públicas com gestão privada (Nave-mãe/Bem Querer), pela rede particular - que aumentou em 77,46% o número de vagas ofertadas em 2018 quando comparada com 2009 - e pela rede conveniada, que cresceu 36,13%, também em comparação a 2009. A rede pública direta não criou nenhuma vaga nova, se comparada com 2007; pelo contrário, teve redução de 5,46%, conforme se pode visualizar no Gráfico 1.
O gráfico mostra o crescimento da oferta de vagas privatizadas e também das vagas oferecidas pela rede particular, configurando uma ampliação do éthos privado na oferta da educação infantil em Campinas. Entende-se que esse movimento de expansão do setor privado, principalmente por meio das instituições sem fins lucrativos, representa claramente a opção do governo municipal, assumida a partir de 2007, que privilegiou basicamente esse tipo de oferta de vagas. O fortalecimento desse formato de oferta alterou o perfil da EI do município, que até então primava pela oferta pública.
Como justificativa para essa guinada ao setor privado, o município usou em 2007 a Lei de Responsabilidade Fiscal, lei n.º 101/2000, que determina um teto para gasto com pessoal de até 60% do orçamento de estados e municípios, incluindo-se 6% relativos aos funcionários do legislativo. No caso de Campinas, Domiciano-Pellisson (2016) e Chicone (2016) sinalizaram que essa alegação não se justificava, uma vez que o município não atingia o percentual de gastos permitidos pela referida lei. Ademais, com a redução de aproximadamente 1.500 vagas na oferta direta pública de EI registrada em 2018, reduziu-se também o gasto com pessoal. Domiciano-Pellisson (2016) aponta que, em 2007, o gasto com pessoal representava 75% do orçamento da educação no município de Campinas; já em 2014, esse percentual caiu para 46%. Portanto, o atendimento às exigências da LRF não é mais uma justificativa plausível para a redução de gastos com pessoal em educação pública direta, o que corrobora com o posicionamento de Adrião (2009), ao afirmar que a restrição imposta pela LRF para gastos com pessoal induziu o aumento da canalização de fundos públicos para o setor privado por meio da terceirização de contratos e de serviços especialmente nas áreas de maior presença de contratação, como é o caso da educação (ADRIÃO, 2009). Isso parece ter sido o que ocorreu com a oferta de EI no município de Campinas. A economia de recursos produzida com a redução de gastos com pessoal da educação da rede pública direta parece ter sido aplicada na oferta privada, por meio da rede conveniada e das unidades com gestão privada (Nave-mãe/Bem Querer).
Outro fator que também pode ser considerado como motivação para o aumento da oferta de matrículas privatizadas, a partir de 2007, refere-se ao modelo de financiamento da EI, instituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), regulamentado pela lei n.º 101 de 2007, já indicado por Arelaro (2008). O artigo 8.° da referida lei possibilitou o cômputo das matrículas das instituições sem fins lucrativos que ofertam EI, desde que conveniadas com o poder público. Esse fator, estimulado por alterações na legislação em âmbito federal e municipal, manobras e arranjos com o setor privado sem fins lucrativos na gestão de unidades públicas, acabou por ser decisivo para a ampliação da privatização da oferta da EI no município Campinas.
No caso de Campinas, esse movimento de privatização tem-se manifestado de forma sistemática, com tendência a substituir a oferta pública direta orientada pelo direito público, pela oferta privada, por meio das instituições sem fins lucrativos regidas pelo direito privado. Embora se saiba que a oferta da EI por meio de subsídios/subvenções municipais ao setor privado sem fins lucrativos não seja algo novo, verifica-se um significativo crescimento dessa modalidade, com inovações no campo da legislação e diferentes arranjos no setor, indicando uma tendência à consolidação desse modelo como opção de atendimento a essa etapa da educação básica.
É imperativo discutir essa questão uma vez que a transferência da oferta pública direta do atendimento da Educação Infantil de Campinas para as instituições privadas sem fins lucrativos retira desse segmento direitos conquistados historicamente. Aspectos fundamentais para assegurar a qualidade do atendimento, como espaços físicos adequados, mobiliário, jornada, remuneração e formação docente, número de alunos por sala, entre outros insumos indicados no Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) e Custo Aluno Qualidade (CAQ), previstos no Plano Nacional de Educação (PNE) 2014/2024, deixam de ser considerados nesse modelo. Embora não faça parte do escopo deste trabalho a análise sobre o custo da vaga da oferta direta e da oferta privatizada, observam-se indícios de que houve transferência significativa de recursos públicos ao setor privado.
