SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.38AÇÕES DE PROFESSORES E O MOVIMENTO DE MUDANÇAS EM ATIVIDADE DE FORMAÇÃO CONTÍNUAENSINO PROFISSIONALIZANTE, AGENDA 2030 E DESENVOLVIMENTO REGIONAL: UMA ANÁLISE DO MUNICÍPIO DE CANOINHAS-SC índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.38  Belo Horizonte  2022  Epub 10-Abr-2022

https://doi.org/10.1590/0102-469826146 

Artigos

PLANEJAMENTO DE UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA NA PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO INTEGRADA E DA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO POR CONSTELAÇÃO DE THEODOR ADORNO

PLANIFICACIÓN DE UNA SECUENCIA DIDÁCTICA EN LA PERSPECTIVA DE LA FORMACIÓN INTEGRADA Y LA CONSTRUCCIÓN DEL CONOCIMIENTO POR CONSTELACIÓN DE THEODOR ADORNO

VÂNIO DEMETRIO1 
http://orcid.org/0000-0002-8785-8653

EDUARDO AUGUSTO WERNECK RIBEIRO2 
http://orcid.org/0000-0003-3313-6783

REGINALDO LEANDRO PLÁCIDO3 
http://orcid.org/0000-0001-5608-2621

1 Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Itajaí, SC, Brasil. <vaniodemetrio@gmail.com>.

2 Instituto Federal Catarinense (IFC). São Francisco do Sul, SC, Brasil. <eduardo.ribeiro@ifc.edu.br>.

3 Instituto Federal Catarinense (IFC). Araquari, SC, Brasil. <reginaldo.placido@ifc.edu.br>.


RESUMO:

O ensino de filosofia requer uma atuação docente e discente que permite ir além da simples descrição fenomênica da realidade ou do conhecimento. Admitindo seu objetivo de desenvolver a crítica como fundamento do pensamento humano, é necessário avançar para além de uma reflexão simplória acerca dos questionamentos que rondam nossa realidade no sentido de possibilitar que a filosofia, alicerçada no exercício da reflexão criteriosa, possa contribuir para o desvelamento da totalidade do real. Nesse sentido, este trabalho tem por objetivo apresentar a organização e a aplicação de uma Sequência Didática intitulada “Pensar a constelação da ciência: uma Sequência Didática”, no intuito de apontar uma estratégia de ensino que oportunize aos docentes uma forma de ensinar filosofia para além da perspectiva descritiva do conhecimento. Optou-se por organizar a Sequência Didática tendo como base teórica as concepções de formação integrada na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), em diálogo com a construção do conhecimento por constelação (ADORNO, 2009). A Sequência Didática buscou desenvolver a reflexão e a construção de novos conhecimentos por constelação com o objetivo de possibilitar, durante sua aplicação, momentos e espaços de atitude reflexiva e crítica, a produção de conhecimentos, o desenvolvimento da autonomia intelectual e a compreensão da realidade social. O objetivo deste trabalho foi atingido, uma vez que o desenvolvimento das atividades nos permitiu destacar e desenvolver termos importantes, tais como: ciência, senso comum, método científico, comunidade científica, responsabilidade social e valores cognitivos, éticos e políticos.

Palavras-chave: Educação Profissional e Tecnológica; Sequência Didática; Theodor Adorno; Ensino Médio Integrado

RESÚMEN:

La enseñanza de la filosofía requiere una actuación docente y discente que nos permita ir más allá de la simple descripción fenoménica de la realidad o del conocimiento. Admitiendo su objetivo de desarrollar la crítica como la base del pensamiento humano, es necesario ir más allá de una simple reflexión sobre las preguntas que rodean nuestra realidad, a fin de permitir que la filosofía, basada en el ejercicio de una reflexión cuidadosa, contribuya a la revelación de la totalidad de lo real. En este sentido, este trabajo tiene como objetivo presentar la organización y la aplicación de una Secuencia Didáctica titulada “Pensar la constelación de la ciencia: una secuencia didáctica”, para señalar una estrategia de enseñanza que brinde a los maestros una forma de enseñar filosofía más allá de la perspectiva descriptiva del conocimiento. Elegimos organizar la Secuencia Didáctica basada en los conceptos teóricos de la formación integrada en Educación Vocacional y Tecnológica (EPT) en diálogo con la construcción del conocimiento por constelación (ADORNO, 2009). La secuencia didáctica buscó desarrollar la reflexión y la construcción de nuevos conocimientos por constelación con el objetivo de permitir durante su aplicación momentos y espacios de actitud reflexiva y crítica, la producción de conocimiento, el desarrollo de la autonomía intelectual y la comprensión de la realidad social. El objetivo del trabajo se logró, ya que el desarrollo de las actividades permitió resaltar y desarrollar términos importantes como ciencia, sentido común, método científico, comunidad científica, responsabilidad social y valores cognitivos, éticos y políticos.

Palabras clave: Educación Profesional y Tecnológica; Secuencia Didáctica; Theodor Adorno; Escuela Secundaria Integrada

ABSTRACT:

The teaching of philosophy requires a performance, by teachers and students, that allows going beyond the simple phenomenal description of reality or knowledge. Admitting to aim at developing criticism as the foundation of human thought, it is essential to move beyond a simplistic reflection on the questions that surround our reality, in a way that makes it possible for philosophy, based on a careful reflection practice, to contribute to the unveiling of the entirety of the real. In this sense, this study intends to present the structure and application of a Didactic Sequence entitled “Thinking science constellation: a didactic sequence”, in order to introduce a teaching strategy that provides teachers with a way of teaching philosophy beyond the descriptive perspective of knowledge. We chose to organize the Didactic Sequence based on the concepts of comprehensive Education in the Vocational and Technological fields (EPT), interacting with the construction of knowledge by constellation (ADORNO, 2009). The Didactic Sequence intended to develop reflection and the construction of new knowledge by constellation to provide, during its application, moments and spaces of reflective and critical attitude, the development of knowledge and intellectual autonomy, and the understanding of social reality. The purpose of the study has been met, since the development of activities allowed to highlight and develop important terms such as science, common sense, scientific method, the scientific community, social responsibility, and cognitive, ethical, and political values.

Keywords: Professional and Technological Education; Didactic Sequence; Theodor Adorno; Integrated High School

INTRODUÇÃO

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia foram criados em 2008 - Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008 -, a partir da estrutura já existente dos Cefets (Centros Federais de Educação Tecnológica) e das Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas e Escolas vinculadas às Universidades Federais. Entre os objetivos dessas instituições, destacam-se a atuação na formação inicial, no ensino médio integrado à formação profissional, na graduação, preferencialmente tecnológica, e na pós-graduação, e o estímulo e apoio a processos educativos que levem à geração de trabalho e renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional (BRASIL, 2008).

Essas instituições trazem em sua concepção de educação a proposta da formação integrada, através da integração entre formação geral humanística, científica e profissional, considerando a formação para o mundo do trabalho como alternativa a uma restritiva formação para o mercado de trabalho. Apresentada também como formação humana integral, essa integração busca superar a divisão entre os que pensam e os que trabalham, entre trabalho intelectual e trabalho manual. Divisão essa que, no entendimento de Saviani (2007), acompanhou historicamente os processos educativos, tornando-se mais efetiva e sistematizada a partir da Revolução Industrial. Segundo Saviani (2007, p. 159), a “referida separação teve uma dupla manifestação: a proposta dualista de escolas profissionais para os trabalhadores e escolas de ciências e humanidades para os futuros dirigentes”.

A formação humana omnilateral integra o trabalho, a ciência e a cultura. Enquanto proposta de educação humanística, é imprescindível que ela se configure como parte inseparável da educação técnica e tecnológica em todos os níveis e locais em que se dá a formação para o trabalho. De acordo com Pacheco (2015, p. 32), “não se trata de ignorar a dimensão do trabalho enquanto prática econômica destinada à sobrevivência do homem e à produção de riquezas, mas de entendê-lo em sua dimensão ontológica e como prática social”.

As análises e diagnósticos identificados nessas leituras dão conta de que a educação, em particular a Educação Profissional e Tecnológica (EPT), manifesta ainda uma dualidade estrutural e um atrelamento dos programas e objetivos formativos a uma lógica econômica que dificulta a integralidade formativa e a emancipação humana. Para cumprir a exigência do desenvolvimento de um produto educacional, uma Sequência Didática (SD) foi aplicada na disciplina de filosofia, com o objetivo de desenvolver os temas ciência, tecnologia e valores.

