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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.38  Belo Horizonte  2022  Epub 01-Jun-2022

https://doi.org/10.1590/0102-469825791 

Artigos

EXPERIÊNCIAS PEDAGÓGICAS COM MÍDIA E EDUCAÇÃO: CAMINHOS PARA SUPERAR A ABORDAGEM INSTRUMENTAL E DESENVOLVER HABILIDADES CRÍTICO-REFLEXIVAS SOBRE A CULTURA MIDIÁTICA

PEDAGOGICAL EXPERIENCES WITH MEDIA AND EDUCATION: WAYS TO OVERCOME THE INSTRUMENTAL APPROACH AND DEVELOP CRITICAL-REFLECTIVE SKILLS ABOUT MEDIA CULTURE

EXPERIENCIAS PEDAGÓGICAS CON LOS MEDIOS Y LA EDUCACIÓN: FORMAS DE SUPERAR EL ENFOQUE INSTRUMENTAL Y DESARROLLAR HABILIDADES DE REFLEXIÓN Y CRÍTICA SOBRE LA CULTURA DE LOS MEDIOS

MARIANA PÍCARO CERIGATTO1 
http://orcid.org/0000-0002-7626-8738

1 Docente na Universidade Tiradentes(UNIT). Aracaju, SE, Brasil. <maricerigatto@yahoo.com.br>


RESUMO:

Apesar dos calorosos debates sobre a relação entre mídia e educação no Brasil e no mundo, há materiais pedagógicos e metodologias de trabalho um tanto pulverizadas voltadas para essa área. Ainda é comum observar, no ambiente escolar e nos cursos de formação de professores, o uso das mídias em uma perspectiva instrumental, o que desfavorece abordagens crítico-reflexivas que enfatizam aspectos da compreensão da mensagem e de como representações de mundo são feitas por meio das linguagens midiáticas. A partir dessa problematização, o objetivo do presente artigo é trazer subsídios para que atividades de mídia e educação contemplem o ponto de vista crítico-reflexivo. Para isso, são postos resultados de pesquisas empíricas que desenvolvem propostas didáticas que aliam o aspecto de produção de mídia com a compreensão crítica das mensagens, dando ênfase para a linguagem das mídias audiovisuais. Destaca-se que tais atividades estão calcadas na experiência inglesa em media literacy, através de autores como Stuart Hall, David Buckingham e David Lusted; e em técnicas pedagógicas mais usadas em mídia-educação, que valorizam a postura ativa do aluno em situações-problema da cultura midiática. A ideia foi testar essas abordagens já desenvolvidas no Reino Unido com alunos do Ensino Médio, na formação de professores e público universitário, no contexto brasileiro. Os resultados sugerem abordagens que não se limitem a visões instrumentalistas, considerando que a análise da linguagem, das narrativas, audiências e do contexto social de produção pode ser um caminho proveitoso para se refletir sobre as relações de poder entre mídia e sociedade.

Palavras-chave: educação para mídia; cultura midiática; linguagens midiáticas

ABSTRACT:

Despite the heated debates about the relationship between media and education in Brazil and in the world, there are pedagogical materials and work methodologies that are somewhat dispersed in this area. It is still common to observe, in the school environment and in teacher training courses, the use of media in an instrumental perspective, which disfavors critical-reflexive approaches, which emphasize aspects of understanding the message and how representations of the world are made through of media languages. From this problematization, the objective of the present article is to provide subsidies so that media and education activities contemplate the critical-reflexive point of view. For this, results of empirical research are put forward that develop didactic proposals that combine the aspect of media production with the critical understanding of messages, emphasizing the language of audiovisual media. It is noteworthy that such activities are based on the English experience in media literacy, through authors such as Stuart Hall, David Buckingham and David Lusted; and in pedagogical techniques most used in media-education, which value the student's active posture in problem situations of media culture. The idea was to test these approaches already developed in the United Kingdom with high school students, in the training of teachers and university students, in the brazilian context. The results suggest approaches that are not limited to instrumentalist views, considering that the analysis of language, narratives, audiences and social context of production can be a useful way to reflect on the power relations between media and society.

Keywords: media education; media culture; media languages

RESUMEN:

A pesar de los acalorados debates sobre la relación entre medios y educación en Brasil y en el mundo, existen materiales pedagógicos y metodologías de trabajo dispersos en esta área. Todavía es común observar, en el ámbito escolar y en los cursos de formación docente, el uso de los medios de comunicación en una perspectiva instrumental, lo que desfavorece los enfoques crítico-reflexivos, que enfatizan aspectos de la comprensión del mensaje y cómo se hacen representaciones del mundo a través de lenguajes de los medios. Desde esta problematización, el objetivo del presente artículo es otorgar subsidios para que las actividades mediáticas y educativas contemplen el punto de vista crítico-reflexivo. Para ello, se plantean resultados de investigaciones que desarrollan propuestas didácticas que combinan el aspecto de la producción mediática con la comprensión crítica de los mensajes, enfatizando el lenguaje de los medios audiovisuales. Es de destacar que dichas actividades se basan en la experiencia inglesa en media literacy, a través de autores como Stuart Hall, David Buckingham y David Lusted; y en las técnicas pedagógicas más utilizadas en la educación en medios, que valoran la postura activa del alumno ante situaciones problemáticas de la cultura mediática. La idea era probar estos enfoques ya desarrollados en el Reino Unido con estudiantes de la escuela secundaria, en la formación de profesores y estudiantes universitarios, en el contexto brasileño. Los resultados sugieren enfoques que no se limitan a visiones instrumentalistas, considerando que el análisis del lenguaje, las narrativas, las audiencias y el contexto social de producción puede ser una vía útil para reflexionar sobre las relaciones de poder entre medios y sociedad.

Palabras clave: alfabetización mediática; cultura mediática; lenguajes de los medios

INTRODUÇÃO

Um novo olhar sobre a relação entre mídia e educação: além da abordagem instrumental

As aproximações entre comunicação e educação mostram-se crescentemente importantes, seja devido à centralidade da mídia enquanto fonte de informação e lazer, seja pela complexidade das relações da sociedade com o universo midiático, e também pelo modo com que as novas proposições curriculares nacionais tratam da temática.

A mídia-educação, ou então, media literacy, tem mobilizado esforços internacionais como o da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). A expressão “educação para as mídias” ou “mídia-educação” aparece nos anos de 1960 particularmente disseminada pela organização, sendo que em 1984 a entidade se posiciona, considerando a mídia-educação uma área de estudo específica e que não deve ser entendida apenas com viés instrumental:

Por mídia-educação convém entender o estudo, o ensino e a aprendizagem dos meios modernos de comunicação e expressão, considerados como parte de um campo específico e autônomo de conhecimentos, na teoria e na prática pedagógicas, o que é diferente de sua utilização como auxiliar para o ensino e a aprendizagem em outros campos do conhecimento, tais como a matemática, a ciência e a geografia. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA (UNESCO), 1984).

Desde então, a Unesco tem sido uma das entidades mais significativas para a promoção da mídia-educação em nível mundial. Em paralelo a políticas e ações promovidas por essa entidade, importante destacar a formação de ferramentas, programas e guias que pretendem favorecer o desenvolvimento da media literacy. Entre eles, destaca-se o “Kit de Educação para os Meios”, desenvolvido em 2006 pela organização (FRAU-MEIGS, 2006), voltado não só para professores, mas também para pais e estudantes.

