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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.37  Belo Horizonte  2021  Epub 08-Jul-2021

https://doi.org/10.1590/0102-4698230682 

Artigos

POR ONDE CAMINHA O CAMPO INVESTIGATIVO DA EDUCAÇÃO POPULAR? QUESTÕES QUE ORIENTAM O DEBATE ATUAL

¿HACIA DÓNDE CAMINA EL CAMPO DE INVESTIGACIÓN DE LA EDUCACIÓN POPULAR? CUENTIONES QUE IMPULSAN EL DEBATE ACTUAL

BETÂNIA CORDEIRO1 
http://orcid.org/0000-0002-5124-6962

MARIA CLARA BUENO FISCHER2 
http://orcid.org/0000-0003-2289-5282

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil. betaniascordeiro@gmail.com

2Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil. <mariaclara180211@gmail.com>


RESUMO:

Este artigo se dedica a identificar e a problematizar questões envolvendo a Educação Popular e o Estado, partindo da análise de pesquisas realizadas no campo da Educação Popular. A emergência de governos populares na América Latina, a partir dos anos 2000, produz alterações na forma como os atores da Educação Popular se relacionam com o Estado, apresentando novos desafios e questões para os sujeitos que compõem esse campo. A partir dessa compreensão, realiza-se um estudo aprofundado de teses de doutorado que apresentam análises com foco na Educação Popular e no Estado, estabelecendo alguma relação entre eles. A pesquisa selecionou trabalhos defendidos entre os anos 2000 e 2013, em programas de pós-graduação em educação de universidades brasileiras, configurando-se como uma contribuição a um estado da arte sobre os temas em questão. Trata-se de uma pesquisa teórico-bibliográfica fundamentada numa abordagem teórica crítico-dialética. De maneira geral, é possível afirmar que, nos estudos analisados, a capacidade da Educação Popular, enquanto prática político-pedagógica, de contribuir para a transformação da sociedade capitalista é a questão chave que permeia todos os debates. São também resultados da pesquisa, entre outros elementos, a existência de disputa de sentidos e objetivos, no que concerne a Educação Popular; a predominância da constatação de compartilhamento de responsabilidades na execução ou na formulação de políticas e programas governamentais, no que concerne à relação entre a Educação Popular e o Estado; a concentração de análises nos impactos e nas implicações que tais compartilhamentos trazem para organizações e movimentos sociais e populares.

Palavras-chave: educação popular; estado da arte; estado

RESUMEN:

Este artículo está dedicado a identificar y problematizar cuestiones relacionadas a la Educación Popular y el Estado, a partir del análisis de investigaciones realizadas en el campo de la Educación Popular. La aparición de gobiernos populares en América Latina, a partir de la década del 2000, produce cambios en la forma con la cual los actores de la Educación Popular se relacionan con el Estado, presentando nuevos desafíos y preguntas para los sujetos que componen este campo. De este punto, se realiza un estudio en profundidad de las tesis doctorales que presentan análisis centrados en la Educación Popular y el Estado, estableciendo alguna relación entre ellos. La investigación seleccionó trabajos defendidos entre los años 2000 y 2013, en programas de posgrado en educación de universidades brasileñas, configurando una contribución a un estado del arte en los temas en cuestión. Es una investigación teórico-bibliográfica basada en un enfoque teórico crítico-dialéctico. En general, en los estudios analizados, la capacidad de la Educación Popular, como práctica político-pedagógica, de contribuir a la transformación de la sociedad capitalista es el tema clave que impregna todos los debates. Son también resultados de la investigación, entre otros, la existencia de una disputa de significados y objetivos con respecto a la Educación Popular; el predominio del hallazgo de responsabilidad compartida en la ejecución o formulación de políticas y programas gubernamentales, en lo que toca a relación entre la Educación Popular y el Estado; la concentración de análisis sobre impactos y implicaciones que dicho intercambio tiene en las organizaciones y en los movimientos sociales y populares.

Palabras clave: educación popular; estado del arte; estado

ABSTRACT:

This article is dedicated to identify and problematize issues involving Popular Education and the State, based on the analysis of researches conducted in the field of Popular Education. The emergence of popular governments in Latin America, from the 2000s on, produces changes in the way the actors of Popular Education relate to the State, presenting new challenges and issues for the subjects that make up this field. Based on this understanding, we carry out an in-depth study of doctoral theses that present analyses focusing on Popular Education and the State, establishing some relationship between them. The research selected works defended between the years 2000 and 2013, in postgraduate programs in education in Brazilian universities, configuring itself as a contribution to a state of the art on the themes in question. This is a theoretical-bibliographical research based on a critical-dialectical theoretical approach. In general, it is possible to state that, in the analyzed studies, the capacity of Popular Education, as a political-pedagogical practice, to contribute to the transformation of capitalist society is the key issue that permeates all debates. The results of the research also show, among other elements, the existence of a dispute of meanings and goals concerning Popular Education; the predominance of the finding of shared responsibilities in the execution or formulation of governmental policies and programs concerning the relationship between Popular Education and the State; the concentration of analyses on the impacts and implications that such sharing brings to social and popular organizations and movements.

Keywords: popular education; state of the art; state

INTRODUÇÃO

A Educação Popular como prática político-pedagógica tem marcado a história dos povos do Brasil e de outros países da América Latina. Seu caminho, em construção permanente, ocupa pesquisadores, educadores, trabalhadores, militantes, gestores públicos.

É a partir da década de 1960, com um movimento liderado por Paulo Freire, a partir do Nordeste brasileiro e que se espalharia pelo Brasil e por outros países, que começa a ganhar envergadura a formulação de uma pedagogia preocupada com a formação das classes populares. As contribuições teóricas do autor - que tem sua expressão mais importante na obra Pedagogia do Oprimido, publicada por primeira vez em 1968 - levam Freire a se tornar o principal idealizador e um dos principais inspiradores, na atualidade, da Educação Popular, enquanto uma das concepções de educação do povo (PALUDO, 2010).

Mas é necessário ressaltar que, se esse é um marco histórico no desenvolvimento da Educação Popular, outros atores e acontecimentos sociais influenciaram e corroboraram para que ela se desenvolvesse ao longo dos anos. Segundo Conceição Paludo (2001), o início da modernidade brasileira, marcado por fortes lutas pela libertação dos escravos e por um nascente movimento operário hegemonizado pelos socialistas, agrega, com sua teoria e suas práticas, elementos relacionados, por exemplo, à busca por condições dignas de vida ou à afirmação de identidades, que vão nutrindo uma experiência educativa com viés popular.