As entidades conveniadas ou até mesmo cada instituição gestora oferecem condições diferenciadas no que se refere aos insumos básicos necessários para o atendimento dessa etapa, sem a obrigação de atender a um determinado padrão de qualidade imposto às unidades da rede pública direta. Nesse sentido, é possível afirmar que a opção política assumida pelo governo municipal desde 2007 impõe parte significativa das crianças do município à precarização no atendimento e à profunda desigualdade educacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acompanhando as transformações políticas, normativas e sociais, as instituições sem fins lucrativos do município de Campinas passam a ocupar espaço importante no atendimento da EI, mais especificamente no período de 2007 a 2018. Diferentemente do que se imaginava - que as instituições sem fins lucrativos ocupavam espaços a que o Estado não chegava -, verifica-se um processo de crescimento enorme no período, alcançando 452% para as instituições com contrato de gestão das unidades públicas e 24% para as conveniadas.
Em 2007, o setor privado sem fins lucrativos e stricto sensu respondia por 31,93% das matrículas, enquanto o setor público direto ofertava 68,07%. Em 2018, o primeiro passou a ofertar 56,64% do total matrículas, superando a oferta pública direta, que passa a representar apenas 43,64%, uma redução de aproximadamente 1.500 vagas no período. Fica evidente que a inclusão da rede conveniada sem fins lucrativos no Fundeb contribuiu significativamente para a expansão desta rede no atendimento à Educação Infantil em Campinas a partir de 2007. Isso confirma o que Pinto (2007) previa no início da vigência do Fundeb: que, com a enorme demanda reprimida, especialmente nas creches em função do baixo atendimento, “o crescimento das matrículas se dê pela via das instituições conveniadas, já que o repasse que o poder público faz a essas instituições é muito inferior aos custos do atendimento direto” (PINTO, 2007, p. 888). De fato, foi o que ocorreu no município de Campinas, representando um duro golpe no princípio constitucional de que os recursos públicos devam se destinar às instituições públicas (PINTO, 2007).
O município de Campinas não só ampliou o atendimento pela via da rede conveniada, como “inaugurou a modalidade de gestão privada em unidades públicas”, segundo Domiciano-Pellisson (2016), e ainda, reduziu a oferta pública direta na série histórica. A hipótese levantada por Pinto (2007), de que o baixo custo seria a motivação principal para a transferência de recursos para instituições conveniadas, não se confirmou no município de Campinas. Estudos de Domiciano-Pellisson (2016) e Ceccon (2018) evidenciaram que os valores repassados às instituições sem fins lucrativos são bem maiores que os valores repassados pelo Fundeb, e maiores que os previstos pelo CAQi. Nesse sentido, concorda-se com Di Pietro (2015) que a transferência da gestão de serviços públicos às organizações sociais civis deixa evidente a intenção dos governantes de escaparem do regime jurídico imposto às entidades da administração direta e indireta, como licitação, concurso público e controle, e permitirem que o serviço público seja ofertado sob o regime jurídico de direito privado. Além do mais, esse modelo distancia o governo da cobrança direta da população, uma vez que ele passa a ser apenas fornecedor de recursos. Qualquer problema que venha a acontecer no fornecimento das atividades não o coloca como responsável direto, e assim se diminuem os riscos de o governo ter sua reputação manchada.
Outro aspecto observado no conjunto das transformações ocorridas no perfil das instituições que ofertam a EI no período é a presença de empresas (classificadas como contemporâneas) cujos objetivos necessitam de rigorosa análise, o que não coube nos limites deste artigo. No movimento de ampliação do setor privado, aqui analisado para a oferta da Educação Infantil em Campinas, verificou-se a consolidação da política de “privatização” da oferta de vagas nessa etapa da educação básica.
Evidencia-se, por fim, que a opção dos governos municipais na série histórica foi de ampliação da política de atendimento pela via do setor privado sem fins lucrativos, que em 2018 chegou a manter mais de 18 mil crianças à margem do sistema público oficial de ensino, em um movimento que reforça e contribui para a manutenção da desigualdade educacional e social no município.