Mais recentemente, a Unesco tem defendido a mídia-educação por meio de um currículo em AMI - alfabetização midiática e informacional -, em que habilidades de mídia-educação são combinadas com outras áreas de alfabetização (WILSON et al., 2013; UNESCO, 2016). É válido citar, ainda, que a Unesco tem promovido, no decorrer dos anos, reuniões em vários locais do mundo com o objetivo de fortalecer a media literacy. Um dos importantes marcos nesse sentido foi a reunião realizada em Grünwald (Alemanha Ocidental), que formalizou a Declaração de Grünwald, no ano de 1982. O documento sublinhou a obrigação dos sistemas educacionais de ajudarem os cidadãos a melhor compreenderem os sistemas midiáticos (BÉVORT; BELLONI, 2009).

A partir disso, criam-se importantes referências quanto à inserção da mídia enquanto objeto de estudo e não apenas como ferramenta para aprender outros conteúdos. Há ainda abordagens que valorizam apenas o aspecto “produtivo-expressivo”, conforme avalia Fantin (2005).

Nessa perspectiva, estudiosos têm-se esforçado para desenvolver a mídia-educação como objeto de estudo em sala de aula e área autônoma enquanto campo de saber. No entanto, conforme pesquisas desenvolvidas por Fantin (2017), ainda é comum ver, no ambiente escolar e nos cursos de formação de professores, o uso das mídias em uma perspectiva instrumental, o que desfavorece abordagens mais próximas de uma postura crítico-reflexiva, que engloba o estudo da mídia quanto a aspectos da compreensão da mensagem, que vão desde a apreciação estética de recursos da linguagem até a compreensão de relações de poder em sociedade. Essa abordagem incentiva a reflexão crítica dos processos das mídias e seus conteúdos, o contexto de produção e recepção, dentro da ótica da cultura midiática, conforme destaca Fantin (2017).

O caso da experiência inglesa pode ser citado como uma dessas práticas de mídia-educação dentro da perspectiva crítico-reflexiva. Na Inglaterra, desde o final dos anos de 1980, o currículo oficial faz referência aos estudos sobre a mídia, conforme assinala Zanchetta Júnior(2009), Siqueira (2008, 2014) e Buckingham (2008, 2019), em uma revisão minuciosa sobre as políticas de mídia-educação europeias. As abordagens têm consistido no desenvolvimento de habilidades que visam à compreensão dos processos de manipulação de informação e das indústrias de comunicação, para o enfrentamento de questões ideológicas, como, por exemplo, as representações e estereótipos criados pela mídia sobre gênero e raça, entre outras questões (BUCKINGHAM, 2019). Assim, os estudos de mídia-educação focam a análise da linguagem e os efeitos dos elementos da linguagem nas mensagens, que resultam em discursos e representações de mundo (SIQUEIRA, 2014).

Essa política específica voltada para a mídia-educação desenvolveu-se mais facilmente no Reino Unido em virtude da tradição dos estudos culturais, que passaram a valorizar um papel mais ativo para crianças e jovens na cultura midiática contemporânea.“[...] os processos de negociação e apropriação de sentidos propiciados pela relação dos estudantes com a mídia, dentro e fora da escola, e as perspectivas pedagógicas daí advindas são propostas salientes entre as proposições de estudiosos britânicos” (ZANCHETTA JÚNIOR, 2009).

Já nos países latino-americanos, incluindo o Brasil, o desenvolvimento da mídia-educação esteve mais fortemente ligado aos movimentos sociais, conforme salienta Fantin (2014). Há também uma fragmentação maior e experiências focadas no uso instrumental, que valoriza a mídia apenas como ferramenta para “passar” conteúdos disciplinares aos alunos (FANTIN, 2014). Para Borges e Silva (2019), as pesquisas no Brasil são escassas e dispersas, reflexo também da falta de uma política pública específica que dê diretrizes para o desenvolvimento do tema.

Posto isso, pode-se dizer que existe uma identidade plural em mídia-educação, que segue desarticulada em meio à fragmentação dos saberes escolares, o que dificulta a construção de uma política de mídia-educação com princípios mais consistentes.

Uma das principais justificativas para se inserir a mídia-educação nas escolas diz respeito ao fato de as pessoas estarem centralizando a cultura midiática em suas vidas - elas se informam, aprendem e tomam decisões seja pela internet, pela televisão etc., o que configura as mídias como importantes peças-chave do processo cultural e educativo. Afinal,

[...] as mídias não só asseguram formas de socialização e transmissão simbólica, mas também participam como elementos importantes da nossa prática social e cultural na construção de significados da nossa inteligibilidade do mundo. Assim, os sentidos culturais das sociedades contemporâneas se organizam cada vez mais a partir das mídias, que exercem papel de grandes mediadoras entre sujeito e cultura modificando as interações coletivas, e tal fato implica a necessidade de mediações culturais. (FANTIN, 2005, p. 2).

Em meio a isso, sabe-se que a recepção não é passiva, ela negocia os significados com os produtores de mídia (HALL, 2003). As negociações com os conteúdos transmitem sua capacidade de com eles dialogar, de acordo com a formação cultural, política, classe social, gênero, idade etc., sendo que, na cultura digital, essa negociação de significados fica ainda mais expressa e evidente por causa da interatividade (FANTIN, 2018).

No entanto, a construção de uma atitude mais crítica e compreensiva em relação ao que se consome está ligada à capacidade de leitura e reflexão sobre a linguagem que compõe as mensagens midiáticas, conforme destaca Girardello (2000). O uso meramente instrumental acaba por limitar abordagens que estimulariam uma compreensão mais rica e ampla do papel e funcionamento dos meios de comunicação em sociedade.

Belloni (2001) reforça duas abordagens pedagógicas referentes à relação entre mídia e educação, no contexto de tecnologias digitais. A autora diferencia mídia-educação de “comunicação educacional”. Mídia-educação, ou então educação para as mídias, media literacy, media education etc., delineiam-se tendo a mídia como objeto de estudo. Já a “comunicação educacional” está ligada à dimensão de mídia como “ferramenta pedagógica”, ou, então, como tecnologia educacional.

Integrante à discussão, a educomunicação é outra dimensão que engloba as relações possíveis entre mídia e educação, talvez sendo uma área mais ampla, que propõe novas práticas comunicativas e simbólicas. Esta perspectiva, que no Brasil tem sido especialmente difundida a partir do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo (USP), tem como base autores como o argentino Mario Kaplúm e o francês Geneviève Jacquinot-Delaunay. A ideia é desenvolver a autonomia do sujeito e inseri-lo como participante ativo no cenário de produção e difusão de informações midiáticas. Por meio das mídias, crianças e jovens se engajariam com vistas à autoexpressão, com a criação de “ecossistemas comunicativos” (SOARES, 2016).

Longe de mostrar o potencial criativo e expressivo das mídias, há ainda uma outra abordagem, que pode ser vista comumente em sala de aula. Esse viés teria caráter moralista, sob uma ótica “protecionista” diante do suposto poder da mídia (SIQUEIRA, 2014). O conceito de indústria cultural, termo criado por Adorno e Horkheimer, adeptos da Teoria Crítica2, em 1947, foi um dos fundamentos que influenciou a abordagem inoculativa da mídia-educação. Na visão desses teóricos, pelo fato de funcionar como um sistema administrativo da sociedade capitalista - levando-se em conta a enorme classe de trabalhadores explorados pelo sistema de produção e mais-valia -, o sistema social necessita de um meio de controle de comportamentos sociais. Nesse sentido, os produtos da indústria cultural são produtos de entretenimento, de “falso lazer”, com o objetivo de gerar lucros e estimular a venda em larga escala, conforme analisa Siqueira (2008).

Assim, a abordagem inoculativa ou moral sustenta a preocupação em proteger as pessoas dos efeitos nocivos das mídias, tendo crianças e jovens como uma audiência passível e facilmente manipulável. Essas discussões, embora estejam longe de um consenso, delimitam, em parte, as mais diversas abordagens de mídia-educação que têm sido adotadas em escolas, universidades e outros espaços.

Dessa maneira, este trabalho de pesquisa empírica sugere atividades e estudos calcados na experiência inglesa em media literacy, através de autores como Stuart Hall, David Buckingham, David Lusted, entre outros. A ideia foi testar essas abordagens já desenvolvidas no Reino Unido, aplicando -as no Brasil com alunos do Ensino Médio e formação de professores, assim como com o público universitário diverso, superando a abordagem meramente instrumental - considerando que as mídias não são meras ferramentas neutras, mas meios que geram significados em sociedade, através de uma linguagem. O intuito foi também superar a abordagem inoculativa, considerando que a recepção é espaço de negociação de significados e que o caminho mais adequado é o foco nos processos de preparação e interpretação. E, ainda, busca-se não reduzir a mídia-educação somente ao aspecto “produtivo-expressivo” das tecnologias digitais. Embora essa seja uma forma de explorar a escrita de mídia, acredita-se que esta não pode estar desvinculada da etapa de leitura crítica.

Assim, a mídia-educação, ao retomar as suas origens propostas pela própria Unesco, objetiva não somente tornar essa geração mais ativa na hora de produzir conteúdo, mas intenta formar leitores críticos de mídia, para uma melhor compreensão das relações de poder que desenham a cultura midiática (HESMONDHALGH, 2006). Portanto, além de saber usar as mídias, o propósito é que se desenvolvam habilidades de reflexão sobre o panorama midiático, que não é só uma plataforma tecnológica, mas é também cultura (BUCKINGHAM, 2019).

AS BASES PARA O TRABALHO DE MÍDIA-EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA CRÍTICO-REFLEXIVA

A Inglaterra, assim como outros países, passou por diferentes situações de leitura crítica da mídia - nos anos 1960, os estudos culturais britânicos, que “desmistificam” a mídia, influenciados, por exemplo, pelos Cahier du Cinéma, na França, que focavam uma análise estética da linguagem dos audiovisuais (SIQUEIRA, 2008).

De acordo com Buckingham (2008), a perspectiva desenvolvida pelos estudos culturais propunha descodificar o conteúdo de mídia para "revelar" suas premissas, pontos de vista ideológicos e estruturas subjacentes. Sistematizado por Stuart Hall e Paddy Whannel (1964), no livro The Popular Arts, lançado em 1964, serviu de grande subsídio para o desenvolvimento da mídia-educação, ao identificar que nem tudo que estava na cultura de massa era inútil - havia diferenças entre produtos de certa categoria, assim como a qualidade era variável - ou seja, era possível identificar aspectos de boa e de má qualidade num mesmo produto. Uma música, por exemplo, poderia não ter uma melodia tão original, mas sua letra, sim.

Portanto, este reconhecimento em The Popular Arts foi fundamental para que a escola incrementasse as habilidades necessárias para o uso das mídias, incluindo as formas de avaliá-las, ou seja, seria preciso estudar os produtos de mídia de forma detalhada. Para Siqueira (2008, p. 1.056):

Tratar da mídia é, portanto, enfrentar questões de caráter cultural, tendo em mente o tipo de sociedade na qual os meios têm influência e as respostas que as pessoas dão a cada produto midiático, tais como filmes, música e romances "água com açúcar". Assim, a gênese da abordagem pedagógica da "preparação para usar as mídias" está na capacidade de fazer distinções.

Em 1980, na Inglaterra, o estudo das mídias passa formalmente a ser inserido no currículo escolar: a mídia é estudada na disciplina optativa Media Studies e na disciplina Cidadania. Buckingham (2008) identifica ainda forte influência dos estudos culturais na contemporaneidade, só que adaptados às inovações tecnológicas. A mídia-educação vai-se ligando também a concepções de mídia criativa, inovação e à abordagem participativa, que compreende uma série de práticas.

No Brasil, desde os primórdios do século 20, há experiências no País que se ajustam à ótica crítico-reflexiva da mídia-educação e que subsidiaram os primeiros indícios da discussão da importância de a mídia ser debatida e também inserida nas escolas brasileiras.

Atividades de “educação para a mídia”, muito antes de serem nomeadas assim, têm suas raízes no Brasil em movimentos de comunicação alternativa e popular, nas décadas de 1950 e 1960, fortalecidos durante a ditadura e com projetos de resistência cultural dos anos 1970 e 1980. Projetos sobre educação para os meios despontam através de movimentos eclesiásticos, principalmente, e também de movimentos cineclubistas. Houve influências da Comunicação Libertadora e da Educação Popular, propostas de alfabetização difundidas por Paulo Freire.

Na análise de Puntel (2012), a União Cristã Brasileira de Comunicação Social (UCBC) foi pioneira nos estudos de leitura crítica da mídia no Brasil, em São Paulo, e depois se expandiu para outros estados. Trata-se de uma entidade que surgiu com o intuito de ser uma organização para atuar nas violações de direitos humanos. E, a partir disso, surgiu o projeto de Leitura Crítica (LCC), que data de 1979, um dos projetos precursores de desenvolvimento de senso crítico frente aos meios de comunicação social. A partir desse programa, a pesquisa acadêmica envolvendo temáticas de educação e comunicação foi impulsionada, assim como publicações sobre leitura crítica dos meios de comunicação.

A primeira concepção é de base moralista, sob uma ótica um tanto “inoculativa”, “protecionista”, diante do suposto poder da mídia. Posteriormente, a UCBC passa a revisar seu trabalho e também suas abordagens sobre leitura crítica de mídia. O projeto começa a investigar o teor ideológico, os compromissos econômicos dos meios de comunicação, a indústria cultural, os estereótipos etc., abandonando a visão moralista. Paralelamente, são desenvolvidos estudos de comunicação cristã. Numa época marcada pela ditadura, o objetivo central é identificar e denunciar a manipulação exercida pelos meios de comunicação e “alertar os responsáveis pelo controle e desvio da informação, consequência do sistema sócio-político-econômico-cultural vivido no Brasil e, em geral, no mundo” (PUNTEL, 2012, p. 8). Mais tarde, o LCC acaba por se envolver junto às classes subalternas, visando o fortalecimento dos movimentos populares através do processo de consciência crítica.

Atualmente, há diversas iniciativas de mídia-educação no Brasil, que seguem dimensões diversas. Além de contribuições de acadêmicos como Soares (2016) e Siqueira (2008, 2014), Fantin (2005, 2014) relata que experiências com o tema também partem de organizações não-governamentais (ONGs).