Raúl Mejía (2009) também auxilia a que não se perca de vista o aspecto histórico da Educação Popular. O autor afirma que, se Paulo Freire é o “pai” da Educação Popular, o seu “avô” seria Simón Rodrígues, educador e filósofo venezuelano que foi professor de Simón Bolivar. “É importante reconhecer na Educação Popular não uma prática de agora ou dos últimos quarenta anos, mas uma dinâmica que, nos últimos duzentos anos, tem estado presente na teia social da América Latina” (MEJÍA, 2009, p. 206).

Com a passagem dos anos, as disputas e as tensões que atravessam a Educação Popular promovem alterações nas suas perspectivas pedagógicas e políticas, nas suas práticas metodológicas, nos seus atores, mas, aparentemente, há características permanentes que dão consistência à Educação Popular e fazem ser possível afirmar que ela não findou com a chegada do século XXI. Ao contrário, estruturou-se como um campo de conhecimento próprio, estabelecido desde o sul do planeta, caracterizando um paradigma pedagógico latino-americano marcado pela identidade, pela história, pelo contexto e pela luta no continente (MEJÍA, 2013).

Sendo histórica, a Educação Popular compõe o movimento da realidade, transformando-a e transformando-se e, assim, desafia seus atores, incluindo os pesquisadores desse campo, a construí-la ao mesmo tempo em que refletem sobre ela em busca da práxis crítica. Por isso, esse texto se propõe a analisar as incógnitas e as tensões que atravessam o debate mais atual da Educação Popular, conforme percebido por alguns dos sujeitos pesquisadores do campo.

Para isso, foi realizada pesquisa por meio da qual se estabeleceu um diálogo com teses de doutorado, defendidas entre 2000 e 2013, em programas de pós-graduação em Educação de universidades brasileiras e que tiveram a Educação Popular e o Estado como foco de suas análises. O objetivo da pesquisa foi realizar uma contribuição a um estado do conhecimento sobre os temas, abrangendo uma parte de trabalhos na área. A entrada no universo das teses se deu com o objetivo de examinar como textos qualificados apresentam análises sobre a Educação Popular e o Estado e que relação estabelecem entre eles. A partir desse exame, realizou-se um diálogo com os trabalhos e foram propostas questões e levantadas hipóteses acerca desse campo de conhecimento permitindo analisar avanços e identificar desafios. Tais análises são explicitadas de forma condensada ao longo deste texto e mais detalhes podem ser conhecidos em Cordeiro (2015).

Realizar um estado da arte abrangente sobre a Educação Popular no Brasil é tarefa coletiva e ainda a ser cumprida3. Ressalta-se aqui a realização de um estado da arte sobre Educação Não Escolar de Jovens e Adultos, coordenado por Sérgio Haddad, que analisou dissertações e teses nas áreas de Educação, Ciências Sociais e Serviço Social, no período de 1998 a 2006. O resultado desse extenso trabalho de pesquisa, que contou com 14 pesquisadores, foi publicado em forma de dossiê especial, em 2009 (HADDAD, 2009)4. Nesse estudo, a educação não escolar é referenciada conceitualmente por, pelo menos, cinco campos de conhecimento, entre eles o da Educação Popular (os outros quatro campos são: o da Educação Continuada, o dos Direitos Humanos, o da Formação para o Trabalho e o do Desenvolvimento Humano). Por isso, parte do estudo, principalmente os artigos de Abbonizio (2009) e de Silva e Marques (2009), dialogam diretamente com esta contribuição.

Em sua análise final, os autores comentam:

A situação política vivida nas democracias emergentes do cone sul, e no Brasil especificamente, podem gerar temas de pesquisa sobre as práticas políticas nas democracias, limitadas pela economia capitalista com enormes desigualdades. Tais pesquisas viriam a aparecer provavelmente, depois de 2007, visto que as experiências de governos populares são muito recentes para o tempo de estudo. Outro olhar poderia se dar com base no poder local. Há experiências de pessoas que, a partir do final da década de 80, oriundas de centros de educação popular, passam a assumir postos na gestão de poder local. Que aprendizados para educação política podemos aferir de suas práticas? Que aportes para reformulação do campo teórico da educação popular surgiram? (SILVA; MARQUES, 2009, p. 29).

A contribuição que se pretende com o trabalho que deu origem a este artigo se insere, justamente, nesse hiato identificado pelos autores, particularmente com uma análise de produções acadêmicas que se debruçam sobre práticas de Educação Popular e sua relação com o Estado, no Brasil já no século XXI.

ESCOLHAS METODOLÓGICAS

Os estados da arte são estudos bibliográficos de levantamento da produção acadêmica de determinado espaço e tempo que podem facilitar a ordenação da produção científica e a compreensão acerca da formação de um campo de conhecimento, suas ênfases e suas lacunas. Embora recentes, os estados da arte “já se tornaram imprescindíveis para apreender a amplitude do que vem sendo produzido” (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 39) e para potencializar a socialização dessa produção. São pesquisas de natureza qualitativa que lançam mão, por vezes, de elementos quantitativos como critério de análise. As múltiplas associações e os diversos recortes possíveis de serem propostos fazem com que os estados da arte sejam um processo em construção podendo ser revisitados, realimentados, redimensionados, por isso, eles não terminam em si mesmos (CORDEIRO, 2015).

Para a construção do corpus da pesquisa, partiu-se de algumas escolhas metodológicas. Foram analisadas somente teses de doutorado defendidas e aprovadas em programas de pós-graduação em Educação de universidades brasileiras, entre os anos de 2000 e 2013. A exclusão de dissertações se deu, principalmente, por elas, em geral, apresentarem uma primeira aproximação ao tema, cabendo a teses uma reflexão mais aprofundada e conclusiva, como interessava a pesquisa.

Quanto ao recorte temporal, ele se justifica por se tratar de um momento, na história política do Brasil e da América Latina, bastante singular no que diz respeito à relação entre Estado e Educação Popular. É na década de 1990 que os países do continente, em geral, e o Brasil, em particular, experimentam uma reforma do Estado embasada em políticas de ajuste neoliberais que implicaram “na ampliação do espaço privado no campo dos direitos sociais e na redução de investimentos públicos na área social” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 244). Esse período histórico é marcado, no Brasil, pela atuação do “novo associativismo civil” (GOHN, 2004, p. 27).

A reforma do Estado, promovida no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, previa que políticas públicas para a área da educação, da cultura, entre outras, fossem apenas gerenciadas pelo Estado e não mais executadas. Parte dessas políticas passa a ser executada pelos integrantes desse novo associativismo civil, entre eles, Organizações Não Governamentais (ONGs), que se diferem das ONGs atuantes nos anos de 1980 com características reivindicativas, participativas e militantes. As ONGs da década de 1990 são “entidades mais voltadas para a prestação de serviços, atuando segundo projetos […], buscando parcerias com o Estado e empresas da sociedade civil” (GOHN, 2004, p. 27). Essa prestação de serviços acontece também nos campos da educação e da Educação Popular, levando esta última a deslocamentos políticos e pedagógicos.

