SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.38PROJETO DE VIDA E IDENTIDADE: ARTICULAÇÕES E IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃOSUSTENTABILIDADE COMO PRÁXIS PEDAGÓGICA PARA A TRANSDISCIPLINARIDADE NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA (EPT) índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.38  Belo Horizonte  2022  Epub 11-Abr-2022

https://doi.org/10.1590/0102-469833842 

Artigos

INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA PÚBLICA ENQUANTO FENÔMENO ESSENCIALMENTE DIALÉTICO1

INSTITUCIONALIZACIÓN DE LA EDUCACIÓN A DISTANCIA PÚBLICA COMO FENÓMENO ESENCIALMENTE DIALÉTICO

1Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Franca, SP, Brasil. <braiangarritoveloso@gmail.com>

2 Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos, SP, Brasil. <mill@ead.ufscar.br>


RESUMO:

O objetivo deste artigo é examinar as relações de causa e efeito no processo de incorporação orgânica da Educação a Distância (EaD) nas universidades públicas. Para tanto, propomos o conceito de dialética para explicar a institucionalização da modalidade. No que se refere à metodologia, a partir da triangulação metodológica utilizamos diferentes instrumentos, estratégias e fontes de coleta, a saber: análise documental; grupos focais virtuais; entrevistas semiestruturadas; técnica Delphi; e questionário virtual. Os dados foram analisados mediante as abordagens qualitativa e quantitativa, sem perder de vista a nossa matriz epistemológica concernente à sociologia compreensiva de Max Weber. Esta diz respeito à apreensão das universidades enquanto aglomerados de sujeitos que atribuem sentido subjetivo à sua ação socialmente orientada. Com o estudo, chegamos ao entendimento de que a institucionalização da EaD é um fenômeno essencialmente dialético, porque está enredado em constantes embates movidos pelas contradições imanentes. Enquanto persistem as visões dicotômicas, sobretudo por meio do modelo instituído pelo Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), tem-se importantes percalços na incorporação orgânica da modalidade. Assim sendo, consideramos que a superação dessa política pública de caráter emergencial tende a culminar no processo maior de síntese, em que EaD e educação presencial se tornam justapostas. Chega-se à educação híbrida, uma vez que os qualificativos “presencial” e “a distância” se tornam secundários, dando-se maior enfoque ao processo educacional.

Palavras-chave: educação a distância; institucionalização; Sistema UAB; dialética

RESÚMEN:

El propósito de este artículo es examinar las relaciones de causa y efecto en el proceso de incorporación orgánica de la educación a distancia en las universidades públicas. Para eso, proponemos el concepto de dialéctica para explicar la institucionalización de la modalidad. En cuanto a la metodología, a partir de la triangulación metodológica utilizamos diferentes instrumentos, estrategias y fuentes de recolección, a saber: análisis documental; grupos focales virtuales; entrevistas semi-estructuradas; Técnica Delphi; y cuestionario virtual.. Los datos fueron analizados utilizando enfoques cualitativos y cuantitativos, sin perder de vista nuestra matriz epistemológica sobre la sociología comprensiva de Max Weber. Se trata de la aprehensión de las universidades como agrupaciones de sujetos que atribuyen un sentido subjetivo a su acción socialmente orientada. Con el estudio llegamos a entender que la institucionalización de la educación a distancia es un fenómeno esencialmente dialéctico, porque está inmerso en constantes choques institucionales impulsados por contradicciones inmanentes. Si bien persisten las visiones dicotómicas, especialmente a través del modelo establecido por el Sistema de la Universidad Abierta de Brasil (UAB), existen importantes obstáculos en la incorporación orgánica de la modalidad. Por tanto, consideramos que la superación de esta política pública de carácter urgente tiende a culminar en el mayor proceso de síntesis, en el que se yuxtaponen la educación a distancia y la educación presencial. Se logra la educación híbrida, ya que las titulaciones “presenciales” y “a distancia” pasan a ser secundarias, dando mayor enfoque al proceso educativo.

Palabras clave: educación a distancia; institucionalización; Sistema UAB; dialéctica

ABSTRACT:

The purpose of this article is to examine the relations of cause and effect in the process of organic incorporation of distance education in public universities. Therefore, it is proposed the concept of dialectics to explain the institutionalization of the modality. With regard to the methodology, from the methodological triangulation different instruments, strategies and sources of data were used, namely: documentary analysis; virtual focus groups; semi-structured interviews; Delphi technique; and virtual questionnaire. The data were analyzed using qualitative and quantitative approaches, without losing sight of our epistemological matrix concerning Max Weber’s comprehensive sociology, which concerns the apprehension of universities as clusters of subjects who attribute a subjective sense to their socially oriented action. With the study, it was understood that the institutionalization of distance education is an essentially dialectical phenomenon, because it is enmeshed in constant institutional conflicts driven by immanent contradictions. While dichotomous views persist, especially through the model established by the Open University System of Brazil (UAB - Sistema Universidade Aberta do Brasil), there are important obstacles in the organic incorporation of the modality. Therefore, it is considered that the overcoming of this public policy of an emergency nature tends to culminate in the greater synthesis process, in which distance education and classroom education become juxtaposed. Hybrid education is achieved, since the qualifications “face-to-face” and “distance” become secondary, giving greater focus to the educational process.

Keywords: distance education; institutionalization; UAB System; dialectic

INTRODUÇÃO

Se a Educação a Distância (EaD) estava em constante expansão nas últimas décadas, decerto a pandemia ocasionada pelo novo coronavírus intensificou esse processo. Em face das necessárias medidas de distanciamento e isolamento social, muitas instituições recorreram ao ensino remoto emergencial4 e, conseguintemente, ao uso de diferentes tecnologias digitais como forma de mitigar os impactos do cenário pandêmico em âmbito educacional. A EaD, considerando-se suas especificidades de separação no tempo e/ou no espaço, passou a ser vista como alternativa ou, em várias experiências, necessidade para adequação às novas configurações do processo de ensino-aprendizagem. Aqueles cursos que já eram realizados por meio dessa modalidade tiveram, geralmente, mudanças menos significativas, adaptando-se melhor ao período da pandemia. Por seu turno, todos os cursos presenciais se adequaram, fazendo com que instituições ampliassem o uso de ferramentas da EaD.

Diante dessas considerações, este artigo tem como objetivo principal examinar relações de causalidade no processo de incorporação orgânica da EaD nas universidades públicas. Para tanto, parte-se de dados coletados com profissionais que atuam ou já atuaram no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). Como matriz epistemológica, tem-se a sociologia compreensiva weberiana. A meta é entender a institucionalização sob um caráter recursivo, em que a atribuição de sentido subjetivo à ação social se constitui como característica fundante. Além disso, compreendemos essa incorporação da modalidade como um fenômeno essencialmente dialético, movido pelas contradições imanentes.

Quanto à estrutura do texto, inicia-se com uma apresentação geral que contextualiza o conceito de institucionalização do qual partimos. Logo em seguida, apresentamos, sinteticamente, a metodologia e os procedimentos metodológicos da pesquisa. Depois disso, tem-se uma discussão baseada nos dados levantados, nas características fundamentais da institucionalização da EaD, nas contradições típicas e nos consequentes debates internos. Posteriormente, segue-se à definição de dialética, juntamente de uma explicação causal para o fenômeno investigado. Por fim, apresentamos algumas considerações para arrematar o texto e situar o nosso estudo em meio às discussões da área.

POR QUE E DE QUE FORMA ANALISAR A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

A institucionalização da EaD é condição indispensável para a perenidade da modalidade. Geralmente, a experiência brasileira com essa modalidade insere-se num aparato burocrático que, historicamente, se encontra acomodado à oferta regular tão somente de educação presencial. Como vemos em Mill e Veloso (2021), a inserção da EaD representa inovação e gera estranhamento ou mesmo desestabilização de uma ordem culturalmente incorporada. Muitas instituições, com todos os seus recursos, organização e estrutura tradicionalmente adequados e direcionados à educação presencial, deparam-se com uma efervescência quando da incorporação de cursos a distância que, em diferentes medidas, subvertem a ordem institucional, efervescência esta que, estando ligada à percepção dos sujeitos, gera muitas resistências. Por desconhecimento ou mesmo pela disputa por recursos, aqueles mais engajados com a educação presencial tendem a apresentar preconceito com relação à EaD, rechaçando-a ou, de diferentes formas, resistindo a ela. É por isso que, passado o período inicial de estranhamento e com a consequente disseminação da prática e da cultura associadas à modalidade, se busca a naturalização como forma de arrefecer as resistências e, então, garantir sua assimilação.

No caso das universidades públicas, as discussões quanto a institucionalizar a EaD ganham outros contornos que, em muitos sentidos, são mais complexos. Nos últimos anos, verifica-se o Sistema UAB como a principal política pública de educação superior a distância no país (FERREIRA; CARNEIRO, 2015). Responsável por exercer uma pressão coercitiva sobre a configuração da EaD, o Sistema UAB acaba por padronizar as ações na modalidade, por meio do financiamento atrelado a editais específicos. Surgindo com o papel de estimular a oferta de cursos a distância, certamente essa política trouxe mudanças significativas no cerne das universidades, como a contratação de docentes, estruturação de órgãos gestores, incentivo à pesquisa, investimento em infraestrutura, indução de ofertas, dentre outras. Porém, ainda hoje, discute-se em que medida germinaram as experiências fundamentais nas instituições e como isso tem levado à incorporação orgânica da EaD. Passados quase 15 anos, a modalidade ainda depende em grande medida do Sistema UAB para continuar existindo nas universidades?

Decerto, a pandemia intensificou esse debate, sobretudo porque, em face das medidas de distanciamento e isolamento social, as instituições tiveram que se adaptar ao ensino remoto emergencial. Ora, como a presença da EaD e de todo o seu aparato cultural contribuiu para mitigar os impactos do cenário pandêmico? A resposta para esse questionamento é sobremaneira intrincada e demanda investigações centradas na realidade das universidades. De qualquer forma, trouxe-se, à baila, a discussão sobre a necessidade de efetivamente institucionalizar a EaD, além de serem pontuados os percalços que persistem nesse processo. Se a modalidade estivesse, de fato, incorporada organicamente nas instituições, perpassando a cultura organizacional, é certo que as necessidades de se adequar ao distanciamento e ao isolamento social teriam sido enfrentadas de modos distintos. Como destacam Nascimento e Vieira (2016), institucionalizar a EaD é, atualmente, importante, porque viabilizaria, dentre outras coisas, a tomada de decisões a respeito da inclusão dessa modalidade como alternativa institucional para o ensino-aprendizagem.

