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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.37  Belo Horizonte  2021  Epub 31-Jul-2021

https://doi.org/10.1590/0102-4698235838 

Artigos

PRÁTICAS FORMATIVAS NA FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE: O CASO DO CONSÓRCIO DE PRÁTICA ESSENCIAL

BARBARA BARBOSA BORN1 
http://orcid.org/0000-0002-3440-8069

GABRIELA MIRANDA MORICONI2 
http://orcid.org/0000-0001-7739-3787

PAULA LOUZANO3 
http://orcid.org/0000-0002-7803-1160

1Doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de Stanford. Palo Alto, Califórnia (CA), Estados Unidos. <bborn@stanford.edu>

2Pesquisadora da Fundação Carlos Chagas. São Paulo, SP, Brasil. <gmoriconi@fcc.org.br>

3Diretora da Faculdade de Educação da Universidade Diego Portales. Santiago, Região Metropolitana, Chile. <paula.louzano@udp.cl>


RESUMO:

Este trabalho apresenta e discute as práticas formativas desenvolvidas pelo Consórcio de Prática Essencial (Core Practice Consortium - CPC), um conjunto de 12 Faculdades de Educação dos Estados Unidos que colaboram em pesquisas e iniciativas de formação de professores desde 2012. A metodologia utilizada foi uma revisão bibliográfica das produções acadêmicas das principais pesquisadoras do grupo nos últimos dez anos. Como resultado, identificou-se que a abordagem proposta pelo CPC se insere na “formação de professores centrada na prática” e busca preparar os licenciandos para desenvolver práticas consideradas essenciais para a docência na educação básica. Para tanto, os pesquisadores do consórcio identificaram práticas essenciais da docência em diferentes áreas do conhecimento - o conteúdo de ensino - e práticas formativas que se mostram efetivas no processo de ensino das práticas essenciais para futuros professores. As evidências produzidas pelo consórcio e exploradas neste trabalho podem se constituir em inspiração para as reflexões acerca de práticas formativas no contexto brasileiro.

Palavras-chave: práticas de ensino; práticas formativas; formação inicial de professores

ABSTRACT:

This paper presents and discusses pedagogies developed by the Core Practice Consortium (CPC), a group of 12 Graduate Schools of Education in the United States who collaborate in teacher education research and practice since 2012. The method was a bibliographical review of the academic production of CPC’s main researchers for the last ten years. As a result, we found that the CPC is a “practice-based teacher education” approach and aims to prepare student teachers to enact practices considered essential for teaching in k12 education. For this purpose, researchers identified core practices for teaching in different subjects - the content - and pedagogies that appear to be effective on the process of teaching core practices to future teachers. The evidences produced by the consortium and explored in this paper may serve as an inspiration to reflections about pedagogies in the Brazilian context.

Keywords: teaching practices; pedagogies; teacher initial education

RESUMEN:

Este artículo presenta y discute las pedagogías desarrolladas por el Core Practice Consortium (CPC), un grupo de 12 Facultades de Educación en los Estados Unidos que colaboran en la investigación y práctica de la formación docente desde 2012. El método empleado fue una revisión bibliográfica de la producción de los principales investigadores de CPC durante los últimos diez años. Como resultado, encontramos que el enfoque de CPC se enmarca dentro de la “formación docente basada en la práctica” y busca preparar a los futuros docentes para implementar prácticas consideradas esenciales para la enseñanza en la educación escolar. Para este propósito, los investigadores identificaron prácticas esenciales para la enseñanza en diferentes materias - el contenido de la enseñanza - y también pedagogías o prácticas formativas que parecen ser efectivas en el proceso de enseñanza de las prácticas esenciales a docentes en formación. La evidencia producida por el consorcio y explorada en este artículo puede servir de inspiración para reflexiones sobre las pedagogías en el contexto brasileño.

Palabras clave: prácticas docentes; pedagogías; formación inicial docente

INTRODUÇÃO

O exercício da docência, tal qual a medicina, a advocacia ou outras profissões, demanda o domínio de um corpo de conhecimentos específicos e o engajamento em práticas profissionais próprias (HOYLE, 1995; SHULMAN, 1987). Considerar a docência como uma profissão pressupõe que um indivíduo não nasce professor e nem se torna professor por um processo natural e indeterminado, totalmente dependente do talento do sujeito (VILLEGAS-REIMERS, 2003). Pelo contrário: pressupõe a necessidade de aprender de modo teórico e prático a ser professor por meio de diferentes experiências que sejam oferecidas na formação inicial e continuem sendo proporcionadas ao longo de toda a sua carreira.

O mapeamento de tais experiências têm mobilizado pesquisadores do campo da formação docente. Nos últimos 25 anos, inúmeros estudos foram realizados na tentativa de identificar as diversas formas mediante as quais o conhecimento profissional, necessário para um ensino de qualidade, tem sido ministrado aos futuros professores. A literatura indica a presença de diferentes abordagens que enfocam desde o conhecimento teórico (SHULMAN, 1987) e o saber-fazer da docência (TARDIF; GAUTHIER, 2001; FEIMAN-NEMSER, 2003) até as competências e habilidades pedagógicas necessárias ao bom professor (PERRENOUD, 2001; DESIMONE; HOCHBERG; MCMAKEN, 2016).

Um dos aspectos mais relevantes identificados por diferentes pesquisas sobre formação inicial docente é que, ao passo que o conteúdo é importante (“o que é ensinado”), os meios pelos quais os conteúdos são abordados pelos formadores ou as práticas formativas (“como se ensina”), são tão ou mais importantes. Há que se considerar que todos os futuros professores foram expostos, durante sua trajetória escolar, a várias maneiras de conduzir o processo de ensino. Com isso, mesmo antes de iniciar sua formação para o magistério, eles já imaginam ter uma boa noção sobre o que é ser professor. Esse tipo de aprendizado observacional faz com que eles desenvolvam crenças e imagens bastante arraigadas a respeito de como ensinar, as quais os levam, frequentemente, a imitar procedimentos tradicionais seguidos por seus antigos mestres (BALL; COHEN, 1999; LORTIE, 1975; VAILLANT; MARCELO, 2012). Porém, deve-se considerar que apenas raramente estratégias focadas essencialmente na transmissão de conhecimentos conseguem preparar bem os futuros docentes, considerando os novos desafios colocados pelo mundo contemporâneo à sala de aula: promover, mediante a apropriação dos conteúdos escolares, o pensamento flexível, independente e criativo (BALL; COHEN, 1999), podendo, assim, enfrentar bem os problemas com os quais inexoravelmente se depararão. Para que isso ocorra, a formação docente, que se inicia nos cursos de licenciatura e prossegue na formação continuada e na colaboração profissional, exige a articulação de novos conhecimentos teóricos e práticos que possam ser mobilizados a serviço da aprendizagem dos alunos da educação básica.

Buscando corroborar a sistematização de experiências nessa direção, a pesquisa na qual esse artigo se insere investigou práticas formativas utilizadas na formação inicial docente em diversos contextos. Este trabalho tem como objetivo apresentar e discutir a abordagem de formação inicial de professores proposta pelo Consórcio de Prática Essencial (Core Practice Consortium, CPC, em inglês), um conjunto de 12 Faculdades de Educação dos Estados Unidos que colaboram em projetos de pesquisa e formação de professores desde 2012. Mais especificamente, o trabalho investiga qual a concepção de formação de professores está presente no trabalho do CPC, o que são as práticas essenciais e como elas apoiam a aprendizagem dos professores, e que tipo de práticas formativas são utilizadas pelo consórcio. A seleção foi orientada pelo caráter científico da investigação da efetividade de tais práticas na formação de futuros professores. A sistematização dos achados dessas pesquisas visa contribuir para o debate sobre formação inicial no contexto brasileiro.