Nos anos 2000, ocorrem, na América Latina, a ascensão de governos “democrático-populares” (Hugo Chavéz, na Venezuela; Evo Morales, na Bolívia; Rafael Correia, no Equador, por exemplo) (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011) e a eleição, no Brasil, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurando um momento histórico que também gera alterações nas relações entre os atores sociais e o campo político-institucional.

A partir desse contexto, em que se alteram as formas de relação entre a Educação Popular e o Estado, definiu-se o recorte temporal de análise. A opção por pesquisar teses defendidas depois dos anos 2000, indicava a possibilidade de que algumas delas pudessem contemplar, inclusive, esse momento histórico.

A definição de se trabalhar somente com pesquisas produzidas em universidades brasileiras - apesar da contundência do debate sobre a Educação Popular em outros países da América Latina - se deu por esse ser um campo de conhecimento no qual o Brasil tem uma práxis suficientemente robusta para gerar importantes análises.

As teses analisadas foram selecionadas no banco de dados da Biblioteca Digital Nacional de Teses e Dissertações (BDTD5). Primeiro, usou-se o descritor “Educação Popular” nos campos de indexação: título, palavras-chave e resumo. Depois, combinou-se o resultado com os seguintes descritores nos mesmos campos: participação popular, poder popular, democracia, participação política, controle social, sociedade civil, ONGs, movimento social, movimento popular e políticas públicas - identificados, a partir da revisão bibliográfica, como termos que atravessam transversalmente o debate que acontece na arena mediada por Educação Popular e Estado.

Dessa forma, foram encontradas 13 teses possíveis de serem analisadas. A primeira aproximação do material indicou que duas delas não haviam sido defendidas em programas de pós-graduação em Educação. Outra tese foi eliminada por não contemplar o campo de conhecimento da Educação Popular, apesar de ter o termo “Educação Popular” em seu resumo. Outra foi excluída pela dificuldade de encontrar a íntegra do texto e outra, ainda, por se afastar do campo de interesse da pesquisa. Restaram oito trabalhos elegíveis, dos quais seis foram analisados.

As teses foram lidas em sua integralidade e foram categorizadas em uma tabela de análise, a partir de nove categorias operacionais (MINAYO, 2013) - “Concepção de Estado”, “Concepção de Educação Popular”, “Relação entre Educação Popular e Estado”, “Abordagem Teórico-metodológica Usada”, “Sujeitos Investigados”, “Desenho Metodológico”, “Principais Autores”, “Participação dos Sujeitos” e “Principais Conclusões” - e de duas categorias empíricas (MINAYO, 2013) - “Abordagem Explícita” e “Abordagem Implícita”. Elas foram analisadas tendo como base a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011; FRANCO, 2008) e como unidade de registro o “tema” (FRANCO, 2008). O tema pode ser uma sentença ou um conjunto delas sobre determinado assunto de interesse do pesquisador que realiza a análise de conteúdo. Para além de auxiliar no encontro de informações objetivas no texto, essa unidade de registro também possibilita ao pesquisador trabalhar com outros níveis de informação.

Uma questão temática incorpora, com maior ou menor intensidade, o aspecto pessoal atribuído pelo respondente acerca do significado de uma palavra e/ou sobre as conotações atribuídas a um conceito. E isso, com certeza, envolve não apenas componentes racionais, mas também ideológicos, afetivos e emocionais (FRANCO, 2008, p. 43).

Como visto, o universo de textos abarcado pode ser considerado pequeno em relação ao que se produz sobre Educação Popular no país, mas expressivo em relação ao número de trabalhos identificados na construção do corpus da pesquisa. Entretanto, cumpre destacar que para os objetivos da pesquisa realizada, a quantidade de trabalhos analisados não foi o essencial. Mais relevante foi refletir, a partir da produção material que se tem, como e o que tem sido produzido academicamente sobre a Educação Popular e sua relação com o Estado. Tratou-se de buscar como a singularidade de cada pesquisa se constrói na universalidade do campo de conhecimento da Educação Popular e, ao mesmo tempo, como essa universalidade se concretiza na singularidade dos trabalhos (OLIVEIRA, 2001), tendo em conta suas especificidades históricas.

Dessa forma, este trabalho pretende ser auxílio para pesquisadores que busquem se debruçar sobre as atuais práticas de Educação Popular que, como manifestações singulares, porém históricas, não poderiam estar descoladas dos elementos mais gerais que compõem o campo e que este artigo tenta elucidar. Do mesmo modo, a pesquisa a que este texto se refere está denominada como uma contribuição a um estado da arte, pois não somente sugere um caminho analítico a ser trilhado por outros estados da arte sobre o tema, como também apresenta alguns apontamentos conclusivos que, se não podem ser tomados como expressão majoritária do campo da Educação Popular, certamente indicam elementos centrais constituintes do debate teórico contemporâneo estabelecido nessa área de conhecimento.

REFERÊNCIAS CONCEITUAIS E DIRETRIZES DE ANÁLISE

Paulo Freire (2006), reconhecido por seus estudos e por sua militância pedagógica, tendo o olhar apontado para uma outra sociedade, apostava na educação como forma de vencer a imobilidade do pensamento hegemônico capitalista. Ao destacar em seus estudos e suas práticas a dimensão política da educação, Freire nutria a Educação Popular de elementos políticos e pedagógicos com potencial de transformar a realidade e de recriar novas formas de poder. Para além de um método de alfabetização e ensino, a Educação Popular passava a ser conceito, meio e ferramenta capazes de prover outra forma de interlocução entre a formação de pessoas e a atuação política na sociedade. De fato, trata-se de uma pedagogia liberta do cárcere do ensino e devolvida à aprendizagem e à ação (MEJÍA, 1994).

Recorre-se a Zitkoski (2011, p. 20-21) para uma síntese do que seria Educação Popular6. Trata-se de um trabalho de educação de base orientado por uma análise de classes sociais; é ação que objetiva organizar política e socialmente as classes populares; é a atuação consciente dos trabalhadores na defesa de seus direitos; é um processo educativo que objetiva libertar homens e mulheres de todas as formas de opressão (social, política, econômica, cultural e ética); conscientiza e promove a participação política; está voltada para a análise crítica da realidade do povo; é uma educação que promove autonomia; realiza-se a partir do nível sociocultural dos educandos; é vivenciada através dos saberes dos educandos, por meio do diálogo crítico; está articulada aos movimentos sociais podendo constituí-los, para potencializar o projeto de transformação social. Aponta-se o diálogo, na perspectiva freireana, amplamente abordado na literatura educacional, cujos fundamentos encontram-se na obra Pedagogia do Oprimido, como um elemento central na constituição do que veio a se estabelecer como Educação Popular.