Desse modo, procuramos, neste texto, revisar a compreensão para o fenômeno, a fim de identificar o seu funcionamento e as especificidades que lhe dão forma. Nosso recorte enfoca as universidades públicas (estaduais e federais) de todas as regiões do país que atuam no âmbito do Sistema UAB. Partimos do entendimento de que institucionalizar a EaD representa cristalizar procedimentos e práticas, garantindo sua capacidade de reprodução e, conseguintemente, sua legitimidade. A bem dizer, trata-se de um continuum, composto de níveis ou gradações que vão se constituindo e permitem avaliar graus de desenvolvimento do processo que não ocorre de forma binária (FERREIRA; CARNEIRO, 2015). Considera-se, portanto, a incorporação da modalidade com vistas a sobrepujar os qualificativos “presencial” e “a distância” (FERREIRA; MILL, 2014). Por institucionalizar, também compreendemos, como já dito, a capacidade de reprodução, de sorte que, para tanto, se deve garantir legitimidade. Logo, a interpretação que os sujeitos fazem e, por consequência, o enfoque na ação social se tornam elementos imprescindíveis para compreender a recursividade (MACHADO-DA-SILVA; FONSECA; CRUBELLATE, 2005).

No intuito de apreender as dinâmicas e a cultura organizacional que incidem sobre a subjetividade e permitem a reprodução das práticas institucionais - como no caso da EaD -, recorremos à sociologia compreensiva. O enfoque no sentido subjetivo atribuído ao agir social é o esteio do nosso empreendimento analítico. Destacamos que este artigo é um recorte de uma pesquisa de doutorado que tem como matriz epistemológica a sociologia weberiana. Portanto, essa perspectiva analítica conforma toda a estruturação dos procedimentos metodológicos, bem como a maneira de abordar os dados. Para Weber (2016), a compreensão do comportamento humano obtida pela interpretação gera uma evidência qualitativamente específica, considerada sui generis. De acordo com Colliot-Thélène (2016), a ação pode ser considerada social quando existe uma relação a outro. Sua capacidade heurística, no entanto, está associada à compreensão por parte do pesquisador, mediante a interpretação do sentido subjetivo atribuído pelos agentes. Isso significa que os postulados weberianos trazem à discussão o entendimento das estruturas sociais a partir das práticas coletivas que as constituem. As organizações, incluindo as universidades, passam a ser compreendidas, então, como “desenvolvimentos e entrelaçamentos de ações específicas de pessoas individuais, já que somente estas podem ser sujeitos de uma ação que se orienta num sentido” (WEBER, 2016, p. 623).

Quer dizer, a perspectiva weberiana que subjaz à nossa análise diz respeito ao entendimento de que o objeto de estudo é perfilado, em última instância, pelos entrelaçamentos de ações entre os sujeitos. Weber (2016) compreende que a ação socialmente orientada e provida de sentido concerne às expectativas que resultam não apenas do agir de outros indivíduos, como também de um estatuto racionalmente elaborado, no caso das assim chamadas associações. Com relação às universidades, as condutas que balizam as práticas institucionais se orientam: por um lado, pela expectativa recíproca gerada pela ação social, seja baseada no consenso, seja orientando-se pelo dissenso; por outro lado, pela burocracia e, mais precisamente, pelo estatuto racionalmente elaborado que engendra expectativa institucional responsável por influi no agir. Ou seja, nossa abordagem weberiana parte da premissa de que as instituições possuem uma cultura organizacional e um aparato burocrático que exercem certa pressão coercitiva com vistas a assegurar a probabilidade de uma ação atenta às expectativas institucionais. No entanto, a condução do agir depende da interpretação feita pelos sujeitos. É nesse sentido que as resistências, o preconceito, o ethos que permeia as universidades etc. estão no cerne do processo que iremos, mais à frente, detalhar.

Feitas essas considerações, seguimos para o nosso esforço teórico, calcado nas evidências empíricas, de partir de uma noção de certa forma já sedimentada sobre a institucionalização da EaD para, por meio disso, caminharmos rumo a uma explicação causal do fenômeno que tem como instrumento conceitual a dialética. Uma vez que a incorporação orgânica da modalidade envolve embates institucionais - ou seja, movimentos de resistência e desestabilização da ordem -, buscamos entender de que forma os antagonismos perfilam o processo. Com a matriz epistemológica weberiana, concebemos as instituições enquanto aglomerados de sujeitos que, atribuindo sentido à sua ação, agem. Isso é importante, pois, ainda que apresentemos, mais à frente, uma visão estrutural do processo, remetendo-nos também aos próprios órgãos, setores, departamentos etc., não estamos desconsiderando que todas essas estruturas, muito embora formem conjuntos que transcendem o mero resultado da soma de indivíduos, são, em último caso, pessoas que, em seu agir, lhes dão forma. Veremos que as contradições imanentes à apreensão da EaD e da educação presencial como modalidades dicotômicas, negando-se reciprocamente, constituem base das lutas que movimentam a institucionalização enquanto processo essencialmente dialético. No entanto, sem perder de vista as condições histórico-sociais que viabilizam quaisquer ações, estamos sempre atentos ao fato de que a institucionalização é, em qualquer medida, um fenômeno humano, isto é, movido por e dependente de sujeitos, que interpretam a realidade concreta e, assim, agem de diferentes formas.

METODOLOGIA

Antes de seguirmos à apreciação dos dados, apresentamos uma síntese da nossa metodologia. Síntese, porque, como dissemos, este artigo faz parte de um empreendimento maior, envolvendo várias etapas e procedimentos metodológicos. Como os resultados ora apresentados constituem a visão da totalidade por parte dos pesquisadores, não há como nos desvencilhar da pesquisa maior, o que daria um falso caráter de análise parcial, quando, na verdade, as interpretações deste texto só foram possíveis devido ao contato com todos os dados, incluindo os próprios processos de coleta. Mas a apresentação da metodologia em sua totalidade, sem ser de forma sintética, tenderia a consumir páginas em demasia, deixando-nos menor espaço para aquilo que compreendemos ser a contribuição precípua deste artigo; ou seja, a explicação causal do fenômeno. Sendo assim, este texto é um recorte da pesquisa de doutorado realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (PPGE-UFSCar), desenvolvida como parte dos esforços do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens (Grupo Horizonte-UFSCar). Trata-se de investigação submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da UFSCar, que recebeu a aprovação por meio do parecer número 2.647.439. Nesse sentido, utilizamos, na pesquisa, a triangulação metodológica, como forma de coletar e analisar dados a partir de diferentes instrumentos e estratégias. Buscamos apreender o fenômeno tendo em vista a sua grande envergadura, utilizando, especificamente, os procedimentos metodológicos indicados no Quadro 1.

Fonte: autoria própria.

Quadro 1 Procedimentos metodológicos da pesquisa. 

Colimando conceituar os instrumentos do Quadro 1 sem, contudo, incorrer em excrescências que seriam contraproducentes à nossa análise posterior, dado o exíguo espaço deste texto, destacamos que os grupos focais virtuais podem ser definidos como método de coleta que se assemelha ao grupo focal presencial, com a diferença de ser realizado em ambientes virtuais, sem a necessidade de presença física dos participantes (ABREU; BALDANZA; GONDIM, 2009). Apesar das limitações, esse formato traz algumas vantagens, como a possibilidade de reunir participantes de variadas regiões, superando barreiras espaciais. Citamos, inclusive, a versatilidade na produção dos dados, uma vez que ferramentas como o WhatsApp - utilizado em nosso estudo - permitem a criação de um documento com toda a conversa registrada em texto, de forma prática e simples.

Quanto à técnica Delphi, ela “baseia-se na seleção de um grupo de informantes socializados com o tema ou com o contexto a ser investigado, ao qual se aplica um questionário, com características exploratórias, montado de forma a colher informações preliminares que serão analisadas, definindo o primeiro round” (ANTUNES, 2014, p. 66). Essa estratégia pode ser usada para diferentes finalidades, dentre as quais a criação e validação de instrumentos de coleta de dados. Grosso modo, a técnica Delphi compreende a seleção de experts para submeter várias rodadas de um instrumento (como o questionário). A cada nova rodada, o pesquisador deve apresentar uma síntese das análises anteriores, garantindo o anonimato. A proposta é buscar um consenso, na medida em que os participantes têm a chance, a cada nova rodada, de rever suas respostas, tendo em vista as informações apresentadas pelos outros participantes.

No que toca à entrevista semiestruturada adotada, a coleta foi organizada a partir da perspectiva compreensiva. Consoante Kaufmann (2013), o processo compreensivo almeja interpretar e explicar a realidade mediante os dados recolhidos. O autor afirma que a compreensão do sujeito é apenas um instrumento, sendo a explicação compreensiva do social o principal objetivo do pesquisador (KAUFMANN, 2013). Enfocando a intropatia, a interpretação dos dados direcionou-se à tentativa de compreensão da realidade por meio dos olhares dos indivíduos entrevistados. A apreciação dos dados esteve centrada na tentativa de propor explicações causais para o fenômeno, considerando-se o sentido subjetivo atribuído à ação social.

Ademais, para as análises, lançamos mão das abordagens qualitativa e quantitativa. Para Valerio e Paniago (2020), adequar o método e os procedimentos de análise aos objetivos da pesquisa é imprescindível para se chegar aos questionamentos propostos. De acordo com Abreu, Baldanza e Gondim (2009), a combinação permite aprofundar-se em questões que, por vezes, não podem ser mensuradas de modo numérico. É por isso que a complementaridade, segundo esses autores, talvez seja o caminho mais alinhado às necessidades dos fenômenos sociais. Destarte, ressaltamos que nosso estudo parte de uma abordagem multifacetada, a partir de diferentes instrumentos de coleta, no intuito de apreender o objeto em toda a sua complexidade. A triangulação metodológica, aqui, é entendida como forma de usar distintas abordagens, métodos e fontes de coleta, chegando a resultados mais aprofundados e sob diferentes olhares.