Muitas dessas experiências têm, inclusive, respaldo curricular. Por mais que não haja uma disciplina específica na Educação Básica para o desenvolvimento de atividades pedagógicas com conteúdos de mídias e tecnologias, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz componentes curriculares de interesse para os estudos sobre mídia-educação no Ensino Básico. Soares (2016) traz algumas relações. No primeiro ano do Ensino Fundamental (E.F), por exemplo, há a recomendação do trabalho com a compreensão de slogans em campanhas educativas. No segundo ano do mesmo nível de ensino, há a proposta de se trabalhar com a estrutura de notícias e reportagens. Já no terceiro ano do E.F., apresenta-se a proposta de se trabalhar com a compreensão dos recursos de persuasão e apelos publicitários. No 4º ano do E.F, indica-se a produção de textos multimodais com a utilização de diferentes mídias digitais; no 5º ano, há a proposta de se recorrer à seleção e à relação entre a informação transmitida por mídias diferentes. No 6º ano, aponta-se a inserção de produção de textos publicitários em meios diversos; e, no 7º ano, propõe-se estudar a construção do discurso e da linguagem em diferentes gêneros e textos comunicativos. No Ensino Médio, há recomendações relacionadas à comparação e ao tratamento da informação em diversos meios de comunicação e tecnologias.

Mesmo com o subsídio expresso nas diretrizes curriculares, pouco se discute quais seriam a abordagem e o paradigma pedagógicos mais consistentes, assim como a metodologia para desenvolver atividades dessa natureza. Qualquer proposta de mídia-educação, de acordo com Rivoltella (2002), deve se inserir dentro do ponto de vista alfabético, que considera as mídias como importantes símbolos sociais de interação social e transmissão cultural. Assim, é importante que se considerem aspectos envolvendo a linguagem, com vistas a assegurar seu conhecimento e uso. Essas atividades ainda devem estar calcadas sob um ponto de vista metodológico, sendo que existe um lugar próprio metodológico para se trabalhar com habilidades da mídia-educação, pois não se pode ignorar que as mídias fazem parte de um “novo habitat cultural”; portanto, a educação não pode se limitar às mediações tradicionais. E, ainda, as atividades englobam o ponto de vista crítico-reflexivo, segundo o qual o aluno, além de saber usar as mídias, precisa desenvolver uma consciência reflexiva e responsável de que o panorama midiático não se restringe somente ao suporte tecnológico (RIVOLTELLA, 2002).

Delineando-se por esse contexto, os estudos aqui apresentados se afiguram a partir dos conceitos-chave em mídia-educação do professor britânico David Buckingham (2003, 2008, 2019), especialista na área, que desenvolveu diversas atividades pedagógicas com mídia-educação, a partir da contribuição de outros autores ingleses, tais como Lusted (1991).

Os conceitos-chave são um caminho para sistematizar o estudo da mídia-educação. Assim, pode-se trabalhar de forma combinada com cinco vertentes, partindo-se da primeira, que é a linguagem (conceito-chave da mídia-educação que procura investigar a maneira como os códigos verbais e não verbais e suas convenções de uso dão forma ao teor das mensagens). A segunda vertente são as narrativas (conceito que examina a maneira como as estruturas de narração possíveis são usadas por diversos gêneros e formatos - tais como os filmes, a notícia, a publicidade - e como a narrativa evolui em função das expectativas da audiência). O terceiro conceito-chave diz respeito às instituições ou contexto de produção (aqui entra a análise do contexto social e político de exploração e controle das corporações de mídia - a forma como todo esse contexto influencia na difusão de mensagens). O quarto conceito-chave seria a audiência (como as características do público influenciam na elaboração de produtos de mídia, e também como o mesmo público é influenciado). E, por fim, a representação (conceito que examina a representação, o recorte de mundo feito sobre um assunto, a construção de um ponto de vista - quais são os valores associados, os valores que estão em disputa e a quais atores sociais, eventos políticos e culturais tais valores estão relacionados) (LUSTED, 1991; BUCKINGHAM, 2003).

Na prática, o educador, ao ter consciência de que deve partir do estudo da linguagem para uma leitura crítica da mídia, precisa ter em mente certas técnicas pedagógicas específicas. Buckingham (2003) descreve seis técnicas pedagógicas mais comuns na área: análise textual, estudo do contexto, estudo de caso, tradução (de um livro para um filme, por exemplo), simulação e produção.

As análises textuais e de contexto têm como objetivo principal “fazer do familiar, estranho”, para formar um ponto de vista crítico. Os alunos devem examinar padrões de linguagem e valores decorrentes do modo como as mensagens são organizadas. O estudo de caso e a tradução servem para explorar o modo como as mensagens midiáticas são produzidas e veiculadas. Finalmente, as atividades de simulação e produção priorizam a “escrita em mídia”. A seguir, o detalhamento mais específico de cada uma delas:

  • Análise textual: técnica que consiste em fazer do familiar, estranho, a fim de encorajar a formação de um ponto de vista a partir de uma reflexão. Por exemplo: selecionar um filme e identificar os recursos usados para ligar as cenas, os planos e ângulos mais usados.

  • Análise Contextual: complementa a análise textual - estuda a linguagem mais a fundo, a fim de identificar padrões e valores. Quais valores estão ligados à escolha de um plano fílmico que foca a boca de um personagem de um filme, por exemplo? Qual seria a intenção?

  • Estudo de caso: conhecer o processo de produção: como se define o público-alvo, como se constrói a mensagem, qual o contexto de produção, onde tal produção é anunciada etc. Por exemplo, pode-se fazer um estudo de caso focando a investigação na audiência de um filme: identificar quem é o espectador de um filme violento, quais são as expectativas em relação ao filme, onde o filme é anunciado e quais são os argumentos das pessoas que criticam filmes desse tipo.

  • Tradução: são as mudanças que ocorrem quando um conteúdo é tratado em mídias diferentes e em gêneros diferentes, para audiências diferentes. Por exemplo, analisar como cada filme, de cada gênero, formula um conflito.

  • Simulação: situações em que os alunos simulam situações do contexto de mídia, invertem cenas e papéis de personagens para refletir a situação da cultura midiática. Pode-se, por exemplo, pedir aos participantes para que identifiquem personagens, seus traços físicos, comportamentais, valores, atitudes e, em seguida, construam o personagem oposto a esse e simulem os acontecimentos.

  • Produção: criar situações-problema da cultura midiática para serem resolvidas pelos estudantes em equipes. É o momento de escrita de mídia: criar um jornal, uma matéria jornalística, um curta-metragem etc. Nesse contexto, os estudantes terão que: definir o público-alvo; a duração; o gênero; o orçamento; a captação de recursos; a atribuição de tarefas; e a criação de critérios de avaliação.

Essas técnicas, ao serem incorporadas aos projetos pedagógicos de mídia-educação, valorizam a atuação do aluno e sua experiência e assim se aproximam de referências calcadas em metodologias ativas em sala de aula, ao se caracterizarem pela “inter-relação entre educação, cultura, sociedade, política e escola, sendo desenvolvida por meio de métodos ativos e criativos, centrados na atividade do aluno com a intenção de propiciar a aprendizagem” (ALMEIDA, 2018, p. 12). Reforçam, ainda, novas concepções de ensino e aprendizagem que, de acordo com Moran (2018), incentivam processos de cocriação por parte do aluno, com ponderações: a ênfase na experimentação e atividade dos alunos não pode estar desassociada da reflexão, criticidade, criatividade e colaboração.

A partir da exploração dos conceitos-chave e das técnicas pedagógicas, o próximo tópico traz aplicações práticas em mídia-educação no contexto abordado até então.

EXPERIÊNCIAS PEDAGÓGICAS COM A LINGUAGEM AUDIOVISUAL

Ao longo dos anos, as pesquisas empíricas aqui expostas abarcam várias ações em mídia-educação na Educação Básica e na formação docente, assim como no ambiente universitário. O intuito deste tópico é detalhar essas pesquisas de campo a partir de atividades didáticas com a linguagem do audiovisual no contexto da cultura midiática, que vêm sendo implementadas desde o ano de 2008 até junho de 2020. As atividades são desenvolvidas tendo em vista a perspectiva crítico-reflexiva, recorrendo-se aos conceitos-chave e às técnicas pedagógicas da mídia-educação, já descritos.