Dessa definição, pode-se destacar dois elementos que são base para a caminhada da Educação Popular: o contexto político, social, cultural e econômico, no qual ela se realiza e a possibilidade de transformá-lo. A Educação Popular acontece em um momento histórico definido e nem poderia ser diferente, considerando o pressuposto de que sua razão se define pela contestação e pelas resistências à realidade injusta (CARRILLO, 2013), dando-se mediante ao diálogo e a partir das experiências dos atores envolvidos no processo educativo (FREIRE, 2005).

No Brasil, na década de 1960, a organização dos movimentos sociais e o questionamento ao projeto de desenvolvimento, baseado na ideologia do nacional desenvolvimentismo (PALUDO, 2001), promovem o aparecimento de importantes experiências educativas que vão atualizar a proposta educacional executada na época e dar robustez à Educação Popular, no país. Citam-se algumas: em 1960, a criação do Movimento de Cultura Popular, no Recife; em 1961, a campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, em Natal; também em 1961, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil cria o Movimento de Educação de Base; em 1963, a Experiência de Alfabetização de Adultos pelo Sistema Paulo Freire, em Angicos.

Aparentemente, a maior parte das experiências educativas populares que tiveram destaque na história nesses anos estavam relacionadas à transformação da sociedade capitalista. Eram experiências que tensionavam no sentido de garantir avanços sociais, econômicos e políticos favoráveis às classes subalternas; vinculavam-se aos movimentos sociais organizados e tratavam de demandas coletivas ligadas a necessidades estruturais de contingentes de pessoas carentes (GOHN, 2013).

Naquele momento, houve apoio, financiamento e incentivo do Estado para a realização de atividades já atravessadas pelos debates realizados no campo da Educação Popular, mas focadas na alfabetização das classes populares. Exemplo disso é que, ainda em 1963, a Educação Popular foi base para a realização do Programa Nacional de Alfabetização7 (PNA). Embora tenha havido, nessa época, estreitamento da relação da Educação Popular com o Estado, era nos movimentos sociais que a Educação Popular fincava suas raízes, profundamente, estando comprometida com a classe trabalhadora.

O golpe militar acontece, no Brasil, em abril de 1964. O caráter autoritário e arbitrário da ditadura esvazia quase que totalmente o poder popular de diálogo, participação e intervenção no Estado. Da mesma forma, a proposta educacional que vinha sendo desenvolvida no país é atingida com toda a força. Os anos seguintes são marcados pela reorientação da política educacional e pelo arrefecimento das influências da Educação Popular.

Por sua vez, a década de 1980 registra o avanço das forças populares com a criação do Partido dos Trabalhadores (PT), da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e com a aprovação da nova Constituição Federal de 1988, que trazia em seu texto avanços conquistados pela classe trabalhadora, entre eles, a obrigatoriedade e gratuidade do Ensino Fundamental8. O fortalecimento da luta popular desse período reflete também na educação pública. Nas escolas, um projeto educacional popular disputa espaço com outro que marginalizava as classes populares e contribuía com a manutenção da ordem social vigente9.

As eleições de 1989 marcam a disputa de dois projetos políticos: um neoliberal e outro popular (PEREIRA; PEREIRA, 2010). Nas urnas, o projeto neoliberal é vitorioso, com a eleição de Fernando Collor de Mello. Ele seguirá sendo implementado no país até o início do século XXI. A força da hegemonia neoliberal, o fim do socialismo real, as novas tecnologias da informação e da comunicação, vão dando contornos a um cenário caracterizado pela fragmentação da identidade da classe trabalhadora. Eclodem movimentos sociais ligados não mais a demandas estruturais locais ou nacionais e sim a demandas específicas de grupos. As frentes de luta se pulverizam, os movimentos se aproximam das organizações internacionais e as ONGs vão ganhando espaço. Os anos que se seguiram parecem ter sido, por parte dos movimentos sociais, de desestabilização de suas ações e concepções, de avaliação do momento histórico e de reformulação de estratégias (PALUDO, 2001).

Para a Educação Popular, esse foi um tempo de revisões, com o debate se centrando nas refundações e reconceituações metodológicas, estratégicas, entre outras frentes. Segundo Gohn (2013, p. 42), a mudança operada na metodologia de trabalho desenvolvida pela Educação Popular a partir dos anos de 1990, que passou de áreas problemas para áreas temáticas específicas, “[...] alterou o sentido da ação social coletiva. As ações deixaram de ser uma meta externa a ser atingida […] e passaram a ser metas que visam operar mudanças nos próprios indivíduos”.

Com a vitória do PT, na eleição presidencial de 2002, inaugura-se uma relativa mudança no Estado. Freia-se, parcialmente, a lógica privatista, há uma retomada de investimentos e de defesa da qualidade dos serviços públicos oferecidos à população, como saúde e educação. Há uma ampliação do Estado em direção a uma maior participação popular e há práticas mais consistentes de diálogo, de transparência e de fiscalização dos recursos públicos. Lideranças históricas e quadros dos movimentos sociais passam a ocupar cargos no governo e a disputa de projetos de sociedade se acirra dentro da sociedade política.

No campo da Educação Popular, a ênfase também está dada na participação popular nas políticas públicas e na interface das práticas educativas com os “novos movimentos sociais10”, das mais diversas áreas. Destaca-se, nesse aspecto, a criação da Rede de Educação Cidadã11 (RECID), a partir de 2003 e a publicação do Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas (MREP). O MREP é fruto de um processo de participação popular e diálogo entre sociedade civil e Estado, que começa com a criação da Recid e culmina com sua publicação pela portaria nº 11, de 23 de maio de 2014, da Secretaria Geral da Presidência da República. Ele reconhece a Educação Popular como possibilidade de qualificar a participação popular nas políticas públicas e como uma forma de proceder nos processos formativos oriundos, principalmente, no âmbito do poder público. Assim, tem como objetivo “promover um campo comum de reflexão e orientação da prática no conjunto de iniciativas de Políticas Sociais que tenham origem, principalmente, na ação pública e que contemplem os diversos setores vinculados a processos educativo-formativos das políticas públicas do Governo Federal” (BRASIL, 2014, p. 07).

A consolidação de governos mais progressistas em municípios, estados e países da América Latina leva a alterações nas relações da administração pública com os movimentos sociais e populares e com a Educação Popular. A dicotomia presente nas décadas anteriores entre os governos e os movimentos sociais, que percebiam o Estado como inimigo a ser enfrentado, acaba dando passagem a outro tipo de relação e tensão.

Se com o estabelecimento de conjunturas mais democráticas houve um incremento da participação, esta não pressupõe automaticamente uma “partilha de poder” entre Estado e sociedade, nos termos de Evelina Dagnino (2004, p. 205). Nos marcos do projeto neoliberal, a “participação” aponta para a chamada “'participação solidária' e a ênfase no trabalho voluntário e na 'responsabilidade social', tanto de indivíduos como de empresas”.

Esse tipo de participação promove a transferência de responsabilidades sociais e de recursos do Estado para organizações sociais, dando contornos ao que tem sido chamado de “parceria” entre o Estado e a sociedade civil. Conforme observa Dagnino (2004), nessas circunstâncias, o significado de sociedade civil (entendida como espaço de contradição e lutas pela hegemonia) tem se restringido a designar ONGs, ou mesmo o chamado “Terceiro Setor”. O “chamado 'terceiro setor' parte do ideológico pressuposto da realidade social setorializada; assim existiria um primeiro, um segundo e um terceiro setor: o Estado, o mercado e a 'sociedade civil'” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 305). Numa perspectiva crítica, o fenômeno do terceiro setor diz respeito a particulares desenvolvendo atividade pública para dar respostas a demandas sociais - antes de responsabilidade do Estado - a partir de valores de solidariedade local, voluntariado, autorresponsabilização e individualização12.

No que tange à parceria, ressalta-se que ela não acontece somente entre o Estado e as ONGs ou o “terceiro setor”. A luta de movimentos sociais e populares para a concretização do poder popular, para ampliar o Estado no sentido de garantir conquistas das classes trabalhadoras, para superar a democracia formal, exigindo mais do que a participação em esporádicos períodos eleitorais, também produz relações com o Estado que se dão no marco das parcerias. O que se vê “é a emergência e a difusão de um padrão de relações de cooperação (o qual não exclui necessariamente a chance de conflito) entre Estado e organizações da sociedade civil” (SILVA; SCHMITT, 2014, p. 98). Entretanto, no avançar do século XXI e marcadamente a partir de 2011, quando o crescimento econômico brasileiro registrado nos últimos anos entra em declínio (BOITO JR, 2016), novos desafios estão colocados e a relação entre Estado e sociedade civil parece, novamente, mudar de ênfase. A execução de uma agenda neoliberal moderada, tendendo progressivamente ao neoliberalismo extremado levou a “uma forte ofensiva política e econômica sobre os trabalhadores e os movimentos sociais” (MACIEL, 2012, s/p).

O golpe de estado que pôs fim ao governo da presidenta Dilma Rousseff (PT) (JINKINGS; DORIA; CLETO, 2016) consagrou uma vitória do campo político neoliberal ortodoxo, ampliando o arrefecimento das relações de cooperação entre Estado e, principalmente, os movimentos sociais e setores populares da sociedade. Assim, a história política do Brasil e da América Latina volta a se transformar. Governos conservadores assumem o poder político institucional e os movimentos de esquerda se debilitam. Essa conjuntura vem alterando radicalmente as relações entre os movimentos sociais e organizações da sociedade civil progressistas e o Estado, modificando, evidentemente, a natureza e as formas de relação entre Educação Popular e Estado.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

As seis teses analisadas somam 1.431 páginas - uma média de 238 páginas para cada. Cinco foram escritas por mulheres. A mais antiga delas foi defendida em 2005 e a mais recente em 2013. Ainda há outras duas defendidas em 2009, outra em 2007 e outra em 2010, mostrando que houve certa regularidade temporal na realização dos trabalhos, não havendo nem concentração da produção, nem longos períodos sem pesquisas realizadas no intervalo analisado. Dois estudos foram realizados em universidades da região Sul do Brasil, ambos no Rio Grande do Sul (Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade do Vale do Rio dos Sinos); três na região Sudeste, sendo dois em São Paulo (Universidade de São Paulo e Universidade Estadual de Campinas) e um em Minas Gerais (Universidade Federal de Uberlândia); e um na região Nordeste, no estado da Paraíba (Universidade Federal da Paraíba). Entretanto, os objetos empíricos das pesquisas, não, necessariamente, estão localizados na mesma região das universidades.

Todos os trabalhos anunciam um enfoque dialético e quatro deles são explícitos ao utilizar o materialismo histórico dialético como referencial teórico-metodológico. Dos objetos empíricos investigados, três são ONGs, dois são cursos formais de educação - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e Movimento de Alfabetização de Adultos (MOVA) - ainda há uma pesquisa feita com moradores de um bairro popular e um estudo bibliográfico. Em relação às metodologias de pesquisa há uma sistematização de experiência, uma pesquisa participante, um estudo de caso e uma pesquisa bibliográfica. Somente uma das teses é crítica em relação à Educação Popular.

As autoras e o autor dos trabalhos são professores universitários no Brasil. Somente duas autoras tinham algum tipo de vínculo direto, para além da pesquisa, com os objetos empíricos analisados. As outras pesquisadoras e o pesquisador se aproximaram de seus objetos empíricos para a realização da tese.

Os principais autores que se constituem nas referências teóricas apresentadas nos trabalhos são: Paulo Freire, informando o debate sobre Educação Popular. Vanilda Paiva é o nome mais referenciado no tema da escola pública. Antonio Gramsci é o destaque que informa o tema do Estado; Pedro Pontual e Danilo Streck são referências para os temas da participação e da parceria entre Estado e movimentos sociais. Por fim, Oscar Jara e Carlos Brandão informam os temas das metodologias participativas.

De maneira geral, é possível afirmar que, nos estudos analisados, a capacidade da Educação Popular, como prática político-pedagógica, de contribuir para a transformação da sociedade capitalista é a questão chave que permeia todos os debates. O tema da transformação social transita entre a crítica e o apoio ao que se pode agrupar em torno dos termos “ação” ou “consciência” comunitária. Em um extremo, o da crítica, evidencia-se o argumento de que ações enquadradas nesse agrupamento não geram resultados que promovam mudanças estruturais na sociedade e que podem, muitas vezes, fortalecer o sistema capitalista. No outro extremo, o do apoio, está a afirmação de que o avanço da organização comunitária minimiza os impactos negativos do sistema capitalista. No meio do caminho, estão os que defendem a necessidade de mudanças estruturais, mas que não perdem de vista a urgência das demandas materiais locais e as potencialidades de resistência vividas nos territórios. Com base nesses achados, podem-se apontar perguntas de pesquisa e de intervenção para o campo da Educação Popular: há afinal práticas de Educação Popular que dão conta de intervenções numa perspectiva estruturante da sociedade capitalista? Onde e como elas estão ocorrendo? Será que as práticas focadas nas condições locais das comunidades podem contribuir para a transformação estrutural da sociedade? Se podem, como o fazem?

Entretanto, mesmo entre os que reafirmam o compromisso da Educação Popular com a transformação social há a compreensão de que, no atual momento histórico, não há um indicativo claro de um projeto político capaz de apresentar uma alternativa ao projeto hegemônico de sociedade. A elaboração de uma agenda comum que supere a fragmentação das práticas de Educação Popular e aponte para a construção de um projeto popular hegemônico, parece ser uma das grandes questões em aberto para esse campo de conhecimento e prática social.

Estado: a necessária desnaturalização do conceito

No que tange às concepções de Estado, o levantamento feito vem no sentido de corroborar a constatação de Morrow e Torres (2004, p. 33) de que “a contribuição de Antonio Gramsci tem sido central nos trabalhos de intelectuais, profissionais de ONG’s, professores e ativistas sociais no contexto da educação popular na América Latina”. Somente a tese 01 não se refere a Gramsci. Mas o que explicaria essa adesão ao autor e a suas teorias?

Gramsci cunha o conceito de Estado ampliado, que é formado pela sociedade política - responsável pela dominação coercitiva - e pela chamada sociedade civil - onde os grupos sociais se organizam, disputam interesses, difundem valores, culturas, ideologias, conquistam ou conservam hegemonia.

A hegemonia, na teoria gramsciana, “não equivale à pura dominação, mas à direção social baseada num certo consenso e aceitação dos setores subalternos (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 45). Para as classes subalternas conquistarem hegemonia seriam necessárias uma intensa preparação das massas e uma nova concepção de mundo.

Se os indivíduos abraçaram as crenças que reforçam a ordem social que os oprime, então elas não irão desaparecer automaticamente quando as condições objetivas para a mudança revolucionária (i.e. crise econômica) ocorrerem. Desta perspectiva, portanto, um aspecto crucial da estratégia revolucionária tinha de ser a luta cultural (e num senso mais lato, educativa) anterior à emergência de uma crise revolucionária (MORROW; TORRES, 2004, p. 34).

A presença central de uma dimensão educativa nas teorias de Gramsci pode sinalizar uma explicação para o destaque que elas têm nos trabalhos pesquisados. Além disso, entre a Educação Popular e Gramsci é possível traçar relações. Ainda que pudesse estar ausente nos primeiros escritos de Paulo Freire, já na década de 1970 o pensamento e o discurso de Freire não separam a educação da política. Iniciando em Marx e avançando até Gramsci, os escritos do brasileiro vão, cada vez mais, dando espaço, direta ou indiretamente, a conceitos gramscianos como: a educação como processo de elevação cultural, os novos intelectuais, o partido como intelectual-coletivo (SCOCUGLIA, 1999). De maneira gradativa e crescente, a teoria de Gramsci vai informando o campo da Educação Popular e, possivelmente, os que dela se aproximam.

Apesar de Gramsci ser, na maioria das teses estudadas, referência teórica para a formulação de uma concepção de Estado, ainda que pese o fato de a compreensão de Estado não ser a mesma em todas elas, talvez o mais relevante a se destacar, neste estudo, seja a constatação de que alguns trabalhos, ainda que tenham o Estado como elemento relevante em suas análises e discutam seus aspectos, não apresentam uma definição explícita de Estado. É o que acontece em duas pesquisas (teses 01 e 03) e, nesses casos, foi necessário buscar elementos ao longo dos textos para inferir como as autoras compreendem o que vem a ser o Estado. Em outra, o conceito é explícito, mas não é claro (tese 02).

A partir da análise das teses, percebe-se certa “naturalização”, em graus diferentes, de determinados conceitos - no caso o de Estado. O conceito de Estado não escapa ao fato de que “todo conceito é historicamente construído” (MINAYO, 2013, p. 177) e, portanto, dinâmico. Ele só pode ganhar sentido e materialidade a partir de determinada realidade, observando as particularidades e os aspectos que o conformam.

Da mesma forma, quando um conceito é naturalizado, um risco que se corre é o de se desconsiderar a totalidade social, da qual o sujeito investigado é parte. Segundo Ciavatta (2001, p. 123), “no sentido marxiano, a totalidade é um conjunto de fatos articulados ou o contexto de um objeto com suas múltiplas relações ou, ainda, um todo estruturado que se desenvolve e se cria como produção social do homem”. Os fatos sociais estabelecem relações entre si e com o todo, que compõe uma totalidade dinâmica. Ocupar-se em depurar e analisar rigorosamente uma totalidade social, compreendendo e definindo seus componentes e suas relações é imperativo para a compreensão do movimento do real, em sua concretude (KOSIK, 1976) e uma exigência que deve ser, permanentemente, perseguida quando o objetivo é capturar as dinâmicas do objeto analisado, compreendê-lo e, inclusive, transformá-lo.

Educação Popular: uma disputa de sentidos e projetos

Há, nos trabalhos estudados, diferenças no que tange à conceituação de Educação Popular. Quatro grandes tendências de compreensão do que é a Educação Popular podem ser identificadas nas teses13: 1) a que relaciona a Educação Popular a processos de organização local e de conscientização comunitária, sem perspectiva de classe; 2) a que define a Educação Popular como experiências educativas que ocorreram entre as décadas de 1950 e 1960 e que tinham o objetivo de adequar a classe trabalhadora a um projeto de nação; 3) a que enquadra a Educação Popular como educação não formal e 4) a que entende a Educação Popular como uma prática pedagógica que chega ao século XXI e que possui uma dimensão política e de transformação da realidade.

A ampla divergência de conceituação encontrada pode indicar que existe uma disputa de sentidos e de projetos dentro do campo que tem sido, comumente, chamado de Educação Popular. Admitindo a possibilidade de tal disputa, poderia ser relevante que os pesquisadores interessados no tema atentassem para ela e buscassem refletir sobre o que estão entendendo por Educação Popular nos contextos de suas investigações. E, ainda, se tais disputas de sentido ocorrem no âmbito acadêmico, é possível conjecturar que elas também ocorram no seio dos movimentos e das organizações sociais que desenvolvem atividades de Educação Popular. Não se pode, nos limites deste trabalho, avançar em direção à confirmação dessa hipótese. Fica a sinalização de que ela pode ser explorada em outros estudos.

As teses também se ocuparam, em distintos graus, de abordar e de compreender o processo histórico pelo qual passa a Educação Popular - necessidade imperativa para as pesquisas, uma vez que não é possível falar da Educação Popular como um conceito abstrato, genérico e aplicável a qualquer contexto. Somente a tese 01 não registra os processos e as questões que perpassam os sujeitos da Educação Popular a partir da década de 1990 até hoje - a chamada refundação da Educação Popular. A tese 06, por sua vez, faz o debate histórico de maneira indireta, ao resgatar a história do objeto empírico que está analisando. Em graus bastante diferentes os outros trabalhos discutem a refundação da Educação Popular.