Para tanto, este artigo está organizado em quatro seções, incluindo esta introdução. A segunda seção traz uma discussão acerca dos referenciais teóricos que situam a formação de professores baseada na prática, quadro de referência dentro do qual o CPC se insere. A terceira seção detalha a realização da revisão bibliográfica que foi empregada como metodologia investigativa do estudo. Segue-se a quarta seção, a qual apresenta e analisa os resultados da revisão de publicações de pesquisadoras do CPC, seguida da conclusão do artigo, discutindo como tais achados podem apoiar a reflexão e a pesquisa sobre a formação de professores no contexto nacional.

REFERENCIAL TEÓRICO: VISÕES DE PROFISSIONALISMO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES BASEADA NA PRÁTICA

Se por um lado, há consenso na literatura internacional sobre a importância dos professores para a melhoria da qualidade da educação, ainda perdura um grande debate sobre o que caracterizaria o profissional capaz de promover aprendizagens efetivas em sala de aula (AUGUSTE; KIHN; MILLER, 2010; HANUSHEK, 2014; DARLING-HAMMOND, 2014; ZEICHNER, 2012; GROSSMAN; KAVANAGH; DEAN, 2018). A identificação desse perfil profissional envolve visões de docência orientadas por filosofias e ideologias bastante distintas, abrangendo pesquisadores de universidades, centros de pesquisa e think thanks, formuladores de políticas públicas e organizações não governamentais (ONGs).

Especificamente no contexto estadunidense, duas perspectivas têm se destacado em torno da definição do que caracterizaria um profissional docente eficaz. De um lado, está o grupo de pesquisadores que alega que tais profissionais seriam aqueles indivíduos academicamente talentosos e altamente motivados em relação à profissão docente. Tal ideia parte do princípio de que características pessoais dos sujeitos são os motores da transformação educacional. De outro lado, encontram-se pesquisadores cujas propostas de profissionalização docente estão calcadas na participação em uma formação robusta e orientada para o exercício profissional. De acordo com essa perspectiva, a eficácia docente seria fruto de uma formação que fortalecesse a base de conhecimento e as práticas dos professores. Tal abordagem parte do princípio de que as ações dos sujeitos, que são passíveis de transformação via formação inicial e continuada, devem ser o foco da transformação educacional.

A primeira visão é defendida por pesquisadores que acreditam ser desnecessário - ou menos relevante - exigir que um professor possua um diploma de licenciatura em curso de formação inicial tradicional e demonstrar sua capacidade por meio de uma certificação - pré-requisitos que representam o modelo mais comum de preparo e de ingresso na carreira docente nos Estados Unidos (HANUSHEK; RIVKIN, 2004; GORDON; KANE; STAIGER, 2006). De acordo com esses autores, não haveria evidência empírica consistente de que professores com certificados tradicionais produzam melhores resultados em termos do desempenho dos seus alunos e, portanto, não se justificaria manter esse tipo de barreira de entrada à docência. Baseados nessa constatação, eles defendem que qualquer profissional interessado em lecionar, mesmo sem as credenciais exigidas, seja aceito como professor e seja avaliado por meio do desempenho de seus alunos em testes padronizados - quando então seria possível identificar se o sujeito seria um bom professor e tomar a decisão de mantê-lo ou não na profissão.

Já a segunda visão propõe reformular os currículos dos cursos de formação inicial, colocando a prática pedagógica no centro da formação, de maneira que os professores sejam mais bem preparados para lidar com os desafios contemporâneos da docência (DARLING-HAMMOND, 2014). Segundo Zeichner (2012), uma importante característica de cursos baseados na prática é o foco sistemático no desenvolvimento das habilidades, por parte dos licenciandos, para aplicar práticas altamente estimulantes (high-leverage practices, em inglês).

A proposta de melhorar a qualidade dos cursos de formação inicial de professores a partir de uma abordagem que coloca a prática docente no centro não é nova no contexto estadunidense (ZEICHNER, 2012). Essa abordagem, conhecida como “formação de professores centrada na prática” (practice-centered or practice-based teacher education, PBTE, na sigla em inglês) teve suas primeiras iniciativas nos anos 20, quando, a partir de uma extensa pesquisa de campo com professores de todo o país, construiu-se um conjunto com mais de 1000 práticas e atividades comuns à profissão. A intenção era que essas práticas, somadas à definição de um conjunto de traços de personalidade identificáveis, formassem a base científica para a construção de um currículo de formação de professores. Segundo Forzani (2014), a pesquisa em questão não foi baseada em nenhuma concepção particular de ensino e não havia nenhuma teoria a partir da qual se decidiu qual atividade deveria ser incluída ou não, tratando-se mais de uma análise detalhada do trabalho docente.

Nos anos 60 e 70, quando a pesquisa sobre o ensino estava fundamentada em teorias comportamentalistas, as iniciativas de PBTE nos Estados Unidos foram centradas na ideia de uma formação docente baseada em habilidades específicas. Tratava-se de um modelo de formação marcado pela identificação de competências pontuais para o ensino e de oportunidades para que os futuros professores praticassem e repetissem essas práticas. Nesse modelo, emergiu na formação inicial docente a prática formativa do microensino, uma estratégia na qual uma determinada prática de sala de aula é ensaiada para ser reproduzida à perfeição (MCDONALD; KAZEMI; KAVANAGH, 2013). Esse modelo foi questionado por ser considerado uma lista simplista de atividades que não demandavam julgamento profissional ou reflexão por parte dos envolvidos, resultando em uma concepção meramente técnica do ensino (GROSSMAN; KAVANAGH; DEAN, 2018).

Em contraposição a essa abordagem, nos anos 80 o foco da formação docente nos Estados Unidos se voltou para os conhecimentos e para a reflexão dos professores, a partir de uma visão cognitivista. Com base nessas ideias, o ensino é visto como uma série de decisões profissionais complexas, as quais são individuais e contextualizadas, e exigem uma base de conhecimentos próprios da docência (SHULMAN, 1987). Para apoiar o desenvolvimento desse tipo de capacidade, o uso de casos de ensino como prática formativa passou a ser muito enfatizado na formação inicial de professores (GROSSMAN, 2005). A utilização dos casos tinha como princípio o fortalecimento do repertório de conhecimento do professor sobre potenciais abordagens e estratégias utilizadas em contextos distintos (SHULMAN, 1986).

Embora distintas quanto à sua natureza, essas duas abordagens têm em comum o fato de focarem no desenvolvimento de qualidades específicas dos indivíduos (sejam habilidades pontuais ou um corpo de saberes teóricos), e foram influentes em diferentes políticas tais como a certificação, o recrutamento e a retenção de professores no contexto estadunidense. No entanto, diversos especialistas, entre eles as pesquisadoras participantes do CPC, apontam que existiria pouca evidência de que elas tenham sido capazes de contribuir para as práticas de sala de aula de maneira efetiva (BALL; FORZANI, 2009; MCDONALD; KAZEMI; KAVANAGH, 2013).

Segundo esses especialistas, o que os estudos no campo da formação de professores têm demonstrado nas últimas décadas é que concentrar-se no desenvolvimento de aspectos que são restritos ao repertório individual dos professores seria insuficiente para elevar a qualidade do ensino. Para estimular a aprendizagem em alto nível, seria necessária uma formação que forneça ao professor um repertório para conhecer seu aluno cognitiva e socialmente, compreender o conteúdo que deve ser ensinado desde uma perspectiva pedagógica, e ser capaz de estruturar atividades que engajem os alunos em aprendizagens profundas (BALL; FORZANI, 2009; BRANSFORD; COCKING, 2000; DARLING-HAMMOND, 2000; DARLING-HAMMOND; BRANSFORD, 2005).

Com isso, a nova abordagem de formação centrada na prática incorpora uma visão de profissionalismo na qual o docente é alguém que possui um grande repertório intelectual acerca daquilo que ensina, mas também uma grande capacidade de colocar tais conhecimentos em prática nas circunstâncias diversas da sala de aula. Parte-se do princípio de que é fundamental que o curso de formação inicial ofereça ao futuro profissional inúmeras oportunidades para se aproximar e explorar tarefas e ações que são próprias do fazer docente. É no bojo dessas reflexões que emerge o Core Practice Consortium, foco de análise deste artigo.

Na sequência, a metodologia de análise das práticas investigadas por esse grupo é apresentada, seguida da discussão dos achados da pesquisa.

METODOLOGIA

Este artigo adotou a revisão bibliográfica como metodologia. A pesquisa da qual este trabalho é parte buscou fazer uso de revisões de literatura para identificar práticas formativas utilizadas na formação inicial docente em diversos contextos e que apresentassem potencial para contribuir para que os licenciandos aprendam a ensinar. Assim, pretendeu-se identificar e compreender diferentes visões sobre a formação inicial de professores e suas respectivas práticas no intuito de melhor formar os futuros professores. Entendeu-se que os procedimentos adotados deviam buscar certa diversidade de práticas formativas e/ou de concepções nas quais elas se baseiam, ao mesmo tempo tentando garantir que essas práticas formativas demonstrassem ter um alto potencial de contribuição para a formação de futuros professores.

A partir dessas diretrizes, decidiu-se orientar a busca pela literatura a partir de “grupos de referência”, que segundo Gatti (2005, p. 30) constituem “redes de trocas de ideias e disseminação de propostas e achados de investigação”. Para a seleção dos referidos grupos, foram utilizados como critérios: a) o foco de pesquisa ser voltado para os formadores de professores e b) a existência de uma quantidade relativa de produções que, de alguma forma, evidenciassem um processo contínuo de investigação e amadurecimento no diálogo com outros pesquisadores sobre o tema.

No Brasil, as pesquisas no campo da formação de professores são muito influenciadas por autores estadunidenses e francófonos. Autores como Kenneth Zeichner e Marylin Cochran-Smith, bem como Maurice Tardif e Claude Lessard são referências frequentes em produções de autores brasileiros sobre o tema. A partir do conhecimento prévio da equipe de pesquisa, bem como de indicações de especialistas, buscou-se grupos de referência no contexto dos Estados Unidos, de países francófonos como a França, a Bélgica, a Suíça e o Canadá, e do Brasil. O esforço foi no sentido de encontrar pesquisas, dentro do campo da formação inicial docente, que envolvessem a investigação e a proposição de práticas formativas.

Em uma dessas iniciativas, partindo de publicações produzidas na literatura estadunidense no âmbito da abordagem conhecida como “formação de professores centrada na prática” (practice-centered or practice-based teacher education, PBTE, na sigla em inglês), foi identificado um grupo de referência específico dentro dessa abordagem: o Core Practice Consortium (CPC). Esse Consórcio reúne 12 Faculdades de Educação dos Estados Unidos para colaborar em projetos de pesquisa voltados para a formação de professores com base em práticas essenciais (em inglês, core practices), quais sejam: Boston Teacher Residency, San Francisco State University, Stanford University, University of California - Los Angeles, University of Colorado-Boulder, University of Illinois-Chicago, University of Michigan, University of Notre Dame, University of Pennsylvania, University of Virginia, University of Washington, University of Wisconsin.

O sítio do Consórcio4 apresenta uma lista de pesquisadores que participam dos grupos nas universidades e um conjunto de publicações do grupo. Com base nessas informações, foi elaborada uma lista de potenciais autores para ser o foco da revisão, a saber, aqueles que constam como pesquisadores dos grupos e têm publicações indicadas na página do Consórcio: Deborah Ball, Francesca Forzani, Ashley Cartun, Elizabeth Dutro, Brad Fogo, Megan Franke, Elham Kazemi, Hala Ghousseini, Pam Grossman, Morva McDonald, Matt Kloser, Magdalene Lampert, Sarah Kavanagh, Megan Kelley-Petersen, Jessica Thompson, Mark Windschitl.

Partiu-se, então, para uma busca na base de dados ERIC5 das publicações dos autores dessa lista. Foram selecionados os textos destes autores que estão relacionados à abordagem das práticas essenciais publicados nos últimos 10 anos. As principais autoras para as quais foram encontradas publicações sobre essa temática e que permaneceram como autoras de referência foram: Deborah Ball, Francesca Forzani, Elham Kazemi, Hala Ghousseini, Pam Grossman, Morva McDonald e Magdalene Lampert.

Desse modo, a revisão de literatura contida neste trabalho centrou-se nas publicações dos últimos 10 anos dessas autoras com foco na abordagem das práticas essenciais, sendo complementadas por algumas outras publicações mais antigas das mesmas autoras ou de outros especialistas.

Com base na produção bibliográfica desse grupo de referência, este trabalho buscou responder às seguintes perguntas:

  • Quais concepções de formação de professores são adotadas pelo CPC?

  • O que são as práticas essenciais e como elas apoiam a formação profissional preconizada pelo CPC?

  • Quais práticas formativas são preconizadas pelo CPC para que os professores aprendam a ensinar? Com que objetivos? Como são utilizadas? Quais as potencialidades e limites?

Na seção seguinte, são exploradas as respostas encontradas, a partir da revisão bibliográfica, para estas perguntas de pesquisa apresentadas. Na sequência, o artigo é concluído com reflexões sobre como tais práticas podem apoiar o debate sobre formação de professores no Brasil.

RESULTADOS

Concepções de formação de professores do CPC

O movimento voltado para o estudo das práticas essenciais nasceu como uma tentativa de “apoiar o desenvolvimento de conhecimento significativo por parte dos licenciandos conjuntamente com a sua capacidade de realmente colocar em prática um ensino ambicioso em disciplinas especificas em sala de aula” (MCDONALD; KAZEMI; KAVANAGH, 2013, p. 379, tradução nossa). Baseando-se em teorias socioculturais que fundamentam tanto as práticas formativas dos formadores quanto a visão do ensino que deve chegar à sala de aula da educação básica, o movimento almeja superar a divisão de longa data entre o que os futuros professores aprendem na universidade e o que são capazes de realizar quando chegam às escolas (MCDONALD; KAZEMI; KELLEY-PETERSEN; MIKOLASY; THOMPSON; VALENCIA; WINDSCHITL, 2014).

A concepção de docente que subjaz a produção e as práticas do grupo do CPC é a de um profissional que, por meio de uma atividade especializada e intencional - o ensino -, aumente a probabilidade de que os alunos atinjam os objetivos de aprendizagem propostos. Isso significa que, para além de serem capazes de aprender, os professores devem ser capazes de identificar quais são os mecanismos que facilitam o desenvolvimento da aprendizagem por outros indivíduos - ou seja, os alunos. Nesse sentido, eles precisam identificar as diferentes formas pelas quais os alunos pensam acerca de um determinado conteúdo ou problema, estrategicamente planejar as ações de ensino e as experiências de aprendizagem, serem capazes de mapear a progressão dos alunos e interferir produtivamente durante o processo (BALL; FORZANI, 2009).

Ao comparar as concepções de professor e ensino presentes nas pesquisas do CPC, Forzani (2014) identifica três ideias centrais. A primeira é a de que o ensino deve ser voltado para objetivos de aprendizagem baseados em altas expectativas: espera-se que todos os alunos desenvolvam altos níveis de habilidades de compreensão, raciocínio e resolução de problemas. A segunda é que o tipo de ensino que vai ajudar os alunos a alcançarem essas expectativas é parcialmente improvisado, dependendo de ideias e contribuições que surgem na sala de aula, sendo que os licenciandos devem ser preparados para lidar com a incerteza que resulta dessa dinâmica. A terceira é que esse tipo de ensino requer colocar o conteúdo específico a ser ensinado como um componente crítico dos objetivos e atividades que constituem o currículo da formação.

Por conta dessa visão, o grupo de pesquisadores associados ao CPC defende reformas radicais no currículo de formação de professores, reivindicando que ele esteja inteiramente centrado na formação docente para as práticas de sala de aula. Isso envolve voltar o foco de maneira minuciosa e detalhada para o trabalho docente, ou seja, para as principais tarefas que os professores devem colocar em ação para apoiar as aprendizagens de todos os alunos. Portanto, para o CPC, o que faria um curso de formação de professores ser “baseado na prática” é seu foco sistemático no desenvolvimento dos conhecimentos e das habilidades dos futuros professores para implementar com sucesso práticas essenciais para a docência na educação básica (GROSSMAN; KAVANAGH; DEAN, 2018).

Centrar todo o currículo da formação inicial de professores na prática significaria, inclusive, uma reorientação do trabalho com os fundamentos históricos, culturais, políticos, econômicos e sociais da educação contidos nos cursos. Na visão de pesquisadores do grupo do CPC, a formação dos professores nesse tipo de componente curricular precisa buscar responder questões relativas à realidade do trabalho docente, por meio de exemplos com o uso de casos e registros de práticas, fazendo uma conexão entre eles e a pesquisa teórica e empírica (BALL; FORZANI, 2009).

À época da criação do CPC, Zeichner (2012) destacou que nenhuma das iniciativas da PBTE existentes até o momento tinha sido capaz de detalhar o que significaria essa reorientação dos fundamentos da educação para se tornarem mais compatíveis com a prática. Além disso, ao discutir o conjunto das iniciativas existentes da PBTE, o autor chamava a atenção para a necessidade de ampliar o escopo do que é considerado central ou essencial na formação de professores, para que os professores não fossem vistos como “técnicos que são capazes de implementar um conjunto particular de estratégias de ensino” (p. 379, tradução nossa). Isso porque esforços anteriores teriam ignorado a necessidade de “fundamentar a capacidade técnica dos professores em uma compreensão acerca dos contextos históricos, culturais, políticos, econômicos e sociais nos quais o seu trabalho se insere” (GREENE, 1978 apud ZEICHNER, 2012 p. 380, tradução nossa).

Considerando a visão de profissional docente do grupo, as pesquisas desenvolvidas pelos acadêmicos participantes do CPC focaram na identificação de dois aspectos que se complementam e, em certa medida, respondem aos anseios de Zeichner: identificação de práticas essenciais para o ensino - ou seja, aquilo que os futuros professores devem aprender em sua formação - e de metodologias formativas que devem ser adotadas pelos formadores para melhor preparar tais profissionais. Cumpre destacar que as experiências de identificação das práticas e metodologias formativas ainda estão concentradas em cursos de metodologias de ensino e no estágio, não tendo alcançado, de forma semelhante, as disciplinas relativas aos fundamentos da educação.

As práticas essenciais

As práticas essenciais (em inglês, core practices)6 são

componentes identificáveis (fundamentais para o ensino e ancorados em objetivos disciplinares) que professores realizam para apoiar a aprendizagem. As práticas essenciais consistem em estratégias, rotinas e movimentos que podem ser destrinchados e aprendidos pelos professores (GROSSMAN; KAVANAGH; DEAN, 2018, p. 4, tradução nossa).

Elas são um conjunto de práticas de ensino selecionadas - limitadas em quantidade, mas centrais para as atividades docentes - que possibilitam preparar professores iniciantes para os principais desafios da sala de aula, para que eles possam aprender a partir suas experiências e construir mais conhecimento, assegurando que os alunos tenham acesso a um currículo de alto nível. São, portanto, objetos de ensino privilegiados para desenvolver um profissional docente capaz de articular conhecimentos teóricos de sua área de ensino com o que precisa fazer para ensinar seus futuros alunos (BALL; FORZANI, 2009; BALL; SLEEP; BOERST; BASS, 2009; GROSSMAN; MCDONALD, 2008; KNIGHT; LLOYD; ARBAUGH; GAMSON; MCDONALD; NOLAN, 2014; MCDONALD; KAZEMI; KAVANAGH, 2013; GROSSMAN; KAVANAGH; DEAN, 2018).

A formação de professores que se estrutura em torno das práticas essenciais almeja que elas se constituam como um fundamento robusto para o ensino. Nesse sentido, essas práticas mobilizam e estão articuladas com outros aspectos centrais para a docência: o planejamento curricular, as estratégias avaliativas e o uso de materiais didáticos (GROSSMAN; HAMMERNESS; MCDONALD, 2009). Desse modo, se configuram como um quadro conceitual organizativo dentro do qual outros componentes do ensino se articulam e se integram (WINDSCHITL; THOMPSON; BRAATEN; STROUPE, 2012). Tais práticas são determinadas a partir da capacidade de proporcionarem aos futuros professores ferramentas conceituais e práticas para a efetivação de um ensino ambicioso e focado em equidade. Em decorrência desse quadro orientador, elas demandam que o licenciando esteja imbuído da certeza de que todos os estudantes, independentemente de suas condições socioeconômicas, culturais, de gênero ou étnico raciais, são capazes de alcançar, em profundidade, o que está proposto no currículo. Para tal, elas se constituem em ferramentas conceituais e práticas para que o licenciando, uma vez em sala de aula, seja capaz de apoiar os alunos na apropriação de ideias complexas e centrais para suas respectivas disciplinas, auxiliando-os a participar das discussões próprias das diferentes áreas do conhecimento, e a solucionar problemas autênticos nos diferentes campos (MCDONALD; KAZEMI; KAVANAGH, 2013).

Colocar as práticas essenciais no centro do currículo de cursos de formação inicial requer a definição de quais seriam essas práticas, bem como a definição de como elas devem ser apresentadas para os licenciandos, ou seja, quais práticas formativas devem ser adotadas pelos formadores de professores nas licenciaturas. Grossman, Hammerness e McDonald (2009) sugerem a existência de três grupos mais amplos de práticas essenciais que podem apoiar o desenvolvimento posterior da capacidade do futuro professor para o ensino em diferentes disciplinas. O primeiro grupo diz respeito ao desenvolvimento de uma cultura de sala de aula, que incorpora várias práticas específicas como a organização de trabalhos em grupo produtivos, o estabelecimento de normas de convivência, a gestão do tempo, entre outros aspectos. Um segundo grupo de práticas estaria relacionado à capacidade de estimular e tornar evidente o pensamento dos alunos, antecipar suas respostas e estimular o pensamento que se segue. Por fim, o terceiro grupo de práticas gerais que podem ser apreendidas pelos professores e que são centrais para um ensino ambicioso compreende a organização de discussões produtivas em sala de aula. Como parte dessa prática os futuros professores devem ser capazes de fazer perguntas e propor problemas, monitorar a participação e responder às ideias dos alunos.

A despeito da proposta dessas práticas comuns que podem ser aplicadas a diversas disciplinas, o grupo reconhece que áreas específicas requerem a aprendizagem de práticas particulares (BALL; FORZIANI, 2009; GROSSMAN; HAMMERNESS; MCDONALD, 2009). Como um exemplo de práticas específicas para disciplinas, Windschitl, Thompson, Braaten e Stroupe (2012) identificam um grupo de quatro “práticas altamente estimulantes” (em inglês, “high leverage practices”) relacionadas ao modelo investigativo de ciências, que apoia os alunos a desenvolverem explicações sobre fenômenos naturais com base em evidências. A primeira prática, “Construindo a Grande Ideia”, diz respeito ao planejamento. As demais são práticas de ação, ou seja, estão diretamente relacionadas com o trabalho em interação com os alunos: estimular o pensamento dos alunos para adaptar o ensino, auxiliá-los a darem sentido aos materiais e às atividades, e instigá-los a fornecerem explicações baseadas em evidências. Algumas dessas práticas estão relacionadas àquelas gerais propostas por Grossman, Hammerness e McDonald (2009), mas estão de acordo com as necessidades de professores de ciências, associadas a conteúdos específicos da área e focadas em processos científicos, tais como fornecer explicações baseadas em evidências.

No campo da matemática, dois conjuntos de práticas essenciais são comuns na formação de professores discutida pelo CPC. No primeiro conjunto, encontram-se aquelas relacionadas ao estímulo e à resposta ao pensamento dos alunos, por exemplo formas de acessar o pensamento matemático dos alunos, de orientar os estudantes para perceberem as ideias de seus pares, e de responder construtivamente aos erros cometidos pelos alunos (CAMPBELL; ELLIOT, 2015; GHOUSSEINI; BEASLEY; LORD, 2015). No segundo conjunto, estão as práticas relativas a organizar e conduzir discussões produtivas em matemática, tais como antecipar as potenciais respostas que os estudantes darão aos problemas apresentados, monitorar as respostas que eles dão ao problema durante a discussão, selecionar estudantes específicos para apresentarem seu pensamento durante a aula, sequenciar as respostas em uma ordem lógica relacionada aos objetivos de aprendizagem, e conectar as diferentes ideias apresentadas pelos estudantes (SMITH; STEIN, 2011; STEIN; ENGLE; SMITH; HUGHES, 2008). Essas práticas compõem um material produzido pelo Conselho Nacional de Professores de Matemática dos Estados Unidos e dão fundamento a disciplinas de metodologia de ensino de matemática focadas no uso das práticas essenciais (BIEN; CARLSON; KAZEMI; REISMAN; SCHEVE; WELLS, 2018; GHOUSSEINI; HERBST, 2016; TYMINSKI; ZAMBAK; DRAKE; LAND, 2014).

Os pesquisadores envolvidos no CPC ressaltam, porém, que seu propósito não é identificar um único conjunto de práticas para o campo como um todo nem para cada área do conhecimento (MCDONALD; KAZEMI; KAVANAGH, 2013), muito menos definir uma lista de competências ou técnicas separadas de princípios e de teorias (GROSSMAN; KAVANAGH; DEAN, 2018). A proposta é que cada conjunto de formadores7, em seu contexto, seja capaz de identificar práticas essenciais com base nas quais possam desenvolver seu trabalho de formação profissional (GROSSMAN; KAVANAGH; DEAN, 2018). O movimento entende, porém, que o campo se beneficia se os formadores forem capazes, também, de entrar em um acordo em torno de um conjunto de critérios para identificar, nomear e selecionar práticas essenciais e que, a partir da reunião de diversos formadores engajados da mesma forma, seja criada uma comunidade de prática em torno dessa visão (MCDONALD; KAZEMI; KAVANAGH, 2013). O CPC é uma representação concreta dessa comunidade.

Um número expressivo de especialistas tem se dedicado à identificação de um conjunto de práticas de ensino de alta qualidade - ou práticas essenciais - para ser o foco de seus cursos de formação inicial de professores (FRANKE; GROSSMAN; HATCH; RICHERT; SCHULTZ, 2006; KAZEMI; HINTZ, 2008; KAZEMI; LAMPERT; GHOUSSEINI, 2007; SLEEP; BOERST; BALL, 2007). Grossman, Hammerness, McDonald (2009) indicam que, embora as definições variem bastante entre esses autores, todas as definições de práticas essenciais compartilhariam as seguintes características:

  • Práticas que ocorrem com alta frequência na docência;

  • Práticas que os iniciantes consigam aplicar em salas de aula que sigam diferentes currículos e abordagens de ensino;

  • Práticas que os iniciantes consigam, de fato, começar a dominar;

  • Práticas que permitam com que os iniciantes aprendam mais sobre os alunos e sobre a docência;

  • Práticas que preservem a integridade e a complexidade da docência;

  • Práticas que sejam baseadas em pesquisas e que tenham o potencial de aprimorar o aprendizado dos alunos. (GROSSMAN; HAMMERNESS; MCDONALD, 2009, p. 277, tradução nossa)

Para McDonald, Kazemi e Kavanagh (2013), essa lista representa um bom ponto de partida para esse acordo proposto para o campo em torno de ideias comuns para identificar, nomear e selecionar práticas essenciais. De todo modo, as autoras reforçam que o importante não é um consenso sobre um conjunto final de práticas de ensino, mas sim um diálogo contínuo com o campo e entre pesquisadores sobre como conceituar aspectos das práticas que apoiem a aprendizagem de um ensino de alta qualidade por parte dos profissionais.

Além disso, vale ressaltar que, ao focar nas práticas essenciais, os formadores devem tratar tanto de aspectos conceituais quanto de aspectos práticos associados a qualquer prática de ensino. A ideia é que os formadores foquem nos princípios teóricos em torno da motivação para - o porquê - utilizar aquele tipo de prática, para que os licenciandos entendam quando e sob quais condições ela deve ser adotada, mas também ofereçam oportunidades para que aprendam como utilizar as rotinas envolvidas nessa prática de ensino (GROSSMAN; HAMMERNESS; MCDONALD, 2009).

Um aspecto central dessas práticas é a sua natureza de transferência. É impossível cobrir, em um curso de formação inicial docente, todo conteúdo e todas as práticas que os professores precisam saber para serem bem sucedidos no exercício de sua profissão. O currículo para formação inicial docente, assim, precisa ser cuidadosamente desenhado para apoiar o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades por parte dos futuros profissionais que os permitirão continuar a aprender a partir da experiência da sala de aula (MCDONALD; KAZEMI; KELLEY-PETERSEN; MIKOLASY; THOMPSON; VALENCIA; WINDSCHITL, 2014). Esse desenho implica não apenas o foco em práticas específicas, mas também o uso de estratégias pedagógicas próprias de formação de professores - aqui denominadas de práticas formativas - que decomponham tais práticas específicas de tal modo que as mesmas possam ser aprendidas pelos futuros professores passo a passo, compondo uma fundamentação fortalecida e estruturada para que eles sejam capazes de colocá-las em prática quando chegado o momento (GROSSMAN; HAMMERNESS; MCDONALD, 2009).

Práticas formativas para o ensino das práticas essenciais

Para além da identificação de práticas essenciais que se constituem no conteúdo estruturante da formação de futuros professores, pesquisadores do CPC destacam particularmente a importância das práticas formativas - ou seja, das metodologias - adotadas pelos formadores. McDonald, Kazemi e Kavanagh (2013) propõem uma estrutura para o ensino das práticas essenciais a ser utilizada por formadores que se baseia em um ciclo de práticas formativas de maneira que a prática essencial seja aprendida pelo licenciando de forma estruturada e fundamentada. A ideia é que os futuros professores sejam formados para se apropriarem de uma dada prática essencial, por exemplo, a organização de discussões produtivas, de maneira progressiva, de modo que eles possam aprendê-la em um ambiente seguro e controlado para depois aplicá-la em uma sala de aula, assegurando a oportunidade de reflexão após a implementação.

As etapas que compõem o ciclo e que orientam a metodologia de ensino em torno da prática essencial estão baseadas em princípios socioculturais e de aprendizagem situada (LAVE; WENGER, 1991; WENGER, 2010). Duas premissas do ciclo de aprendizagem coletiva evidenciam esses aspectos: a primeira diz respeito ao fato de que os licenciandos se apropriam das práticas por meio de estratégias de participação periférica legítima (legitimate peripheral participation). Nesse modelo, o formador (docente da licenciatura ou professor regente no campo) conduz a tarefa inicialmente, e aos poucos o licenciando se apropria da mesma e começa a executar pequenas partes em ambientes controlados, até que ele esteja preparado para conduzir a tarefa autonomamente. A segunda se refere ao fato de que os estudantes de licenciatura aprendem inseridos em uma comunidade de aprendizagem efetiva, incorporando o princípio de que a aprendizagem humana possui natureza inerentemente social. Este ciclo é representado na Figura 1 a seguir.

Fonte: McDonald, Kazemi e Kavanagh (2013, p. 382, tradução nossa).

Figura 1 Ciclo de Aprendizagem Coletiva 

Na etapa inicial do ciclo, McDonald, Kazemi e Kavanagh (2013) propõem que os formadores introduzam uma atividade por meio do uso de modelização - quando o professor da licenciatura realiza a atividade com os licenciandos tal qual ela ocorreria com alunos da educação básica -, por meio da análise de vídeos de sala de aula ou da leitura de estudos de caso nos quais um professor aplicaria a atividade em questão. Essas três práticas formativas são todas representações de prática, o que inclui todas as formas pelas quais o trabalho prático se torna visível aos futuros professores durante a sua formação (GROSSMAN; KAVANAGH; DEAN, 2018), de modo a auxiliá-los a desenvolver uma imagem da atividade e das práticas envolvidas nela (MCDONALD; KAZEMI; KAVANAGH, 2013).

Dois exemplos sobre o uso de representações de prática para condução de discussões produtivas em matemática ilustram essa ideia. No primeiro, Ghousseini e Herbst (2016) relatam que os licenciandos vivenciaram a discussão do ponto de vista dos alunos, primeiro realizando uma atividade matemática desafiadora e depois participando de uma discussão mediada pelo docente do curso. Em outro programa, baseado no uso das Cinco Práticas Para Condução de Discussões Produtivas (TYMINSKI; ZAMBAK; DRAKE; LAND, 2014), os futuros professores analisaram vídeos de discussões produtivas em salas de aula e vivenciaram as mesmas. Em ambos os casos, os autores destacam a importância dessa estratégia pedagógica na formação de professores, na medida em que ela ajuda a compor um quadro conceitual que expande a mera descrição da prática realizada pelas leituras. Seja por meio da análise de vídeos ou pela vivência de uma modelização, os futuros professores experimentam a oportunidade de vivenciarem de uma maneira mais completa a referida prática. Tal movimento corrobora a apreensão desta prática, o entendimento de seus diferentes componentes, e a futura aplicação da mesma no campo.

Já nessa primeira etapa do ciclo, os formadores podem fazer uso de uma estratégia pedagógica proposta inicialmente por Grossman, Hammerness e McDonald (2009): a decomposição, que tem como objetivo “quebrar” a prática essencial em pequenos elementos que possam ser discutidos e aprendidos pelos futuros professores. A decomposição tem como princípio subjacente a ideia de que simplesmente vivenciar uma atividade interessante não torna o futuro professor apto a reproduzi-la, e menos ainda a criar atividades diferentes e adequadas aos contextos no quais vai ensinar. É necessário que o licenciando tenha a oportunidade de entender o que está acontecendo “por trás da cena”, ou seja, quais decisões foram tomadas pelo formador, o que guiou suas escolhas, por qual motivo a atividade foi conduzida de uma determinada forma e não de outra, e quais as implicações pedagógicas dessas ações (DANIELSON; SHAUGHNESSY; JAY, 2018).

No caso apresentado por Ghousseini e Herbst (2016), por exemplo, os futuros professores tiveram que analisar e categorizar os diferentes elementos do trabalho vivenciado a partir de uma rubrica. A aplicação dessa estratégia, de acordo com os autores, foi essencial para que os licenciandos dessem sentido não apenas aos diferentes elementos dessa prática essencial, mas também percebessem diferentes níveis de desempenho, criando com isso um parâmetro com o qual poderiam comparar seu trabalho futuro e continuar aprendendo. No estudo de Tyminski, Zambak, Drake e Land (2014), a decomposição detalhada da prática ocorreu apenas ao final do processo, após a aproximação e aplicação da prática no contexto da sala de aula. Ao trabalharem com as Cinco Práticas para Organizar e Conduzir Discussões Produtivas (SMITH; STEIN, 2011), eles introduziram formalmente as terminologias e os diferentes aspectos da prática. Baseando-se em Grossman, Hammerness e McDonald (2009), eles destacam a centralidade de uma linguagem e uma estrutura para descrever a prática. Tal elemento apoia a oferta de devolutivas específicas ao licenciando, destacando os seus esforços para colocar em ação cada um dos elementos que compõem a prática (GROSSMAN; HAMMERNESS; MCDONALD, 2009).

Uma vez que os licenciandos já tenham uma imagem das práticas que estão estudando a partir de uma representação, é importante que ocorra uma aproximação da prática, ou seja, uma vivência que se aproxima da real mas que é realizada em um ambiente controlado (GROSSMAN; KAVANAGH; DEAN, 2018). McDonald, Kazemi e Kavanagh (2013) sugerem como primeira etapa da aproximação o planejamento e o ensaio da prática sendo estudada. Aproximações da prática possibilitam aos futuros professores entenderem aspectos específicos da prática essencial em questão, incluindo oportunidades para ensaiar e aplicar de modo separado componentes de práticas complexas em ambientes de complexidade reduzida (GROSSMAN; HAMMERNESS; MCDONALD, 2009). A ideia é oferecer mais oportunidades para os licenciandos aplicarem as várias ações pedagógicas que são centrais para as práticas essenciais, mas em ambientes controlados - em especial na sala de aula da universidade, estando entre colegas e formadores e não com alunos reais.

O ensaio é uma prática formativa adotada frequentemente por várias experiências com práticas essenciais na formação de professores (GHOUSSEINI; HERBST, 2016; KAZEMI; GHOUSSEINI; CUNARD; TURROU, 2016; LAMPERT; FRANKE; KAZEMI; GHOUSSEINI; TURROU; BEASLEY; CUNARD; CROWE, 2013; TYMINSKI; ZAMBAK; DRAKE; LAND, 2014). Começa quando os licenciandos, após terem compreendido e decomposto a prática, preparam um pequeno segmento da atividade, antecipando suas ações junto aos alunos, as prováveis questões que eles perguntarão, como lidar com equívocos comuns, e como eles farão questões que estimulem a reflexão dos alunos. Depois, os licenciandos ensaiam esse segmento com os colegas, que fazem o papel de alunos. Ao final do ensaio, tanto os colegas como o formador dão devolutivas de modo que o licenciando possa refletir e ajustar essa prática para sua futura aplicação.

O momento seguinte é o da aplicação da atividade com alunos reais na sala de aula da escola onde realizam o estágio. Geralmente, eles trabalham com grupos pequenos de alunos identificados pelo professor regente da turma que acompanham, e centram esse trabalho em um aspecto específico da prática. A aplicação da prática com esse pequeno grupo de alunos é acompanhada pelo professor regente em sala de aula, que oferece ao licenciando devolutivas e o ajuda a refletir sobre o que funcionou e quais são as dificuldades relativas à prática que foi aplicada. A presença do professor regente ajuda o licenciando a refletir porque determinadas estratégias foram adotadas, e consequentemente favorece o processo reflexivo e a continuidade das aprendizagens (MCDONALD; KAZEMI; KELLEY-PETERSEN; MIKOLASY; THOMPSON; VALENCIA; WINDSCHITL, 2014). De uma perspectiva de participação periférica legítima, vemos que o aprendiz já possui uma tarefa concreta, ou autêntica, mas ainda em um ambiente controlado e sob a supervisão do professor parceiro.

Um elemento importante a ser destacado nessa fase é a centralidade do professor regente da sala de aula do estágio na formação do licenciando. Mais do que simplesmente abrir sua sala de aula para os estudantes, esse profissional atua diretamente oferecendo devolutivas à aplicação da prática, modelizando as práticas, e auxiliando na seleção dos alunos com os quais o licenciando aplicará a prática. Ele auxilia o licenciando a compreender por que realizou um determinado movimento, bem como a refletir sobre como deve lidar com questões específicas que apareçam nas aula a partir da experiência vivida (MCDONALD; KAZEMI; KELLEY-PETERSEN; MIKOLASY; THOMPSON; VALENCIA; WINDSCHITL, 2014).

Por fim, de posse dos registros da aplicação dessa prática, sejam eles vídeos ou relatos por escrito da experiência, os licenciandos retornam à sala de aula da universidade e refletem coletivamente sobre as experiências que tiveram com alunos reais, em um processo de investigação de sua prática. Essa reflexão leva à incorporação de novos elementos à prática, e o ciclo se repete. Essa fase de análise é focada em apoiar os futuros professores a aprenderem a partir da sua própria experiência - uma habilidade que vai ajudá-los enquanto continuam a se desenvolver no exercício de sua profissão (MCDONALD; KAZEMI; KAVANAGH, 2013).

Um exemplo da utilização desse ciclo ocorre no Boston Teaching Residency, onde podemos observar as quatro etapas do ciclo de aprendizagem proposto por McDonald, Kazemi e Kavanagh (2013). Nessa experiência, os licenciandos aprenderam a prática de facilitar uma discussão com a classe inteira de modo incremental durante a disciplina de estágio. Para iniciar, os professores de estágio modelizaram a discussão com a classe inteira em aulas sobre conteúdos disciplinares na universidade. Os licenciandos planejaram as discussões para as turmas nas quais estagiam com apoio extensivo, durante aulas de métodos de ensino, em sessões de planejamento em pequenos grupos, e em mentorias individuais. Nas aulas de métodos de ensino, os licenciandos ensaiaram as discussões que eles posteriormente facilitariam com os alunos reais. Depois, quando eles conduziram as discussões com as turmas de alunos nas escolas, eles receberam mentoria em tempo real por parte do professor de estágio e do professor regente da turma. Na sequência, com a presença do professor de estágio e do professor regente, o grupo analisou conjuntamente anotações que eles tinham feito sobre a facilitação, tarefas dos alunos, e/ou vídeos para estudar o que os alunos parecem ter compreendido, e planejou próximos passos para a aprendizagem de estagiários e alunos (BIEN; CARLSON; KAZEMI; REISMAN; SCHEVE; WELLS, 2018).

Outro exemplo envolve as estratégias adotadas pelo curso de Metodologia de Língua Inglesa para o Ensino Secundário da Universidade de Washington para conduzir discussões sobre obras literárias e sistematizar as aprendizagens dos alunos (MCDONALD; KAZEMI; KELLEY-PETERSEN; MIKOLASY; THOMPSON; VALENCIA; WINDSCHITL, 2014). Os formadores desse curso iniciam o ciclo modelizando ferramentas conceituais que estão atreladas a práticas mais rotineiras, de modo que os licenciandos possam compreender a estrutura requerida em uma aula na qual essa prática seja desenvolvida. Eles utilizam alguns materiais para ancorar a discussão, chamados de “textos mentores”, como por exemplo o livro O sol é para todos, de Harper Lee. As rotinas modelizadas são tanto relacionais quanto procedimentais, como receber os estudantes na porta, apresentar a agenda e os objetivos de aprendizagem, e discutir o sentido desses objetivos com os alunos. Ao explorar os elementos do texto, os docentes modelizam o tipo de linguagem que deve ser utilizada, bem como estratégias de questionamento. Essa modelização oferece aos futuros professores uma ideia de como eles podem propor questões mais profundas e que orientem a discussão dos aspectos do texto mentor que eles querem explorar. Todas as modelizações são então decompostas e exploradas por meio de uma extensa reflexão (MCDONALD; KAZEMI; KELLEY-PETERSEN; MIKOLASY; THOMPSON; VALENCIA; WINDSCHITL, 2014). Alinhando essa abordagem com a ideia de participação periférica legitima, vemos aqui o momento no qual o aprendiz apenas observa a prática do mestre.

Neste caso da Universidade de Washington, na etapa seguinte, os licenciandos são instados a planejar e ensaiar uma atividade similar. Dado que no momento da modelização eles foram solicitados a refletir sobre os objetivos de aprendizagem dessa atividade e puderam observar sua centralidade no estudante, eles se tornam mais capazes de estruturar o seu planejamento partindo de objetivos de aprendizagem claros e centrados nos estudantes. Tendo estabelecido os objetivos, eles planejam uma sequência de exploração do texto mentor com o qual estão trabalhando, e ensaiam sua aplicação com seus pares na sala de aula. Nesse momento, eles recebem devolutivas tanto dos pares quanto dos formadores, e a culminância da atividade é uma reflexão sobre como eles podem aperfeiçoar a prática para implementá-la nas escolas onde realizam o estágio (MCDONALD; KAZEMI; KELLEY-PETERSEN; MIKOLASY; THOMPSON; VALENCIA; WINDSCHITL, 2014). Observa-se, nesse momento, como o aprendiz começa a se apropriar de maneira controlada e com o apoio intensivo do formador e de seus pares.

Por fim, com os registros da aplicação dessa prática, sejam eles vídeos ou relatórios escritos acerca da experiência, os futuros professores retornam às salas de aula da universidade e, por meio da análise de sua prática, refletem coletivamente sobre suas experiências com os alunos reais. Esse processo de reflexão leva à incorporação de novos elementos à sua prática e o ciclo se repete.

Ao descreverem uma proposta mais estruturada de práticas formativas para a formação de professores, estas pesquisadoras do CPC almejam promover a troca de ideias entre: (a) diferentes locais onde ocorre a formação inicial, como a universidade e as escolas onde os licenciandos estagiam; (b) diferentes áreas do conhecimento; e (c) diferentes tipos de componentes curriculares, como as disciplinas de fundamentos, de métodos de ensino e de estágio supervisionado (MCDONALD; KAZEMI; KAVANAGH, 2013). Ou seja, elas propõem as práticas essenciais e o uso desse ciclo de práticas formativas como uma linguagem comum que perpasse os currículos da formação inicial como um todo. Grossman, Hammerness e McDonald (2009) vão mais além, propondo que os currículos dos programas sejam desenhados a partir das práticas essenciais. Como consequência, todas as disciplinas - incluindo aquelas de fundamentos - teriam vínculo claro com as práticas essenciais. Tal abordagem representaria uma profunda mudança de paradigma na forma como se estruturam os cursos de formação de professores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A revisão de literatura conduzida nessa pesquisa identificou nos diferentes estudos do Consórcio de Práticas Essenciais um exemplo positivo de abordagem curricular e pedagógica para a formação inicial de professores. Em um momento no qual repensar o currículo de formação de professores se apresenta como um desafio central nas políticas brasileiras, mirar-se em bons exemplos que são frutos de extensa pesquisa e ampla reflexão por parte das universidades envolvidas parece uma estratégia acertada e promissora.

Dentre os elementos centrais das práticas essenciais, destacamos três aspectos que podem corroborar a reflexão sobre os caminhos da formação de professores diante das pressões por inovação. Primeiramente, é importante destacar que a proposta de identificação de práticas essenciais parte da perspectiva de que a docência, enquanto profissão, é uma atividade especializada e intencional, e que, portanto, qualquer professor em formação precisa ter acesso a um corpo de conhecimentos que é próprio desse saber profissional. A proposição da identificação de práticas que sejam centrais para a docência se constitui, nesse sentido, num exercício de mapeamento de saberes e fazeres que são únicos da formação de professores.

Segundo, destacamos que a centralidade da prática não implica a ausência de reflexão. Pelo contrário, trata-se de uma formação na qual teoria e ação caminham lado a lado para o desenvolvimento de competências de alto nível, onde futuros professores não apenas aprendem abstratamente acerca de como a aprendizagem ocorre na sala de aula, mas são capazes de aplicar tais saberes em contextos reais.

Em terceiro lugar, é fundamental destacar a natureza de transferência dessas práticas. Qualquer formação, por mais completa que seja, jamais seria capaz de cobrir todos os desafios da sala de aula. O que as práticas essenciais propõem, nesse sentido, é a seleção de algumas práticas que sejam poderosas o bastante para desencadear um processo no qual o professor continue aprendendo a partir de sua prática. A natureza de uma formação pautada na identificação de práticas poderosas e bem estruturadas é promover uma aprendizagem no nível metacognitivo, ou seja, ofertar aos futuros professores ferramentas conceituais e cognitivas para que sejam capazes de lidar com os desafios que encontrarão em suas salas de aula.

Em relação às áreas de conhecimento e aos locais de formação, pode-se perceber a diversidade nos exemplos de práticas essenciais e de práticas formativas para aprendê-las encontrados na literatura estudada. Porém, todos os exemplos encontrados tratam de experiências realizadas em disciplinas de métodos de ensino ou na prática clínica - nos estágios em escolas. Não foram encontrados relatos de experiências de trabalho baseado em práticas essenciais ocorridas em disciplinas de fundamentos. Em parte, esse aspecto se explica pelo fato das práticas essenciais serem relativamente novas enquanto estrutura organizativa na formação de professores, e terem nascido no interior dos cursos de métodos. Todavia, os caminhos apontados pelos estudos existentes até aqui se mostram prolíficos para a reflexão sobre a incorporação de tais estratégias nos referidos cursos de fundamentos.

Por fim, cumpre destacar a importância das práticas formativas nesse processo. Conforme discutido ao longo do texto, a identificação de metodologias para formar os futuros docentes tendo como objeto as práticas essenciais é um componente fundamental do trabalho que vem sendo desenvolvido pelo CPC. A simples identificação de conteúdos-chave - as práticas essenciais - é condição fundamental mas não suficiente para formar professores mais preparados para os desafios da sala de aula. É fundamental que sejam oferecidas experiências de aprendizagem nas quais os licenciandos possam vivenciar as práticas essenciais, discuti-las em profundidade e se apropriar da aplicação das mesmas, sendo capaz de decidir quando e como utilizá-las. Nesse sentido, as estratégias de representação, decomposição e aproximação da prática propostas por pesquisadores do consórcio se mostram como terreno fértil para repensar a oferta das licenciaturas no Brasil.

No contexto brasileiro, há muito fala-se na superação da dicotomia entre teoria e prática na formação de professores. Experiências como as do CPC podem indicar caminhos para a superação desse problema. A transformação da formação de professores para que seja centrada na prática - ou seja, para que de fato seja orientada para a natureza da profissão docente - requer uma reelaboração profunda do currículo formativo. Essa reformulação curricular requer tanto a identificação de conteúdos fundamentais quanto uma implementação que adote metodologias adequadas à preparação de futuros professores. Tais práticas vêm sendo construídas por uma comunidade de formadores de professores a partir de suas experiências de pesquisa e ação docente. Portanto, as práticas essenciais e as práticas formativas associadas às mesmas são um caminho possível para ancorar o debate da formação inicial no Brasil, dada a sua natureza científica e de experimentação empírica.

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4https://www.corepracticeconsortium.com/

5https://eric.ed.gov/

6O termo “práticas essenciais” parece ter se consolidado como a expressão mais utilizada para representar esse tipo de práticas. No entanto, diversos outros termos são encontrados na literatura para identifica-las: práticas chave (key practices), práticas centrais (central practices) ou, especialmente, práticas altamente estimulantes (high-leverage practices) (DUTRO E CARTUM, 2016).

7O qual envolve todos os profissionais envolvidos com a formação dos licenciandos, ou seja, os professores universitários, pesquisadores e professores que acompanham os estágios e orientam os licenciandos nas escolas.

Recebido: 01 de Abril de 2020; Aceito: 23 de Março de 2021

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