Iniciam-se os estudos a partir de um levantamento bibliográfico de cunho exploratório (GIL, 2008). Parte-se do problema que constata o uso instrumental das mídias em várias experiências e intervenções didáticas tidas como letramento midiático, no Brasil, conforme visto em Fantin (2005, 2018), Bérvot e Belloni (2009), Champangnatte e Nunes (2011), Frau-Meigs (2006), Siqueira (2008), Wilson et al. (2013), entre outros autores; e na própria Unesco, que desde os anos 1980 assume a importância de diferenciar as práticas de mídia-educação de meros usos instrumentais da mídia em sala de aula (UNESCO, 1984). Delineando-se por isso, buscou-se investigar quais abordagens da mídia-educação poderiam superar essa visão que limita as mídias e suas linguagens apenas como ferramentas para o ensino. Assim, por meio de levantamento bibliográfico, pôde-se constatar que a experiência com a mídia-educação na perspectiva inglesa oferece subsídios para se trabalhar de forma mais profunda questões sobre linguagem, representação etc. (ZANCHETTA JÚNIOR, 2009; SIQUEIRA, 2008; BUCKINGHAM, 2019). Assim, recolocou-se o problema de pesquisa sob um novo prisma.

A segunda etapa organiza esse referencial teórico para o oportuno trabalho aplicado, em que se recorre à pesquisa-ação, método que visa planejar intervenções que objetivam causar mudanças dentro da realidade investigada. Esse processo, de acordo com Thiollent (2007), associa-se à capacidade de adquirir novos conhecimentos a partir da incorporação de diferentes saberes. Parte dos relatos provenientes desses estudos foi registrada em blogs feitos pelos participantes, que aqui têm sua identidade resguardada devido ao termo de consentimento de ética de pesquisa acordado.

A presente pesquisa ainda recorre à criação de grupos de formação, aproximando-se também do método de pesquisa-formação numa perspectiva de aprendizagem colaborativa, que

(...) pode se constituir em um espaço de formação-intervenção-reflexão com participação colaborativa de professores, estudantes e pesquisadores. Esse entendimento da prática colaborativa, mais do que uma proposta metodológica que revela o princípio educativo da pesquisa, é fundamental não só para a análise e a elaboração de propostas de formação em mídia-educação, como também para a construção de subsídios à reflexão teórica e prática sobre novas metodologias de ensino. (FANTIN, 2017, p. 97).

Nas atividades didáticas realizadas, tem-se explorado a linguagem audiovisual do cinema, do telejornalismo, das novelas e, mais recentemente, dos vídeos disponibilizados nos canais de youtubers. Ao longo dos anos, foi possível atingir cerca de 170 participantes, entre alunos, professores e público universitário de áreas diversas. De 2008 a 2011, as oficinas ocorreram junto a alunos do Ensino Médio da Escola Estadual Joaquim Rodrigues Madureira, na Universidade Sagrado Coração (USC), em Bauru, que na época dispunha de um laboratório de mídia-educação (MidiaLab), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Professores da Escola Estadual Professor Ernesto Monte, em Bauru, de várias séries, também foram envolvidos em atividades de formação. Houve ainda a participação de alunos do curso de licenciatura em letras-português da Universidade Sagrado Coração (USC). Ao longo de 2011 até 2019, foram feitas oficinas em eventos como simpósios e congressos da área de Educação, com foco na formação inicial de professores. Recentemente, têm sido desenvolvidas atividades para o público universitário na Universidade Tiradentes, que engloba estudantes de cursos da comunicação, licenciaturas, entre outras áreas. A mesma formação tem chegado a professores da rede pública de Sergipe, por meio de um programa interinstitucional de capacitação às mídias e tecnologias durante a pandemia do covid-19, a partir de junho de 2020.

Em todas essas atividades, o objetivo foi investigar, com os participantes - que incluem alunos e docentes da Educação Básica, e também público universitário - como os códigos da linguagem audiovisual e suas convenções de uso dão forma ao teor das mensagens dos conteúdos analisados. Os dados coletados aconteceram por meio da observação participante e diários (GIL, 2008), e com os registros de participação nos blogs. A metodologia consistiu em trabalhar com atividades de exploração de trailers de filmes como Piratas do Caribe (ação), Jogos Mortais (terror), Zuzu Angel (drama) e American Pie (comédia), novelas nacionais como Senhora do Destino e Avenida Brasil (transmitidas nos anos de 2005 e 2012, respectivamente, no canal de TV aberto da Rede Globo). No telejornalismo, trabalhou-se com o Jornal Nacional, programa de grande audiência, também da emissora Rede Globo. Nos anos mais recentes da pesquisa, este trabalho de leitura crítica tem considerado agregados os canais no YouTube de influenciadores digitais de prestígio, como o influenciador digital Felipe Neto3.

De forma geral, analisa-se como são feitas as representações nas narrativas. No caso de filmes e novelas, podem-se analisar os papéis de mocinho(a), vilão ou vilã, e os estereótipos gerados em torno disso, assim como os mecanismos da linguagem para valorizar personagens, situações e fabricar realidades. Investiga-se ainda como os elementos da linguagem audiovisual se comportam de acordo com a evolução das narrativas e as expectativas do público. A evolução das narrativas contempla ainda o que Santaella (2018) afirma - que as narrativas midiáticas se desdobram graças ao fenômeno de transmídia (quando uma mesma história se desenrola, passando de um meio para outro).

A partir disso, ampliam-se as discussões para os conceitos-chave de instituições de mídia/contexto de produção e representação, e também os momentos de escrita de mídia. Em síntese, as atividades dividem-se em quatro grandes momentos, destacados a seguir.

O estudo da linguagem

Em se tratando da linguagem audiovisual, tem-se uma linguagem multimodal, que assim amplia a multiplicidade semiótica de constituição dos textos, conforme aponta Rojo (2016). Dentro dessa multiplicidade, trabalha-se com planos, ângulos de filmagem e trilha sonora, baseados nos conceitos sobre cinema de Todorov (2003) e Branston (2006). A ideia é que os participantes possam desconstruir as mensagens de filmes e novelas citados, além do programa de telejornalismo Jornal Nacional, bem como vídeos do youtuber Felipe Neto, considerando que, com o avanço tecnológico, a linguagem audiovisual é marcada por hibridizações e sincretismos (CALDAS, 2018).

As atividades nessa etapa envolvem os participantes na observação de elementos próprios da linguagem audiovisual: como cada plano, cada som, cada trilha sonora são colocados em cada cena e que efeito de sentido geram. Notou-se que, nessa atividade, os alunos conseguem identificar padrões de sonoplastia e planificação/angulação em gêneros diferentes de filmes, nas novelas analisadas, nas matérias jornalísticas transmitidas pelo Jornal Nacional e nos vídeos do youtuber: há uma tendência do estilo da trilha sonora, filmagem de cenas e diálogos em cada tipo de peça audiovisual estudada. Recorreu-se às técnicas de análise textual e contextual para examinar os códigos verbais e não verbais.

Por exemplo, em filmes de terror e ação, há cenas com mais movimento e que também geram suspense e medo. Em filmes de drama e comédia, as cenas são mais paradas e focam mais os diálogos dos personagens, assim como nas novelas, pois o foco é na trama, e não nos movimentos e na ação dos personagens. Nos vídeos de youtubers, há predominância de ângulos e planos que lhes favorecem a expressão no quadro captado, para que assim haja uma maior aproximação com o público.

