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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.38  Belo Horizonte  2022  Epub 10-Abr-2022

https://doi.org/10.1590/0102-469834023 

Artigos

PRODUZINDO A SUBALTERNIDADE: AS MERENDEIRAS NOS DOCUMENTOS E INICIATIVAS DA GESTÃO FEDERAL DO PNAE 1

PRODUCIENDO SUBALTERNIDAD: LAS COCINERAS EN LOS DOCUMENTOS E INICIATIVAS DE LA ADMINISTRACIÓN FEDERAL DEL PNAE

MARIANA BELLONI MELGAÇO2 
http://orcid.org/0000-0003-2894-1120

RODRIGO MATOS-DE-SOUZA3 
http://orcid.org/0000-0002-8788-4966

2 Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Brasília, DF, Brasil. <mariana.melgaco@fnde.gov.br>

3 Universidade de Brasília (UnB). Brasília, DF, Brasil. <rodrigomatos@unb.br>


RESUMO:

Neste trabalho, tratamos da merendeira, profissional responsável pelo preparo da alimentação escolar das escolas públicas brasileiras, a qual exerce um papel fundamental no atingimento dos objetivos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), como contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, para a aprendizagem, para o rendimento escolar e para a formação de hábitos alimentares saudáveis dos estudantes. Apesar da importância da merendeira para esse Programa, o potencial educativo dessa profissional é, muitas vezes, invisibilizado e não reconhecido no âmbito escolar. Diante disso, este estudo teve como objetivos averiguar quais são os documentos e as iniciativas desenvolvidos pela gestão federal do PNAE que envolvem a merendeira e se eles podem contribuir para a (des)valorização de sua profissão e para a sua manutenção como sujeito não participante das decisões no âmbito escolar, reforçando sua posição de subalternidade. A análise documental nos permitiu verificar que o PNAE possui arcabouço legal para fortalecer e valorizar os papéis das merendeiras, especialmente no que se refere à função de educadora. Porém, os resultados dessa análise sugerem que as ações ficam voltadas para o âmbito da inscrição no discurso oficial mais do que no da representação/representatividade, o que pode contribuir para o desprestígio social da merendeira e a consolidação de sua função enquanto sujeito subalterno.

Palavras-chave: merendeira; educação alimentar; alimentação escolar; políticas públicas; educação

RESUMEN:

En este artículo abordamos a la comensal (Merendeira), profesional responsable de la preparación de las comidas escolares en las escuelas públicas brasileñas y que desempeña un papel fundamental en la consecución de los objetivos del Programa Nacional de Alimentación Escolar (PNAE): contribuir al crecimiento y desarrollo biopsicosocial, al aprendizaje, al rendimiento escolar y a la formación de hábitos alimentarios saludables de los alumnos. A pesar de la importancia de la señora del almuerzo para ese Programa, el potencial educativo de esta profesional suele ser invisible y no se reconoce en el entorno escolar. Ante esto, este estudio tuvo como objetivo investigar cuáles son los documentos e las iniciativas desarrolladas por la dirección federal del PNAE que involucran a la comensal y si ellos pueden contribuir para (des)valoración de su profesión y para su mantenimiento como un sujeto que no participa en las decisiones dentro de la escuela, reforzando su posición de subalternidad. El análisis documental permitió comprobar que el PNAE cuenta con un marco legal para fortalecer y potenciar las funciones de las comensales, especialmente en lo que respecta al rol de educadora. Sin embargo, los resultados del análisis sugieren que las acciones se centran más en el alcance del registro en el discurso oficial que en la representación/representación, lo que puede contribuir a su descrédito social y a la consolidación de su papel como sujeto subalterno.

Palabra-clave: merendeira; educación alimentaria; alimentación escolar; políticas públicas; educación

ABSTRACT:

This paper deals with the lunch lady (Merendeira), a professional responsible for preparing school meals in Brazilian public schools and who plays a key role in achieving the goals of the National School Meals Program (PNAE), such as contributing to the biopsychosocial growth and development, learning, school performance and the formation of healthy eating habits for students. Despite the lunch lady’s importance for the Program, the educational potential of this professional is often invisible and unrecognized in the school environment. Therefore, this study aimed to investigate what are the documents and initiatives developed by the federal management of PNAE that involve the lunch lady and if they can contribute to the (de)valorization of her profession and her maintenance as a subject that does not participate in the school environment’s decisions, reinforcing her subaltern position. The document analysis allowed us to verify that PNAE has a legal framework to strengthen and enhance the roles of the lunch ladies, especially concerning the role of educator. However, the results of this analysis suggest that the actions are focused on the scope of registration in the official discourse more than on representation/representation, which can contribute to the lunch lady’s social discredit and the consolidation of their role as a subordinate subject.

Keywords: merendeira; food education; school feeding; public policies; education

INTRODUÇÃO

De início, este estudo pretende lançar luz sobre uma figura subalterna, a merendeira. Não nos entendam mal os que vêm de outros campos e não conhecem ainda o significado da expressão “subalterna” aqui empregado. Subalterno, aqui, diz respeito aos Estudos Subalternos, os quais se interessam por aqueles indivíduos que, no contexto da produção da colonialidade enquanto estrutura, foram silenciados, impedidos de falar e recolhidos ao interior para que sua expressão não ganhasse força fora dos domínios do popular, impedindo, assim, seu trânsito para além das linhas previamente desenhadas para sua mobilidade social - ou sua manutenção em um determinado estamento (SPIVAK, 2010; SPIVAK, 2013).

Nessa perspectiva, o subalterno goza da mesma falta de prestígio social do popular, sendo o equivalente deste em termos teóricos, tal como a classe está para a pobreza, como especula Spivak (2013a), enquanto uma palavra tende à racionalidade, a outra visa à representação através do desejo. Neste artigo, não pretendemos dar voz nem fazer representar o processo de exclusão que situa a merendeira nos fundos da escola, mas criar as condições, spivakianamente falando (2010), para que, quando esse sujeito4 possa falar, ele consiga ser ouvido, colaborando para a produção de massa crítica sobre o tema5, provocando as instituições universitárias para que percebam esses sujeitos, contribuindo para que suas condições de chegada ao debate teórico não sejam apenas como temática de interesse, mas como ação que suscite a concreta articulação desses indivíduos, enquanto grupo, e a criação de condições para serem ouvidos (SPIVAK, 2010; SAID, 2012). Ao lançar luz sobre essa figura subalterna, pretendemos colaborar com essa proposta a partir de uma leitura crítica de documentos que tratam diretamente do trabalho subalterno, mas sobre ele se silencia, trabalhando, em alguns documentos, a produção dessa invisibilidade e, em outros, o vestígio, a impropriedade etc.

Neste artigo, trataremos de uma figura que todos aqueles que passaram por uma escola pública no Brasil conhecem por distintas alcunhas, todas elas acompanhadas por um substantivo feminino com função adjetiva: “da merenda”. Seja tia, moça ou mesmo chamada diretamente pela designação do cargo, a merendeira. São poucos os estudos direcionados à merendeira, os quais demonstram que essa função é exercida predominantemente por mulheres, pardas ou negras, de baixa escolaridade e pertencentes às classes sociais mais baixas (FERNANDES; FONSECA; SILVA, 2014; KUTZ, 2018; TEO; SABEDOT; SCHAFER, 2010; LIMA; CARVALHO, 2016). Esse sujeito possui um posto fundamental na educação de milhões de crianças, jovens e adultos, em nosso país, no entanto o interesse por ela não corresponde diretamente à importância da posição que ocupa na escola. Assim, apresentaremos, neste artigo, evidências desses fatos através da leitura de dispositivos legais, regulamentares e organizadores das políticas públicas direcionadas à alimentação escolar brasileira.

A alimentação é parte essencial e constitutiva do ser humano e compõe aquilo que chamamos de cultura em qualquer sociedade. Comer é um ato que extrapola a necessidade fisiológica. A comida relaciona as dimensões orgânica, intelectual, psicológica, cultural e espiritual, envolvendo a expressão e construção da nossa identidade (POLLAN, 2008; VALENTE, 2014), uma vez que, através dos alimentos, podemos ativar elementos da subjetividade que nos informam quem somos, onde quer que estejamos; e uma política pública que pretende atuar diretamente em uma dimensão da cultura dos sujeitos, em sua alimentação, diz muito sobre como produzimos representações do que entendemos por nós mesmos.

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é uma política pública de educação com caráter social, sendo vinculado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) do Ministério da Educação (MEC). Sua origem data de 1955, sendo considerado um dos maiores programas na área de alimentação escolar do mundo, atendendo, de forma universal e gratuita, aos alunos matriculados na educação básica de escolas públicas, filantrópicas e comunitárias de todos os municípios do país (BRASIL, 1955, 2009 e 2020).

Ao longo dos mais de 60 anos, desde a sua implementação, o PNAE passou por diversas ressignificações e reestruturações que possibilitaram o seu fortalecimento (PEIXINHO, 2013). Atualmente, é concebido como uma política pública de caráter universal, educacional, sustentável e saudável e está alinhado a um conjunto de ações estruturantes para promover o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e a Segurança Alimentar e Nutricional6 (SAN). O PNAE é um programa da educação em sentido amplo, e nisso reside o seu potencial de transformação.

O marco legal do PNAE, Lei n° 11.947, de 16 de junho de 2009 (BRASIL, 2009), define como sendo alimentação escolar a oferta, durante o período letivo, de todo e qualquer alimento no ambiente da escola. De acordo com o seu Artigo 4º, o Programa deve contribuir tanto para o desenvolvimento biopsicossocial dos alunos quanto para seu rendimento escolar e para a formação de hábitos alimentares saudáveis. Tal objetivo deve ser cumprido não só pela oferta de refeições saudáveis mas também por meio de ações de Educação Alimentar e Nutricional (EAN).

O PNAE, ao possibilitar o acesso a uma alimentação diversificada e saudável, contribui para o desenvolvimento escolar, pessoal e social, tanto dos escolares quanto daqueles que, diretamente ou indiretamente, estão ligados ao Programa (CASAGRANDE; CANCELIER; BELING, 2021). Além disso, o PNAE é considerado uma inovação em políticas públicas por associar a oferta da alimentação escolar saudável a iniciativas de compras sustentáveis, articuladas com o fortalecimento da agricultura familiar e com a SAN dos estudantes (KROTH; GEREMIA; MUSSIO, 2020).

Já as estratégias de EAN podem contribuir, de forma eficiente, para a prevenção e o tratamento de doenças crônicas, como sobrepeso e obesidade, desenvolvendo a capacidade crítica dos sujeitos para escolhas alimentares saudáveis e adequadas ao seu contexto sociocultural (SANTOS, 2016). De acordo com Recine (2017), o PNAE tem passado por diversas melhorias tanto na qualidade da alimentação e na dinamização do desenvolvimento local quanto nas medidas direcionadas a ampliar e qualificar uma outra dimensão essencial do Programa, que é a promoção da alimentação adequada e saudável por meio de estratégias de EAN.

A Resolução nº 6, de 8 de maio de 2020 (BRASIL, 2020), em seu Artigo 14, ressalta a importância da inclusão da EAN no processo de ensino e aprendizagem. Esse fato deve perpassar, de maneira transversal, o currículo escolar, abordando os temas alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas e habilidades que promovam modos de vida saudáveis, na perspectiva da SAN. Essa Resolução também define a EAN da seguinte forma:

§ 1º Para fins do PNAE, considera-se EAN o conjunto de ações formativas, de prática contínua e permanente, transdisciplinar, intersetorial e multiprofissional, que objetiva estimular a adoção voluntária de práticas e escolhas alimentares saudáveis que colaborem para a aprendizagem, o estado de saúde do escolar e a qualidade de vida do indivíduo. (BRASIL, 2020, p. 6).

O PNAE é regido por normativos legais, que fornecem embasamento robusto para a implantação da EAN em âmbito escolar. As ações de EAN, por sua vez, são imprescindíveis pra que o Programa atinja os seus objetivos, quais sejam, os de contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de práticas alimentares saudáveis dos alunos (BRASIL, 2009).

Além de todo o amparo legal que o PNAE confere à EAN nas escolas, existem documentos e normativos que fortalecem e fundamentam a EAN como o Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas (BRASIL, 2012). O lançamento desse Marco reforça as iniciativas criadas pelo FNDE que se destinam à promoção do DHAA, propondo que os processos educativos sejam duradouros e favoreçam a promoção de autocuidado e autoestima, que as ações contemplem todo o sistema alimentar e que haja diálogo e escuta para uma prática de EAN respeitosa, democrática e sintonizada com as reais necessidades dos grupos populacionais e com as mudanças sociais.

A publicação da Portaria Interministerial nº 1.010, de 8 de maio de 2006, pelos Ministérios da Saúde e da Educação, instituiu as diretrizes para a promoção da alimentação saudável na educação básica das redes pública e privada, sendo a EAN afirmada como um dos eixos prioritários de ação (BRASIL, 2006a). Já a Lei nº 13.666, de 16 de maio de 2018, alterou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), para incluir a educação alimentar e nutricional como tema transversal no currículo escolar. Essa lei trouxe a obrigatoriedade da inclusão do tema da educação alimentar e nutricional nos currículos dos ensinos fundamental e médio em suas disciplinas de ciências e de biologia, respectivamente (BRASIL, 2018).

Para alcançar uma alimentação saudável no ambiente escolar, essa Portaria recomenda a implementação de diversas ações, tais como: o envolvimento de toda a comunidade escolar na definição de estratégias que favoreçam escolhas alimentares saudáveis; e a sensibilização e capacitação dos profissionais envolvidos com alimentação na escola, para produzir e oferecer alimentos mais saudáveis. Além disso, propõe também a incorporação do tema alimentação saudável no projeto político pedagógico (PPP) da escola, perpassando todas as áreas de estudo e propiciando experiências no cotidiano das atividades escolares. Alguns estudos indicam a importância de se incluir a EAN no PPP das escolas, permitindo que a construção de conteúdos programáticos para a alimentação escolar seja uma experiência tanto mais rica quanto mais participativa (CASEMIRO; FONSECA; MACHADO; PERES, 2015).

Em um estudo realizado em municípios do estado de Goiás, para identificar e caracterizar as ações de EAN no PNAE, foi verificado que a maioria deles possui o tema da alimentação e nutrição no PPP de suas escolas e que 91,1% desses municípios realizavam ações de EAN, porém com frequência semestral (ações pontuais) e utilização, predominantemente, de métodos passivos de ensino-aprendizagem. Nota-se que, apesar das conquistas dessa área, permanece a lacuna entre o discurso teórico e a prática educativa (SILVA; MONEGO; SOUSA; ALMEIDA, 2018).

Resultados semelhantes foram encontrados em um estudo realizado com 749 municípios que participaram do Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar no ano de 2010. Ottoni, Oliveira e Bandoni (2019) verificaram que a maioria desses municípios relatou a presença de EAN em seu currículo escolar, porém menos da metade utilizou algum método ativo, sendo a horta escolar o mais referido. A existência de EAN no currículo das escolas foi associada positivamente à execução de hortas, resultado que demonstra a importância da presença de conteúdos sobre alimentação e nutrição nos currículos pedagógicos das escolas brasileiras.

Araújo et al. (2017) realizaram uma revisão sistemática de artigos e trabalhos científicos acerca do impacto da EAN nas ações de prevenção e de controle do excesso de peso entre os escolares, entre os anos de 2005 e 2015, no país. Os resultados desse estudo apontaram para mudanças no comportamento alimentar dos escolares e para uma melhoria do conhecimento sobre a alimentação saudável. O estudo também verificou baixo número de trabalhos científicos publicados sobre a temática da EAN, no período pesquisado. Os autores concluíram que as ações de EAN devem ser fomentadas e reconheceram a necessidade de realização de novas pesquisas na área, especialmente daquelas que considerem, em sua metodologia, a cultura de valores, crenças e atitudes dos sujeitos que estejam relacionados à alimentação.

Santos (2005, 2012) observou a crescente importância dada à educação alimentar e nutricional nos documentos que elaboram as políticas públicas no campo da alimentação e nutrição, no Brasil. Apesar do avanço nos discursos sobre o tema, ele não é percebido nas práticas cotidianas desenvolvidas pelos profissionais na área da EAN. De acordo com os estudos apontados e os documentos e instrumentos normativos (BRASIL, 2012, 2020a), para que a EAN seja efetiva, ela deve ocorrer de forma interdisciplinar e transdisciplinar e envolver toda a comunidade escolar. Dentre os funcionários da escola e os sujeitos do PNAE, estão, justamente, as merendeiras.

As merendeiras são responsáveis pelo preparo e distribuição da alimentação escolar. Porém, o papel que desempenham dentro da escola não se limita ao preparo dos alimentos e à higienização das áreas físicas em que são manipuladas e servidas as refeições - mesmo que esses papéis, muito além do trabalho de manipulação de alimentos, não sejam reconhecidos pelos outros sujeitos da educação ou encontre escassa representação nos marcos legais que analisamos. As merendeiras mantêm contato diário e direto com os estudantes, exercendo um papel fundamental na educação alimentar e nutricional e na formação de hábitos alimentares saudáveis dos escolares. Esse papel, aliado ao contato com os alunos dentro da escola, cria um vínculo afetivo, por vezes subestimado pelo próprio sistema educativo, que coloca a merendeira em uma função primordial de educadora, em termos culturais.

Ao realizar uma revisão sistematizada sobre a EAN, Santos (2016) verificou que a abordagem desse tema no contexto da alimentação escolar está muito aquém de se realizar de uma maneira interdisciplinar e dentro de uma proposta problematizadora e dialógica. Isso ocorre pela formação inadequada do nutricionista, baseada num modelo tecnicista e biomédico, pelo baixo comprometimento dos gestores e também pela ausência de diálogo entre os sujeitos envolvidos no PNAE.

Outro estudo de revisão sobre esse mesmo tema no ambiente escolar, realizada por Borsoi, Teo e Mussio (2016), identificou que um dos grandes entraves da EAN pode ser a lógica reducionista da transmissão de informação. Dessa forma, devem ser buscados e utilizados mecanismos inovadores de promoção de hábitos alimentares saudáveis, transversais, contextualizados e melhor sucedidos. Pedraza et al. (2018), ao realizarem uma análise sumária das pesquisas avaliativas sobre o PNAE, verificaram que a atuação das merendeiras foi um dos temas menos abordados. A inadequação no planejamento e na gestão do Programa prejudica a atuação das merendeiras, apesar de estas serem, reconhecidamente, essenciais ao PNAE.

Por exercer um papel tão estratégico dentro da escola e do PNAE, este estudo tem como objetivo averiguar quais são os documentos, as ações e os normativos do Programa que se relacionam com o papel da merendeira nas escolas e analisar se eles podem contribuir para a (des)valorização de sua profissão e a sua manutenção como sujeito não participante das decisões no âmbito escolar, reforçando sua posição de subalternidade num contexto em que exerce função primordial e relevante na formação das atuais e futuras gerações de estudantes.

METODOLOGIA

Para entendermos melhor os papéis da merendeira, consideramos necessário analisar quais são os documentos, as legislações e os projetos do PNAE que se relacionam com essa profissional. Para tanto, foram selecionados os normativos vigentes e as iniciativas dos últimos cinco anos desenvolvidos pela gestão federal do PNAE. A análise desses documentos poderá favorecer um olhar ampliado sobre a função que as merendeiras exercem, segundo o PNAE, além de mostrar como eles podem influenciar o papel assumido por elas.

Para esta pesquisa, serão analisados os itens dispostos no quadro que se segue.

Fonte: Elaborado pelos autores.

QUADRO 1 Descrição dos itens analisados na pesquisa documental 

A análise desses itens partiu da necessidade de compreendermos o lugar das merendeiras no conjunto de documentos do PNAE. Neles buscamos pela palavra “merendeira”, bem como por “merend”*, e por termos correlatos, como “alimentação”, “alimentando”, “refeição” etc., que poderiam nos indicar também o modo como os autores de tais dispositivos normativos se apropriaram dessa categoria (CHARTIER, 2003), entendo-os como uma apropriação oficial que acabam por orientar políticas nacionais, regionais, estaduais e municipais em torno da alimentação escolar.

A partir desse levantamento, cotejamos o material levantado com autores que vêm estudando a EAN (CASEMIRO; FONSECA; MACHADO; PERES, 2015; OTTONI; OLIVEIRA; BANDONI, 2019; SANTOS, 2005; 2012) e o PNAE (CASAGRANDE; CANCELIER; BELING, 2021; KROTH; GEREMIA; MUSSIO, 2020; RECINE, 2017) nacionalmente e, preferencialmente, dialogamos com a tradição crítica dos Estudos Subalternos, por entendermos haver eco entre a posição do sujeito subalterno nos arranjos da colonialidade e o lugar ocupado pela merendeira nos espaços escolares, ao mesmo tempo que esses estudos funcionam como um marco político para as interpretações (SPIVAK, 2013), a partir das quais podemos dar algumas explicações acerca dos acontecimentos. Para o desenvolvimento deste estudo, também, entendemos os Estudos Subalternos como bricoleurs (KINCHELOE; BERRY, 2007; MATOS-DE-SOUZA et al., 2021), pois acionamos diferentes tradições teóricas quando estas responderam mais adequadamente ao fenômeno estudado.

O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS

A Lei nº 11.947/2009: tratando da formação sem dizer do sujeito em formação

A Lei nº 11.947/2009 (BRASIL, 2009), marco legal do PNAE, não possui nenhum artigo específico sobre a atuação das merendeiras ou dos manipuladores de alimentos - sendo essa última expressão objeto de crítica neste artigo. Apesar de essas mulheres exercerem importante papel e serem reconhecidas como sujeitos do processo de formação, segundo o dispositivo legal, elas não ganham representação no marco legal. Porém, a referida lei ressalta a responsabilidade do FNDE de capacitar os sujeitos envolvidos na execução da alimentação escolar:

Artigo 16. Competem à União, por meio do FNDE, autarquia responsável pela coordenação do PNAE, as seguintes atribuições:

[...] VI - Cooperar no processo de capacitação dos recursos humanos envolvidos na execução do PNAE e no controle social. (BRASIL, 2009).

As merendeiras, pertencendo ao grupo de sujeitos envolvidos na execução do PNAE, devem receber capacitação promovida pelo FNDE no âmbito do Programa, conforme previsto em lei. A capacitação dessas profissionais pode ocorrer, por exemplo, via nutricionistas. No Manual de apoio para atividades técnicas do nutricionista no âmbito do PNAE (FNDE, 2018), documento que norteia a atuação desse profissional do PNAE, o nutricionista é instigado a agir em parceria com a comunidade escolar, a fortalecer e a disseminar as ações e ideias sobre EAN na escola. De acordo com a Resolução do Conselho Federal de Nutricionistas nº 465/2010 (CFN, 2010), que dispõe sobre as atribuições do nutricionista da alimentação escolar:

Art. 3º. Compete ao nutricionista, vinculado à Entidade Executora, no âmbito do Programa de Alimentação Escolar (PAE), exercer as seguintes atividades obrigatórias:

[...]

IV. Propor e realizar ações de educação alimentar e nutricional para a comunidade escolar, inclusive promovendo a consciência ecológica e ambiental, articulando-se com a direção e com a coordenação pedagógica da escola para o planejamento de atividades com o conteúdo de alimentação e nutrição;

[...]

VI. Planejar, orientar e supervisionar as atividades de seleção, compra, armazenamento, produção e distribuição dos alimentos, zelando pela quantidade, qualidade e conservação dos produtos, observadas sempre as boas práticas higiênico-sanitárias;

[...]

X. Orientar e supervisionar as atividades de higienização de ambientes, armazenamento de alimentos, veículos de transporte de alimentos, equipamentos e utensílios da instituição;

Art. 4º. Compete ao nutricionista, vinculado à Entidade Executora, no âmbito do Programa de Alimentação Escolar (PAE), exercer as seguintes atividades complementares:

I. Coordenar, supervisionar e executar ações de educação permanente em alimentação e nutrição para a comunidade escolar;

[...]

IV. Participar do recrutamento, seleção e capacitação de pessoal que atue diretamente na execução do PAE;

V. Participar de equipes multidisciplinares destinadas a planejar, implantar, implementar, controlar e executar políticas, programas, cursos, pesquisas e eventos na área de alimentação escolar;

[...]

VII. Colaborar na formação de profissionais na área de alimentação e nutrição, supervisionando estagiários e participando de programas de aperfeiçoamento, qualificação e capacitação. (CFN, 2010).

Conforme amparada pela legislação, a capacitação das merendeiras, além de ser essencial para a boa execução do PNAE, deve ser uma ação articulada entre os gestores da alimentação escolar e os nutricionistas. Cada escola e cada município possuem uma realidade que é conhecida pelo nutricionista, qual seja, reconhece-se o papel cultural desempenhado pelo formador, na mesma medida que se silencia quanto ao sujeito que lida diretamente com a cozinha da escola. Além disso, de acordo com as atribuições previstas na Resolução CFN nº 465/2010 (CFN, 2010), o nutricionista trabalha em um conjunto de ações técnicas do PNAE, envolvendo-se em diversas atividades da alimentação escolar.

O nutricionista, enquanto responsável técnico do PNAE, deve trabalhar em conjunto com a área da educação, promovendo a articulação entre os saberes da saúde com os saberes educacionais. Ao articular e compor essas interlocuções, esse profissional ressignifica a sua atuação para uma possibilidade de transformação social. Todas as suas atribuições e o fato de ele estar inserido nos contextos da escola e do município, conhecendo as suas realidades e atuando nesses microcosmos, habilitam-no como um importante agente de capacitação dos sujeitos envolvidos na alimentação escolar. A capacitação das merendeiras é uma das atribuições do nutricionista do PNAE. Desse modo, cabe ao FNDE promover ações que o habilitem e o instiguem nessa tarefa. Ressalta-se que essa capacitação não deve focar apenas as questões sanitaristas mas também fortalecer o papel da merendeira enquanto educadora alimentar e nutricional.

Investimentos governamentais são necessários para a formulação, a implementação e a avaliação de políticas públicas que incentivem a promoção e a manutenção da alimentação adequada e saudável no ambiente escolar. Ênfase deverá ser dada ao financiamento adequado na execução do Programa e na formação continuada dos atores envolvidos com a coordenação e a execução das ações de EAN. (SILVA; MONEGO; SOUSA; ALMEIDA, 2018, p. 2679).

A capacitação dos nutricionistas implica não só a revisão das suas atribuições legalmente previstas como também a reflexão sobre o alcance de uma educação alimentar e nutricional pautada pela legislação do PNAE (BRASIL, 2009, 2020) e pelo Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas (BRASIL, 2012). Esses documentos reforçam a importância dos saberes multiprofissionais, transversais e interdisciplinares, possibilitando a criação de um olhar mais sensível do nutricionista para os profissionais da comunidade escolar, destacando-se as merendeiras.

A qualificação das merendeiras, não só em termos operacionais mas também em relação ao processo pedagógico que envolve a oferta da alimentação escolar, é um item de suma importância para a efetivação da educação alimentar e nutricional prevista no PNAE. A qualificação periódica das merendeiras possibilita uma alimentação escolar de qualidade e o cumprimento de uma das diretrizes do Programa (PINHO; MARTÍNEZ, 2016). Para Santos (2016), a capacitação em EAN dos atores envolvidos na promoção da saúde, no ambiente escolar, possibilita o compartilhamento de vivências e experiências, o embasamento teórico e a elaboração de estratégias para a promoção e a oferta de uma alimentação adequada e saudável. Os cursos, oficinas e grupos de discussão devem estar baseados numa abordagem socioconstrutiva e problematizadora, abandonando os modelos tradicionais e pouco dialógicos tão frequentemente utilizados. E o nutricionista é o profissional habilitado para capacitar e sensibilizar os outros atores escolares em EAN.

Kroth, Geremia e Mussio (2020), ao analisarem o PNAE enquanto Política Pública Saudável que se traduz em grandes retornos para a sociedade, sugerem mecanismos que devem estar articulados entre si para o aprimoramento e o fortalecimento do Programa. Dentre as ações indicadas, está a elaboração de um plano de capacitação técnica do PNAE para entes federados, envolvendo todos os atores do Programa, tais como: nutricionistas, merendeiras e professores. Conforme os autores, “em tempos em que se discute muito o uso racional de recursos governamentais, priorizar políticas públicas com grande efeito multiplicador deve ser o caminho natural a ser seguido pelo setor público” (KROTH; GEREMIA; MUSSIO, 2020, p. 4073).

Entendemos que o trabalho concreto da merendeira, cujo perfil é muito próximo do das trabalhadoras da cozinha em nosso país, intersecciona raça e gênero (JANUÁRIO et al, 2019) e vai além de carregar, nessa intersecção, marcas que a subalternizam em um contexto marcado pela colonialidade do pensamento. Seu papel representa também a variedade de seu fazer dentro do escopo do precariado (STANDING, 2017), cuja formação permanente, promovida por agentes externos, pouca relação guarda com seu fazer cotidiano.

As merendeiras ficaram de fora dos termos da Lei nº 11.947/2009 (BRASIL, 2009), o que nos permite ler o seu não lugar no campo do discurso dos sujeitos que efetivamente programam a política pública no âmbito escolar. Muitos dos processos de opressão e violência pelos quais passam as mulheres, em especial as mulheres negras, no âmbito do trabalho, invisibilizam o sujeito ativo. Essa é uma primeira violência que autoriza outras dentro dessa relação, que, nas duras palavras de Collins (2019, p. 99), reproduz o lugar da mulher negra em posição subalterna, como a mula do mundo: “Como objetos desumanizados, as mulas são máquinas vivas e podem ser tratadas como parte da paisagem”. A paisagem, no contexto escolar, contém uma cozinha, e lá está a merendeira, como parte do maquinário e dos utensílios, que nem sequer figura na lei que trata de sua própria formação.

Resolução/CD/FNDE nº 6/2020 e Resolução/CD/FNDE nº 20/2020: da redução à expressão técnica

A Resolução nº 6/2020 (BRASIL, 2020) dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do PNAE. Embora isso represente um avanço, pois menciona textualmente as merendeiras, essa Resolução o faz ignorando todo o processo de produção do imaginário das mulheres que atuam nas cozinhas das escolas, aparecendo no dispositivo como manipuladoras de alimentos, o que representa uma redução do sujeito e de seu papel, na comunidade escolar, à letra fria da lei. Ao analisar essa legislação, é possível verificar que a atuação da merendeira é abordada nos seguintes artigos:

Art. 14 É de responsabilidade da Seduc, da Prefeitura Municipal e da escola federal, no âmbito de sua respectiva jurisdição administrativa, mediante atuação coordenada dos profissionais de educação e do responsável técnico e demais nutricionistas, a inclusão da educação alimentar e nutricional - EAN no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa de maneira transversal o currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas e habilidades que promovam modos de vida saudáveis, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional.

Art. 42 Cabe às EEx ou às UEx adotar medidas de controle higiênico-sanitário que garantam condições físicas e processos adequados às boas práticas de manipulação e processamento de alimentos na aquisição, no transporte, na estocagem, no preparo/manuseio e na distribuição de alimentos aos alunos atendidos pelo Programa.

[...]

§ 2º Deve haver capacitação periódica dos manipuladores de alimentos com vistas à implementação das boas práticas e dos POPs7. (BRASIL, 2020).

No que tange à EAN, a referida Resolução referencia que é necessária a atuação conjunta dos profissionais de educação e dos nutricionistas da alimentação escolar. Entendendo a merendeira como funcionária da educação, é possível verificar que a legislação reconhece seu papel estratégico na implementação de ações de educação alimentar e nutricional integradas nos processos de ensino e de aprendizagem da escola.

Já o Artigo 42 reforça a importância de medidas que garantam a oferta de uma alimentação saudável e dentro das condições higiênico-sanitárias adequadas. Para que isso ocorra, é fundamental que haja a capacitação das merendeiras, como abordamos no item anterior. Porém, neste artigo, que menciona explicitamente as funções dos manipuladores de alimentos, há um alerta apenas para a questão técnica e higienista do trabalho das merendeiras, não havendo nenhuma menção sobre a sua atuação enquanto educadora da alimentação escolar. Para que a educação alimentar e nutricional seja efetiva, é primordial que as merendeiras estejam qualificadas tanto na questão operacional quanto no que se relaciona com as questões educativas do seu trabalho e sejam reconhecidas como tal.

A Resolução nº 20/2020 (BRASIL, 2020a) altera alguns itens da Resolução nº 6/2020 (BRASIL, 2020), mas a análise daquela indicou que não houve alteração sobre os pontos abordados neste estudo.

Notas técnicas do PNAE: da invisibilidade normativa

O PNAE conta, atualmente, com quinze notas técnicas que têm como objetivo ratificar os entendimentos, esclarecer a legislação do Programa, subsidiar o monitoramento e atender a demandas externas, como as do Ministério Público, as denúncias, dentre outras. As notas técnicas (FNDE, 2021) são elaboradas pela Coordenação do PNAE e auxiliam a boa execução do Programa. Esses documentos estão disponíveis para acesso e consulta no site do FNDE. Abaixo, segue quadro contendo a descrição das notas técnicas elaboradas pela Coordenação do PNAE.

Fonte: Elaborado pelos autores, a partir dos dados obtidos no site do FNDE (2021).

QUADRO 2 Descrição das notas técnicas referentes ao PNAE elaboradas pela Coordenação do PNAE 

Ao analisar as notas técnicas, é possível verificar que não há uma que aborde diretamente as funções ou papéis das merendeiras no Programa. Os documentos disponibilizados, do ano de 2009 a 2020, abordam questões referentes a alimentos, cardápios, agricultura familiar, dentre outros temas. Mas, até o momento, não incluíram um assunto referente à educação alimentar e nutricional, sendo essa uma das diretrizes do Programa, e nem sobre a merendeira, que possui um papel estratégico para a boa execução do PNAE. Notas técnicas que reforcem a importância da educação alimentar e nutricional para o PNAE e o papel educativo da merendeira podem colaborar para a melhoria da gestão do Programa e para o atendimento de suas diretrizes. A ausência de nota técnica sobre a merendeira, ou sobre a EAN, corrobora a invisibilidade dessa profissional.

Material orientativo [sic] para formação de manipuladores de alimentos que atuam na alimentação escolar

O Material orientativo [sic] para formação de manipuladores de alimentos que atuam na alimentação escolar (BRASIL, 2014) é um documento financiado e publicado pelo MEC/FNDE. Foi elaborado pelo Centro Colaborador Alimentação e Nutrição do Escolar (CECANE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no ano de 2014. O material tem como objetivo principal “fornecer embasamento teórico e científico subsidiando o planejamento e realização da formação de manipuladores de alimentos do PNAE” (BRASIL, 2014, p. 7). O material apresenta também sugestões de atividades práticas.

No seu capítulo 2, intitulado Formação de Manipuladores, esse material traz uma reflexão sobre o papel de educador do manipulador de alimentos (BRASIL, 2014). Item importantíssimo, mas que poderia ser melhor explorado. São também apontas as atividades que podem ser desenvolvidas pelo manipulador de alimentos nas escolas. A seguir, apresentamos um quadro contendo a descrição das possíveis atividades do manipulador de alimentos disponível no material orientador:

Fonte: Elaborado pelos autores, a partir do texto do Material orientativo [sic] para formação de manipuladores de alimentos que atuam na alimentação escolar (BRASIL, 2014, p. 15).

QUADRO 3 Descrição das possíveis atividades do manipulador de alimentos do PNAE 

A elaboração e a divulgação de materiais, como os citados acima, contribuem para a formação da merendeira - nos materiais, ela é sempre tratada por manipuladora de alimentos - e também para o fortalecimento do seu papel dentro da escola. Sua função de educadora deve ser sempre reforçada tanto para a própria profissional como para os demais sujeitos do PNAE que têm acesso a esses documentos. A revisão e a atualização desse material, lançado em 2014, podem colaborar para a valorização da merendeira.

Produtos técnicos dos CECANEs

O FNDE firma parcerias com universidades públicas federais por meio dos CECANEs, para o desenvolvimento de produtos técnicos para o PNAE. Um desses produtos técnicos foi o desenvolvimento de uma metodologia de capacitação de merendeiras pelo CECANE/UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), no ano de 2007. Foram realizados cursos para 226 manipuladores vinculados à Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, em 2007 e 2008 (BRASIL, 2014).

Chaves (2011) realizou uma pesquisa sobre a capacitação de merendeiras na perspectiva de educadoras e promotoras da alimentação saudável nas escolas, nos processos de formação realizados pelos CECANEs. A autora verificou que existe a valorização das merendeiras por meio da motivação e sensibilização e que há uma preocupação de estimular a reflexão sobre sua própria prática e de incentivar a criatividade diante das suas possibilidades de execução da alimentação. Chaves (2011) reforça ainda a necessidade de que as atividades de educação sejam permanentes, o que possibilita o desenvolvimento de habilidades e atitudes dessas profissionais.

Camozzi, Monego, Menezes e Silva (2015, p. 36) destacam a importância de espaços que oferecem educação permanente para merendeiras e outros sujeitos da comunidade escolar, para o desenvolvimento de ações de promoção de uma alimentação saudável no ambiente escolar:

Parece evidente a necessidade de programas de educação permanente que abordem não somente temas relacionados à higiene na manipulação dos alimentos, como também formas de preparo, estrutura de cardápio, buscando a compreensão do papel do manipulador como agente promotor da alimentação saudável no espaço escolar, oferecendo preparações saudáveis e variadas, além de contemplar aspectos culturais do público consumidor, restringindo a oferta de alimentos com excesso de gordura, açúcar ou sal.

Atualmente, não são mais firmados produtos técnicos que visem a capacitação das merendeiras. A coordenação do PNAE tem focado a capacitação dos nutricionistas. Como o treinamento das merendeiras é uma das atribuições desses profissionais da alimentação escolar, conforme consta na Resolução CFN nº 465/2010 (CFN, 2010), o FNDE tem optado pela sua formação, como já discutido acima, porém a falta de formação dedicada especificamente às merendeiras, dentro das ações do PNAE, subalterniza-as em relação às nutricionistas.

Cabe, aqui, o questionamento e a reflexão sobre se não seria importante retomar a capacitação das merendeiras pelos CECANEs, os quais possuem arcabouço técnico, operacional e intelectual para realizar esse produto técnico, podendo efetuar capacitações periódicas das merendeiras tanto no que se refere às questões sanitárias e higienistas quanto, especialmente, em relação às questões educativas, fortalecendo seu papel estratégico na promoção da alimentação saudável e adequada, nas escolas.

Concurso “Melhores Receitas da Alimentação Escolar”

O Concurso “Melhores Receitas da Alimentação Escolar” aconteceu em duas edições. A primeira edição ocorreu no ano de 2015 e a segunda, em 2017. Consistiu na escolha, divulgação e premiação de receitas culinárias elaboradas por merendeiras da alimentação escolar, as quais atuavam em escolas públicas de educação básica (BRASIL, 2015a; FNDE, 2017). O objetivo do concurso foi “valorizar o papel das merendeiras e merendeiros na promoção da alimentação saudável e adequada no ambiente escolar e promover a mobilização da comunidade escolar para a temática da educação alimentar e nutricional” (BRASIL, 2015a; FNDE, 2017).

A primeira edição contou com a inscrição de 2.433 merendeiras. Cinco delas tiveram suas receitas premiadas e receberam o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) cada uma, além de uma viagem para Santiago do Chile, com duração de uma semana. A segunda edição recebeu 2.252 inscrições, das quais foram premiadas quinze merendeiras com valores pagos em dinheiro, e as primeiras colocadas, além do dinheiro, receberam viagens internacionais. As receitas premiadas, tanto da primeira quanto da segunda edição, deram origem a duas publicações do FNDE.

Essa ação promovida pela Coordenação do PNAE foi um projeto totalmente voltado para as merendeiras. Acreditamos que ações como essa ajudaram a dar visibilidade a essas profissionais, sendo uma forma de valorização e reconhecimento do seu trabalho. Mas, precisamos questionar a abrangência dessa ação, ou seja, verificar se, de fato, ela consegue melhorar o trabalho das merendeiras. Para isso, seriam necessários estudos e pesquisas capazes de abordar, em específico, o impacto dessas ações.

Super Merendeiras

O reality show “Super Merendeiras” foi um programa de televisão desenvolvido pelo FNDE, com apoio do Banco do Brasil. Ocorreu no ano de 2018, mostrando uma competição entre as dez vencedoras da primeira e da segunda edição do concurso “Melhores Receitas da Alimentação Escolar” (BRASIL, 2015a; FNDE, 2017). O programa foi exibido pelo canal de televisão TV Escola e disponibilizado, também, no canal do YouTube, sob o comando do ator Eri Johnson. Foram treze episódios, sendo que, em cada um, uma profissional deixava o programa e outra ganhava um prêmio no valor de um mil reais, muito semelhante aos diversos produtos televisivos de competição culinária que preenchem as grades das TVs brasileiras.

Ações como os concursos e o reality show são importantes para darem visibilidade ao trabalho das merendeiras, podendo ajudá-las na valorização do seu papel. Porém, acreditamos que esse tipo de ação pode, também, destacar o seu papel de cozinheira. Essas ações focam a preparação de receitas saborosas e saudáveis, que é uma função extremamente importante da merendeira, mas não dão destaque para o seu papel como sujeito integrante da escola enquanto educador. Além disso, é necessário avaliar o alcance desse tipo de ação, verificando se realmente desperta o interesse das merendeiras e do público em geral.

Para entender o impacto desse programa de TV na vida das merendeiras, tanto das participantes quanto das não participantes, é necessário realizar estudos e pesquisas com esse foco. É importante entender se há, ainda, algum impacto não só na vida das merendeiras mas também no olhar daqueles que podem interferir no seu trabalho, melhorando sua qualidade de vida ou fortalecendo sua profissão; além, é óbvio, de questionar o alcance de uma produção dessa natureza em um canal de baixíssima audiência, como a TV Escola.

O que podemos, sem dúvida, afirmar é que, diferentemente dos dispositivos legais analisados até aqui, o recurso à identidade se faz presente, trabalhando com o modo como os sujeitos produzem sua identificação temporária a um grupo, neste caso as merendeiras, e fazendo alusão à produção de seu imaginário, como personagem importante na comunidade escolar, não sendo somente merendeiras mas também supermerendeiras, numa evidente produção de uma linguagem de empoderamento social (HALL, 2009; CASTORIADIS, 1982; BERTH, 2019).

Jornada de Educação Alimentar e Nutricional8

Visando fortalecer a EAN no ambiente escolar e a inclusão da temática no processo de ensino-aprendizagem, a Coordenação Geral do PNAE tem implementado algumas iniciativas que envolvem diversos sujeitos do Programa. Uma das ações é a Jornada de Educação Alimentar e Nutricional, que ocorre anualmente, desde 2017. A Jornada consiste na seleção, divulgação e publicação das ações de EAN executadas nas escolas públicas de educação infantil e de ensino fundamental, incentivando o debate e a prática no ambiente escolar e dando visibilidade àquelas ações já desenvolvidas nas escolas públicas.

A Jornada de EAN suscita o propósito pedagógico de chamar a atenção e de debater, de forma estimulante e criativa, as seguintes temáticas: alimentação saudável, prevenção da obesidade e cultura alimentar. Cada edição da Jornada aconteceu ao longo do ano letivo, em etapas, cada uma com um tema diferente para o desenvolvimento de uma ação.

Neste momento, pretendemos trazer uma análise do tema “Merendeira como agente transformadora da alimentação escolar”, que foi trabalhado em 2019, na terceira edição da Jornada. Para cada tema proposto na Jornada, alguns materiais foram disponibilizados aos participantes para subsidiá-los no planejamento e na execução de uma atividade de EAN. A equipe da Coordenação do PNAE responsável pela Jornada gravou vídeos com especialistas no tema, disponibilizou livros, legislações, manuais, cartilhas e qualquer material que pudesse servir de apoio ao participante.

Foram encaminhados pelos participantes 520 relatos com fotos de atividades de EAN realizadas pelas escolas, com foco nas merendeiras, dos quais foram selecionados cinco para comporem a publicação Melhores Relatos da Educação Infantil e Ensino Fundamental I e II (BRASIL, 2020b). Os relatos selecionados descrevem as atividades realizadas pelas escolas, tais como: apresentação de receitas ancestrais, reproduzidas pelas merendeiras e servidas na alimentação escolar; ações para conhecer a merendeira, já que “a maioria dos educandos não sabia o nome da merendeira, se referindo a ela como a ‘tia do lanche’” (BRASIL, 2020a, p. 33); homenagens para as merendeiras, como preparação de lanches feitos pelos alunos, declamação de poesias, entrega de cartas de agradecimento e exposição de cartazes ressaltando a importância dessas profissionais. Também foram feitos jogos lúdicos entre as merendeiras e os alunos. Outro relato descreveu a realização de entrevistas com as merendeiras, das quais foi confeccionado um livro sobre a biografia de uma delas.

Após a leitura dos relatos, é possível verificar que essas atividades valorizam as merendeiras, dando um papel de destaque para a sua atuação tanto na preparação de uma alimentação saudável quanto na função de educadora. Todas as atividades envolveram a comunidade escolar, com a participação das famílias dos estudantes, dos professores e da direção da escola, criando possibilidades de reconhecimento e valorização da merendeira. Ao colocar essa profissional da escola como protagonista das atividades pedagógicas, as ações de EAN contribuíram para a conscientização e a valorização do seu papel enquanto educadora tanto para si quanto para os demais membros da comunidade escolar.

Ações como as propostas pela Jornada de EAN criam espaços potentes de reflexão quanto ao papel das merendeiras nas escolas públicas, podendo contribuir para a valorização dessas profissionais. Em um estudo realizado por Lourenção (2019), em Centros Municipais de Educação Infantil do município de Lavras, Minas Gerais, utilizou-se a Jornada de EAN como um dos módulos da intervenção educativa, a fim de qualificar diretoras, coordenadoras pedagógicas, professoras e auxiliares de serviços gerais. Concluiu-se que o programa de intervenção alimentar e nutricional proposto foi eficaz para a melhoria do conhecimento sobre alimentação e nutrição das educadoras.

Para que essas ações sejam efetivas, elas devem ser propostas e trabalhadas de forma contínua pelo FNDE, incentivando as escolas a participarem e a desenvolverem atividades de EAN com toda a comunidade escolar. É necessário que haja também iniciativas que contribuam para a adesão de um maior número de escolas participantes, fortalecendo a EAN no ambiente escolar e contribuindo para a valorização das merendeiras.

Quarta capa dos livros didáticos

Desde 2016, as capas dos livros distribuídos pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) contêm ilustrações e mensagens que promovem a alimentação adequada e saudável. Buscando despertar o interesse e gerar reflexão com a proposta da inclusão da EAN nas escolas, cada quarta capa de cada componente curricular aborda um tema mobilizador específico. A intenção é que cada tema possibilite gerar diálogos entre os atores da comunidade escolar. Dessa forma, propomos, neste item do artigo, verificar se algum tema vinculado ao papel da merendeira já foi trabalhado em alguma dessas capas.

As ilustrações e mensagens contidas nas capas dos livros didáticos distribuídos pelos PNLDs, de 2016 a 2020, tratam de várias temáticas da educação alimentar e nutricional que vão desde a cultura alimentar, o sistema alimentar, os hábitos alimentares saudáveis até outras questões que envolvem relações humanas e sustentabilidade. Melgaço (2021), ao pesquisar as questões ambientais entrelaçadas com a alimentação adequada e saudável nas quartas capas dos livros didáticos distribuídos pelo PNLD 2018 - Ensino Médio, verificou que os temas abordados nessas capas propiciavam espaços para reflexões e discussões de temas da Educação Ambiental e da sustentabilidade, tais como: relações de produção, consumo e crise ambiental, identidade de gênero, relações de pertencimento com a natureza e a sociedade, dentre outros. Para a autora, as mensagens contidas nas quartas capas dos livros didáticos ajudam a construir um espaço dialógico entre os temas que são fundamentais para a formação dos escolares, possibilitando uma educação democrática e libertadora.

Ao analisar os aspectos que permeiam o PNLD, Di Giorgi et al. (2014) situaram o livro didático como elemento importante na formação e ampliação do capital cultural do aluno e de sua família, de forma estendida, especialmente dos escolares que pertencem às camadas mais desfavorecidas da sociedade e que podem ter um acesso prejudicado a livros. Além disso, os autores consideram que os livros didáticos se constituem um excelente recurso didático e pedagógico para os professores.

Greenwood e Fonseca (2016) descrevem como a EAN se constitui dentro do livro didático da Educação Básica, visualizando espaços e caminhos que possibilitam a sua otimização. Os autores indicam que os espaços de produção e utilização dos livros didáticos, como as instâncias governamentais, as editoras e as escolas públicas, contribuem potencialmente para que o aluno da escola pública tenha acesso a EAN, devendo haver diálogo e interação para que a EAN presente nos livros seja otimizada. Os livros podem oferecer questionamentos que instiguem a discussão sobre a alimentação escolar, facilitando e fortalecendo o processo educativo em alimentação e nutrição, dentro da escola local.

Considerando a dimensão do PNLD e a sua importância para a formação dos escolares, o livro didático pode ser um instrumento importante para a promoção da alimentação adequada e saudável e para bons hábitos de vida. O espaço proporcionado pelas quartas capas para a geração de reflexões sobre essas temáticas tem se constituído numa importante ferramenta de educação alimentar e nutricional.

Esse espaço pode ser estratégico para se trabalhar a importância da merendeira para o PNAE, destacando o seu papel estratégico como educadora. Ainda não foi feita uma capa contendo uma mensagem específica sobre as merendeiras. Na capa “É gostoso comer com os amigos na escola”, distribuída por meio do PNLD 2019, para os anos iniciais do ensino fundamental, há a figura de duas merendeiras, uma servindo as crianças no refeitório e a outra posicionada dentro da cozinha, observando. Apesar de elas aparecerem nessa ilustração, o tema da capa propiciava a reflexão sobre o ato de comer em companhia e não tinha como temática principal o papel ou a importância da merendeira na escola.

A inclusão da temática que envolve a merendeira na quarta capa do livro didático pode ser, então, uma boa estratégia para se debater a importância dessa profissional para o PNAE, gerando reflexões sobre o seu papel para e na comunidade escolar.

Questionário de Monitoramento do PNAE

A Coordenação Geral do Programa Nacional de Alimentação Escolar (CGPAE) do FNDE possui, em sua estrutura organizacional, uma coordenação específica de monitoramento e avaliação do Programa. Segundo a Resolução CD/FNDE nº 6/2020, o monitoramento do PNAE tem periodicidade permanente e visa corrigir possíveis distorções, aprimorar a gestão e subsidiar a sua avaliação por meio do levantamento de dados, da análise e sistematização de informações e da verificação da execução do Programa (BRASIL, 2020).

Essa coordenação verifica a conformidade da execução do PNAE in loco e à distância por meio de questionários, entrevistas e observações, levando em consideração a legislação vigente e os seguintes aspectos: financeiro, compras da agricultura familiar, controle social e segurança alimentar e nutricional (BRASIL, 2015). Durante a visita de monitoramento, é aplicado um questionário às merendeiras, composto por treze perguntas, conforme descrição abaixo.

Fonte: Elaborado pelos autores, a partir dos dados obtidos no sistema interno do FNDE.

QUADRO 4 Descrição das perguntas que compõem o monitoramento do PNAE feito pelo FNDE 

Essas perguntas estão relacionadas às legislações que envolvem a execução do PNAE e as normas que regulamentam a profissão de manipuladores de alimentos. Dessa forma, as perguntas querem verificar se estão sendo cumpridos os seguintes normativos: Parecer nº 9/2010 e a Resolução nº 5/2010 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB), que fixam as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos Funcionários da Educação Básica Pública (BRASIL, 2010, 2010a); RDC ANVISA nº 216/2004 (BRASIL, 2004); Norma Regulamentadora NR 7 (Exames Médicos) do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, publicada pela Portaria do Ministério do Trabalho nº 3.214/1978 (BRASIL, 1978); Portaria SVS/MS nº 326/1997, (“Documentação”) do Anexo II da RDC ANVISA nº 275/2002 (BRASIL, 1997, 2002); Resolução/CD/FNDE nº 6/2020 (BRASIL, 2020).

Considerando que a alimentação adequada e saudável é um direito fundamental do ser humano (BRASIL, 1988), o PNAE busca garantir a segurança alimentar e nutricional dos estudantes nas escolas. A garantia da SAN dos escolares depende de uma série de procedimentos que devem ser rigorosamente seguidos durante todo o processo que envolve a manipulação dos alimentos. Esses procedimentos estão descritos em uma série de regulamentos e legislações, e cabe ao FNDE estar atento e monitorar o cumprimento dessas normas. As questões nutricionais e higiênico-sanitárias da alimentação escolar estão intrinsecamente envolvidas com as merendeiras, as quais devem utilizar técnicas de preparo dos alimentos adequadas, zelando pela saúde dos escolares. A execução da alimentação escolar deve ser avaliada e monitorada pela equipe do PNAE/FNDE, assim como pelos nutricionistas do Programa e pelas entidades executoras.

Percebe-se a preocupação com as questões higiênico-sanitárias da alimentação escolar nas treze perguntas, voltadas paras as merendeiras, que constam no monitoramento. Porém, não há nenhuma pergunta direcionada à função da merendeira enquanto educadora. Esse pode ser um indicativo da invisibilidade desse papel da merendeira pelo Programa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise dos documentos e projetos do PNAE que envolvem a merendeira, podemos perceber que o Programa possui arcabouço legal e espaço para fortalecer e valorizar essa importante profissional promotora de alimentação saudável e adequada no ambiente escolar, mas que, de muitas formas, reforça o processo de invisibilidade das merendeiras. Para Recine (2017), as ações de educação alimentar e nutricional no cotidiano dos escolares têm sido fomentadas a partir de iniciativas do PNAE, como a Jornada de Educação Alimentar e Nutricional e as mensagens sobre os temas de alimentação e nutrição nas quartas capas dos livros didáticos distribuídos pelo PNLD. Porém, no que concerne às merendeiras, a análise sugere que, apesar de parecer haver uma predisposição e uma vontade da Coordenação do PNAE em reconhecer e valorizar as merendeiras, as ações ficam mais voltadas para as tentativas de comunicação com o grupo (reality shows, concursos) do que para a inscrição dessas profissionais no discurso oficial, o qual está muito menos focado na representação e mais num certo senso comum da representatividade.

As merendeiras estão, de alguma forma, representadas em algumas ações, como no concurso “Melhores Receitas da Alimentação Escolar” e no reality show “Super Merendeiras”. A presença das merendeiras nesses projetos pode significar que a sua ausência foi suprida, mas a sua presença continua problemática quando no discurso oficial, pois ora ficam de fora, ora são tratadas de forma despersonalizada e muito distante do arranjo identitário que as situa socialmente como grupo, as merendeiras.

A opção pelas expressões “manipuladora de alimentos”, no trato frio dos dispositivos legais, e “merendeira”, quando se pretende uma aproximação com essa profissional, revela, no mínimo, um desconhecimento, por parte de quem está elaborando esses documentos, da importância de se ver as merendeiras como parte de um grupo. Em contra partida, outros sujeitos da educação, como os professores, não são conhecidos de outra forma, pois, na lei e na comunicação, eles são tratados da mesma forma.

A discussão sobre representação e representatividade pode ser levada para dentro do PNAE. A ausência de sujeitos sociais nos documentos e projetos desse Programa deve ser criticada, especialmente quando o contexto dessas pessoas está atrelado à minoria em representação, ou seja, quando um grupo social é constituído por mulheres, negras e de baixa renda. Apesar desse estrato social se constituir em um grupo populacional gigante, no Brasil, é uma minoria social em termos de representação.

O processo de terceirização, com a extinção do cargo público de merendeira, configura a sua desvalorização (PINHO; MARTÍNEZ, 2016). As merendeiras são identificadas, nos contratos terceirizados, como manipuladoras de alimentos, e o fato de eles não as identificarem como merendeiras colabora para a crescente diminuição da identidade dessas profissionais com esse cargo. Os autores indicam que, apesar de não serem identificadas como “merendeiras”, elas são assim reconhecidas por todos os outros agentes escolares, o que é apresentado também em outros estudos utilizados aqui como referência.

Apesar de a expressão “manipulador de alimentos” soar para alguns um tanto mais profissional que “merendeira”, é importante pensar que a definição de manipulador de alimentos é restrita a uma função técnica, operacional e higienista. A merendeira não é apenas cozinheira ou manipuladora de alimentos, uma vez que sua função vai além de preparar as refeições. Ela é também educadora, formando um elo entre o estudante e o alimento. Ao servir as refeições, a merendeira pode incentivar o estudante a se alimentar e orientá-lo na formação de bons hábitos alimentares. Pensar na nomenclatura dessa profissional nos leva a refletir sobre as funções que estão destinadas, ou que influenciam, o seu fazer na escola e no PNAE.

A representatividade tem papel central na formação de identidades e subjetividades. Dessa forma, quando o PNAE representa a merendeira, em projetos ou documentos, como cozinheira ou como manipuladora de alimentos, excluindo a pluralidade do seu papel enquanto educadora, reforça seu estereótipo voltado apenas para o preparo do alimento e a higienização das áreas físicas. Isso contribui para o desprestígio social e a consolidação da função dessa profissional enquanto sujeito subalterno. Ao reforçar os estereótipos e a discriminação, o Programa pode invisibilizar os saberes das merendeiras.

A presença de documentos ou ações que fortaleçam o papel de educadora da merendeira também pode contribuir para a valorização dessa profissão e para a melhora das condições de vida e de trabalho dessa profissional. Existe uma preocupação quanto à prática do controle higiênico-sanitário da merendeira enquanto manipuladora de alimentos, mas são poucas as ações que reforçam o seu papel de educadora.

O PNAE possui espaços que, se explorados, podem ser potentes para gerar a reflexão sobre os papéis das merendeiras e o fortalecimento da educação alimentar e nutricional. Capacitações ou cursos coordenados pelos CECANEs, continuidade de ações vinculadas à Jornada de EAN, inserção de mensagens e ilustrações nas quartas capas dos livros didáticos, elaboração e divulgação de notas técnicas, inserção do papel de educadora da merendeira na legislação pertinente, avaliação e monitoramento desse papel são alguns desses espaços que podem contribuir para a representatividade das merendeiras no PNAE.

Os incentivos à inclusão de temáticas da promoção de alimentação saudável e adequada, ao trabalho inter e transdisciplinar entre os docentes e os demais funcionários da escola e ao envolvimento dos demais sujeitos do PNAE no projeto político pedagógico das escolas, além do reconhecimento do papel da merendeira enquanto educadora, são iniciativas que podem ser despertadas e propagadas por meio de ações do PNAE.

Insistimos em chamarmos a atenção para o processo de produção da subalternidade da merendeira. Fazemos isso por entendermos que esse processo não se constitui e nem desaparece de um dia para o outro. É necessário dizer, dizer de novo, dizer mais uma vez e sempre, para sermos escutados, de outra forma, a linguagem que naturaliza a subalternidade, que vê essas mulheres como parte da paisagem da cantina da escola, jamais encontrará o contraditório, a crítica, e seguirá reproduzindo sua gramática excludente que se materializa na exclusão dos sujeitos. Se ainda hoje precisamos lembrar aos membros dessa sociedade que o racismo existe e que as discriminações baseadas em classe social (HOOKS, 2000), o classismo, ainda precisam adentrar mais fortemente no debate sociológico, podemos começar por chamar as mulheres que trabalham nas cozinhas das escolas por merendeiras, que é como elas se reconhecem e são reconhecidas.

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DOI: www.scielo.org

REFERÊNCIAS

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1O presente estudo recebeu financiamento através do Edital 01/2020 de apoio à publicação científica do Programa de Pós-Graduação em Educação - Modalidade Profissional, como ação derivada do projeto Colonialismo/Colonialidade e educação: cenários de resistência e subordinação e do Edital DPG/UnB nº 0002/2021 - Auxílio Financeiro a Estudantes de Pós-Graduação para o Desenvolvimento de Dissertações e Teses.

4Utilizaremos, aqui, o termo “sujeito” por ser uma expressão do campo, traduzido do inglês subject, que não tem gênero originalmente em língua inglesa, mas, em língua portuguesa, ganha o gênero masculino. Essa dificuldade estará expressa ao longo do texto. Procuramos reduzir seu uso, mas foi inevitável. Respeitando a precedência, marcamos, aqui, que essa advertência tem lugar na obra de Grada Kilomba (2019), à qual fazemos menção ao produzir esta nota e falar sobre essa dificuldade.

5Uma das autoras deste do presente artigo desenvolveu uma dissertação de mestrado sobre as merendeiras (MELGAÇO, Mariana Belloni. As Merendeiras do DF: Voz e Silêncio no Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de Brasília, Brasília, 2021).

6A Segurança Alimentar e Nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006, p. 1).

7POPs: Procedimentos Operacionais Padronizados.

8É importante esclarecer que uma das autoras deste trabalho atua diretamente no planejamento e na execução da Jornada de EAN, acompanhando este projeto desde o início de sua implantação. Então, a análise deste item vem permeada pelo olhar de uma pessoa que está totalmente envolvida neste projeto.

Recebido: 19 de Maio de 2021; Aceito: 21 de Janeiro de 2022

Mariana Belloni Melgaço é a autora da dissertação de mestrado que deu origem a este artigo. Fez a revisão deste trabalho.

Rodrigo Matos-de-Souza é o orientador do mestrado. Ambos participaram física e intelectualmente da escrita deste manuscrito.

Nada declarado pelos autores.

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