Partindo da premissa de que a formação para o mundo do trabalho não tem orientado as práticas de ensino na EPT, procuramos, a partir da proposta da Sequência Didática, numa perspectiva sociointeracionista (VYGOTSKI, 2000), indicar um caminho que, ancorado na concepção de crítica e emancipação, questione e promova a superação da formação profissional como simples conformação aos ditames da sociedade capitalista e do mercado de trabalho. Para isso, as atividades da SD foram organizadas a partir da ideia de construção do conhecimento por constelação, do filósofo Theodor Adorno.

A intenção é registrar a correspondência entre as concepções de emancipação e autonomia propostas pela Teoria Crítica e as concepções de formação integrada, destacando que os processos pedagógicos orientados para a apreensão da realidade concreta (KOSIK, 2002) ou a constelação em que se encontra o conhecimento (ADORNO, 2009) contribuem para a efetivação de uma formação para o mundo do trabalho, fazendo coincidir, de forma articulada e integrada, uma formação científico-tecnológica e histórico-social que permite ao estudante a compreensão dos fundamentos técnicos, sociais, culturais e políticos do sistema produtivo atual (RAMOS, FRIGOTTO, CIAVATTA, 2012).

A TEORIA CRÍTICA

Nesta seção, apresentamos uma breve descrição sobre a Teoria Crítica, a partir da concepção da Escola de Frankfurt, com a intenção de subsidiar a compreensão da ideia de construção do conhecimento por constelação, de Theodor Adorno. O que propomos é uma leitura da Teoria Crítica enquanto método a ser utilizado como meio para elaborar uma proposta didática voltada para a consecução da formação para o mundo do trabalho e da autonomia e emancipação dos sujeitos envolvidos nos processos educativos.

Nas obras de autores como Max Horkheimer e Theodor Adorno (Dialética do Esclarecimento, Teoria Tradicional e Teoria Crítica, Dialética Negativa, dentre outras), a Teoria Crítica se volta para a análise da razão que, longe de cumprir sua função de promover a autonomia e a liberdade, aos moldes iluministas, encontra-se na condição de instrumento de dominação.

Adorno e Horkheimer, diante disso, repudiam a negação desse potencial libertador do projeto iluminista. Eles acentuam que a razão que se erguera como promotora da liberdade se instrumentaliza, se afasta do seu projeto originário, transformando-se em razão instrumental e caminho que a humanidade trilha em vista da dominação da natureza e do homem. (SILVA, 2010, p. 10).

O propósito da Teoria Crítica é passar em revista a própria racionalidade, no sentido de reaver o significado de emancipação. Essa teoria se propõe a investigar e questionar as questões de vida a que se submetem os indivíduos, buscando perceber como a racionalidade (esclarecimento), que, a princípio, deveria confirmar a humanidade como guia de sua história, se encontra tomada pela “escuridão” da razão instrumental. Como alertam Adorno e Horkheimer (1985, p. 11), “a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie”.

A partir das evidências da instrumentalização da razão e da desumanização, a Teoria Crítica propõe uma (re)avaliação das conquistas da razão, enquanto revela um projeto de emancipação, contrapondo-se à dominação degradante da natureza e do homem em qualquer medida. A Teoria Crítica visa o pensar por si mesmo, como requisito para efetivação da autonomia do homem, aproximando-se, assim, do programa iluminista, pois entende a razão como fundamento para a emancipação.

No entanto, essa mesma razão que se apresenta como fomentadora da liberdade, no processo histórico, material e social, se instrumentaliza, distanciando-se do propósito original, transformando-se naquilo que os autores frankfurtianos chamaram de razão instrumental. É ela que passa a indicar a direção por onde trilha a humanidade, no seu intento de dominação da natureza e do homem.

A Teoria Crítica se caracteriza pela tentativa de retomada da razão que dantes embasara a liberdade, mas que agora se encontra enredada nos meandros e mecanismos da dominação, subordinando-se como um mero instrumento desta. Para Adorno e Horkheimer (1985), ao instrumentalizar-se, a razão se afasta do seu fundamento primordial: a emancipação. Daí a constatação desses autores da iminência de uma “nova espécie de barbárie”.

Nesse sentido, o objetivo da Teoria Crítica é repensar a própria racionalidade, na intenção de reaproximar-se do sentido de “guiar-se pela razão” como condição para a emancipação. Para tal empreendimento, lança mão da suspeita sobre as circunstâncias e condições a que se submetem os homens e tem como horizonte um projeto emancipatório, alicerçado na liberdade conquistada no exercício do pensamento esclarecido.

Esse projeto emancipatório é proposto por Adorno e Horkheimer (1985) a partir da constatação de que a visão que se tem da realidade está maculada por falsidades, advindas de mecanismos e estratégias que impedem o verdadeiro reconhecimento e apreensão dos fatos e de seus condicionantes. Essa visão turva impede a formação da consciência individual e coletiva, que deveria estar calcada em constatações críticas e fidedignas da realidade.

Uma análise crítica da realidade possibilita a emersão de temas que, de outro modo, estariam escamoteados. Um exemplo clássico desses temas é o da indústria cultural, que, ao produzir e distribuir bens culturais, manifesta grande poder de controle sobre nossa faculdade de avaliar criticamente as estruturas e os mecanismos que orientam e determinam a sociedade.

A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los abertamente. Cada qual é um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao trabalho. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 61).

Com isso, compreendemos a Teoria Crítica como uma ferramenta de crítica social que se fundamenta no enfrentamento da realidade, buscando as razões aparentes e as que estão subjacentes ao fenômeno social. Desse modo, a Teoria Crítica se apresenta como uma tentativa de identificar e se contrapor à razão instrumentalizada e à sociedade administrada, ambas entendidas como afastamentos da condição emancipatória da razão.

A Teoria Crítica tem, ao longo do tempo, assumido várias acepções. De modo geral, estão sob essa denominação as teorias que se opõem à ordem estabelecida, ao positivismo, e que, de um modo ou de outro, intencionam a construção de uma sociedade mais justa. Neste trabalho, ao mencionarmos a Teoria Crítica, fazemos referência a um grupo de pensadores alemães da década de 1920, marxistas não ortodoxos, que influenciaram política e intelectualmente os debates acadêmicos e da esfera pública de sua época e de períodos históricos posteriores, a partir de duas gerações que se sucederam ao grupo que deu origem à Escola de Frankfurt. Nesse contexto, que significado pode ter a expressão Teoria Crítica? No entendimento de Gomes (2010, p. 287-288), trata-se

[...] de uma expressão que designa pelo menos três sentidos diferentes: um campo teórico, um grupo específico de intelectuais do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt filiados a esse campo teórico e a Escola de Frankfurt. Independente do sentido que se possa atribuir à Teoria Crítica da Sociedade, o sentido clássico do conceito de Teoria Crítica, tal como fora empregado por Horkheimer em 1937, evidencia os dois princípios fundamentais que demarcam um campo teórico específico: a orientação para a emancipação e o comportamento crítico.

No âmbito da Escola de Frankfurt, é o ensaio de Max Horkheimer, Teoria tradicional e Teoria Crítica, que lança as bases epistemológicas daquilo que seria uma abordagem crítica no estudo da sociedade. A obra tem como foco o entendimento da realidade a partir daquilo que o autor caracteriza como “comportamento crítico”. Inicialmente, Horkheimer (1975, p. 129) identifica o surgimento da Teoria Tradicional, a qual opera

[...] com proposições condicionadas, aplicadas a uma situação dada. Pressupondo-se as circunstâncias a, b, c e d, deve-se esperar a ocorrência q; desaparecendo p, espera-se a ocorrência r, advindo g, então espera-se a ocorrência s, e assim por diante. Esse calcular pertence ao arcabouço lógico da história, assim como ao da ciência natural. É o modo de existência da teoria em sentido tradicional.

Ou seja, a validade dessa teoria depende de as previsões ou os prognósticos se mostrarem corretos, ou não.

Com isso, o cientista é aquele que observa os fenômenos e estabelece conexões objetivas entre eles, quer dizer, conexões que se dão na natureza independentemente de qualquer intervenção de sua parte. Para tanto, tem de abstrair das qualidades dos objetos e do sentido que possam ter no contexto das relações sociais, para considerá-los unicamente como elementos de uma cadeia causal necessária. (NOBRE, 2011, p. 35).