As teses 02 e 04 - que estudaram cursos do MOVA e do PRONERA - chamam a atenção nesse aspecto. A refundação vivida pela Educação Popular não possui centralidade em nenhum dos dois trabalhos. Eles fazem referência a esse momento de maneira sintética e ligeira, mas cumpre ressaltar que ambos são os únicos que registram certo tipo de resistência a uma suposta fragilização da Educação Popular, no que tange ao seu objetivo de contribuir com a transformação radical da sociedade, tendo como referência a ampliação do Estado, da democracia e a constituição do poder popular. Talvez explique essa abordagem o fato de que as duas teses são as únicas feitas a partir de uma metodologia participativa. Diferente das outras autoras e autor, as duas pesquisadoras são as únicas que têm trajetória de militância social relacionada aos sujeitos das pesquisas. Parece que as conclusões a que chegam os trabalhos podem estar relacionadas a um tipo de relação estabelecida entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados. Tal hipótese não representa uma desqualificação dos outros trabalhos, há que se registrar, mas uma distinção destes em relação àqueles.

Relação entre Educação Popular e Estado: um vínculo que impacta ambos

Implica esclarecer que neste texto se trabalha com a perspectiva de que a relação estabelecida entre a sociedade civil e o Estado não é dada dentro de um padrão único, uniforme e permanente. Admite-se que haja diferentes relações, com diferentes objetivos14. Aqui, relação não está sendo observada e analisada como algo que ocorre entre um objeto determinado, pré-existente, com características fixas e que, posteriormente, entra em contato com outro objeto. Entende-se que o próprio objeto só existe na relação dialética com o outro “constituindo-se no que é, a partir desta relação” (SILVA, 2006, p. 160).

Começa-se por observar que nenhuma das teses situa a relação da Educação Popular com o Estado num campo, exclusivamente, de oposição e/ou enfrentamento, ou mesmo de cobrança e/ou reivindicações. Todas situam essa relação em outro nível relacional, mais próximo da parceria ou da participação.

As teses 02 e 04, que analisaram atividades educativas planejadas e executadas conjuntamente pela sociedade civil e pelo Estado - MOVA e PRONERA, respectivamente - posicionam a relação entre os dois elementos no nível da parceria. A tese 02 fala de uma parceria entre Estado e sociedade civil, na medida em que há “um processo de construção conjunta de vontades (objetivos) do Estado e da sociedade na produção de serviços públicos, onde ambos compartem responsabilidades específicas” (TESE 02, p. 25). Também registra que se trata de um processo tenso e conflituoso. “Percebeu-se, muito cedo, que o Estado operava com outra lógica e não estava 'preparado' para administrar 'em parceria'. As dificuldades foram enormes para respeitar, na prática, a autonomia dos grupos sociais” (TESE 02, p. 73).

Por sua vez, a tese 04 não parece situar a parceria entre Educação Popular e Estado tendo como foco os objetivos da ação conjunta. O termo “parceria”, nesse trabalho, parece estar mais relacionado a um processo de aproximação que teria a finalidade de “ampliar o Estado em direção aos interesses dos setores excluídos da sociedade” (TESE 04, p. 40). Essa tese parece deixar mais evidente que a relação entre sociedade civil e Estado altera ambos e pode resultar em processos que contribuam para a construção de uma hegemonia popular ou que fortaleçam o atual projeto de sociedade.

Em direção distinta, vão as análises das teses 03 e 06, que analisaram a atuação de ONGs, e da tese 05, que realizou um estudo bibliográfico. No caso desses trabalhos, a relação está mais próxima de uma “substituição” do Estado na oferta de políticas sociais, com consequente fortalecimento do sistema capitalista15.

Destaca-se que a tese 03 trata a relação entre ambos a partir da visão dos educadores que trabalham nas duas ONGs pesquisadas - o que é um diferencial em relação aos outros trabalhos. É a partir de como eles compreendem Educação Popular, como definem e explicam suas práticas educativas, como veem o resultado de seus trabalhos que a autora vai posicionando a relação. Tendo em conta a visão dos educadores entrevistados, a autora conclui que é um desafio das ONGs “realizar uma educação popular efetivamente crítica” (TESE 03, p. 206).

No âmbito deste texto, cabe perguntar que tipo de conclusão poderia chegar um pesquisador que se propusesse a analisar a relação entre Educação Popular e Estado, tendo como foco de análise a Educação Popular como prática pedagógica mediadora da relação, com determinada intencionalidade, com estratégia e metodologia específicas, com objetivos definidos.

Por fim, a tese 01 se diferencia das outras teses. Ela situa a relação da Educação Popular com o Estado principalmente no campo da participação social. A autora entende a Educação Popular como um arcabouço de conceitos teóricos e metodológicos capaz de informar uma prática participativa. Essa prática se caracterizaria pela necessidade de a população que compõe “todos os segmentos sociais” ser consultada (TESE 01, p. 176), no que tange à solução dos problemas da comunidade e à “obrigação” do poder público “de reverter ou, pelo menos, mitigar o quadro de insalubridade ambiental” (TESE 01, p. 174).

Como visto, o campo da Educação Popular congrega uma diversidade de atores e intencionalidades. Estão subscritos em sua órbita atividades educativas de ONGs, experiências de educação do campo, de educação comunitária, de educação sindical e muitas outras. Esses atores estabelecem, entre a sociedade civil e o Estado, relações de parceria ou de compartilhamento de responsabilidades na execução ou na formulação de políticas públicas e programas governamentais que também se apresentam com natureza e conteúdos diversos.

Essas relações estavam, considerando o período histórico das experiências analisadas nas pesquisas, conformando um novo padrão de relações entre atores da sociedade civil e o Estado. Tais relações, ao que a análise das pesquisas indica, estariam produzindo alterações nas dinâmicas de atuação tanto nos primeiros, quanto no segundo, conclusão inclusive já observada por autores de outros campos do conhecimento, como, por exemplo, Silva e Schmitt (2014). Observar e analisar essas possíveis implicações nos movimentos sociais, ligados à Educação Popular e mesmo no Estado e nos governos parece ser um campo que ainda demanda investigação e que ganha relevância indiscutível como parte de análises sobre as derrotas eleitorais recentes dos movimentos sociais e de partidos progressistas. Além disso, entender como a Educação Popular, como prática político-pedagógica, tem contribuído na formação de atores sociais que lutam pela construção de uma hegemonia popular, nas sociedades civil e política, no âmbito das pesquisas acadêmicas ainda merece investigações.

CONCLUSÕES

Após analisadas as teses e considerando as afinidades entre os trabalhos, o que se percebe é que a Educação Popular mantém suas bases históricas e suas relações de origem, que pressupõem a transformação social e a libertação do oprimido (FREIRE, 2005), mas que há aí uma intensa disputa de sentidos e objetivos. Essa disputa parece evidenciar a necessidade das organizações e dos movimentos sociais e populares que se articulam por meio da Educação Popular e que têm como horizonte de ação a superação da sociedade capitalista, pensarem e repensarem permanente e estrategicamente suas ações.

Também há uma aproximação entre os trabalhos no que se refere à relação estabelecida entre a Educação Popular e o Estado. Nenhuma das teses restringe tal relação a uma postura de enfrentamento daquela em relação a este. Todas apontam, em alguma medida, a existência de certo grau de compartilhamento de responsabilidades na execução ou mesmo na formulação de políticas e programas governamentais, estabelecendo parcerias de naturezas e características diferentes, como foi apresentado anteriormente.

O predomínio desse tipo de relação conforma a emergência e o desenvolvimento de um padrão de relação entre a sociedade civil e o Estado, com implicações tanto para um quanto para outro. O complexo cenário que se apresenta para os movimentos é o de relacionar a execução de programas e projetos com a disputa de projetos políticos, tanto na esfera da sociedade civil, quando da sociedade política.

As seis teses estudadas enquadram a relação da Educação Popular e o Estado em análises que focam os impactos e as implicações dessas relações nos movimentos ou nas organizações sociais. Não há, entre os trabalhos analisados e nem na bibliografia pesquisada, investigações que foquem essas relações analisando, principalmente, suas implicações e seus impactos no Estado ou nos governos. Talvez haja aí espaço para novas análises.

Quanto às abordagens teórico-metodológicas das teses analisadas, todas anunciam que trabalham com uma abordagem dialética. O materialismo histórico-dialético é a referência da maioria delas. Tal dado parece relevante, na medida em que, no campo das ciências sociais no Brasil, a partir da década de 1990, “toma conta do ambiente da pesquisa e do ensino nas universidades uma ampla constelação de posturas pós-modernas” (FRIGOTTO, 2001, p. 25). Tais indícios informam que, no campo de conhecimento da Educação Popular, a conservação de interesse em compreender a realidade como uma totalidade histórica e dinâmica e sujeito e objeto como elementos em permanente relação constitutiva, não cedendo a análises fragmentadas, relativistas ou evolucionistas da realidade, tem lugar relevante.

Por fim, destaca-se que as análises das teses, as hipóteses aqui levantadas e as questões propostas são - como são os estados da arte em geral - frutos de uma leitura possível dos materiais. Elas devem ser encaradas como uma proposta de diálogo com outros pesquisadores, numa tentativa de contribuir para a ampliação e o aprofundamento dos estudos do campo da Educação Popular.

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3Também se registra a realização de um estado da arte sobre Educação Popular restrito à produção acadêmica, teses e dissertações, das pós-graduações stricto sensu em Educação e em Serviço Social do estado da Paraíba, no Nordeste do Brasil, entre os anos de 1980 e 2016. Esse trabalho pode ser conhecido em Machado, Cavalcante e Soares (2017).

4A educação escolar de jovens e adultos também foi estudada anteriormente por equipes coordenadas por Sérgio Haddad. Foram realizados dois estados da arte contemplando os intervalos entre 1986 e 1998 e 1975 e 1985. O estudo mais recente tem um capítulo que se dedica à Educação Popular (HADDAD, 2000).

5Trata-se de uma base de dados criada e gerenciada pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e alimentada, voluntariamente, por universidades e institutos de pesquisa brasileiros que depositam os trabalhos produzidos por seus estudantes/pesquisadores. Ela pode ser acessada em <bdtd.ibict.br>.

6Para a elaboração de nove itens que definem a Educação Popular, Zitkoski utiliza escritos de Carlos Rodrigues Brandão, Paulo Freire e Raúl Mejía (ZITKOSKI, 2011).

7O projeto, capitaneado por Paulo Freire, tinha a meta de alfabetizar milhares de adultos por meio da criação de 20 mil círculos de cultura, que aconteceriam, a princípio, nas áreas urbanas e posteriormente nas zonas rurais.

8Posteriormente, em 2009, o Artigo 208 da Constituição Federal é alterado estabelecendo como dever do Estado a garantia de “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria” (BRASIL, 1988, s/p).

9Ilustra a questão, por exemplo, a gestão da prefeita de São Paulo, Luiza Erundina (PT), em 1998. Na ocasião, Paulo Freire assume a Secretaria Municipal de Educação e começa a desenvolver um projeto de base para uma educação pública popular (GADOTTI; TORRES, 1992) que pode ser exemplificado pela criação do Movimento de Alfabetização de São Paulo (MOVA-SP). “Por escola pública popular entendemos uma escola à qual todos têm acesso, democraticamente administrada e com uma nova qualidade. [...] essa escola devia ser um espaço de Educação Popular e não apenas o lugar da transmissão de alguns conhecimentos” (GADOTTI; TORRES, 1992, p. 72).

10Segundo Brandão (2002, p. 232), os novos movimentos sociais têm como regra geral “uma forte individualização de vocações e um forte apelo a uma militância de identidades”. Na ação social de tais movimentos perde centralidade a perspectiva de luta de classe e a necessidade de superação do modo de produção capitalista para se transformar a sociedade.

11A Recid é “uma experiência de gestão político-pedagógica e administrativo-financeira compartilhada (em rede), que ocorre no âmbito do território brasileiro, a partir da articulação entre Estado e sociedade civil”, segundo informações disponíveis no site do Instituto Paulo Freire <http://www.paulofreire.org/>. Ela desenvolve ações que partem do campo de conhecimento da Educação Popular e que se relacionam ao “desenvolvimento da economia solidária, ao controle social das políticas públicas, à organização popular, à geração de trabalho e renda, à defesa de todos os direitos conquistados pela população”, conforme consta no endereço eletrônico da rede <http://recid.redelivre.org.br/>.

12O debate das ONGs não se reduz ao debate da consolidação e ampliação do terceiro setor. Elas são anteriores a ele. Num contexto internacional, o termo é utilizado pela ONU, ainda na década de 1940, para designar entidades executoras de projetos humanitários ou de interesse público. No Brasil, a partir da década de 1960, elas surgem como centros de Educação Popular e de assessoria a movimentos sociais.

13A composição desta classificação se apoiou em Carlos Brandão (2002) que, ao tratar do percurso da Educação Popular no Brasil, dá pistas que auxiliam na compreensão dessa “experiência polissêmica”. Não se trata de uma reprodução da classificação feita por Brandão, mas a pesquisa do autor informa e orienta a análise das teses realizada.

14Segundo Silva e Moura (2008), houve, na literatura nacional brasileira sobre essa relação, predomínio de uma visão de oposição - maniqueísta e dicotômica - que colocava o Estado em um polo autoritário e a sociedade civil em um polo democrático. Trata-se de uma visão que tem como pressuposto a existência de um vínculo naturalmente positivo entre organização societária e democratização, mantendo, em geral, uma análise estereotipada e homogênea da sociedade civil.

15A tese 05 ainda acrescenta que durante o “Estado Novo” (1937-1945), a relação da Educação Popular com o Estado seria estratégica, no sentido de adequar as massas trabalhadoras a um projeto de estado.

Recebido: 12 de Novembro de 2019; Aceito: 26 de Fevereiro de 2021

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