O estudo das narrativas e audiência

Em uma segunda parte, são associados os elementos da linguagem com outros conceitos-chave baseados em Buckingham (2019): narrativas e audiência. Com as técnicas de tradução e simulação, os alunos mudam os finais mais comuns das narrativas de acordo com o gênero dos filmes, e também invertem os papéis de herói/vilão. Para essa fase, recorre-se a conceitos clássicos sobre cinema e narrativa de Goodman (1981) e Todorov (2003). O mesmo é feito com as novelas.

Com esse exercício, os participantes podem compreender que as narrativas geralmente seguem um padrão conforme o gênero, e este se liga às expectativas da audiência. Assim, um gênero de terror ou drama nem sempre tem um final feliz; mas os filmes de romance e comédia geralmente acabam com um final feliz. As novelas, em sua maioria esmagadora, têm final feliz para a mocinha e/ou o mocinho envolvidos na trama, e um final trágico para os personagens que desempenharam papéis de vilãos. Essa leitura ajuda a identificar padrões em narrativas, desenvolvendo um olhar crítico sobre elas: filmes de romance, de comédia e novelas geralmente já têm um final previsível, o que se distancia de narrativas criativas com finais mais abertos, de acordo com Branston (2006).

Entender que as narrativas evoluem conforme as expectativas dos públicos também é uma etapa do processo de mídia-educação. As atividades com as audiências visam investigar como o público influencia e é influenciado pelas mídias, por meio de técnicas pedagógicas como o estudo de caso. Os participantes assistem aos filmes, trailers, novelas, trechos de telejornais e vídeos de influenciadores digitais, e têm que identificar as características do público que eram possíveis de serem identificadas a partir de vários aspectos: a evolução da narrativa, a trilha sonora, o uso da planificação e angulação etc. Assim, consegue-se relacionar que a linguagem e a narrativa evoluem para atender o gosto de certas audiências, conforme reforça Goodman (1981).

Por exemplo, filmes e novelas com finais padronizados e esperados atendem a um tipo de perfil de público, com determinadas características - um público que busca se conformar com finais felizes e torce para o(a) mocinho(a) sair bem-sucedido(a), e o vilão ter um castigo ao final. Isso acontece, também, em muitas narrativas de super-heróis. Já filmes de terror e ação, por exemplo, atendem a uma plateia que está interessada em sentir estímulos, em se sentir engajada na narrativa - busca sensações de medo, agitação, empolgação. Por isso, a planificação de filmes de terror, geralmente, recorre a planos fechados com zoom in, que se aproximam do objeto filmado excluindo boa parte do ambiente, para assim provocar mais susto; também se usam movimentos de câmera do tipo travelling, que, segundo Todorov (2003), é um movimento no qual a câmera percorre um caminho horizontal, vertical, que acompanha o objeto, cena ou personagem. Isso foi visto no trailer e também em cenas do filme de terror analisado, Jogos Mortais. Esse tipo de movimento de câmera é muito usado em filmes de suspense e terror, pois dá a sensação do ponto de vista do personagem, ajudando a criar medo e pavor. Os filmes de ação, como Piratas do Caribe, geralmente recorrem a planos mais abertos justamente para mostrar o ambiente em que os personagens atuam, e também utilizam um tipo de movimento de câmera chamado chicote, que, de acordo com Todorov (2003), se trata de um descolamento rápido de imagem pela câmera, no qual a imagem é substituída por outra, através do deslocamento do foco horizontal, vertical ou diagonal. Esse tipo de movimento gera ação, faz com que o telespectador se engaje na narrativa.

O mesmo ocorre com a linguagem dos telejornais analisada - no caso do Jornal Nacional, da Rede Globo, a música e os movimentos de câmera são usados para chamar a atenção, especialmente na abertura do programa. A combinação de cores, as vestimentas dos apresentadores, a bancada etc. formam o conjunto de elementos da linguagem que desempenham uma função estética agradável, já que o Jornal Nacional se aproxima da linguagem do apelo publicitário e, para isso, usa recursos vindos da “linguagem da sedução”, conforme explana Carvalho (2000).

Já as novelas contêm narrativas com o uso de muitos planos médios, que favorecem os diálogos. É assim em Senhora do Destino e Avenida Brasil. Nas cenas de ação e drama, as novelas também usam mais recursos para prender a atenção do telespectador: músicas e efeitos sonoros que ajudam a dar mais impacto em relação às atitudes dos personagens, assim como provocar emoções. Tudo para atrair a atenção dos telespectadores e envolvê-los com as tramas.

Nos vídeos de influenciadores digitais analisados no Youtube, como o canal de Felipe Neto, há a predominância dos planos médio e também de aproximação, que valorizam o youtuber no quadro do vídeo, suas expressões faciais. Há música e efeitos sonoros que ajudam a reforçar as falas e ações. A fala do youtuber, por exemplo, por vezes, é dividida com memes, cenas engraçadas, que ajudam a descontrair os vídeos. As cenas são rápidas, para que o público se mantenha engajado frente à tela do computador ou do smathphone. Todas essas considerações foram relatadas entre os participantes, ao se envolverem com o processo de leitura crítica de mídia, recorrendo aos conceitos-chave e às técnicas pedagógicas.

Estudos do contexto de produção e representação

Em uma terceira parte, recorre-se a conceitos-chave de instituições ou contexto de produção e também representação, de acordo com Buckingham (2003), em que se analisam o perfil das audiências e o contexto social e político de exploração e controle das corporações de mídia, bem como a forma segundo a qual todo este contexto influencia na difusão das mensagens. Os participantes puderam perceber que é na própria linguagem que se manifestam ideologias, pontos de vista, ligados ao diretor do filme e à empresa que o produz. E, a partir disso, foi possível identificar como os artifícios da linguagem constroem estereótipos do(a) vilão(vilã), mocinho(a), herói(heroína) etc. em filmes e novelas, especialmente. É importante considerar que, ao analisar planos, trilha sonora, efeitos sonoros usados em determinados momentos, cria-se um ponto de vista sobre uma atitude, uma ideia, uma situação. A todo momento, filmes e novelas estão a dizer quais situações são corretas e erradas, quais modos de agir são mais adequados e inadequados, que condutas de tais personagens merecem ser valorizadas ou desvalorizadas. O telejornalismo, em suas matérias televisivas, por sua vez, usa a linguagem (planos e ângulos) para mostrar parte de um cenário real, de uma situação. Pode cortar imagens, parte da fala das pessoas, e assim constrói a realidade e representa certos assuntos de acordo com os recursos de linguagem que manipula. Os youtubers editam seus vídeos conforme artifícios que valorizam sua própria imagem e aquilo que pretendem mostrar - para isso, usam planos e ângulos que os favorecem.

Assim, a linguagem do audiovisual, no contexto de mídia e de consumo, é extremamente manipulável e mostra a realidade conforme lhe convém. Há pontos de vista ideológicos sobre pessoas, situações, atitudes, fatos, que são moldados a partir de recursos de linguagem, conforme aponta Buckingham (2003, 2019).

Atividades de escrita midiática

Finalmente, nas atividades de produção midiática, os participantes partem para manipular, na prática, elementos da linguagem audiovisual e das estruturas narrativas voltadas para um público específico. Técnicas pedagógicas como tradução, simulação e produção são postas em prática - e é aqui que se recorre a praticamente todos os conceitos-chave da mídia-educação nessa atividade. Com o público de alunos e professores, que focaram mais os filmes e as novelas, foi proposta a elaboração de pequenos curta-metragens de situações cotidianas na escola, mas cada grupo teria que elaborar um final diferente, de acordo com a audiência pretendida e o gênero abordado.

Fonte: A autora.

Figura 1 Atividades de produção/filmagem dos roteiros 

No decorrer das atividades com alunos da rede pública, também foi elaborada a produção de um minitelejornal; e com o público mais recente universitário, trabalhou-se com a linguagem de youtubers, a partir da criação de vídeos com a mesma linguagem.

Nessas atividades, observou-se que os participantes prestaram bastante atenção aos recursos de linguagem usados, refletindo sobre o uso que deles faziam. Na elaboração das matérias jornalísticas, por exemplo, ao se mostrar um rio poluído, tinha-se que escolher o melhor plano e o melhor ângulo de filmagem que fossem capazes de mostrar a poluição. Ao filmar um personagem que era considerado herói da trama, era preciso usar planos fechados e efeitos sonoros que gerassem, na audiência, admiração por aquele personagem. Para os vídeos na linguagem de youtubers, era preciso fazer o vídeo com cenas rápidas, artifícios de memes e efeitos sonoros que prendessem a atenção da audiência, uma vez que, na Internet, prender a atenção dos internautas é mais difícil, devido a uma série de conteúdos, links e estímulos paralelos.

Assim, os participantes tiveram a oportunidade de manipular os recursos midiáticos de linguagem, pensando nas expectativas da audiência, no contexto de produção e institucional e na representação que queriam fazer sobre determinada situação, personagem etc.

As atividades dessa etapa também envolveram a criação de blogs coletivos de crítica de mídia. Alunos e professores puderam criar textos críticos de filmes e novelas estudados durante as oficinas, dentre outras produções. Nas críticas, os participantes conseguiram avaliar as produções com um olhar mais objetivo, sabendo fundamentar sua opinião a respeito de um determinado filme, por exemplo, sendo capaz de analisar a composição das cenas, a trilha sonora, as estruturas narrativas, identificando estereótipos e conteúdo ideológico.

As atividades foram, de maneira geral, muito motivadoras para os participantes, pelo fato de seguirem uma metodologia ativa, que os coloca o tempo todo como protagonistas no processo de análise de desconstrução das mensagens da mídia, assim como produtores de conteúdo. De maneira geral, todos foram bastante participativos e colaboraram do início ao fim nas atividades, demonstrando empenho e interesse.

Desse modo, o processo de mídia-educação aqui exposto a partir de conteúdos audiovisuais trabalhou o aspecto crítico-reflexivo, conforme o esquema a seguir:

Fonte: A autora

Figura 2 Esquema que sintetiza os pilares que são a base para a experiência em mídia-educação 

A proposta, baseada na experiência inglesa em mídia-educação, considera que a apropriação crítica da linguagem pode ser um caminho ideal para se refletir sobre questões mais profundas sobre representação, ideologia, estereótipo etc. Dessa forma, o intuito é que as pessoas consigam ter habilidades para identificar, na própria linguagem das mensagens da mídia, as “pistas” que revelam o ponto de vista do emissor, ou das corporações de comunicação. Partindo-se da análise de aspectos estéticos e dos códigos verbais e não verbais, consegue-se ainda identificar o perfil da audiência e constatar como esses valores do público são representados pela mídia.

O estudo a partir da linguagem auxilia o entendimento de como são elaborados os discursos da mídia a partir de um panorama crítico-reflexivo porque induz a perceber a combinação sintagmática de regras de linguagem que existem nos produtos da mídia. Os aparatos, as relações e as práticas de produção aparecem, assim, num certo momento (o momento de “produção/circulação”), sob a forma de veículos simbólicos estabelecidos dentro das regras de linguagem. Assim, a produção é item indispensável para entender a linguagem e a decodificação dos receptores (FANTIN, 2018).

A questão é discutir que práticas sociais os discursos da mídia geram, sendo que certos sentidos são atribuídos pela mídia na maneira como ela combina elementos da linguagem. Nesse processo, o autor dos conteúdos tem o poder de conduzir o sentido. O receptor é aquele que tenta decifrar a “escritura”; e, no processo de leitura crítica de mídia, pode-se dizer que os envolvidos atuam mais ou menos como “críticos de mídia”. “O autor é sempre julgado por um movimento que vai do significado ao significante, do conteúdo à forma, do projeto ao texto, da paixão à expressão; e, por seu lado, o crítico refaz o caminho inverso, devolvendo os significantes ao significado.” (BARTHES, 1992, p. 131).

Na decodificação de conteúdos da mídia, os receptores (ou audiência) querem criar identidades - que em geral são também marcadas por disputas simbólicas. As escolhas não são influenciadas pela obra em si, mas, sim, por motivação, para atender às expectativas de certo modelo que os receptores pretendem se tornar, ou com ele se identificar. Em outras palavras, escolher e gostar deste ou daquele filme, por exemplo, é um ato que ultrapassa o conteúdo do filme em si, e envolve motivações acerca dos valores que o filme traz embutidos, do que significa socialmente gostar deste ou daquele tipo de filme etc. Por isso é tão importante considerar que a linguagem midiática carrega com ela valores que vêm do público.

Relacionado a isso, é possível investigar quais são as práticas institucionais, qual é o contexto de produção que circula ao redor dos textos das mídias. As estruturas de produção da televisão, os discursos televisivos, por exemplo, não são sistemas fechados; tudo é feito com referências dentro de uma estrutura sociocultural e política, que está diretamente ligada ao público, à audiência. Hall (2003) destaca, portanto, que produção e recepção são momentos distintos, porém estão relacionados e influenciam nas mensagens da mídia. E, para que a mensagem seja aceita por um determinado público, a prática de produção institucional passa através de regras discursivas da linguagem.

Assim, pode-se dizer que o discurso das mídias é resultado da articulação da linguagem com valores da audiência e do contexto de produção de mídias. Assim, os filmes, as novelas, os telejornais etc. fazem uma representação do objeto, do conceito apresentado, em que se desperta certo realismo, quando, na verdade, de acordo com Hall (2003), isso é efeito de uma certa articulação específica da linguagem (esta carregada de valores) sobre o que se considera por “real”.

Pode-se dizer que, com base em Fairclough (2016), em suas representações tidas como “reais”, a mídia se aproxima da linguagem metafórica. Uma metáfora consiste em “compreender e experienciar uma coisa em termos de outra” (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 48).

Aliada aos textos multimodais - como é o caso do audiovisual, em que se combinam a linguagem verbal e a não verbal, as metáforas midiáticas conceituam as coisas, as emoções etc. Essa construção de significados não é compreendida com facilidade, pois ocorre um processo de naturalização - que oportuniza veiculação de ideologias, intenções e valores que podem atuar para projetos de poder e de relações de dominação (FAIRCLOUGH, 2016).

O processo de leitura crítica de mídia dentro desse viés é importante para que as mensagens da mídia não sejam entendidas e largamente aceitas como meras transcrições literais da realidade. Portanto, ao se desconstruírem mensagens da mídia, desconstroem-se seus códigos linguísticos, que “são meios pelos quais o poder e a ideologia são levados a significar discursos específicos” (HALL, 2003, p. 396). Assim, pode-se dizer que as mídias fabricam discursos que contêm toda uma série de significados sociais, práticas e usos, poder e interesse. Desse modo, a linguagem da mídia representa, de alguma forma, fragmentos de ideologias.

Após essas reflexões, portanto, pode-se considerar que o trabalho com as linguagens contemporâneas do audiovisual, que são permeadas pela multimodalidade, são caminhos para se estimular a percepção para a construção de sentidos e intencionalidades que os textos midiáticos multissemióticos podem veicular. O projeto de educação midiática vai além da apropriação das linguagens para produção de conteúdo, mas busca ler criticamente as ideologias e os projetos de poder presentes nos discursos midiáticos. Essa questão se reforça quando se pensa na linguagem audiovisual que “invade” a vida cotidiana de forma cada vez mais frequente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A elaboração dessas atividades partiu de motivações que consideram a necessidade de um olhar crítico-reflexivo diante da cultura midiática, que muitas vezes é tida como componente "natural" na percepção da realidade. Essa hipótese se confirmou durante as experiências laboratoriais com os alunos e professores, que, por vezes, usam produtos da mídia e consomem seus conteúdos por lazer, como fonte de informação e também para pertencer a um grupo, para se sentirem sujeitos sociais. A propaganda, por exemplo, ensina o público a se identificar com aquilo, mesmo sem saber por quê.

Com o estudo dos conceitos-chave propostos por Buckingham (2003), os participantes ganham subsídios para compreender o mecanismo de funcionamento das mídias em sociedade. Assim, eles se distanciam emocionalmente de filmes, novelas e de seu gosto particular para fazer a desconstrução da linguagem e da forma como ela é organizada. Conforme os elementos empregados, os produtos da mídia podem reforçar preconceitos, valores etc. para determinado público, pois buscam trazer, em suas produções, características pertencentes àquela audiência, ou da imagem que se faz daquela audiência.

Após as oficinas, vê-se uma mudança de postura: os participantes passam a adotar uma posição mais próxima ao código de oposição (HALL, 2003), em que conseguem emitir opiniões e negociar o conteúdo midiático ao invés de apenas se contentar em consumir sem a capacidade de criticar e refletir o gosto por aquele conteúdo. O código de oposição fornece bagagem para o receptor decodificar a mensagem, deslocando-a para um referencial alternativo. Todo esse modelo de decodificação-codificação, desenvolvido por Hall (2003) e pelos culturalistas, enquadra-se numa postura equilibrada - eles rejeitam a ideia de que o público aceita passivamente o que a mídia oferece, mas também rejeitam o conceito de livre-arbítrio.

Assim, professores e alunos podem ter a oportunidade de assumir papéis mais ativos na cultura midiática; por isso mesmo, faz-se ainda mais necessária, na escola, uma educação que colabore para o engajamento de uma cidadania crítica perante os meios de comunicação contemporâneos. As atividades, dessa maneira, contribuem para que os participantes possam emitir juízos de valor de forma mais criteriosa e informativa, envolvendo-se menos emocionalmente com os conteúdos.

Vale ainda mencionar que a pesquisa aqui apresentada se distancia da postura que se preocupa somente em proteger as pessoas dos tais “efeitos nocivos” geralmente associados à cultura da mídia. Contudo, o trabalho com as mídias a partir de conceitos-chave favorece uma visão equilibrada que transporta as pessoas da situação de meros consumidores compulsivos e receptores passivos para a situação de usuários críticos e produtores de conteúdo. Em certo sentido, essa abordagem também pode contribuir para a alfabetização em novas tecnologias, já que compreende o uso das mídias como leitura e escrita, num processo contínuo.

Os conceitos-chave e as técnicas pedagógicas baseadas em Buckingham (2003) são um caminho que permite espaço para a reflexão sobre gostos e escolhas culturais no contexto da comunicação midiática. A leitura crítica deve tratar pedagogicamente a questão do prazer e da curiosidade que a mídia desperta, e não se resumir a uma abordagem de fundo moralista que, de certa forma, tende a despertar uma rejeição e, assim, pode acabar reforçando o suposto “poder” da mídia atual. Colocar alunos e professores como produtores ativos de significado se torna uma atividade social mais significativa em termos de aprendizado.

Além disso, as oficinas desenvolvidas retomam os três propósitos assinalados por Rivoltella (2002), que são indispensáveis em atividades de mídia-educação: o ponto de vista alfabético, que foi explorado a partir da leitura dos elementos da linguagem midiática, que têm carga simbólica. Desenvolveu-se uma metodologia própria para atividades dessa natureza, com mediações relacionadas às técnicas pedagógicas apontadas por Buckingham (2003), que colocam o participante em um papel ativo de aprendizagem. E, ainda, as atividades englobaram o ponto de vista crítico-reflexivo, que, conforme Rivoltella (2002), é essencial para que se desenvolva uma consciência reflexiva e responsável, que não limita a mídia somente ao viés de uso tecnológico.

Para melhor reunir todas essas considerações, e também melhor apresentar os principais resultados a partir dos dados coletados com as atividades, apresenta-se o seguinte quadro:

Fonte: A autora.

Quadro 1 Síntese de resultados das atividades visando uma abordagem crítico-reflexiva de mídia-educação 

Conclui-se que a promoção de uma educação de qualidade depende de mudanças profundas na sociedade, nos sistemas educacionais e na escola. Conforme aponta Corrêa (2006), o sistema econômico atinge o sistema educacional, que, por sua vez, exige do professor uma postura individualista, que gere alta produtividade, dentro de uma lógica de mercado. Essa mentalidade pode atrapalhar a inserção, de maneira mais humana e com objetivos sociais, do tema mídia-educação/novas tecnologias na formação universitária e continuada dos docentes.

O resultado final das pesquisas sugere que, tanto na escola quanto no sistema educacional, a inserção do tema de mídia e tecnologia deve favorecer abordagens que valorizem a criatividade, a produção, calcada na leitura crítica. As novas diretrizes nacionais contemplam o trabalho com as linguagens midiáticas, mas ainda é necessário que essas temáticas sejam inseridas com olhares mais específicos, considerando uma metodologia própria. Isso significa dizer que trabalhar com mídias e tecnologias em sala de aula é uma perspectiva que vai muito além de entretenimento e uso apenas instrumental.

Além da necessidade da criação de políticas de valorização da educação pública, é preciso trabalhar o chamado “pânico moral” (GREEN; HANNON, 2007) de vários professores, que concebem as novas tecnologias e mídias sob o pretexto de que elas assumiriam o papel do professor e que iriam desumanizar o processo de educação. Pelo contrário, o trabalho com as mídias na educação deve proporcionar que os participantes possam se inserir como agentes participativos no processo educacional.

Assim, espera-se que este texto possa inspirar e oferecer subsídios para trabalhos aplicados de mídia-educação, que não se restrinjam apenas a uma abordagem instrumental e pouco criativa. A valorização de habilidades críticas e de reflexão deve estar presente em projetos de mídia, tecnologias e educação.

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2A teoria Crítica é associada aos filósofos pertencentes à Escola de Frankfurt e ao Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Um dos principais objetivos dos estudos praticados no Instituto era o de explicar como os trabalhadores industriais se organizavam e de que forma se dava sua consciência, bem como de explicar como a cultura transformava a sociedade. Tem forte orientação de pressupostos do Marxismo para explicar o funcionamento da sociedade e a formação de classes.

3O canal do youtuber já tem mais de 36 milhões de inscritos e pode ser acessado pelo link https://www.youtube.com/user/felipeneto. Último acesso: 5 abr. 2020.

Recebido: 12 de Outubro de 2020; Aceito: 28 de Junho de 2021

A autora declara que não há conflito de interesse com o presente artigo.

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