De acordo com a Teoria Tradicional, cabe ao cientista a tarefa de classificar e explicar o objeto de estudo conforme os critérios neutros do método, eximindo-se de qualquer apreciação subjetiva. A razão de ser da Teoria Tradicional aponta para a necessidade de uma observação isenta, nos moldes das ciências naturais, para que se possa, sem a interferência do observador, produzir resultados vinculados, o mais próximo possível, ao objeto estudado. Essa teoria não teria como objetivo a ação, mas apenas a apresentação das conexões entre os fenômenos sociais, sem a interferência da concepção de mundo ou dos valores do cientista.

Conforme Horkheimer (1975, p. 164), a

[...] formulação de teorias em sentido tradicional constitui uma profissão na sociedade dada, delimitada por outras atividades científicas e demais, e não precisa se preocupar em saber nem das tendências nem das metas históricas com as quais essas teorias estão entrelaçadas. A teoria crítica, ao contrário, na formação de suas categorias e em todas as fases de seu desenvolvimento, segue conscientemente o interesse por uma organização racional da atividade humana: clarificar e legitimar esse interesse é a tarefa que ela confere a si própria.

Como modelo de teoria científica, a Teoria Tradicional trouxe uma série de consequências para a análise da realidade: a separação entre indivíduo e sociedade, a perspectiva parcial de classe, a simplificação e a eliminação das contradições da práxis social (CARNAÚBA, 2010). Em função de uma pretendida neutralidade científica, essa teoria privilegia a descrição do funcionamento da sociedade e a conformação do pensamento à realidade.

Essa ideia de conformação ou adaptação é analisada também por Nobre (2011, p. 38):

A perspectiva tradicional de teoria, pretendendo simplesmente explicar o funcionamento da sociedade, termina por adaptar o pensamento à realidade. Em nome de uma pretensa neutralidade da descrição, a Teoria Tradicional resigna-se à forma histórica presente na dominação.

Os limites da Teoria Tradicional são identificados quando essa ignora os condicionantes históricos da realidade social, dificultando o conhecimento das reais conexões dos fenômenos sociais. Para Horkheimer (1975, p. 153), “a gênese social dos problemas, as situações reais nas quais a ciência é empregada e os fins perseguidos em sua aplicação, são por ela mesma consideradas exteriores”. A identificação desses condicionantes históricos é umas das tarefas às quais se propõe a Teoria Crítica.

A teoria crítica da sociedade, ao contrário, tem como objeto os homens como produtores de todas as suas formas históricas de vida. As situações efetivas, nas quais a ciência se baseia, não é para ela uma coisa dada, cujo único problema estaria na mera constatação e previsão segundo as leis de probabilidade. O que é dado não depende apenas da natureza, mas também do poder do homem sobre ela. Os objetos e a espécie de percepção, a formulação de questões e o sentido da resposta dão provas da atividade humana e do grau de seu poder. (HORKHEIMER, 1975, p. 153).

A Teoria Crítica considera a dialética das relações sociais e apresenta, de forma crítica, “as coisas como são” e “como poderiam ser”, como resultado da identificação e reflexão sobre as potencialidades e os obstáculos à emancipação (GOMES, 2010).

Segundo Rush (2008, p. 35), a Teoria Crítica

[...] não é meramente descritiva, é uma forma de instigar a mudança social, fornecendo um conhecimento das forças da desigualdade social que pode, por sua vez, orientar a ação política que visa a emancipação (ou, no mínimo, a diminuição da dominação e da desigualdade). Seguindo esse pensamento, poder-se-ia pensar que a Teoria Crítica é “crítica” apenas na medida em que torna a desigualdade social aparente, aponta alguns candidatos plausíveis para as causas da desigualdade e permite à sociedade em geral (ou, no mínimo, o segmento oprimido) reagir de maneira apropriada.

O comportamento crítico e a orientação para a emancipação são os princípios que caracterizam a Teoria Crítica e se constituem como método ou tradição intelectual desde a fundação do Instituto de Pesquisa Social, ou Escola de Frankfurt, como também é denominado. Segundo Nobre (2011, p. 33-34), “cabe à teoria o exame do existente não para descrevê-lo simplesmente, mas para identificar e analisar a cada vez os obstáculos e as possibilidades de emancipação presentes em cada momento histórico”. O comportamento crítico e a orientação para a emancipação possibilitam, dessa forma, vislumbrar o desenvolvimento de uma sociedade emancipada a partir da atual organização social.

Desde Marx, a função da Teoria Crítica é a de contribuir para a formulação de um diagnóstico de tempo. De acordo com Melo (2011, p. 249), o desafio dessa teoria

[...] consiste em poder renovar seus diagnósticos de modo a tornar possível que continuemos formulando uma perspectiva a partir da qual os obstáculos à emancipação ou potenciais emancipatórios, quando presentes numa dada sociedade, sejam considerados e analisados de modo crítico. Quais são as categorias e diagnósticos mais adequados hoje para levar adiante essa tradição de pensamento?

A opção pela Teoria Crítica, na concepção engendrada pela Escola de Frankfurt se apresenta como alternativa para pensar a educação desde uma perspectiva crítica, necessária para, ao proceder ao diagnóstico recente da Educação Profissional e Tecnológica, vislumbrar um projeto de formação para a emancipação social. Tendo isso em vista, propomos, a partir da ideia e do percurso da emancipação, aplicar a crítica à racionalidade instrumental, com vistas a resgatar a autonomia e a liberdade humana dentro do contexto da EPT. A intenção é promover a formação de um cidadão para o mundo do trabalho, com condições de enfrentar os problemas e os desafios econômicos, políticos e culturais que a sociedade apresenta.

O que buscamos extrair do método da Teoria Crítica para o planejamento de uma Sequência Didática é justamente o comportamento crítico, a ideia de diagnóstico de tempo e de emancipação, donde emerge o seguinte questionamento: os planos de ensino da disciplina de filosofia, nos cursos já mencionados, traduzem a formação para o mundo do trabalho, ou reverberam ainda a formação para o mercado de trabalho?

Formação Integrada

Os Institutos Federais (IFs) foram apresentados como um avanço no âmbito educacional, social e econômico, ao colocar como objetivos de sua atuação a equidade e a justiça social; a formação profissional alicerçada em conhecimentos científicos e tecnológicos alinhados aos arranjos produtivos locais; a competitividade econômica; e o desenvolvimento integral do estudante e do trabalhador. Conforme indicam Alves, Placido, Faria e Rohr (2019, p. 569), a

[...] proposta pedagógica ventilada nos IFs busca articular trabalho, ciência e cultura na perspectiva da emancipação humana. É dessa forma que sua orientação pedagógica recusa o conhecimento pronto, baseado meramente em livros didáticos, buscando uma formação profissional mais abrangente e flexível, com menos ênfase na formação para o trabalho mecânico e mais na compreensão do mundo do trabalho e em uma participação qualitativamente superior. Trata-se de um profissionalizar-se mais amplo, que abre infinitas possibilidades de reinventar-se no mundo e para o mundo. Princípios que são válidos e quistos para qualquer campo de formação.

Dos princípios que regem a fundação dessas instituições, destacamos o que propõe a formação integral e cidadã, confirmando a intenção de empreender um projeto progressista de educação no sentido da transformação social. A proposta de educação profissional e tecnológica dos Institutos Federais se fundamenta na ideia de formação integrada, muito antes da simples qualificação para o trabalho.

Nesse contexto, o Instituto Federal aponta para um novo tipo de instituição identificada e comprometida com o projeto de sociedade em curso no país. Representa, portanto, um salto qualitativo em uma caminhada singular, prestes a completar cem anos. Trata-se de um projeto progressista que entende a educação como compromisso de transformação e de enriquecimento de conhecimentos objetivos capazes de modificar a vida social e de atribuir-lhe maior sentido e alcance no conjunto da experiência humana, proposta incompatível com uma visão conservadora de sociedade. Trata-se, portanto, de uma estratégia de ação política e de transformação social. (BRASIL, 2008, p. 21).

Os questionamentos em relação à Educação Profissional e Tecnológica provêm, principalmente, da maneira tecnicista e fragmentada com que ela tem sido pensada e implementada ao longo do tempo, no Brasil, em contradição ao que se preconizou quando da idealização e implantação dos Institutos Federais. Historicamente organizada de forma a atender aos objetivos da classe dominante e do sistema econômico, a EPT tem se pautado, de modo prioritário, na qualificação de mão de obra, de acordo com as demandas do mercado de trabalho.