AS CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA PÚBLICA

Primeiramente, analisamos os dados coletados em nossa pesquisa no intuito de definir as características empíricas que compõem a institucionalização. Sabe-se que, nas universidades públicas, o Sistema UAB é o principal indutor da EaD (FERREIRA; CARNEIRO, 2015). Por meio dele, muitas instituições tiveram a sua primeira ou mais significativa experiência na modalidade. Outras, ainda que tivessem participado de cursos a distância considerados pioneiros, adequaram-se à UAB como forma de angariar recursos e investir massivamente em EaD, como mostra Barrera (2018) no caso da Universidade de Brasília (UnB). Nesse sentido, tão logo a modalidade adentra o seio institucional a partir de um fomento específico, assiste-se ao início dos processos de resistência. Segundo Mill e Veloso (2021), institucionalizar um sistema de EaD envolve o movimento de recepção e naturalização além da concepção dos cursos, passando por aspectos como estruturação de disciplinas, formação docente, acompanhamento dos alunos, gerenciamento de processos etc. Esses autores também afirmam que, ao passo que se insere no contexto da instituição, por vezes já acomodado e estabelecido em função de cursos presenciais, gera-se a desestabilização da estrutura. Isso antecede os processos de integração e acomodação da EaD.

Em se tratando de instituições públicas, devido ao seu caráter notadamente burocrático, calcado em órgãos consultivos e deliberativos que, representando as diferentes instâncias da comunidade universitária, direcionam as ações, percebe-se que a inquietação gerada pela presença dos cursos a distância vem acompanhada de fortes movimentos de debate imbuído de preconceito. Este pode estar relacionado a fatores diversos, como relutância no que se refere à inovação ou mesmo receio quanto à qualidade dos cursos (NASCIMENTO; VIEIRA, 2016). Quer dizer que, para além dos entraves externos, atinentes a elementos como o corte de recursos ou à vinculação a projetos, a modalidade também se depara com problemas internos, como a resistência de agentes e estruturas (BARRERA, 2018). De qualquer forma, o Sistema UAB investiu massivamente na expansão da EaD, contribuindo para a estruturação de órgãos gestores, ampliação de infraestrutura e tecnologias, contratação de pessoal técnico-administrativo, além da própria seleção de docentes para atuarem nos cursos a distância. Pode-se afirmar que essa política pública de indução foi a principal força motriz responsável por cursos a distância nas universidades. Mesmo que tenham ocorrido movimentos de resistência diante da inquietação e desestabilização proporcionadas pela presença da EaD na estrutura, o financiamento da UAB impulsionou a modalidade, e, ao longo dos debates internos, atingiram-se avanços importantes, tais como a inserção no aparato burocrático (Tabela 1).

Tabela 1 Presença da EaD nos documentos normativos da universidade. 

Documentos normativos diversos Sim Não
Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) 22 (88,00%) 3 (12,00%)
Estatuto ou regimento da instituição 13 (52,00%) 12 (48,00%)
Resolução referente ao uso de disciplinas a distância na educação presencial 15 (60,00%) 10 (40,00%)
Regulamentos de organização didática 9 (36,00%) 16 (64,00%)
Projeto Político Pedagógico de cursos presenciais 17 (68,00%) 8 (32,00%)
Regimento do Núcleo Gestor de EaD 15 (60,00%) 10 (40,00%)

Fonte: autoria própria.

Com exceção de resoluções referentes à oferta de disciplinas a distância na educação presencial, a EaD já está inserida na maior parte dos outros documentos normativos das 25 instituições representadas pelos gestores participantes da investigação. Esse dado indica um avanço na institucionalização, que, em diferentes medidas, pode contribuir para arrefecer os preconceitos e a resistência, o que é determinante para assegurar a capacidade de reprodução. À esteira disso, outros processos importantes têm eclodido no seio institucional, como debates relacionados à incorporação do esforço docente nos cursos a distância dentro da burocracia. Em algumas realidades, conforme identificamos nas entrevistas, conseguiu-se equiparar o trabalho na EaD com aquele da educação presencial. No questionário, verificamos que 11 universidades representadas pelos gestores no estudo (44% da amostra) já consideram o esforço docente na EaD como elemento de avaliação de desempenho para progressão na carreira. A mesma quantidade (i.e., 44%) também considera a atuação na EaD como encargo do professor para preenchimento da carga horária de trabalho semanal.

Além da paulatina inserção da modalidade no aparato burocrático, a indução do Sistema UAB proporcionou, como mencionado, a criação de unidades gestoras. Estruturando-se como núcleos, secretarias, diretorias ou superintendências, esses órgãos têm sido responsáveis por tomar a frente das ações em EaD na instituição, incumbindo-se não só da oferta e estruturação dos cursos a distância, como também do oferecimento de formação e apoio aos docentes, organização de eventos científicos na área, produção de pesquisas, elaboração de materiais didáticos com tecnologias digitais, interlocução com outras instituições para firmar parcerias, dentre outros. A despeito das especificidades no que tange a cada experiência, constata-se que essas unidades gestoras se tornaram fundamentais no processo de inserção da modalidade, movimentando os debates institucionais e contribuindo de forma decisiva para os avanços na institucionalização. Ao concordamos que institucionalizar representa, dentre outras coisas, diminuir a resistência e assegurar a acomodação de novas práticas, tais órgãos, constituindo-se como vanguarda, têm sido imprescindíveis no processo de incorporação da EaD.

Em todo o caso, se os dados nos mostram que foram galgados, de fato, alguns degraus, isso não ocorreu sem intensas querelas dentro das universidades. Nas entrevistas, a palavra “luta” apareceu na fala de vários participantes para definir a institucionalização como processo de superação dos preconceitos, envolvendo embates internos. Vejamos exemplos:

Nós... nós temos, é... lutado [suspira demonstrando certo cansaço ao pensar nisso], nesse sentido de conseguir essa inclusão [da EaD na matriz orçamentária da universidade], por quê? Nós, como professores da... dessa unidade acadêmica, vira e mexe nós acabamos escutando, de algumas pessoas que são resistentes à educação a distância, que o nosso salário é pago pela matriz orçamentária e que é pago pelos cursos presenciais [...] Então, nossa luta é que fosse equiparado [a atuação na EaD àquela na educação presencial em termos de progressão na carreira docente], porque nós trabalhamos da mesma forma, nós trabalhamos com... também com pesquisa, com, é... extensão, e trabalhamos também na parte administrativa, nós temos... fazemos tudo da mesma forma de quem trabalha no curso é... presencial, né. Então nós sempre solicitamos essa equiparação (GESTORA A5).

Nós temos [representação da EaD nos conselhos superiores], foi uma luta, né? [...] Né. Então, foi uma luta, assim, de conseguir que os coordenadores, principalmente da oferta UAB, participassem, tivessem cadeira no conselho do campus, na comissão de ensino. Então, há portaria, para esses coordenadores, né, portaria interna, eles têm assento nas reuniões de... conselho, de comissão de ensino, tá? [...] E... uma luta para que esses cursos EaD, é... ofertados pela... pela Universidade Aberta do Brasil, fossem reconhecidos como cursos da instituição também, né. Então, sempre foi a luta, a portaria, né, assentos, é... é... a... a instituição também absorve os registros dos alunos, como o presencial, né (DOCENTE-FORMADORA/ APLICADORA M).

Olha, em primeiro lugar foi essa grande luta que nós tivemos, ó, seis meses no conselho. Seis meses. Tiramos de pauta várias vezes quando a gente sentia que tava perigosa, a gente tirava de pauta, é... porque nós mudamos o regimento da universidade. Nós tiramos a palavra “EaD”, no regimento. Não tem a palavra “EaD”, tá? Por quê? Porque nós igualamos os cursos. Tanto faz o curso ser a distância como presencial, é curso. Então, a universidade trata como curso, é curso. Igualzinho... então isso foi uma luta, viu? [...]. Então, igualamos, então igualar a EaD ao presencial e transformar tudo em ensino foi uma grande luta. Não foi fácil (GESTOR B).

Uma questão que levamos tempo, e ainda tem pontos pendentes, diz respeito aos atos normativos internos nas IES. Na ***6 o que vi, e lutei muito para mudar, foi chamar institucionalização apenas a aprovação inicial para criação de curso e aprová-los nos conselhos superiores. Isso não é institucionalizar. É apenas o primeiro passo. Dar um caráter institucional para a EaD e dar-lhe todos os instrumentos legais para o seu andamento e pleno êxito. Parece óbvio, mas só depois de muito tempo se prestou atenção para coisas como: prazos para desligamentos, formas de transferência interna do curso a distância para o presencial ou vice-versa, consideração do direito dos alunos ao voto nas eleições para reitor, calendários acadêmicos compatíveis com a EaD, enfim... (DOCENTE-FORMADORA/APLICADORA B).

Ao descreverem os avanços na incorporação da EaD, incluindo importantes movimentos de inclusão da modalidade no aparato burocrático, os participantes desvelam, em algumas falas, as lutas que constituem o processo. São embates que estão atrelados, de forma recorrente, aos preconceitos e à resistência que a modalidade enfrenta na medida em que passa a fazer parte da rotina institucional. Conquanto o desenvolvimento da modalidade tenha contribuído para arrefecer algumas das contradições, especialmente pelas experiências bem-sucedidas das instituições na formação de alunos a distância, o preconceito persiste e não foi inteiramente superado. Objetivando mensurar essa resistência, abordamos o tema no questionário, e os gestores indicaram sua perspectiva a partir de uma escala de 1 (nenhum preconceito/resistência) a 5 (muito preconceito/resistência) para cada um dos contextos elencados. Quantificamos as respostas e calculamos a média aritmética, excluindo-se aqueles gestores que, em cada item, indicaram “não sei informar” (Tabela 2).

Tabela 2 Nível de preconceito percebido com relação à EaD. 

Contextos Média aritmética do preconceito percebido
Docentes da educação presencial 4
Docentes que atuam nas duas modalidades 1,66
Funcionários técnico-administrativos 2,77
Reitoria 2,16
Pró-reitorias 2,16
Departamentos 2,58
Gestores 2,91
Alunos da educação presencial 3,21

Fonte: autoria própria.

Como é possível observar, na visão dos gestores o preconceito entre os docentes que atuam na educação presencial ainda é grande, seguido daquele preconceito entre os alunos dos cursos presenciais. Nos outros contextos, o preconceito encontra-se abaixo do nível 3; isto é, abaixo do nível considerado mediano na escala de 1 a 5 apresentada aos participantes da pesquisa. Na tentativa de aprofundar os dados, abordamos essa temática nas entrevistas, permitindo demonstrar que a resistência ainda existe nas instituições, muito embora, na percepção de alguns profissionais, tenha diminuído ao longo do tempo.

Há um preconceito institucional, é... por conta, por exemplo de... faltar essa representatividade que a gente falou no início, não tem uma representatividade nos conselhos, tá certo? A EaD não... não dialoga como deveria dialogar com a pró-reitoria de ensino, com a pró-reitoria de extensão, pró-reitoria de pesquisa... ela não tem um, né... não há uma interação maior. Poderia ter... e isso termina por... não deixa de ser algo, né... em dose menor de um preconceito, né? (DOCENTE-FORMADOR/APLICADOR F).

Porque, assim... isso eu vejo na *** e em outras universidades como a ***, tem áreas que têm muito preconceito com a EaD, na *** tem muitos professores que são absolutamente contrários à EaD, na *** também... então, o que que acontece... como essas universidades não incorporaram verdadeiramente a EaD como sua, deixam para o Cederj é... ninguém pensa, ninguém se debruça, nem... para... pra dialogar pra desenvolver esses projetos [em conjunto com professores de diferentes universidades que participam do Cederj] (DOCENTE-FORMADOR/APLICADOR L).

Sim. Era grande [o preconceito antes da pandemia] por causa disso que eu tô te falando. Porque, parte do preconceito, ele não vinha de o cara achar que fazer EaD era ruim. É da mistura que isso trazia. Trabalho adicional, falta de controle sobre o que que tá acontecendo. Uma... um desconhecimento do que que é que tinha naquela... naquela ação de EaD, pois ela tava muito focada e muito em cima de um grupo que era o mesmo grupo que tava se repetindo há... desde o começo, com poucas adesões novas, né. Então, ela tinha esse preconceito... o aluno que não... acha... é... e... e é uma coisa o seguinte, muito ligado à questão trabalhista, né, do caso dos professores, com discursos que não havia discussão, de que... aí o cara não gosta daquilo, porque ele não tinha experiência, ele acha, né, que tem que ser assim, que é só o presencial que resolve, né (GESTOR D).

Não, em geral, assim, não existe nenhum departamento, assim, que seja contra [a EaD]. Existem professores que são contra. Não departamento como um todo. Tanto que na... na ciência e tecnologia, já... as disciplinas, quando são reformuladas, eles já colocam prevendo o uso de educação a distância em parte do curso. Eles já tão reformulando deixando a brecha. Embora muitos nem tão usando, mas a disciplina já estão aptas a... a utilizar (GESTOR B).

A persistência do preconceito nas universidades demonstra uma faceta importante na institucionalização. Referimo-nos às tentativas de rechaçar a EaD, resistindo-a, levando a lutas que são basilares na movimentação do processo. Nesse sentido, nossos dados também evidenciam aspectos críticos, como a representatividade da EaD nos conselhos universitários, uma vez que a modalidade não possui essa representação em 13 (52%) das universidades cujos gestores responderam ao questionário. Ora, quando da discussão sobre a presença da EaD nos próprios conselhos ou sobre a inclusão de cursos a distância na matriz orçamentária, por exemplo, a Gestora A e o Gestor B chegaram a afirmar que, em determinados momentos, tiveram que recuar e retirar o assunto da pauta, posto que os embates galvanizaram os sujeitos e poderiam incorrer em maior relutância. Se a EaD ainda se depara com preconceito e resistência, promovendo lutas institucionais, acreditamos que isso decorre, ao menos parcialmente, da dependência de editais adotados pelo Sistema UAB, como se observa nas Tabelas 3 e 4.

Tabela 3 Previsão orçamentária para oferta de EaD. 

Previsão orçamentária
Para cursos apenas no âmbito do Sistema UAB 8 (32,00%)
Para cursos fora do âmbito do Sistema UAB 1 (4,00%)
Para todos os cursos a distância 1 (4,00%)
Não há previsão orçamentária para os cursos a distância 10 (40,00%)
Não sei informar 5 (20,00%)

Fonte: autoria própria.

Tabela 4 Principais subsídios para financiamento da EaD. 

Subsídios Sim Não
Recursos oriundos do Sistema UAB 23 (92,00%) 2 (8,00%)
Matriz orçamentária própria da instituição 6 (24,00%) 19 (76,00%)
Recursos provenientes da fundação de apoio 3 (12,00%) 22 (88,00%)
Cursos de pós-graduação lato sensu pagos 4 (16,00%) 21 (84,00%)
Recursos provenientes da iniciativa privada 2 (8,00%) 23 (92,00%)
Projetos de fomento de governos ou entidades federais, estaduais ou municipais 9 (36,00%) 16 (64,00%)

Fonte: autoria própria.

Somando-se dois pontos da Tabela 3, observa-se que, em 72% das universidades participantes do estudo, ou não há previsão orçamentária ou essa previsão está vinculada unicamente aos cursos ofertados no âmbito do Sistema UAB. Aliás, em 23 (92%) das instituições, afirma-se que os principais subsídios financeiros para a modalidade são oriundos dessa política pública, de maneira que outras fontes de recursos são escassas na grande maioria das realidades. Quer dizer que, em aproximadamente 15 anos de fomento específico para a EaD por meio da UAB, ainda se constata a quase total dependência das universidades no que concerne ao financiamento externo, fora da matriz orçamentária das universidades. Nas entrevistas com gestores e docentes, também foi recorrente a necessidade de mais recursos e/ou vinculação do fomento à matriz orçamentária.

Em nossa concepção, essa dependência do Sistema UAB não apenas fragiliza a continuidade dos cursos a distância e dificulta a institucionalização da EaD, como também desvela que a modalidade ainda está atrelada a um modelo específico. A necessidade de recorrer ao fomento externo como maneira de assegurar as práticas em EaD faz com que as universidades mantenham a estrutura maior instituída por uma política pública. Seleção de tutores (a distância e presenciais) por meio de editais, atribuição de bolsa para os docentes que atuam nos cursos, uso de polos de apoio presencial, maior direcionamento para propostas de formação de professores e gestores, dentre outros, são apenas algumas das características que definem a UAB. Mesmo que se tenha avançado em alguns sentidos no tocante à incorporação da EaD, as experiências nas universidades públicas ainda são dependentes, em grande medida, do financiamento externo e, consequentemente, de um modelo instituído que age coercitivamente na materialização das propostas dos cursos. A pressão coercitiva dentro do ambiente organizacional, que inclui a ação do Estado (DIMAGGIO; POWELL, 2005), tem papel importante na configuração dos cursos a distância públicos.

Esse modelo UAB, na forma como foi concebido e como se mantém tardiamente nas universidades, engendra uma série de contradições que contribuem diretamente para a manutenção das dicotomias entre as realidades. Em primeiro lugar, por ser uma política de fomento que assegura os cursos a distância num caráter de projeto, atribui-se à EaD um status de atividade paralela à rotina institucional. Os problemas que perpassam o formato de custeio instituído pela UAB, atribuindo bolsas a docentes e tutores e, assim, precarizando o trabalho, também são decisivos nas contradições que alimentam os preconceitos e a resistência. Pesce (2007) discute os elementos contraditórios da institucionalização da EaD no Brasil, abordando problemáticas como propostas de formação menos interessadas na capacidade crítica do que na capacitação técnico-instrumental, dependência de organizações multilaterais nas concepções de educação, democratização do acesso sem preocupação com a qualidade etc.

A partir de nossas análises, podemos arrolar, sem esgotar a discussão, outras contradições desinentes especificamente do modelo UAB, quais sejam: inclusão de docentes - tutores e outros profissionais externos - num regime de trabalho altamente excludente - sem vínculo empregatício, com remuneração precária, sem inserção direta na burocracia etc.; uso de polos de apoio presencial que, na prática, se constituem, para muitos alunos e cursos, como espaços de avaliação formal com a perda dos ideais de descentralização das atividades universitárias; modelo instituído por política pública de fomento em contraste com as tentativas de adequação institucional - são cursos da UAB ou da universidade?; consideração dos alunos como discentes da instituição, porém, sem a devida equiparação das oportunidades como bolsas para pesquisa, auxílio estudantil e outros; etc.7

Diante disso, nossos dados descortinam a força motriz da institucionalização enquanto fenômeno essencialmente dialético. As visões dicotômicas entre EaD e educação presencial, que perpassam a rotina das universidades, estabelecem-se como ponto fulcral das lutas institucionais que movimentam e perfilam os avanços, mas também retrocessos na incorporação da modalidade. Entendemos que, quando os cursos a distância se inserem à luz do modelo instituído pela UAB, as realidades são concebidas numa espécie de antagonismo. Citam-se a precarização da docência (VELOSO, 2020), o receio de que a modalidade possa sucatear o ensino superior público, o medo de que a EaD possa “roubar” alunos do presencial (DOCENTE-FORMADOR/APLICADOR K), dentre outros motivos que levam à visão de que ambas as realidades seriam antagonistas numa luta por recursos e sobrevivência. É como se a EaD, dada a sua condição de projeto e política de caráter emergencial, concebida como alheia à rotina institucional, incorresse em contradições que culminam na tentativa de negação da educação presencial. Esta, porém, arraigada nas universidades devido à sua presença histórica, reage à inclusão dos cursos a distância com resistência. Muitas vezes, essas duas modalidades são concebidas, equivocadamente, como substitutivas, e não como complementares.

Com todas essas características, reafirmamos que, nos moldes como tem se desenvolvido, a EaD pública, atrelada ao Sistema UAB, está envolvida em contradições, tendo em vista que os cursos a distância se posicionam, em muitos sentidos, de forma antagônica no que diz respeito à educação presencial. A vinculação a projetos e a dependência parcial ou total de recursos externos imputam à modalidade um status de atividade paralela à rotina institucional. As contradições também perpassam as visões antagônicas entre as especificidades da EaD e da educação presencial, como se fossem realidades inconciliáveis ou que precisam lutar pela soberania. Os embates por recursos, que foram se intensificando ao passo que o financiamento da UAB foi minguando, também recrudescem os antagonismos. Por vezes, a resistência e o preconceito dizem respeito justamente a essa concepção de que as realidades seriam contraditórias, não podendo coexistir de forma harmoniosa e profícua. Essa negação recíproca entre EaD e educação presencial não apenas gera as tensões institucionais, como movimenta todo o processo dialético da institucionalização. Ora, os dados das entrevistas demonstram essas dicotomias, que, ainda hoje, persistem.

Porque é como se a educação a distância não fosse algo da universidade... é do Cederj8, e a universidade dá o aval. É uma coisa que ainda é muito distante... então, embora esteja no PDI, em termos pedagógicos, de pesquisa e extensão, ainda é uma coisa, é... muito distante da... porque internamente as universidades já têm dificuldades de dialogar entre as diferentes áreas. Algumas mais, outras menos... enfim, né (DOCENTE-FORMADOR/APLICADOR L).

E isso não é só da ***, não, isso aí acontece em todas as universidade federais, estaduais, porque todas trabalham no âmbito dos editais, né, mesmo assim a gente já tem... acaba conseguindo ter essa periodicidade, porque todo... cada quatro, cinco anos tem um novo edital, a universidade acaba oferecendo o mesmo curso, então, isso dá a falsa ilusão de que o curso é da... da universidade, mas não, tipo, o curso ele só... só tá ali com... com a chancela da universidade, mas o curso, ele é fomentado por outro órgão, no caso pela Capes. Então, isso acaba sendo ruim, e as pessoas que não fazem parte do meio falam: “bem, não é da universidade, ah então isso aí é um curso que não tem valor agregado, ah isso é um curso que é só pra, é... pro aluno entrar, é mais fácil, é alguma coisa assim”. É muito preconceito e pouco conhecimento (GESTOR C).

Então, isso, sim, preconceito, mas esse preconceito, ele foi... ele foi mudando o jeito, né. O preconceito antes era porque você tinha muita coisa, “ah, é o cara... o cara [aluno da EaD] ruim que não consegue passar, que não tem tempo pra estudar, e... se ele fosse bom mesmo ele tava no [curso] noturno, né”. Sem entender o perfil do cara que tá estudando. Isso migrou pra um problema de uma mistura entre... uma competição EaD e presencial, dentro da universidade (GESTOR D).

Constituindo-se como fenômeno eminentemente humano, a institucionalização da EaD possui a característica fundante: luta com vistas à superação de resistências e preconceitos, e estes resultam das contradições, ou seja, das visões dicotômicas entre as duas realidades. Ante os dados, percebemos que houve avanços em alguns aspectos, como a inclusão dos cursos a distância em parte importante do aparato burocrático, com especial atenção para os documentos normativos. Aliás, o preconceito, ao menos na percepção dos gestores, também tem diminuído em setores estratégicos, como reitoria, pró-reitorias e departamentos. No entanto, se ainda persiste a dependência do fomento externo, bem como o preconceito entre os docentes que contribui para a manutenção das contradições e antagonismos, como se dará a efetiva incorporação da EaD? Entendemos que esse caminho converge para a noção de educação híbrida. E, para isso, propomos a dialética enquanto instrumento conceitual para explicar o desenvolvimento do fenômeno. Trataremos sobre isso nas seções subsequentes.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO ENQUANTO FENÔMENO DIALÉTICO

Demonstramos, anteriormente, aquelas especificidades que compõem a institucionalização da EaD nas universidades públicas. Ao colocarmos as contradições como o cerne do processo, lançamos mão da dialética enquanto instrumento conceitual para explicar as relações de causalidade. O nosso enfoque mantém-se na ação dos sujeitos, pois compreendemos as instituições como entrelaçamento de indivíduos que agem. Todas as estruturas são, em última análise, aglomerados de pessoas que, interpretando a realidade concreta, atribuem sentido ao seu agir. Mas buscaremos, a partir daqui, discutir as estruturas maiores do processo de institucionalização da EaD. Iniciamos com uma definição de dialética, aclarando o conceito empregado, para, em seguida, apresentarmos a maneira como esse conceito está ligado à incorporação orgânica da EaD nas instituições. Por fim, buscamos explicar o modus operandi do processo, atentando-se àquilo que, na dialética, entendemos como dupla negação.

Definição do conceito de dialética empregado na análise

Propomo-nos definir o conceito empregado para explicar o desenvolvimento do processo de institucionalização. A dialética é, aqui, entendida como instrumento conceitual. Tal consideração é imprescindível, pois reiteramos a nossa matriz epistemológica, que é a sociologia compreensiva. Esta possibilita-nos uma forma de conduzir a pesquisa, enfocando o sentido subjetivo atribuído à ação social. Além disso, muito embora utilizemos concepções marxistas, não estamos lançando mão do conceito num viés estritamente relacionado ao marxismo9. Porque, como salienta Musse (2005), as discussões voltadas à ortodoxia metodológica da obra de Marx e Engels são sobremaneira complexas, havendo perspectivas, como a de Lukács (2003), que advogam o uso do materialismo histórico e dialético enquanto teoria fundamentalmente revolucionária, sem possibilidade de cisão com a prática ou mesmo rompimento com a ideia de totalidade. Logo, nosso uso de contribuições marxistas concerne à construção de instrumentos conceituais que possibilitem a explicação causal da realidade empírica. Porém, a nossa fidelidade metodológica permanece alinhada à sociologia compreensiva, como forma de compreender a influência do fenômeno na ação social.

Posto isso, o conceito de dialética, neste artigo, advém da filosofia hegeliana. No pensamento aristotélico, a verdade identifica-se como ausência de contradição, pois, “se uma coisa é igual a si mesma e diferente de si mesma, se ela é igual a si mesma e igual a outra coisa, trata-se de uma contradição, indicação insofismável de uma falsidade” (SADER, 2007, p. 09). A revolução nessa forma de pensamento veio com a obra de Hegel, responsável por colocar luzes na importância da contradição a fim de apreender as dinâmicas essenciais de cada fenômeno. “Captar a contradição passa a ser sintoma da apreensão do movimento real dos fenômenos” (SADER, 2007, p. 09). As contradições compõem a lógica hegeliana como forma de compreender a essência de cada polo e, dessa maneira, o sentido da relação mútua. Talvez, o exemplo cabal da dialética hegeliana possa ser identificado na relação entre senhor e escravo, deslindando a interdependência das determinações que são, em sua aparência, opostas, mas estão imbricadas (SADER, 2007). Isso significa que essa relação só existe mediante a contradição, de tal modo que cada elemento, aparentemente contraditório, só possui significância por meio das relações com o seu oposto.

Para Engels (2015), submetendo a natureza ou a história humana à atividade intelectual, o que nos salta à vista é o entrelaçamento infinito de interconexões e interações. Ora, “nada permanece o que e como era nem onde estava, mas tudo se move, se modifica, devém e fenece” (ENGELS, 2015, p. 49). Entretanto, a despeito dessa revolução no pensamento humano, que coloca a contradição no cerne das análises dos fenômenos, Engels (2015) afirma que, ao passo que a ciência da natureza se desenvolveu e, por consequência, se especializou na modernidade, os objetos passaram a ser apreendidos desconectados da totalidade. Analisa-se sua existência de forma independente, em seu isolamento e à parte das conexões que o entrelaçam. De acordo com Engels (2015), quando Bacon e Locke transferiram esse modo de conceber as coisas da ciência da natureza para a filosofia, originou-se aquilo que o autor chama de “tacanhice específica dos últimos séculos”, qual seja, o modo metafísico de pensar. A crítica de Marx e Engels (2007) aos filósofos alemães atinge precisamente essa forma de entender os fenômenos históricos, que, diferentemente da perspectiva materialista, apreende as representações da realidade objetiva, admitindo-as como se fossem, per se, a própria realidade. As diatribes concentram-se, então, no plano das ideias, restringindo-se à mera ideologia. Desconecta-se o debate da materialidade, uma vez que as próprias críticas à condição humana se resumem a fraseologias, sem quaisquer compromissos com a transformação da realidade concreta.

Consoante Musse (2005), o esforço teórico de Engels, voltado a definir os pilares do materialismo histórico e dialético, reconhece a importância de Hegel, mas propõe uma total inversão do idealismo em que a filosofia alemã incorrera. A perspectiva materialista subverte a lógica hegeliana, posto que, para o marxismo, as contradições perpassam a realidade histórico-social, ou seja, a materialidade. Segundo Engels (2015, p. 39), a filosofia de Hegel falhava ao não compreender que a natureza se desenvolve no tempo, ao não admitir “o um após o outro”, mas somente o “um ao lado do outro”. Falhava, portanto, em não admitir o caráter intrinsecamente histórico e material da dialética. Disso advém a célebre concepção de que toda a história é a história da luta de classes (ENGELS, 2015). Destacamos, pois, a importância da contribuição de Marx e Engels (2007) ao criticarem a cisão entre realidade e pensamento promovida pelo idealismo filosófico. A metafísica, que teria Hegel como um de seus expoentes, tomaria as representações da realidade material e concreta como a própria realidade. Essa apreensão dos objetos de forma isolada, independente, desconectando-os de suas intersecções e, portanto, de sua totalidade, incorre num idealismo que, segundo Marx e Engels (2007), serve à manutenção da sociedade de classes ao retirar as discussões da materialidade e inseri-las tão somente no plano das ideias, reduzindo-se à mera fraseologia.

Desse modo, a contribuição marxista para a dialética, dentre outras tantas coisas, diz respeito ao realce da compreensão do caráter histórico dos fenômenos sociais. Outrossim, subverte o pensamento idealista, para enfocar a realidade material, especialmente o desenvolvimento das forças produtivas e o intercâmbio dos sujeitos como fatores determinantes que condicionam, inclusive, os próprios pensamentos filosóficos. Reconhecemos a importância da materialidade para a acepção da dialética aqui empregada, considerando-se que o processo de institucionalização, na forma como se desenvolve no interior das universidades, não pode ser desvencilhado das condições histórico-sociais que o condicionam. O fenômeno da incorporação da EaD no seio institucional move-se a partir das contradições, bem como do embate estabelecido entre os polos aparentemente opostos ou conflitantes. No entanto, a interpretação que os sujeitos fazem da realidade concreta se mostra basal no processo de atribuição de sentido subjetivo ao agir social. Aqui, consideramos a dialética como fenômeno eminentemente humano, pois as contradições institucionais são também criadas pela ação de indivíduos. Se a agência está calcada nas expectativas recíprocas, orientando-se a partir de certas pressões sociais geradas pela cultura organizacional ou mesmo pelo aparato burocrático, a força motriz do processo depende daquelas interpretações da realidade pelos indivíduos que, em si mesmo, incorrem num caráter contraditório. Os elementos externos à subjetividade do agir são, assim, os condicionantes desse movimento interpretativo enredado em contradições, tais como preconceito e resistência.

A dialética no processo de institucionalização da educação a distância

Devido ao seu caráter hierárquico-burocrático10, as universidades são resistentes às mudanças, de modo que seus movimentos são morosos e envolvem, frequentemente, lutas e embates internos. São, em última análise, aglomerados de sujeitos que, com ideias conflitantes, dão forma às práticas institucionais. A institucionalização da EaD é um fenômeno essencialmente dialético, em que as contradições devem ser percebidas como forças fundamentais de desenvolvimento. Acreditamos que o processo de incorporação da modalidade deve ser analisado sob uma perspectiva que considera as relações de reciprocidade, aclarando os elementos opostos e, ao mesmo tempo, interdependentes. Aliás, a historicidade é fator determinante, porque permite observar os objetos que devém e fenecem dentro de seu percurso histórico (ENGELS, 2015), e a realidade material baliza e condiciona todo o processo. Mas entendemos que a interpretação é, ainda, o elemento fundamental da institucionalização. Isto é, mesmo que a materialidade seja determinante, a forma de concebê-la por parte dos indivíduos é que vai delinear a manifestação, na prática, do processo dialético de incorporação da EaD.

Os sujeitos sempre agem dentro de um contexto que se constitui como referência (MACHADO-DA-SILVA; FONSECA; CRUBELLATE, 2005), porém, o sentido atribuído à ação não é unívoco, e a interpretação que os agentes fazem em face da realidade material vai perfilar as manifestações da institucionalização no bojo da prática institucional. Em muitas situações, o processo de incorporação da EaD deve sobrepujar não apenas percalços concretos, como a falta de orçamento, a necessidade de adequação do aparato burocrático, a construção de infraestrutura etc., mas também problemas atinentes ao pensamento metafísico ou, mais precisamente, ao senso comum, como o preconceito, a visão do modelo UAB como pura representação da modalidade, a acomodação às condições materiais tidas como incontornáveis ou naturalizadas, dentre outros aspectos. Pretendemos descrever isso de forma pormenorizada noutras reflexões.

A EaD, embora estivesse presente em algumas iniciativas, passa a se inserir nas universidades de forma acentuada e sistêmica a partir do Sistema UAB, como já discutido anteriormente. Várias instituições tiveram a sua primeira ou mais significativa experiência na modalidade por meio, necessariamente, dessa política pública. Outras, em que pesem suas iniciativas anteriores e consideradas pioneiras - como no caso da UnB -, aderiram à UAB justamente porque esta possibilitou um vultoso investimento que expandiu e intensificou as ações em EaD no seio institucional. A pesquisa de Barrera (2018) demonstra, inclusive, que, para alguns gestores da UnB, até mesmo o pioneirismo da instituição deve ser problematizado, uma vez que as iniciativas na modalidade, anteriores à atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96), ficaram restritas a determinados setores, de modo que não foram amplamente disseminadas nem sequer na cultura organizacional. Nessa ótica, o Sistema UAB é, sem dúvida, o principal indutor da EaD no bojo das universidades. Desde a sua concepção, ele passa a abarcar alguns projetos precursores na modalidade e configura-se, assim, como a referência de fomento aos cursos a distância públicos. Mesmo as instituições com histórico de atuação na EaD passam a ser influenciadas decisivamente por essa política, uma vez que aderem aos editais de fomento como forma de angariar recursos para intensificar, expandir ou mesmo continuar suas práticas na modalidade.

É também o Sistema UAB que viabiliza os recursos necessários para a constituição de órgãos gestores de EaD em muitas instituições. Trata-se, em vários casos, do ponto de partida que, na perspectiva de Tolbert e Zucker (1998), assegura as condições necessárias ao estágio chamado de habitualização. No momento em que a modalidade passa a fazer parte das práticas institucionais, ainda que como projeto, geram-se, desde logo, os processos de resistência e embate. Constituída a estrutura que possibilita germinar a EaD no bojo institucional, incluindo, em várias experiências, a contratação de docentes e outros profissionais para atuarem nos cursos a distância, estabelecem-se grupos pioneiros que são fundantes na institucionalização. Conforme Tolbert e Zucker (1998), a disseminação de uma estrutura é decisivamente influenciada pela atuação dos champions, quer dizer, indivíduos ou grupos de pessoas que atuam em prol de uma determinada prática - no caso, referimo-nos à EaD. Esses sujeitos são inseridos e/ou passam a se organizar em razão do fomento oferecido pela UAB, atuando nas universidades como agentes responsáveis por defender e disseminar as práticas nos cursos a distância. Eles são fulcrais no processo de objetificação da modalidade, buscando estruturá-la e, por conseguinte, resistir às pressões e resistências que tão logo são percebidas no interior das lutas institucionais.

Observa-se que a realidade histórico-social é determinante, posto que, dado o cenário macro do país, tanto no que concerne às políticas neoliberais como no que se refere às tendências maiores da sociedade, criam-se as condições necessárias para o surgimento de uma política pública específica de indução à EaD. Essa materialidade concretiza ações dentro das universidades, capazes de estabelecer, também, as condições materiais imprescindíveis para o surgimento dos movimentos contraditórios, que são a força motriz da institucionalização enquanto processo dialético. Quando da presença da EaD, possibilitada por um contexto histórico-social específico, inicia-se uma intensificada resistência por parte de setores, professores, alunos, funcionários etc., que buscam rechaçar os cursos a distância. É a partir dessas disputas institucionais que o processo de incorporação da EaD, essencialmente dialético, se movimenta, numa espécie de espiral em que tese, antítese e síntese vão perfilando a forma como esse mesmo processo vai se constituindo. Certamente, existem vários elementos, inclusive externos, que exercem pressões coercitivas importantes, caracterizando a institucionalização. O fato de as ações na EaD serem balizadas por uma política pública de fomento, com seu próprio modelo, acaba por engessar as práticas na modalidade.

No entanto, há que se atentar para a autonomia que as universidades buscam exercer. Esse aspecto faz com que as pressões coercitivas ganhem matizes distintos, influenciados pelas ações internas. Na institucionalização, incluem-se, então, fatores como: localização geográfica e histórico da universidade, formação dos agentes dentro das instituições e sua própria trajetória que culmina na construção da subjetividade, materialização do processo dialético de institucionalização e as sínteses peculiares resultantes, dentre outros. Dessa maneira, não há como falarmos em incorporação da EaD como fenômeno unilateral e meramente sequencial, com perspectivas de evolução predefinidas. É claro que existem tendências observáveis, assim como maior probabilidade de caminhos ou estratégias que podem ser - e são - adotadas. Mas, dada a dependência das intrincadas condições materiais e da subjetividade dos agentes, a institucionalização apresenta características sui generis.

Nas entrevistas, por exemplo, o Gestor B afirma que a EaD adotada na instituição se baseou num modelo canadense, e este advém, inclusive, das pesquisas que ele, enquanto cientista, fez durante sua trajetória acadêmica. Noutras universidades, constatou-se que as especificidades da localização geográfica dão um teor diferenciado para a modalidade, a fim de atender às necessidades regionais. A Docente-formadora/aplicadora M, aliás, afirma que a EaD esteve presente desde o primeiro PDI da instituição, o que certamente influenciou no processo de institucionalização que, atualmente, culminou na criação de um curso vinculado à matriz orçamentária. No caso da experiência do Gestor C, a consideração do esforço docente na modalidade para progressão na carreira e preenchimento da carga horária didática semanal ganhou contornos específicos, inclusive de um aparente retrocesso na dicotomia entre EaD e educação presencial, porque a universidade vivenciou uma situação atípica relacionada a problemas no gerenciamento dos recursos.

Consubstanciando nosso argumento, definimos a institucionalização como processo essencialmente dialético. Porque os avanços na incorporação da EaD dependem de iniciativas dos sujeitos, quer individuais, quer coletivos. Significa que esse processo passa por uma mobilização em que se cria uma efervescência. Essa centelha depende, com dissemos anteriormente, de fatores multivariados e, em última instância, materiais e concretos. A institucionalização, iniciando-se a partir de um germe que se relaciona, também, à mobilização daqueles que, para Tolbert e Zucker (1998), poderiam ser chamados de champions, gera embates, sobretudo pela resistência que a universidade apresenta. Disso, tem-se um caráter eminentemente dialético11: mobilização e efervescência que impulsionam a entrada da EaD, de um lado; resistência, preconceito e movimentos que rechaçam a modalidade, de outro. Os debates e as contradições engendram, paulatinamente, sínteses. Estas, por sua vez, implicam tanto melhorias na EaD devido às críticas incorporadas como até mesmo enfraquecimento e/ou manutenção de “guetos” que dependem unicamente do financiamento externo, sobrevivendo por conta dos setores envolvidos e dependentes da modalidade. Trata-se, pois, de um processo humano. Por ser assim, depende tanto da realidade material como da interpretação que os sujeitos dela fazem. Determinados cenários e estratégias tendem a contribuir. Mas a legitimidade, sendo recursiva, precisa ser constantemente renovada, uma vez que a EaD necessita ser reproduzida enquanto prática institucional e legítima. Porque nem mesmo a realidade material e concreta, tampouco a inserção da modalidade no aparato burocrático - tal como a sua inclusão na matriz orçamentária -, são capazes de assegurar, por si só, a legitimidade ad infinitum. Também não podem determinar, de modo inexorável, o avanço nesse processo. Reitera-se, assim, que a institucionalização é um fenômeno dialético constituído por indivíduos, que envolve todas as vicissitudes daquilo que é intrinsecamente humano.

O modus operandi da institucionalização da educação a distância

Entendemos o porquê de a institucionalização da EaD ser um processo essencialmente dialético, só que ainda persiste a indagação: de que maneira específica ocorre esse fenômeno? A partir dos dados de nosso estudo, debruçamo-nos sobre a explicação desse modus operandi. Vários subprocessos - se assim podemos chamá-los - de embate interno vão moldando a institucionalização. Não obstante, consideramos que o fenômeno está situado dentro de uma estrutura maior que engloba todo o seu desenvolvimento. Essa estrutura é nitidamente perceptível sob uma perspectiva dialética. Para demonstrar isso, é preciso recorrer à ideia de negação da negação, característica do momento de síntese. Para Engels (2015), essa dupla negação é uma lei universal de alcance extremamente amplo e de importância referente à evolução da natureza, da história e do pensamento. “Na dialética, negar não significa simplesmente dizer não ou declarar que uma coisa não existe ou destruí-la de alguma maneira qualquer” (ENGELS, 2015, p. 171). Negar, no entendimento dialético, significa instaurar a primeira negação sem, contudo, inviabilizar a segunda. Desse modo, o conceito hegeliano de aufheben, traduzido como “suprassunção”, pressupõe suprimir, guardar - ou conservar - para, por fim, elevar. O processo dá-se, inicialmente, porque determinado fenômeno - do pensamento, da natureza ou mesmo histórico - é negado.

Todavia, essa negação conserva, ainda, aquilo que foi previamente negado, possibilitando, mais à frente, a síntese - ou a elevação. Marx e Engels (2007) trazem essa lógica, por exemplo, para a explicação da luta de classes e, mais especificamente, do desenvolvimento das formas de produção e da propriedade privada. Nega-se, no primeiro momento, a propriedade individual pela assim chamada acumulação original. Posteriormente, com o desenvolvimento do capitalismo e dos meios de produção, geram-se as condições e contradições que vão propiciar a negação da negação; isto é, a expropriação dos expropriadores, quer dizer, dos capitalistas. Só que Engels (2015) vai mostrar que essa forma de conceber os fenômenos da natureza, mas também históricos, está presente em vários outros lugares. Rousseau (1999), a título de exemplo, já compreendia a dialética ao entender que a desigualdade é gerada pelo progresso e que, sob a tirania despótica, se chega a um extremo no qual os oprimidos se tornam iguais, a saber, iguais a zero. Pela igualdade que é, a princípio, negada, caminha-se ao polo oposto, em que a opressão novamente iguala todos a nada. Por sua vez, essa situação germina as condições necessárias para que os próprios oprimidos, como corolário, façam a negação da negação, libertando-se do despotismo (ENGELS, 2015). Mas como esse entendimento pode ser direcionado para o fenômeno da institucionalização da EaD? Ainda, Engels (2015) afirma que cada espécie de coisas tem o seu jeito peculiar de ser negada, resultando num desenvolvimento específico.

A EaD, em dado momento do desenvolvimento da UAB, passa a ser negada dentro da instituição. Isso, porque, devido às condições históricas e à própria situação da modalidade em sua inserção nas universidades, se gera uma nítida dicotomia com a educação presencial. E essa forma de conceber as coisas, entendendo as duas modalidades como antagônicas, ou seja, como se negando reciprocamente, gera os movimentos de resistência que são o esteio do processo. A EaD surge, em muitas universidades, com o modelo UAB responsável por criar uma série de dicotomias, com o financiamento externo que atribui um caráter paralelo às atividades na modalidade, a seleção de tutores e outros profissionais que não são concursados, a atuação por meio de bolsas sem cômputo na carga horária didática semanal etc. No entanto, ao tentar negar a educação presencial, ela é fortemente rechaçada, na medida em que o seu aparente oposto é a forma arraigada no bojo das instituições, que possui todo o aparato burocrático que lhe oferece perenidade.

Destarte, dentro das instituições, são os cursos a distância que passam a ser negados, vistos como alheios ou paralelos à rotina institucional. Só que, nessa mesma negação, resultante da visão dicotômica entre as modalidades, não se expurga efetivamente a EaD, que continua a existir devido às condições materiais e, por conta do financiamento, vai se expandindo dentro da rotina das instituições. Constituem-se, então, os órgãos gestores, contratam-se professores para atuar nos cursos a distância, investe-se em infraestrutura física e tecnológica etc. A modalidade a distância, embora negada no primeiro momento, continua a existir no interior das universidades. A partir disso, com todos os embates dialéticos que vão moldando o desenvolvimento da institucionalização, chega-se ao apogeu do processo. Este, em nosso entendimento, é quando se fará a negação da negação. A bem da verdade, é quando se negará aquilo que negou a incorporação orgânica da EaD12. Acreditamos que isso será possível, portanto, mediante a superação do modelo UAB e suas inerentes dicotomias. Quando este for efetivamente sobrepujado, a suprassunção hegeliana fará sentido, uma vez que EaD e educação presencial estarão de tal forma imbrincadas que a separação prática entre as realidades será uma tarefa difícil. Trata-se da elevação a um formato híbrido, explorando o melhor dos dois universos, em que a incorporação orgânica garantirá a perenidade da EaD, a fim de que ela e a educação presencial não sejam mais dicotômicas, mas complementares e superpostas. Tem-se, dessa maneira, a síntese geral de todo o processo dialético.

Essa convergência e consequente superação dos antagonismos envolve, obviamente, discussão aprofundada. Até a própria legislação que rege a EaD precisa ser problematizada, no intuito de entender qual é o papel dessa modalidade numa sociedade marcada pelas tecnologias e por novas tendências educacionais. Seja como for, partimos, sinteticamente, de duas acepções principais para a noção de educação híbrida, de acordo com Mill e Chaquime (2021): blended learning, como convergência dos ambientes da EaD e da educação presencial; e/ou processo educacional enriquecido pelas possibilidades pedagógicas decorrentes de recursos tecnológicos mais atuais. Concordamos com Tori (2017) quando aprofunda essa discussão sobre a integração entre o real e o virtual, uma vez que a aplicação da educação híbrida pode compreender, por exemplo, níveis diferentes de organização. Há, nesse sentido, uma liberdade de adequar as atividades a cada perfil de curso, de alunos, de objetivos pedagógicos, dentre outros. Ou seja, em vez da visão dicotômica que apreende EaD e educação presencial como modalidades distintas, que devem ser concebidas dentro de um formato estanque, chega-se a propostas multiformes, com adaptação até mesmo de nível micro (cursos, disciplinas, aulas, atividades etc.). Não é nosso enfoque, no texto, discutir amplamente o prognóstico de uma educação híbrida adequada à realidade brasileira. Até porque isso demanda investigações próprias. Se é possível, de imediato, uma previsão da síntese desse fenômeno dialético, vislumbramos uma maior flexibilidade de utilização do “presencial” e do “a distância” a depender das necessidades da instituição, do público-alvo, do curso, da proposta pedagógica etc. Ainda que não caiba, nestas páginas, aprofundar a discussão, mesmo porque o desenvolvimento do processo dialético será o responsável por possibilitar esse tipo de análise, registramos o interesse nessa temática em pesquisas futuras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos evidenciar, neste artigo, como a institucionalização da EaD pode ser vista como um fenômeno essencialmente dialético. Haja vista as contradições que perpassam o Sistema UAB, tem-se intensos debates institucionais que não apenas perfilam como também materializam e movimentam o processo. Enquanto se negam reciprocamente, as modalidades sustentam lutas oriundas, em grande medida, do preconceito que persiste nas universidades. Se a educação presencial, devido à sua presença histórica no bojo das instituições, passa a negar a EaD, não consegue, porém, extirpá-la. Até porque a manutenção do financiamento externo, ao longo do tempo, vai garantindo as condições histórico-sociais e, consequentemente, materiais para as lutas que vão dando movimento à institucionalização. Contudo, a dependência da UAB não apenas evidencia a fragilidade dos cursos a distância, mas também demonstra que as dicotomias perduram na rotina institucional. Supomos que o apogeu do processo, em que a EaD poderá ser organicamente incorporada nas universidades, é quando for superado o modelo instituído por uma política pública de caráter emergencial, culminando na harmonia entre as realidades. Significa que a síntese, numa visão estrutural, resulta na educação híbrida, em que os qualificativos “presencial” e “a distância” se tornam secundários, havendo maior enfoque no processo educacional.

Porém, se entendemos a superação do modelo UAB como condição sine qua non para a efetiva institucionalização da EaD, devemos tomar o cuidado para não gerar confusões. Nossos dados nos mostram que, muito embora a educação híbrida seja possivelmente a síntese de todo o processo, esse pináculo da incorporação orgânica da modalidade só poderá ser atingido quando as condições institucionais estiverem devidamente asseguradas. E cada universidade tem o seu próprio desenvolvimento, dependente da realidade histórico-social, mas também das ações institucionais dos sujeitos. Queremos dizer que rechaçar a UAB, sem que se tenha atingido as condições dialéticas do processo para a sua real superação, tende a levar à dissolução da EaD. A dialética aqui compreendida não é simplesmente um processo racional, em que os sujeitos, em dado momento, decidem abandonar o financiamento externo dos cursos a distância. Trata-se, em verdade, de toda uma conjuntura, resultante dos processos internos de tese, antítese e síntese que levam, em última instância, à superação da UAB, na medida em que, dadas as condições histórico-sociais, além da própria estrutura e cultura organizacionais, sobrepujar a política de financiamento se torna uma ação de certa forma natural. Superar o Sistema UAB significa atingir as condições dialéticas que culminam no esfacelamento das dicotomias, chegando-se à superposição das realidades, o que é diferente de simplesmente renegar o financiamento externo que, ainda em muitas instituições, é a única forma de manter a EaD.

Evidentemente, existem várias implicações desse processo dialético. O modelo instituído pela UAB, por exemplo, inculcou uma visão nos sujeitos que contribui para a manutenção dos antagonismos. Ademais, a superação dessas dicotomias deve levar em conta possíveis estratégias, no sentido de diminuir preconceito e resistência. Não menos importante é a discussão de como o enfoque na ação social pode ser decisivo no direcionamento das práticas institucionais com vistas a avançar na institucionalização da EaD. Essas e outras análises fazem parte de nosso empreendimento de pesquisa, mas serão, posteriormente, consideradas e compartilhados em outros estudos e reflexões. Reconhecemos que, pari passu à proposição ora apresentada, como forma de explicar o fenômeno, surgem outros tantos questionamentos e incógnitas. Nossa intenção, neste artigo, é tão somente compartilhar um novo olhar para a institucionalização. A partir de nossas definições, esperamos que outros debates possam fazer parte das pesquisas sobre a EaD.

Preprint

DOI: www.scielo.org

REFERÊNCIAS

ABREU, Nelsio R. de; BALDANZA, Renata F.; GONDIM, Sônia M. G. Os grupos focais on-line: das reflexões conceituais à aplicação em ambiente virtual. JISTEM - Journal of Information Systems and Technology Management, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 05-24, 2009. Disponível em:<Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-17752009000100002&lng=en&nrm=iso >. Acesso em: 02 maio 2020. [ Links ]

ANTUNES, Marcelo M. Técnica Delphi: metodologia para pesquisas em educação no Brasil. Revista de Educação, Campinas, v. 19, n. 1, p. 63-71, jan./abr. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://periodicos.puc-campinas.edu.br/seer/index.php/reveducacao/article/view/2616 >. Acesso em: 16 abr. 2020. [ Links ]

BARRERA, Débora F. O Sistema UAB na UnB: possibilidades, contradições e desafios para a institucionalização da EaD no ensino de graduação. 2018. 133 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de Brasília, Brasília, 2018. [ Links ]

BRASIL. CAPES. Referenciais para o processo de institucionalização da educação a distância (EaD) no Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). Brasília: Capes, 2017. [ Links ]

COLLIOT-THÉLÈNE, Catherine. A sociologia de Max Weber. Tradução de Cláudio José do Valle Miranda. Petrópolis: Vozes, 2016. 175 p. [ Links ]

DIMAGGIO, Paul J.; POWELL, Walter W. A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. Revista de Administração de Empresas, v. 45, n. 2, p. 74-89, 2005. Disponível em:<Disponível em:http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rae/article/viewFile/37123/35894 >. Acesso em: 10 mar. 2020. [ Links ]

ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 2008. 392 p. [ Links ]

ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring: a revolução da ciência Segundo o senhor Eugen Dühring. Tradução de Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2015. [ Links ]

FERREIRA, Marcelo; CARNEIRO, Teresa C. J. A institucionalização da educação a distância no ensino superior público brasileiro: análise do Sistema Universidade Aberta do Brasil. Educação Unisinos, São Leopoldo, v. 19, n. 2, p. 228-242, maio/jun. 2015. Disponível em: <Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/educacao/article/view/edu.2015.192.07 >. Acesso em: 22 abr. 2020. [ Links ]

FERREIRA, Marcello; MILL, Daniel. Institucionalização da educação a distância no Ensino Superior público brasileiro: desafios e estratégias. In: REALI, Aline M. de M. R.; MILL, Daniel. (org.). Educação a distância e tecnologias digitais: reflexões sobre sujeitos, saberes, contextos e processos. São Carlos: EdUFSCar, 2014. p. 81-102. [ Links ]

KAUFMANN, Jean-Claude. A entrevista compreensiva: um guia para pesquisa de campo. Rio de Janeiro: Vozes, 2013. 202 p. [ Links ]

LION, Carina G. Mitos e realidades na tecnologia educacional. In: LITWIN, Edith. (org.). Tecnologia educacional: política, histórias e propostas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 23-37. [ Links ]

LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe. Estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003. [ Links ]

MACHADO-DA-SILVA, Clóvis L.; FONSECA, Valéria S. da; CRUBELLATE, João M. Estrutura, agência e interpretação: elementos para uma abordagem recursiva do processo de institucionalização. Revista de Administração Contemporânea, v. 9, n. 1, p. 09-39, 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-65552005000500002&script=sci_abstract&tlng=pt >. Acesso em: 10 mar. 2020. [ Links ]

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). Tradução de Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007. [ Links ]

MILL, Daniel; CHAQUIME, Luciane P. Apontamentos sobre a educação híbrida como estratégia educacional para a cultura digital. In: MILL, Daniel; SANTIAGO, Glauber. (org.). Luzes sobre a gestão da educação a distância: uma visão propositiva. São Carlos: SEaD-UFSCar, 2021. p. 227-245. [ Links ]

MILL, Daniel; VELOSO, Braian. Reflexões sobre a institucionalização da modalidade de Educação a Distância. In: MILL, Daniel; SANTIAGO, Glauber (org.). Luzes sobre a Gestão da Educação a Distância: uma visão propositiva. São Carlos: SEaD-UFSCar, 2021. p. 95-113. [ Links ]

MUSSE, Ricardo. A dialética como discurso do método. Tempo Social, v. 17, n. 1, p. 367-389, jun. 2005. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v17n1/v17n1a15 >. Acesso em: 05 abr. 2021. [ Links ]

NASCIMENTO, João P. R. do; VIEIRA, Maria das G. Os desafios da institucionalização do ensino superior na modalidade a distância: a visão dos gestores de uma universidade federal. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação, Rio de Janeiro, v. 24, n. 91, p. 308-336, jun. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40362016000200308&lng=en&nrm=iso >. Acesso em:21 abr. 2021. [ Links ]

PESCE, Lucila. As contradições da institucionalização da educação a distância, pelo estado, nas políticas de formação de educadores: resistência e superação. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 26, p. 183-208, jun. 2007. Disponível em:<Disponível em:https://www.fe.unicamp.br/pf-fe/publicacao/4991/art11_26.pdf >. Acesso em: 21 abr. 2021. [ Links ]

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. [ Links ]

SADER, Emir. Apresentação. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). Tradução de Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 09-15. [ Links ]

TOLBERT, Paula S.; ZUCKER, Lynne G. A institucionalização da teoria institucional. In: CLEGG, Stewart R.; HARDY, Cynthia; NORD, Walter R.; CALDAS, Miguel; FANCHIN, Roberto; FISCHER, Tânia. (org.). Handbook de estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 1999. v. 1. p. 196-219. [ Links ]

TORI, Romero.Educação sem distância: as tecnologias interativas na redução de distâncias em ensino e aprendizagem. 2. ed.São Paulo: Artesanato Educacional, 2017. [ Links ]

VALERIO, Claudia L. L.; PANIAGO, Maria C. L. Os desafios de implementação das licenciaturas oferecidas pela Universidade Aberta do Brasil no Instituto Federal de Mato Grosso em Cuiabá. Research, Society and Development, Itajubá, v. 9, n. 3, p. 01-12, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://rsd.unifei.edu.br/index.php/rsd/article/view/2251/2049 >. Acesso em: 01 maio 2020. [ Links ]

VELOSO, Braian. A condição da docência na educação a distância pública brasileira. Curitiba: CRV, 2020. [ Links ]

VIEIRA, Euripedes F.; VIEIRA, Marcelo M. F. Funcionalidade burocrática nas universidades federais: conflito em tempos de mudança. Revista de Administração Contemporânea [online], v. 8, n. 2, p. 181-200, 2004. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1415-65552004000200010>. Acesso em: 08 jul. 2021. [ Links ]

WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. Tradução de Augustin Wernet. 5. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2016. 687 p. [ Links ]

1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001.

4O texto não aprofunda o entendimento desse termo, pois não é o enfoque da análise. No entanto, cabe destacar que, para nós, o uso de “ensino remoto” em vez de EaD tem, além de implicações legais, uma relação com as contradições geradas pela UAB. Discutiremos isso noutro estudo e na tese da qual este artigo resulta.

5Em respeito ao sigilo dos participantes, mantivemos o anonimato substituindo os nomes pelo respectivo perfil seguido de letra do alfabeto. Por exemplo, os gestores participantes da pesquisa serão tratados por “Gestor A”, “Gestor B”, “Gestor C” e, assim, sucessivamente.

6Ocultamos a sigla da universidade em respeito ao sigilo dos participantes da pesquisa. Isso também será repetido noutros momentos em que a sigla da instituição foi mencionada pelo entrevistado.

7Em razão do caráter mais generalista da nossa pesquisa, abordando várias universidades, não estamos desconsiderando outras contradições, tampouco estamos afirmando que esses problemas citados estejam presentes dessa forma em todas as realidades. São apenas alguns exemplos dos movimentos contraditórios que podem ser encontrados na EaD pública financiada pelo Sistema UAB.

8Atualmente, o Consórcio Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cederj), também chamado de Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj), reúne, numa parceria com o governo estadual, as instituições de ensino superior fluminenses com vistas ao oferecimento, consorciado, de propostas e cursos na EaD.

9Isso se dá, também, porque as discussões de Engels (2015) que utilizamos como uma das referências para o conceito de dialética geraram certas polêmicas e debates na academia. Parte dessas discussões refere-se à concepção do autor que estende as apreciações para fenômenos da natureza. Não é de nosso interesse debater, neste texto, questões epistemológicas da dialética no marxismo e sua vinculação à luta de classes e à teoria revolucionária. Apenas buscamos a compreensão do conceito para explicar a institucionalização.

10De acordo com Vieira e Vieira (2004), as universidades federais - e, para nós, também as estaduais - possuem estruturas organizacionais altamente complexas e lentas na movimentação das demandas pelo excesso de normas. Justamente por isso, são resistentes à mudança e apresentam disfunção no poder, na medida em que as decisões perpassam extensas escalas cuja alta cúpula burocrática está, frequentemente, distante donde emanam as demandas propriamente ditas. Ademais, os autores salientam seu caráter corporativista, uma vez que setores se movimentam orientados constantemente por interesses mais individuais ou grupais do que institucionais. Acreditamos que, nesse contexto, há embate e luta entre interesses conflitantes.

11Entendemos que isso está relacionado, inclusive, às concepções de tecnofilia ou tecnofobia. Nestas páginas, não nos aprofundamos nesses conceitos, mas eles são importantes na apreensão das contradições que perpassam a institucionalização da EaD. Sugerimos as leituras de Lion (1997) e Eco (2008).

12Seguindo a lógica da dupla negação, é correto afirmar que a educação presencial seria negada, originando o modelo híbrido como síntese. Entretanto, isso tem, para nós, uma interpretação específica. Não significa que a educação presencial deixará de existir ou que deva ser superada. Muito pelo contrário, damos ênfase à superação do modelo UAB, pois o consideramos como um dos principais entraves, hoje, para a incorporação orgânica da modalidade a distância. Portanto, a negação da negação tem, para nós, um efeito de, dentre outras coisas, negar as dicotomias - que consideramos equivocadas - responsáveis por fazer com que a educação presencial rechace a EaD.

Recebido: 11 de Maio de 2021; Aceito: 16 de Julho de 2021

Autor 1 - Conceituação, curadoria de dados, análise formal, metodologia, investigação, redação e revisão da escrita final. Autor 2 - Administração do projeto, metodologia, supervisão, validação e revisão da escrita final.

Os autores declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons