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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.37  Belo Horizonte  2021  Epub 01-Dic-2021

https://doi.org/10.1590/0102-469832936 

Dossiê: FORMAÇÃO DOCENTE E PRÁTICA PEDAGÓGICA - TEMPOS, TENSÕES E INVENÇÕES

Resenha - JOSÉ CARLOS LIBÂNEO: UM GUERREIRO SEM ESPADA EM DEFESA DA EDUCAÇÃO PÚBLICA

Book review - JOSÉ CARLOS LIBÂNEO: A WARRIOR WITHOUT SWORD IN DEFENSE OF PUBLIC EDUCATION

1Doutora em Educação. Com pós-doutorado em Docência Universitária, Universidade Paris 5. Professora Titular da Faculdade de Educação. Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador, BA. Brasil. Emai: cmdt@ufba.br.

SUANNO, Marilza; CHAVES, Sandramara; ROSA, Sandra Valéria. Educação como prática social, didática e formação de professores.. Contribuições de José Carlos Libâneo, Goiânia: Editora Espaço Acadêmico, 2020. 361 p.p.


"Amo ser professor". Essa foi a frase proferida por José Carlos Libâneo em 05/11/2019, no bojo do XXIV Simpósio de Estudos e Pesquisas da Faculdade Educação da Universidade Federal de Goiás, ao ser homenageado. O título desta resenha foi cunhado do poema de Bráulio Bessa (2018) - A força do professor - presente desde a introdução do livro, uma obra escrita a várias mãos. Trata-se de uma homenagem ao educador, filósofo, professor e doutor José Carlos Libâneo, como prova de reconhecimento das incontáveis produções científicos do autor com projeção nacional e internacional, sobretudo nas áreas da ciência pedagógica e didática. São treze capítulos escritos por dezessete autores.

A Introdução ao livro é assinada por Marilza Suanno e Carlos Cardoso Silva. Nesta, os autores relatam a homenagem prestada pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, no seu aniversário de 50 anos, a esse importante intelectual. Apresentam a biografia do homenageado, destacando sua formação acadêmica predominantemente na área da Filosofia e seus 57 anos de trabalho como professor e pesquisador da área educacional, notadamente nos campo das Pedagogia e da didática. Referem o brilhantismo de sua itinerância e também passagens dolorosas de sua vida, como as perseguições políticas sofridas no período da ditadura militar, desde aluno de graduação, pela participação na Ação Popular, militância política estudantil, até a perseguição política que culmina com sua demissão do serviço público como docente da Universidade Federal de Goiás. Libâneo só recupera seus direitos políticos com a Lei da Anistia em 1980. Atualmente é Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, atuando no Programa de Pós-Graduação em Educação, na Linha de Pesquisa Teorias da Educação e Processos Pedagógicos. Coordena o Grupo de Pesquisa Teorias e Processos educacionais. É membro do GT Didática da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação - ANPEd. Membro fundador do Centro de Estudos e Pesquisas em Didática - CEPED e da Associação Nacional de Didática e Práticas de Ensino - ANDIPE.

O 2o capítulo do livro é de autoria de Dermeval Saviani e se intitula "José Carlos Libâneo: Pedagogia, Didática na Democratização da Escola Pública". Neste capítulo Saviani deslinda as memórias como colega do curso de Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento da PUC-SP, a partir do início de março de 1964. Período em que se desencadeia o golpe empresarial-militar que derrubou o presidente João Goulart. Ambos vivenciam as agruras daquele momento histórico que durou 21 anos e José Carlos Libâneo torna-se militante político, inicialmente no movimento estudantil, posteriormente no movimento da Ação Popular, em contraposição à ditadura instalada. O capítulo em tela é um relato sobre os dois autores parceiros afetivos e intelectuais de grande envergadura no cenário brasileiro. Não obstante, e sem querer negar a unidade de propósitos, cabe mencionar a diferença enunciada por Saviani entre as teorias pedagógicas Crítico-social dos conteúdos (LIBANEO, 1985) e Pedagogia Histórico crítica (SAVIANI, 2019). Distingue as duas pedagogias, considerando que a corrente de pensamento marxista marca fundamentalmente a Pedagogia histórico-crítica e, de forma heterodoxa, a Pedagogia crítico-social dos conteúdos, e explica, em sentido figurado: "dir-se-ia que a Pedagogia crítico-social dos conteúdos está para a Pedagogia histórico-crítica assim como a Teoria crítica da Escola de Frankfurt está para a Teoria gramsciana" (SAVIANI, 2020, p. 42). A teoria de Antonio Gramsci, pelo autor, decorre de vital enraizamento nas condições concretas de desenvolvimento da história dos homens. Assume assim a ortodoxia do pensamento marxista. Os autores da Escola de Frankfurt parte da mesma matriz marxista, mas, de modo heterodoxo, incorporam outras teorias fundamentadas na sociologia empírica e na psicanálise. Finalmente, enaltece a trajetória de Libâneo sobretudo no que tange aos seus estudos na área pedagógico-didática e reiterados posicionamentos críticos face às políticas educacionais brasileiras. Principalmente, em 2006, a crítica, levada a cabo por Libâneo, Pimenta e Franco (2007), sobre as Diretrizes curriculares nacionais para o curso de Pedagogia que, na sua essência, assumem a docência como a base do curso de Pedagogia.

"Reconhecimento ao intelectual José Carlos Libâneo" é o 3o capítulo assinado por Antônio Joaquim Severino. O objetivo do capítulo revela a significativa contribuição de José Carlos Libâneo à educação nacional mediante o exercício de sua condição como intelectual identificado com a causa da emancipação humana. O autor descreve Libâneo como "intelectual educador" e explica: intelectual não apenas pela tessitura teórica de seu pensamento em defesa da existencialidade humana, mas também pela expressiva atuação política. Na sua obra, Libâneo sempre esteve preocupado em demonstrar a Pedagogia e a Didática como campos epistemológicos interdependentes, esclarecendo que "A Pedagogia é conhecimento teórico, epistemologicamente construído, mas é também processo prático de intervenção sociocultural na realidade histórica, sempre visando a formação humana, buscando mais humanização" (SEVERINO, 2020, p. 56). Um Intelectual educador. Libâneo se interessa sobremaneira em formar professores numa perspectiva humanista e emancipatória, entendendo o profissional como mediador atento às dimensões cognitivas e subjetivas presentes no humano. Conclui seu capítulo enfatizando o papel da escola, na visão de Libâneo, como um espaço com vida e comprometido com a cultura e a eticidade.

O 4o capítulo é assinado por Selma Garrido Pimenta e intitula-se "O compromisso do Prof. José Carlos Libâneo com a escola pública: um fio narrativo de minhas memórias", no qual a autora se refere ao homenageado através dos fragmentos de uma longa memória de convivência. Em escrita de estilo literário, Selma Garrido Pimenta deslinda seu texto referindo-se às lutas desde anos de 1960, marcadas por imensa desigualdade social e educacional enunciando o movimento em prol da expansão da escolaridade pública, em plena ditadura militar. A convivência no movimento estudantil durante essa época na PUC de São Paulo, mesmo que em frentes distintas, num contexto de exceção política, marcam a trajetória de luta política dos dois autores. A autora tece em linguagem fluida, a experiência do "Experimental da Lapa" - Ginásio experimental ou GEPE - São Paulo, 1969, nos quais atuou enquanto orientadora educacional e Libâneo, como coordenador, uma experiência marcante de pedagogia libertadora. Em seguida, a luta política continua, nos anos de 1970, no movimento da ANDE - Associação Nacional de Educação - criada em 1970 tendo à frente Dermeval Saviani, e outras associações de educadores como CEDES (Centro de Estudos de Educação e Sociedade) e ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) na década de 1980. A área educacional nunca fora tão pródiga em produções, incluindo-se a ampla e expressiva produção de pesquisas nos programas de pós-graduação em educação. Além de intensa produção damo-nos conta do quão jovem é o movimento de profissionalização docente e organização dos professores enquanto categoria profissional no Brasil. Selma Garrido Pimenta menciona, no seio da efervescência da pós-graduação em educação no Brasil, a épica publicação do livro publicado em 1986 por José Carlos Libâneo - Democratização da Escola Pública, a Pedagogia Crítico - social dos conteúdos - que haveria de marcar gerações de educadores. Libâneo defendeu sua tese de doutorado na PUC de São Paulo em 1990: Fundamentos Teóricos e Práticos do Trabalho Docente - Estudo Introdutório sobre Pedagogia e Didática - demonstrando ali toda a força de sua intelectualidade e militância política. A tese enuncia o quadrivium temático que o acompanharia até os dias atuais: educação pública, pedagogia, didática e formação de professores. Neste capítulo, Pimenta traz à baila também a intensa participação de Libâneo no movimento dos ENDIPEs (Encontro Nacional de Didática e Práticas de ensino), consolidando a teoria didática e a formação de professores. Da vivência de discussões importantes no campo da Pedagogia e Didática, presentes nas 20 edições do ENDIPE, Pimenta insere as lutas pelo curso de pedagogia e pela formação de professores, trazendo para o debate as Diretrizes curriculares para o curso de pedagogia (Resolução CNE/cp n. 1/2006). No cerne do debate sobre as Diretrizes de 2006, está a questão da centralidade da docência no curso de Pedagogia defendida por associações como ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação) e ANPED. Contrariamente, Libâneo e Pimenta compreendem que a centralidade da pedagogia deva estar no conhecimento pedagógico em diferentes vertentes de atuação do pedagogo e não restrita à docência. A redução do curso de Pedagogia à formação de professores para atuação nos segmentos da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, levou ao esvaziamento da área pedagógica do ponto de vista teórico, à supressão de habilitações para a formação de especialistas e à descaracterização do campo teórico-investigativo da Pedagogia. Selma Garrido Pimenta finaliza seu capítulo, trazendo à baila quatro livros marcantes na trajetória de Libâneo. Para além do seminal "Democratização da escola pública", destaca o livro "Didática", publicado em 1990 pela Editora Cortez; Educação Escolar: políticas, estrutura e organização, publicado pela Editora Cortez, no ano de 2003, em coautoria com os professores João Ferreira de Oliveira e Mirza Seabra Toschi, um livro em que o autor trata da organização da escola em interface com o processo pedagógico didático. Além desses, são mencionados mais dois livros, sobre políticas educacionais, nomeadamente, "Políticas educacionais no Brasil: desfiguramento da escola e do conhecimento escolar", datado de 2016, e também o livro publicado em 2018, Políticas educacionais neoliberais e escola pública: uma qualidade restrita de educação escolar, publicado em parceria com Raquel Marra Freitas, obras estas fundantes para entendermos sobre o avanço do ideário burguês neoliberal sobre a educação pública.

O capítulo seguinte, o 5o, é de autoria de Adão José Peixoto - "A ação católica, a juventude universitária católica, movimento estudantil e o golpe de 1964: a militância do jovem José Carlos Libâneo na Ação Popular". Neste o autor descreve o contexto em que o jovem Libâneo se engaja no movimento estudantil, principalmente na Ação Popular, etapa essa que haveria de influenciar toda sua vida pessoal e profissional. Inicialmente, Adão Peixoto, situa o movimento estudantil no cenário do golpe militar de 1964, fazendo uma descritiva profunda e crítica das crises política e econômica do governo popular de João Goulart, a imposição do parlamentarismo, a ausência de sustentação popular e política do governo de cunho nacionalista implantado e o descontentamento da burguesia nacional. Nesse cenário a Igreja através da Juventude católica e da Ação Popular, na qual se engajaria Libâneo, demonstra apoio às lutas populares e são duramente perseguidos com a ascensão dos militares pós-golpe. Reitera o autor que a trajetória de José Carlos Libâneo fora marcada por forte engajamento em lutas políticas e sociais desde estudante no Centro acadêmico do curso de Filosofia da PUC de São Paulo e militante da Ação Popular. Um ideário humanista vivido intensamente desde final dos anos e 1950, recrudescido no período de 1960 a 1980 durante o governo dos militares, com perseguições políticas só amenizadas com a Lei da Anistia em 1980. Lutas que direcionaram sua atuação como educador "em defesa de uma concepção progressista de educação que possibilita aos estudantes a socialização de forma crítica, do saber historicamente elaborado" (PEIXOTO, 2020, 136).

Raquel Marra da Madeira Freitas assina o 6o capítulo do livro intitulado "José Carlos Libâneo: trajetória intelectual e inserção na teoria histórico-cultural". A autora acentua neste capítulo a convivência com Libâneo desde 2003 no contexto da PUC de Goiás, no seio do grupo de pesquisa Teorias da Educação e Processos pedagógicos. De início a autora traz à baila uma descritiva da trajetória de Libâneo, enfatizando a gênese dos compromissos que marcaram sua vida social e também suas concepções na área da educação. Apresenta os marcos teóricos de sua intelectualidade, sobretudo, a teoria histórico-cultural como lastro de sua construção no campo pedagógico-didático. A biografia traçada desde a infância com excertos do próprio Libâneo, ilumina o texto, trazendo uma fluidez literária. Exalta nessa pequena biografia a importância de sua formação humanista desde o Seminário e curso de Filosofia na PUC de São Paulo. Exorta também sua participação política no movimento estudantil, sua experiência enquanto docente educador e gestor como bases importantes para sua construção teórica. Finalmente, a autora considera as duas grandes linhas de investigação presentes na obra de Libâneo com a teoria histórico-cultural: a defesa da escola pública a partir de finalidades pedagógicas e sociais democráticas e a análise da educação e do ensino como condição para difusão democrática do conhecimento historicamente elaborado pela humanidade e de transformação social. Nesse sentido, sobrevém a sua busca por uma didática que caminhe nessa direção: a didática histórico-cultural ou desenvolvimental.

Como numa sequência didática, o 7o capítulo trata da "Ascensão do pensamento didático desenvolvimental na obra de José Carlos Libâneo, de 1976 a 2020" de autoria de Andréa Longarezi e Roberto Valdés Puentes. Em capítulo denso, os autores destacam a unidade entre engajamento político, intelectual, acadêmico e social que caracterizam Libâneo nos campos em que atua: Pedagogia, Didática e Gestão escolar. Além disso, destacam os valores éticos e democráticos que traduzem sua personalidade voltada à melhoria da qualidade da educação escolar das classes desfavorecidas. São exortadas pelos autores, a militância política de esquerda e intensa participação em movimentos, como fóruns e associações, particularmente o GT de Didática da ANPED (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação), sua liderança frente ao CEPED (Centro de Estudos e Pesquisas em Didática) da PUC-Goiânia, e coordenação geral dos Encontros Regionais de Didática e Prática de Ensino de Goiás. Dentre as contribuições teóricas mais importantes, no período de 2002 e 2020, na vida do autor José Carlos Libâneo, Longarezi e Puentes apontam as análises sobre o Ensino Desenvolvimental, enfatizando como conteúdos essenciais nessa seara, a Atividade de Estudo e o método do abstrato para o concreto como forma de desenvolvimento do pensamento teórico a partir de Elkonin-Davidov-Repkin. Sobretudo Davidov tem direcionado a obra investigativa de Libâneo, no sentido do aprimoramento da Teoria de ensino desenvolvimental, tornando-se, assim, uma referência incontornável.

"A pedagogia e a formação de pedagogas e pedagogos no Brasil: ainda um caminho de inquietações e buscas ", de autoria de Sandra Limonta Rosa, é o oitavo capítulo. Numa ordenação lógica, este texto traz uma reflexão sobre a temática da formação de pedagogos e pedagogas a partir das principais obras de Libâneo, de 2001 a 2017. Traz à baila a discussão em torno da Pedagogia enquanto campo científico e profissional, sustentando a crítica ao currículo que segue as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Pedagogia, 2006, transformando-o em curso de formação de professores para Educação infantil e Anos iniciais do ensino fundamental. Sustenta ainda, em concordância com Libâneo, Pimenta e Franco (2007) que o ensino escolar é uma forma específica de atividade pedagógica, mas não a única e, assim, a sua base não deve ser a docência, mas a formação pedagógica em mais amplo espectro, com vistas à atuação dos pedagogos além do contexto escolar. Essa descaracterização do campo teórico da pedagogia, objeto de crítica veemente dos autores citados, enfraquece sobremaneira a investigação no âmbito da ciência pedagógica. Finaliza o capítulo com palavras de Libâneo, no sentido da reconstrução da Pedagogia e ampliação dos campos de atuação profissional do pedagogo e pedagoga.

Lana Cavalcanti assina o 9o capítulo deste livro. Neste, faz uma densa reflexão teórica sobre as relações entre "Didática e didáticas específicas: integração entre o conhecimento pedagógico-didático e o conhecimento disciplinar". As reflexões teóricas sobre a didática na formação de professores é um dos objetos de Libâneo desde sua obra mais conhecida - Didática, de 1994. Esclarece que seu objeto de estudo é a unidade entre ensino e aprendizagem, articulando dialeticamente condicionantes socioculturais. O ensino entendido como conhecimento de mediação entre o aluno e os objetos de conhecimento. Cavalcanti traz à luz a grande contribuição de Libâneo para as licenciaturas, mediante a construção de bases teóricas para compreensão do diálogo entre Didática geral e didáticas específicas. Ocupa centralidade, nessa relação, a reelaboração dos conteúdos científicos para apropriação por parte dos educandos e o papel preponderante do conhecimento pedagógico didático que interligam o ensino à aprendizagem. O lastro conceitual da Psicologia histórico-cultural é fundante para compreensão da dimensão psicopedagógica nesse processo. A autora exemplifica tal relação a partir da experiência com o ensino de Geografia. A compreensão da natureza do ensino, na visão de Libâneo, pressupõe a compreensão da epistemologia das disciplinas. Nessa linha de entendimento, defende, a autora, que o potencial da Didática na formação docente está em propiciar a construção de bases conceituais sobre os processos educativos, atuação, docente, escolarização, teorias didáticas. Conclui, a autora, que a obra de Libâneo é fundamental para a compreensão da área educacional, em geral, e da Didática, em específico. José Carlos Libâneo possui uma trajetória de defesa da escola pública democrática, luta por uma formação docente consistente e investimento teórico em métodos que propiciem a apropriação cognitiva social e moral dos conteúdos e desenvolvimento dos educandos.

Na sequência, o 10º capítulo de Vera Maria Placo e Danielle Callas, sobre "As contribuições de José Carlos Libâneo para a compreensão das finalidades educativas escolares" (FEE), parte da experiência de uma pesquisa internacional: "Que escola para o século XXI?", estudo desenvolvido por Libâneo em parceria com Yves Lenoir, sociólogo e professor titular da Universidade de Sherbrooke, no Canadá. A pesquisa visa analisar as finalidades educativas escolares implícitas no discurso e práticas curriculares. Segundo Libâneo, a definição de finalidades educativas escolares é anterior às decisões sobre políticas educacionais, como as orientações curriculares e outras. Elas diferem em distintos contextos e momentos históricos e, desde a segunda metade do século XX, atestam os autores, essas FEE estão voltadas às necessidades econômicas, FEE predominantes até o século XXI. O neoliberalismo, segundo remete a autora, ultrapassou a dimensão econômica e chegou até a educação mediante organismos internacionais como ONU, UNESCO e outros que se ocupam da agenda global de discussão que ultrapassam a agenda econômica e passam a direcionar políticas educacionais. Assim, as FEE na atualidade vêm seguindo o funcionamento do mercado, pelo qual a escola é vista como empresa e a educação como mercadoria. A ideologia neoliberal impregna as finalidades educativas escolares e são duramente criticadas pelos autores. Por fim, compreendem, os autores, que refletir sobre as FEE é fundante para a superação da enorme crise político-econômica e social que atravessa o mundo ocidental e, particularmente, o Brasil, submisso aos ditames dos interesses econômicos do neoliberalismo em vigor.

O texto de Eliana Tiballi, 11º capítulo - "José Caros Libâneo: um intelectual em defesa da escola publica" - destaca a atuação do intelectual contemporâneo marcada por seu engajamento político e ação singular no campo educacional, notadamente no campo pedagógico e didático. A autora adota como central neste capítulo, a obra "Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos", sua segunda obra autoral, com 27 edições e grande repercussão no público educacional brasileiro e internacional. Para Libâneo, segundo a autora (TIBALLI, 2020, p. 325) "a democratização da escola passa pela sua realização enquanto instituição responsável pelo ensino que garante a aprendizagem do alunos" como condição para o engajamento das camadas desfavorecidas em lutas políticas pela equidade social. O outro livro analisado pela autora teve grande repercussão nacional - Didática - de 1990, destinado a professores da educação básica. O terceiro livro analisado é o emblemático "Pedagogia e pedagogos para quê?, no qual Libâneo reafirma a importância da Pedagogia na formação docente e qualificação da escola pública. A autora evidencia, por fim, que a militância política de Libâneo manifesta em seus livros, escritos, e práxis, permite afirmar o intelectual que se constituiu em um campo especializado da educação e em defesa da democratização da escola pública.

Os dois textos que se seguem, assinados respectivamente por Cipriano Carlos Luckesi e Bernard Charlot, são cartas a José Carlos Libâneo. O primeiro autor, em escrita biográfica, exalta a convivência desde adolescentes no Seminário de Sorocaba em São Paulo, uma intensa história de companheirismo e amizade que dura até os dias atuais. Destaca Luckesi que lado a lado construíram suas formações acadêmicas lastreadas pela amizade e com visão voltada para o bem comum.

Bernard Charlot, por sua vez, exorta, para além da amizade, o compromisso que os une dirigido às transformações pedagógicas na escola contemporânea, particularmente no Brasil. Outro ponto de convergência são os estudos de ambos sobre a relação dos jovens estudantes com o saber. Charlot destaca em sua equação, apresentando a aprendizagem como resultante da relação entre atividade intelectual + sentido + prazer. E finaliza atestando que ambos acreditam no potencial da escola no sentido de assegurar, aos educandos, para além da transmissão de saberes, a construção de valores humanos, acesso ao saber universal e compreensão crítica dos saberes locais.

Para fechar o livro, no 13° capítulo, a autora Sandramara Matias Chaves em "O educador José Carlos Libâneo", também em escrita autobiográfica, recupera a presença de Libâneo em sua vida estudantil desde anos de 1980 em Goiás, deixando marcas indeléveis em sua trajetória como professora e pesquisadora. Como os demais autores deste livro, Sandramara Chaves, então Vice-reitora da Universidade Federal de Goiás, enaltece o profissional forjado na luta e enfrentamentos cotidianos, sem nunca abrir mão de suas convicções expressas mediante os vários livros e escritos de grande repercussão nacional produzidos.

O livro resenhado em tela representa um marco na literatura pedagógico-didática porquanto traz à cena as histórias de militância e inúmeras produções científicas de um dos mais célebres educadores e didatas brasileiros.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 04 de Abril de 2001; Aceito: 03 de Setembro de 2001

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