A intenção é superar a visão althusseriana de instituição escolar enquanto mero aparelho ideológico do Estado, reprodutor dos valores da classe dominante e refletir em seu interior os interesses contraditórios de uma sociedade de classes. Os Institutos Federais reservam aos protagonistas do processo educativo, além do incontestável papel de lidar com o conhecimento científico-tecnológico, uma práxis que revela os lugares ocupados por cada indivíduo no tecido social, que traz à tona as diferentes concepções ideológicas e assegura aos sujeitos as condições de interpretar essa sociedade e exercer sua cidadania na perspectiva de um país fundado na justiça, na eqüidade e na solidariedade. (BRASIL, 2008, p. 21).

Ressalta-se que a integração que compõe a proposta de Ensino Médio Integrado dos Institutos Federais revela uma concepção de formação humana em que se propõe a incorporação das diversas dimensões da vida no processo educativo, tendo como horizonte a formação omnilateral dos sujeitos. Essas dimensões são: o trabalho, a ciência e a cultura, traduzidas da seguinte forma:

O trabalho compreendido como realização humana inerente ao ser (sentido ontológico) e como prática econômica (sentido histórico associado ao modo de produção); a ciência compreendida como os conhecimentos produzidos pela humanidade que possibilita o contraditório avanço das forças produtivas; e a cultura, que corresponde aos valores éticos e estéticos que orientam as normas de conduta de uma sociedade. (BRASIL, 2007, p. 40-41).

A expressão “formação integrada” é tomada, aqui, no sentido de completude, de “compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como uma unidade social, isto é, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos” (RAMOS; FRIGOTTO; CIAVATTA, 2012, p. 84). Nesse sentido, a educação geral, propedêutica, deve se tornar parte inseparável da educação profissional, com os objetivos de superar a dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual e de formar trabalhadores capazes de agir como dirigentes e cidadãos, a partir da integração da dimensão intelectual ao trabalho produtivo. Espera-se que a formação integrada possa contribuir para a superação da divisão social do trabalho, em que alguns têm a função de pensar, dirigir ou planejar, enquanto a outros se impõe a redutiva formação para o trabalho, em seu aspecto apenas operacional.

Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação, que nesse sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos. (RAMOS; FRIGOTTO; CIAVATTA, 2012, p. 85).

A partir da ideia de formação integrada, justificam-se as críticas feitas à manutenção da centralidade da educação na dimensão econômica, e busca-se a superação da aceitação do mercado como único regulador da sociabilidade humana. O que se pretende é que o ser humano, com suas relações com a natureza, assuma a centralidade da formação, com vistas a atender às necessidades dos sujeitos e da sociedade.

Ao analisarmos as propostas das diretrizes para a educação profissional técnica de nível médio, observamos que o texto que aqui referenciamos destaca outro ponto importante, qual seja, “o lugar da sociedade brasileira na divisão internacional do trabalho” (BRASIL, 2010, p. 8), posicionando o Brasil como país dependente do núcleo orgânico do capital e alvo da interferência das diretrizes de organismos internacionais na elaboração de documentos orientadores da educação profissional, especialmente em termos da adoção da pedagogia das competências para atender as demandas do mercado de trabalho; das relações de trabalho, visando a flexibilização e desregulamentação; e da modernização, contrastando com a falta de um efetivo enfrentamento do crescimento da pobreza (BRASIL, 2010).

Ao centrar-se na concepção produtivista, desvia-se do problema recorrente da socialização e distribuição dos bens materiais e sociais que podem garantir a todos uma vida digna e uma perspectiva de futuro para os jovens (BRASIL, 2010).

A perspectiva de uma EPT que contemple a autonomia do indivíduo, em muitos casos, não reflete a prática da sala de aula, onde o que se ensina, muitas vezes, são apenas conteúdos e procedimentos para a conformação ao mercado de trabalho. E mesmo que, diante da necessidade de dar respostas à urgência de inovação e de “reconversão tecnológica” a que estão obrigados os setores produtivos, a formação se dê por intermédio da elevação do conhecimento dos processos de trabalho, não ficando este restrito a um adestramento para execução de uma tarefa específica, esses conteúdos e procedimentos não vão além daqueles que, quantitativa e qualitativamente, atendem às demandas do capital (FRIGOTTO, 2010, p. 189). O salto emancipatório fica prejudicado pelos interesses hegemônicos de uma classe capitalista dominante. Para Frigotto (2010, p. 189), “o desafio está, sob a forma contraditória do capital, em dilatar as possibilidades de uma formação tecnológica ‘unitária’ para todos”.

Esse contexto é também, do ponto de vista da Teoria Crítica, um campo fértil para se empreender uma análise ampla sobre o que está acontecendo, de fato, na sociedade e, em particular, na EPT, que se encontra no contexto do capitalismo, em que a razão é circunscrita à capacidade de adaptação a finalidades e resultados pré-estabelecidos, ou ainda à capacidade de avaliar quais os melhores recursos ou instrumentos para se atingir os objetivos que fogem ao seu domínio.

Historicamente, o grande projeto de emancipação da razão humana esteve sempre colocado na determinação racional dos fins, ou seja, no debate e na efetivação daqueles valores julgados belos, justos e verdadeiros. No capitalismo administrado, a razão se vê reduzida a uma capacidade de adaptação a fins previamente dados de calcular os melhores meios para alcançar fins que lhe são estranhos. Essa racionalidade é dominante na sociedade não apenas por moldar a economia, o sistema político ou a burocracia estatal, ela também faz parte da socialização, do processo de aprendizado e da formação da personalidade. (NOBRE, 2011, p. 51).

A análise a ser realizada parte dos seguintes questionamentos: até que ponto o “processo de aprendizado” desenvolvido nos Institutos Federais reflete essa racionalidade administrada e instrumental imposta pelo sistema capitalista?; é possível encontrar, na proposta de implantação, ampliação e desenvolvimento dos IFs, intencionalidades e estratégias que se contrapõem a essa visão conformativa da formação/educação?; quais as oportunidades não aproveitadas?, como a Teoria Crítica pode orientar um processo formativo que objetive o mundo do trabalho e a emancipação?.

Entendemos como formação para o mercado de trabalho aquela que se organiza em torno do objetivo de adestramento e adaptação às exigências do mercado de trabalho, formando indivíduos para se submeterem passivamente ao processo de competitividade do mercado. Já a formação para o mundo do trabalho compreende um processo formativo capaz de atender os requisitos das mutações da base técnica da produção e do desenvolvimento de um trabalhador com condições de compreender e lutar por sua emancipação. Nesses termos, formar para o mundo do trabalho se aproxima da proposta de Ramos, Frigotto e Ciavatta (2012), que é a de fazer coincidir, de forma articulada e integrada, uma formação científico-tecnológica e histórico-social que permite ao estudante a compreensão dos fundamentos técnicos, sociais, culturais e políticos do sistema produtivo atual.

Desse modo, compreende-se que o sujeito da educação, aquele que protagoniza os processos educativos, é o homem considerado em sua completude, ou seja, aquele que compreende suas históricas e variadas necessidades, tais como: materiais, biológicas, afetivas, estéticas e lúdicas. Nesse sentido, a proposição de uma formação para o mundo do trabalho exige a luta para que a qualificação humana considere o homem em suas várias dimensões.

Que a qualificação humana não seja subordinada às leis do mercado e à sua adaptabilidade e funcionalidade, seja sob a forma de adestramento e treinamento estreita da imagem do mono domesticável dos esquemas tayloristas, seja na forma de polivalência e formação abstrata, formação geral ou policognição reclamadas pelos modernos homens de negócio (Veblen, 1918) e os organismos que os representam. (FRIGOTTO, 2010, p. 34).

Por considerar o trabalho como princípio educativo, uma vez que é ele o princípio fundamental de todo o devenir humano, Frigotto (2010) admite que a qualificação humana, empreendida a partir do desenvolvimento das condições omnilaterais do ser humano (todas as dimensões), atende a uma condição propriamente humana, e agride-se essa mesma condição quando se mercantiliza a formação humana, uma vez que esta figura dentre os direitos do homem, qual seja, o de ampliar sua capacidade de trabalho na produção dos valores de uso que atendam suas múltiplas necessidades.

Vale ressaltar que a literatura que se propõe a apresentar e discutir a relação entre as práticas educativas e os interesses do capital destaca que, historicamente, ocorre uma subordinação daquelas práticas em relação a estes interesses, evidenciando que tal subordinação se deixa transparecer pela dualidade formativa: uma formação para as classes dirigentes e outra para a classe trabalhadora, efetivada por intermédio de uma escola disciplinadora e adestradora. O contraponto a essa situação é assumido por aqueles que, a partir das ideias de Marx e Engels, buscam se orientar por uma concepção omnilateral de educação e de qualificação humana com base na perspectiva da instauração de novas relações sociais dentro de uma nova sociedade (FRIGOTTO, 2010).

Diante do exposto, identificamos as concepções pretendidas de um espaço educativo ideal (oportunidades) para a formação de um jovem para o mundo do trabalho. No entanto, a não confirmação dos prognósticos das diretrizes da EPT manifesta a necessidade de refletirmos sobre os processos didáticos e formativos, e a Sequência Didática é um exemplo, como forma de atuação em favor de uma formação emancipatória.

Proposta de uma Sequência Didática

É diante da condição de possibilidade de libertar o homem de sua “menoridade kantiana” que Adorno entende educação, não como “modelagem de pessoas”, nem como mera transmissão de conhecimentos, mas como produção de uma consciência verdadeira (ADORNO, 1995).

A partir desse entendimento, organizamos uma proposta de Sequência Didática, entendida, aqui, como “série ordenada e articulada de atividades que formam as unidades didáticas” (ZABALA, 1998, p. 53), para a disciplina de filosofia, tendo como referência a produção de conhecimento por constelação, de Theodor Adorno. Essa ideia contribuiu para a proposição e organização da Sequência Didática e pode ser tomada como instrumento a ser utilizado pelos professores para auxiliar o planejamento, a condução e a avaliação das aulas. Essa proposta foi uma experiência pedagógica em que a aprendizagem e o desenvolvimento baseado não se calcaria mais na ação direta do sujeito sobre o objeto, mas, sim, em uma atividade mediada pelo outro, com intuito de oportunizar a mediação pedagógica em diálogo com uma perspectiva sociointeracionista (VYGOTSKY, 2007).

Nesse tipo de mediação, o professor assume o papel privilegiado na aprendizagem, uma vez que ele se desloca da ação de mero transmissor para a ação de mediador e motivador do processo, apropriando-se de práticas pedagógicas que oportunizem a aprendizagem dos alunos e que estes assumam o papel de construtores do conhecimento (PLACIDO; DE LUCA; SOUZA, 2018). Nas palavras de Placido, Schon e Souza (2017, p. 44), cabe “salientar que as estratégias de ensino aprendizagem, ocorrem por meio da relação entre o professor e aluno, considerando todas as variáveis envolvidas”.

A Sequência Didática foi pensada, a princípio, para uma turma concluinte do Curso de Ensino Médio Integrado em Mecânica, em um Instituto Federal. No entanto, entendemos que esse material possa servir para orientar a organização de atividades sobre temas diversos e para outros grupos de estudantes. A intenção é indicar um caminho que, ancorado na concepção de crítica e emancipação, questione e supere a simples descrição dos conteúdos e, de forma mais ampla, contribua para a superação da conformação aos ditames da sociedade capitalista administrada e do mercado de trabalho.

Partindo do amplo leque da Filosofia da Ciência, delimitamos o conteúdo e as atividades dessa Sequência Didática aos temas ciência, tecnologia e valores. O objetivo é desenvolver reflexões e ampliar a compreensão de conceitos, como ciência, tecnologia e valores, estudados através da pesquisa, do debate e da construção de conhecimento por meio de constelações. Partindo do protagonismo atual da ciência e da tecnologia, propomos a verificação dos condicionantes sociais, políticos, econômicos e culturais, que contribuem para a elucidação do fenômeno científico e tecnológico, possibilitando a percepção das tendências implícitas nesse fenômeno, as quais, de alguma forma, podem ser entendidas como possibilidades de transformação da realidade dada.

Portanto, é uma oportunidade de analisar e compreender os conteúdos (conhecimentos) para além de sua percepção fenomênica inicial (síncrase), identificando os condicionantes históricos e sociais, com a intenção de chegar à síntese do conhecimento do tema proposto.

Adorno (2009, p. 141-142), ao explicar sobre o conhecimento por constelação, indica que perceber

[...] a constelação na qual a coisa se encontra significa o mesmo que decifrar aquilo que ele porta em si enquanto algo que veio a ser. [...] Somente um saber que tem presente o valor histórico conjuntural do objeto em sua relação com os outros objetos consegue liberar a história no objeto; atualização e concentração de algo já sabido que transforma o saber.

Por meio da construção de constelações, o objeto ganha visibilidade, articula a atividade de compreensão com o princípio de composição desse objeto e “contempla, ao mesmo tempo, o objeto e suas inter-relações com a realidade social na qual ele se insere, libertando o conceito da cristalização identitária, além de possibilitar a existência do não conceitual, não idêntico, que constitui a constelação” (BANDEIRA; OLIVEIRA, 2014, p. 42).

Para conhecer a realidade, é necessário conhecer os determinantes que contribuíram para que tal realidade existisse. Ao elaborarmos uma proposta de Sequência Didática com esse viés, pretendemos indicar um caminho que contribua para reflexão e superação dos problemas aqui discutidos.

Ainda sobre a Sequência Didática, de acordo com Araújo (2003, p. 323) “de modo simples e numa resposta direta, sequência didática (SD) é um modo de o professor organizar as atividades de ensino em função de núcleos temáticos e procedimentais”. Nesse sentido, uma Sequência Didática se revela como sendo um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, sobre um tema. Ao citarmos a Sequência Didática como instrumento pedagógico para a formação educacional dos alunos, estamos falando de uma maneira de organizar os tempos e espaços da prática educativa. Segundo Adorno (2009, p. 142), “o conhecimento do objeto em sua constelação é o conhecimento do processo que ele acumula em si”.

A Sequência Didática foi desenvolvida na disciplina de Filosofia, em uma turma do módulo VI do Curso técnico em Mecânica, integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) - Campus Itajaí -, em que se desenvolveram os temas ciência, tecnologia e valores, elencados no rol de conteúdos da referida disciplina, previstos no Projeto Pedagógico do Curso (PPC), para esse módulo. Vislumbramos, com isso, ampliar a compreensão filosófica dos estudantes a respeito desses temas, os quais permeiam o contexto e as relações sociais ao longo do tempo e que se tornam complexos atualmente, dado que se desenvolvem e se manifestam de maneiras diversas. As atividades foram desenvolvidas no período de 19 de novembro de 2019 a 10 de dezembro de 2019, distribuídas em quatro encontros, cada um com 110 minutos. Nesse período, a disciplina de Filosofia era ministrada em dois períodos seguidos de 55 minutos cada um, iniciando às 09:55 e terminando às 11:45.

A seguir apresentamos a Sequência Didática, conforme a unidade de conteúdo e as aulas que foram aplicadas, bem como o objetivo e a justificativa de cada aula.

Unidade de conteúdo - Filosofia da Ciência: ciência, tecnologia e valores

O objetivo geral dessa unidade de conteúdo é desenvolver reflexões sobre a Filosofia da Ciência e ampliar a compreensão dos conceitos estudados (ciência, tecnologia e valores) através da pesquisa, do debate e da construção de conhecimento por meio de constelações.

Como justificativa, temos que essa proposta de Sequência Didática pretende contribuir para a produção de um diagnóstico de tempo, partindo do protagonismo atual da ciência e da tecnologia e propondo a verificação dos condicionantes sociais, políticos, econômicos e culturais os quais contribuem para a elucidação do fenômeno científico e tecnológico, possibilitando a percepção das tendências implícitas nesse fenômeno que, de alguma forma, podem ser entendidas como possibilidades de transformação da realidade dada.

Partimos da ideia de que é necessário um ensino que permita pensar e perceber que é possível criar, que a submissão não é a única opção. Um ensino que possibilite pensar o diferente e ir além da percepção fenomênica e das imposições ideológicas, permitindo o rompimento com as versões da “verdade” instituídas e impostas pelas várias formas de poder que se manifestam de modo dominador. Uma dessas formas de poder é o próprio determinismo técnico e tecnológico que predomina contemporaneamente, que se expressa na objetividade dos métodos, na mensuração e formação de seres humanos flexíveis, com competências tais que possam se adequar aos mais diversos modos e tempos produtivos, comprometendo o desenvolvimento do pensamento crítico, aqui entendido como a capacidade de diagnosticar a realidade, especialmente seu contexto político-social, e identificar possibilidades e formas de ação e resistência quando essa realidade aliena ou exclui.

Aula 1 - “Você sabe o que é ciência?”

Objetivo: verificar o conhecimento prévio do aluno e retomar o conceito de ciência e sua relação com a tecnologia e os valores (cognitivos, políticos e éticos).

Fonte: Acervo dos autores, 2019.

Figura 1  - Mosaico de imagens relacionadas à ciência 

Atividades:

  1. Inicialmente, serão projetadas imagens separadamente e, depois, reunidas em forma de um mosaico, para que, a partir delas, os alunos possam responder verbalmente aos seguintes questionamentos: o que é ciência?; o que é tecnologia?; como elas se relacionam com a ideia de valores?, qual seria o papel da ciência e da tecnologia na vida do homem?; qual a relação dos alunos com esses conceitos no dia a dia?, e questionar sobre a confiabilidade no conhecimento e nos produtos científicos e tecnológicos.

  2. Fazer uma leitura compartilhada do Capítulo 2 - Conhecimento Filosófico e Científico, de Fabíola Sucupira Ferreira Sell e Sérgio Sell (extraído do texto Metodologias para Iniciação à Prática da Pesquisa e Extensão I - Caderno Pedagógico). Dividir e distribuir o texto de forma que cada parte do texto seja lido por dois alunos. Essa leitura será feita de forma individual, porém a socialização fica a cargo da dupla que leu o mesmo trecho/parte do texto. Na socialização, os alunos terão oportunidade de expor o que leram e compreenderam do texto. Ao final da socialização, será feito o registro do conceito de ciência.

  3. Selecionar imagens que representem o conceito de ciência e sua relação com as diversas dimensões da vida e organizar um mosaico.

  4. Ao final das atividades 1, 2 e 3, os alunos deverão submeter uma Atividade de fixação/verificação no Sistema integrado de gestão de atividades acadêmicas (SIGAA). A atividade consiste em um arquivo contendo o mosaico com as imagens e um texto breve tratando do conceito de ciência. As orientações e condições de postagem da atividade serão previamente organizadas pelo professor no SIGAA, a partir do menu “Atividades” - “Tarefas” - “Cadastrar tarefa”, inclusive estabelecendo o prazo para a entrega da atividade.

Texto base: Capítulo 2 - Conhecimento Filosófico e Científico (Fonte: Tavares, Arice Cardoso. Metodologias para Iniciação à prática da Pesquisa e Extensão I: caderno pedagógico/Arice Cardoso Tavares, Fabíola Sucupira Ferreira Sell, Sérgio Sell; organizadora Tânia Regina da Rocha Unglaub; design instrucional Ana Cláudia Taú - Florianópolis: UDESC/CEAD/UAB4, 2011). O texto apresenta contextualização histórica e conceitual da ciência desde a concepção elaborada pelos filósofos gregos antigos (Sócrates, Platão e Aristóteles) até a concepção moderna de ciência e a crítica a ela dirigida na contemporaneidade.

Justificativa: vivemos em uma sociedade regida pelo conhecimento científico. Ter clareza do que é a ciência, sua evolução histórica e conceitual, qual o papel dos cientistas e os objetivos de suas pesquisas, é um passo importante para a compreensão da realidade e para a ação mais consciente.

A proposta dessa atividade diagnóstica inicial visa a retomada do conceito de ciência. Uma oportunidade para o estudante identificar, refletir e demonstrar seu entendimento desse conceito, que, nessa proposta de Sequência Didática, se coloca como centro da constelação que pretendemos construir ao longo do desenvolvimento das atividades. Segundo Gasparin (2012, p. 13), “uma das formas para motivar os alunos é conhecer sua prática social imediata a respeito do conteúdo curricular proposto”. Sobre a importância de verificar e considerar o que os alunos já sabem sobre o tema proposto, Vasconcellos (1993, p. 48 apudGASPARIN, 2012, p. 15) pondera o seguinte:

Conhecer a realidade dos educandos implica em fazer um mapeamento, um levantamento das representações do conhecimento dos alunos sobre o tema de estudo. A mobilização é o momento de solicitar a visão/concepção que os alunos têm a respeito do objeto (senso comum, “síncrese”).

Partindo do que os alunos já sabem, é possível propor atividades mais adequadas para que, nas etapas posteriores, eles se apropriem de conhecimentos que agreguem significado para suas vidas. Numa proposta de construção do conhecimento por constelação, esse momento inicial corresponde à percepção fenomênica do objeto (a ciência), podendo, é claro, vir acompanhada de certo grau de criticabilidade, a depender de quais relações o aluno já é capaz de estabelecer com os fatores que contribuíram para a constituição do objeto. De todo modo, considerando os diferentes níveis de compreensão, é possível fazer emergir uma primeira versão de constelação em torno do tema proposto, indicando quais os caminhos a trilhar para ampliá-la e chegar mais próximo da proposta de Adorno, a de atingir um conhecimento mais fidedigno do objeto através do “conhecimento do processo que ele acumula em si” (ADORNO, 2009, p. 142).

Aula 2 - “Como a ciência se relaciona com outras dimensões da vida?”

Objetivo: identificar as relações que a ciência estabelece com outras dimensões da vida (política, cultura, trabalho, crenças, organização social, economia etc.) e refletir criticamente sobre as consequências dessas relações.

Atividades:

  1. Ler os textos de referência e, a partir deles, selecionar um conjunto de imagens que ilustrem as relações e consequências da ciência (em grupos).

  2. Realizar uma socialização das imagens, das informações e das discussões sobre o texto (em grupo).

  3. Como atividade de fixação, cada aluno deverá submeter um arquivo, nas mesmas condições da atividade proposta na Aula 1, contendo as imagens selecionadas (em forma de mosaico), uma citação do texto lido que melhor expresse as relações e consequências da ciência e a redação de um texto relatando as impressões sobre o texto e as imagens.

Textos:

  1. A política da atividade científica e Colocando a ciência em seu devido lugar, ambos extraídos do livro A fabricação da ciência, de Alan A. Chalmers, p. 157-160 e p. 160-162, respectivamente.

  2. A proliferação dos híbridos, extraído do livro Jamais fomos modernos, de Bruno Latour, p. 7-11.

  3. Ciência desinteressada e utilitarismo (p. 234), O cientificismo e A ilusão da neutralidade da ciência (p. 234-235) e As condições atuais da pesquisa e os grandes interesses em jogo (p. 236), extraídos do livro Convite à Filosofia, de Marilena Chauí.

  4. Ciência e valores, extraído do livro Filosofando: introdução à filosofia, de Maria de Lucia Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, p. 304-305.

Justificativa: em uma sociedade regida pelo conhecimento científico, os mais diversos setores da sociedade e as diversas dimensões da vida são permeadas pela ciência. Desde a organização do mundo do trabalho, da cultura e do conhecimento, até o desejo e as preferências individuais são influenciados pelo conhecimento científico e pelos instrumentos e objetos que dele surgem. Assim, se a intenção é elaborar um diagnóstico de tempo, identificar e analisar, de forma crítica, essas relações, esse é um passo importante para superar a simples descrição da ciência e de seus artefatos técnicos e tecnológicos.

A intenção com essa atividade é, também, investigar os valores, sejam eles cognitivos, políticos ou éticos, que permeiam os procedimentos metodológicos da ciência, bem como os fins a que se destinam as aplicações das descobertas científicas, a consciência e a responsabilidade que isso enseja nos cientistas, governos e de cada cidadão.

As mudanças nas relações pessoais e na constituição da família, a partir das inovações científicas e tecnológicas relativas à reprodução humana (anticoncepcionais, inseminação artificial etc.), a alteração das paisagens rural e urbana, do lazer e da produção (novas técnicas agrícolas, tipos de serviços e profissões etc.), são exemplos de ramificações da interferência da ciência e da tecnologia no decorrer do tempo e intensificado no tempo atual. Essa é uma oportunidade de se refletir sobre a sociedade cientificamente determinada, que, conquanto manifeste muitas marcas negativas no tempo presente, porta em si possibilidades de mudança.

Aula 3 - “Escola de Frankfurt: razão instrumental”

Objetivo: conhecer e refletir sobre as contribuições da Escola de Frankfurt e da Teoria Crítica para a compreensão crítica da ciência, a partir da assimilação do conceito de Razão Instrumental.

Atividades:

  1. Fazer uma exposição oral sobre o tema: “Razão Instrumental” (primeira parte da aula).

  2. A partir do entendimento do conceito de razão instrumental, selecionar imagens que ilustrem a instrumentalização da razão (segunda parte da aula).

  3. Realizar uma Atividade de fixação (texto individual) a partir dos questionamentos: como você se percebe no contexto da produção e do uso do conhecimento (ciência) dentro da escola?; qual é a concepção de ciência e de suas finalidades no ambiente escolar da EPT?.

Textos:

  1. Do projeto emancipatório iluminista à razão instrumental: obstáculos para a efetivação da emancipação? (extraído da obra Educação, emancipação e barbárie, de Danielton Campos Melonio, p. 51-56).

  2. A razão Instrumental (extraído da obra Convite à Filosofia, de Marilena Chauí, p. 236-237).

Justificativa: o período histórico conhecido como Iluminismo (séc. XVIII) desenvolveu a ideia de progresso e libertação dos homens de toda forma de obscurantismo e superstição a partir do predomínio da razão e da ciência. Com o passar do tempo, no entanto, o que ocorreu foi a transformação da razão iluminista em razão instrumental, a qual, pela ação da ciência e da tecnologia, se propõe agir sobre a natureza, transformando-a de modo eficaz, produtivo e competitivo. Em outros termos, a razão instrumental privilegia a escolha dos meios para se atingir determinados fins. Ela é formal, não se prendendo ao conteúdo, aos princípios e aos fins. É tecnicista, preocupando-se com a produção, sem ocupar-se devidamente com os princípios éticos dos fins a que se destina.

A Escola de Frankfurt, em meio a esse contexto histórico, fez uma análise crítica dos desvios da razão, demonstrando que a razão instrumental não conduziu ao esclarecimento, à luz, à ordem e ao progresso. Aliás, a razão esclarecida realizou o seu contrário, isto é, a barbárie. (MELONIO, 2016, p. 54).

A razão se torna instrumento de dominação ideológica, científica e política. Nesse sentido, afasta-se do seu processo contínuo de progresso e bem-estar, como imaginavam os pensadores iluministas, e assume um caráter de dominação da natureza e do ser humano, de modo a promover, em várias ocasiões, a barbárie e não a emancipação e a liberdade. Como exemplos, temos as guerras mundiais, a destruição do meio ambiente, a alienação, a exploração e a dominação humana.

Entretanto, o que ocorreu com a razão? O que levou a razão moderna, alicerçada na Ciência, a desviar-se do seu caminho emancipatório? Em que momento a razão deixou de perseguir a verdade e passou a buscar a dominação? Ou será que a razão moderna nunca fitou alcançar tal verdade e, por consequência, libertar os homens do medo e da superstição? (MELONIO, 2016, p. 55).

O contraponto da Escola de Frankfurt à razão instrumental foi, justamente, a construção de uma Teoria Crítica que rompesse e superasse os limites da razão instrumental, com o objetivo de revelar as relações de poder construídas por intermédio do conhecimento e da ciência. Uma razão crítica, portanto, tem a função de pensar e refletir sobre os meios e as finalidades do conhecimento.

Com os alunos, a ideia é a de discutir se a razão instrumental e a ciência são de fato formas de nos libertar da opressão; e se a educação, orientada por essa forma de razão, não será também uma forma de perpetuar essa opressão.

Permanecer na superficialidade do fenômeno científico, considerando apenas o resultado do conhecimento científico e tecnológico, materializado nos instrumentos e produtos, contribui para a conformação a uma realidade que anula o indivíduo, condicionando-o à submissão à razão instrumental, que determina a organização social e política de modo a satisfazer as demandas do sistema econômico vigente.

Nessa atividade, buscamos refletir sobre os fundamentos, os meios e os fins da ciência, no sentido de desvelar o que está subjacente à predominância desse tipo de racionalidade, para que, a partir da tomada de consciência proporcionada pelo diagnóstico de tempo, possamos perceber o emprego da ciência muito mais para favorecer um sistema econômico explorador e excludente, do que para esclarecer e libertar efetivamente o ser humano a partir do conhecimento verdadeiro. O objetivo é contribuir para uma visão mais ampla da ciência e uma ampliação do senso crítico frente à realidade como condição para a atuação mais consciente no mundo do trabalho. Essa atividade contribui também para ampliar a constelação que se forma em torno da ideia de ciência, quando buscamos perceber seus fundamentos, finalidades, interesses e consequências.

Aula 4 - “Síntese e avaliação (Expressão da síntese através da construção de um mosaico de imagens, vídeo e texto dissertativo)”

Objetivo: fazer uma síntese dos conteúdos estudados e avaliar os conhecimentos adquiridos.

Atividade:

  1. A turma organizará um mosaico a partir das imagens selecionadas nas atividades anteriores, procurando destacar o termo ciência (colocado ao centro do mosaico) e dispondo as imagens de forma a se ligarem com o termo central, possibilitando uma visualização do quadro como uma constelação (atividade coletiva).

  2. Produzir um vídeo de apresentação do mosaico (tempo máximo do vídeo: 2 min.) (atividade em grupo).

  3. Na sequência, os alunos produzirão um texto sobre o tema estudado, destacando os conceitos estudados, as relações estabelecidas entre esses conceitos e o que, a partir das atividades, foi possível ampliar de conhecimento e compreensão em relação à atividade diagnóstica inicial, bem como aos questionamentos que ainda persistem sobre o tema (atividade individual).

As discussões suscitadas pelos textos e o resultado das atividades demonstraram que os estudantes compreenderam o tema proposto e perceberam as relações da ciência e do conhecimento científico com seus vários condicionantes e determinantes, com destaque para as relações entre filosofia e ciência, estabelecidas a partir das ideias dos filósofos e autores citados, entre ciência e religião, ciência e política, ciência e tecnologia, ponderações quanto aos limites da ciência e a influência de interesses ideológicos, políticos e econômicos que comprometem a credibilidade, imparcialidade e as condições éticas da ciência. Os alunos perceberam que o conhecimento científico, ou a ciência em si, passa credibilidade, sendo um conhecimento acreditado pela sociedade, o que, de um lado, é resultado do método científico utilizado, mas que, por outro, torna as pessoas menos críticas no sentido de que não mais questionam o conhecimento.

Discutiu-se sobre o futuro da ciência, da tecnologia e dos valores. Foram mencionados temas como a internet das coisas, a democratização dos resultados tecnológicos, sobre quem de fato organiza, financia e direciona a ciência e a tecnologia, sobre quais interesses e objetivos se quer atingir, e as futuras condições de trabalho e emprego. Além disso, o debate abordou, dentre outros temas, a clonagem humana, os medicamentos que acabam criando dependência quando de seu uso frequente, o financiamento de pesquisa, os investimentos públicos em educação científica; e, nesse momento, surgiu a crítica quanto à estrutura da “fábrica”, como é conhecido o laboratório de mecânica, e dos laboratórios do campus - de acordo com alguns estudantes, esses espaços são subutilizados e possuem estruturas e equipamentos aquém do que a tecnologia e o desenvolvimento científico já possibilitam, mesmo concordando que, em relação às condições do campus, a realidade de outras escolas está ainda mais distante do ideal.

Os alunos perceberam também que o curso em que estão matriculados se encaixa nessa discussão, uma vez que aprendem ciência e tecnologia, bem como princípios e valores - nos documentos analisados pelos estudantes -, para que, na sua prática atual e futura (numa profissão ou continuidade de estudos), possam interagir com o conhecimento científico e tecnológico de maneira eficiente, ética e responsável.

Os temas foram discutidos, e outros, que poderiam constar no debate, demonstraram o quão extenso é a constelação da ciência, ou seja, o processo que esse tema discutido acumula em si enquanto algo que veio a ser e que continua em transformação é amplo, complexo e precisa de reflexão para que se possa passar da simples descrição para o desvelamento das múltiplas determinações que o constitui.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação, quando baseada apenas em saberes especializados e fragmentados, escamoteia a realidade enquanto totalidade, servindo, no âmbito da educação profissional, às demandas do mercado de trabalho. De outro modo, uma formação direcionada para o mundo do trabalho possibilita um deslocamento do foco para a integração dos saberes, o exercício da liberdade, da criatividade e da autonomia.

Com o propósito de disponibilizar aos docentes uma estratégia de ensino no Ensino Médio Integrado, esperamos que a Sequência Didática apresentada possa estimular a opção por formas de intervenção pedagógica que proporcionem a aprendizagem crítica e a formação integral. Nesse sentido, com essa Sequência Didática, buscamos desenvolver a reflexão e a construção de novos conhecimentos por constelação, com o objetivo de possibilitar aos estudantes alguns momentos e espaços de atitude reflexiva e crítica, a produção de conhecimentos, o desenvolvimento da autonomia intelectual e a compreensão da realidade social, o que se materializou nas atividades desenvolvidas e apresentadas. Os mosaicos e os comentários demonstram o processo que a ciência acumula em si enquanto algo que veio a ser.

O objetivo geral da Sequência Didática foi atingido, uma vez que o desenvolvimento das atividades permitiu destacar e desenvolver termos importantes como ciência, senso comum, método científico, comunidade científica, responsabilidade social e valores cognitivos, éticos e políticos. Permitiu também revisitar a história da filosofia, quando possibilitou retomar o surgimento da ciência na Grécia antiga, a sua permanência no período medieval, ofuscada, muitas vezes, pelo pensamento religioso, a retoma de sua relevância na modernidade, quando da Revolução científica, e seus avanços, problemas e desafios na modernidade.

No âmbito desta proposta didática, os conteúdos têm a função de qualificar o discurso e a visão de mundo, os quais saem do senso comum em direção ao senso crítico, e de auxiliar o estudante na análise da dinamicidade e complexidade da vida atual para identificar criticamente os múltiplos fatores que contribuem para a composição da realidade, oferecendo-lhe condições de propor alternativas quando esta aliena e exclui.

Longe de pretender ser um produto pronto e acabado, o que é impossível pela amplitude do tema aqui tratado e das possibilidades de formação da consciência filosófica, a Sequência Didática aqui apresentada possibilita adaptações ou reformulações sob outros enfoques e olhares, ou tratando ainda de outros temas.

Buscamos aproximar o estudo do tema central dessa Sequência Didática ao da proposta de formação para o mundo do trabalho, que objetiva fazer coincidir, de forma articulada e integrada, uma formação científico-tecnológica e histórico-social que permite ao estudante a compreensão dos fundamentos técnicos, sociais, culturais e políticos dos sistemas social e produtivo atuais.

Por fim, acreditamos que a reflexão filosófica é um caminho para a construção de cidadãos críticos e emancipados quando possibilita o exercício da reflexão sobre as questões fundamentais para a existência humana, ou seja, um exercício de abertura ao novo, de expressão da criatividade, um exercício da pergunta e da suspeita frente a respostas fáceis e irrefletidas.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor Wiesengrund. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. [ Links ]

ADORNO, Theodor Wiesengrund. Dialética negativa. Tradução de Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. [ Links ]

ADORNO, Theodor Wiesengrund; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. [ Links ]

ALVES, Leandro M. S., PLÁCIDO, Reginaldo L., FARIA, Filipe P. ROHR, Michel L. Retalhos de experiências exitosas em Educação Profissional e Tecnológica. Debates em Educação, v. 11, n. 24, p. 564-585, 2019. [ Links ]

ARANHA, Maria Lúcia de A.; MARTINS, Maria Helena P. Filosofando: Introdução à filosofia. 6. ed. São Paulo: Editora Moderna, 2016. [ Links ]

ARAÚJO, Denise Lino de. O que é (e como faz) sequência didática? Entrepalavras, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 322-334, jan.-jul. 2013. [ Links ]

BANDEIRA, Belkis S.; OLIVEIRA, Avelino R. Filosofia e formação humana: a constelação e o desmoronamento da identidade em Theodor Adorno. Impulso, Piracicaba, v. 24, n. 60, maio/ago. 2014. [ Links ]

BRASIL. Educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio: Documento base. SETEC/MEC. Brasília, dezembro de 2007. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/documento_base.pdf . Acesso em: 19 maio 2020. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Concepção e diretrizes - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. Junho de 2008. PDE/MEC/SETEC. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3/ifets_livreto.pdf . Acesso em: 1 maio 2020. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a educação profissional técnica de nível médio em debate: Texto para discussão. 2010. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=6695-dcn-paraeducacao-profissional-debate&Itemid=30192 . Acesso em: 18 jan. 2022. [ Links ]

CARNAÚBA, Maria Érbia Cássia. Sobre a distinção entre teoria tradicional e teoria crítica em Max Horkheimer. Kínesis - Revista de Estudos dos Pós-Graduandos em Filosofia, Marília, SP, v. 2, n. 3, p. 195-204, abr. 2010. [ Links ]

CHALMERS, Alan F. A fábrica da ciência. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Fundação Editora UNESP, 1994. [ Links ]

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003. [ Links ]

FRIGOTTO, Galdêncio. Educação e a crise do capitalismo real. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2010. [ Links ]

GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para uma Pedagogia Histórico-Crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2012. [ Links ]

GOMES, Luiz Roberto. Teoria crítica e educação política em Theodor Adorno. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, SP, v. 10, n. 39, p. 286-296, set. 2012. DOI: 10.20396/rho.v10i39.8639731. [ Links ]

HORKHEIMER, Max. Filosofia e Teoria Crítica. In: BENJAMIN, Walter et al.. Textos Escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975. (Coleção Os Pensadores). [ Links ]

KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 7 ed. Tradução de Célia Neves e Alderico Toribio. São Paulo: Paz e Terra, 2002. [ Links ]

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. [ Links ]

MELO, Rúrion. Teoria crítica e os sentidos da emancipação. Caderno CRH, v. 24, n. 62, p. 249-262, ago. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/ccrh/a/Ph8SPw5NqDZ7MmdVyJnspdh/?format=pdf&lang=pt . Acesso em: jul. 2020. [ Links ]

MELONIO, Danielton Campos. Educação, emancipação e barbárie: uma abordagem filosófica. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2016. 371p. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/24210540/Educacao_emancipacao_e_barbarie_uma_abordagem_filosofica . Acesso em: 19 maio 2020. [ Links ]

NOBRE, Marcos. A Teoria Crítica. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. [ Links ]

PACHECO, Eliezer. Fundamentos político-pedagógicos dos institutos federais: diretrizes para uma educação profissional e tecnológica transformadora. Natal: IFRN, 2015. [ Links ]

PLACIDO, Reginaldo L.; SCHONS, Manuir; SOUZA, Maria José C. de. Utilização das estratégias de ensino-aprendizagem na educação profissional e tecnológica. Revista Dynamis, Blumenau: Editora FURB, v. 23, n. 1, p. 40-57, 2017. [ Links ]

PLACIDO, Reginaldo L.; DE LUCA, Anelise G.; SOUZA, Gabriela C. Uma proposta didática para o ensino de química: a aplicação do jogo químicasa. Revista Formação@Docente, Belo Horizonte: Editora Izabela Hendrix, v. 10, n. 1, p. 89-110, 2018. [ Links ]

RAMOS, Marise N.; FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria. (Org.). Ensino Médio Integrado: concepção e contradições. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2012. [ Links ]

RUSH, Fred (Org.). Teoria Crítica. São Paulo: Ideias & Letras, 2008. [ Links ]

SAVIANI, Dermeval. Trabalho e Educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, v. 12, n. 34, 2007. [ Links ]

SILVA, Vital Ataíde da. Adorno e Horkheimer: a teoria crítica como projeto de emancipação. 2010. 131 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010. [ Links ]

TAVARES, Arice Cardoso. Metodologias para Iniciação à prática da Pesquisa e Extensão I: caderno pedagógico/Arice Cardoso Tavares, Fabíola Sucupira Ferreira Sell, Sérgio Sell; organizadora Tânia Regina da Rocha Unglaub; design instrucional Ana Cláudia Taú - Florianópolis: UDESC/CEAD/UAB, 2011. [ Links ]

VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Construção do conhecimento em sala de aula. Cadernos Pedagógicos do Libertad. Editora: Libertad, 1993 apud GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para uma Pedagogia Histórico-Crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2012. [ Links ]

VYGOTSKI, Lev Semenovick. A construção do pensamento e da linguagem. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. [ Links ]

VYGOTSKI, Lev Semenovick.. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. [ Links ]

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Tradução de Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: ArtMed, 1998. [ Links ]

4UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina; CEAD - Centro de Educação à Distância; UAB - Universidade Aberta do Brasil.

Recebido: 07 de Dezembro de 2020; Aceito: 22 de Março de 2021

Autor 1 - Investigação, análise dos dados e escrita original.

Autor 2 - Supervisão, análise dos dados e revisão da escrita final.

Autor 3 - Supervisão, análise dos dados e revisão da escrita final.

Os autores declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons