SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.38EXPERIENCIAS PEDAGÓGICAS CON LOS MEDIOS Y LA EDUCACIÓN: FORMAS DE SUPERAR EL ENFOQUE INSTRUMENTAL Y DESARROLLAR HABILIDADES DE REFLEXIÓN Y CRÍTICA SOBRE LA CULTURA DE LOS MEDIOSMETAMORFOSIS INTERCULTURALES: EL IMPACTO DE LA INMIGRACIÓN EM LA SALUD MENTAL DE LOS INMIGRANTES UNIVERSITÁRIOS LATINO AMERICANOS índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.38  Belo Horizonte  2022  Epub 10-Jul-2022

https://doi.org/10.1590/0102-469826561 

Artigos

O IDEÁRIO DEMOCRÁTICO E POPULAR E A LUTA PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: CONTROVÉRSIAS TEÓRICAS, ESTRATÉGICAS E TÁTICAS

LAS IDEAS DEMOCRÁTICAS Y POPULARES Y LA LUCHA POR LA DEMOCRATIZACIÓN DE LA EDUCACIÓN: CONTROVERSIAS TEÓRICAS, ESTRATÉGICAS Y TÁCTICAS

EMYLY KATHYURY KATAOKA1 
http://orcid.org/0000-0001-8550-8169

LUCIANA PEDROSA MARCASSA2 
http://orcid.org/0000-0001-5313-1002

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo(IFSP). São Paulo, SP, Brasil. <ekathyury@gmail.com>

2Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil. <luciana.marcassa@ufsc.br>


RESUMO:

O artigo problematiza alguns dos alcances e limites da Estratégia Democrática e Popular (EDP) e a influência desse ideário no campo educacional, explicitada através das lutas pela democratização da educação. Para compreender a luta pela democratização da educação resgatamos: a produção da pesquisa educacional entre os anos 1980 e início dos anos 2000; a constituição do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP), por abranger significativa representação na área; a construção do Plano Nacional de Educação - A Proposta da Sociedade Brasileira (1997), documento que sintetizou de forma singular as bandeiras de luta do campo educacional; e as resoluções e programas de governo do Partido dos Trabalhadores (PT) que tratam da educação, produzidos entre o final dos anos 1970 e 2002, por terem sido o principal partido da classe trabalhadora nesse período. O objetivo foi evidenciar como as orientações da estratégia democrática e popular foram assimiladas pelos movimentos que lutaram pela democratização da educação e em defesa da escola pública, apresentando as bandeiras levantadas, táticas utilizadas e as consequências para a organização política. Trata-se de um estudo bibliográfico que se vale de análise histórica, conceitual e documental. Em nossas conclusões, apontamos que há certa convergência entre as produções da pesquisa educacional, as reivindicações explícitas no Plano Nacional de Educação (1997), a organização do FNDEP, as resoluções do PT e o ideário democrático e popular. O campo educacional, enquanto parte da totalidade, expressou de forma particular a consciência prática da classe trabalhadora.

Palavras-chave: democratização; educação; ideário democrático e popular

RESÚMEN:

El artículo problematiza algunos de los alcances y límites de la Estrategia Democrática y Popular (EDEP) y las luchas generales guiadas por este ideal en el campo de la educación. Para comprender la lucha por la democratización de la educación recordamos: la producción de investigación educativa entre los años 1980 y principios de los años 2000; el establecimiento del Foro Nacional de Defensa de las Escuelas Públicas (FNDEP), ya que cuenta con una representación significativa en el área; la construcción del Plan Nacional de Educación - La Propuesta de la Sociedad Brasileña (1997), documento que sintetizó de manera única las banderas de lucha del campo educativo; y las resoluciones y programas de gobierno del Partido de los Trabajadores (PT) relacionados con la educación, elaborados entre finales de la década de 1970 y 2002, por ser el principal partido de la clase obrera en este período. El objetivo fue mostrar cómo los lineamientos de la estrategia democrática y popular fueron asimilados por los movimientos que lucharon por la democratización de la educación y en defensa de la escuela pública, presentando las banderas levantadas, tácticas empleadas y las consecuencias para la organización política. Se trata de un estudio bibliográfico que utiliza análisis histórico, conceptual y documental. En nuestras conclusiones señalamos que existe cierta convergencia entre las producciones de investigación educativa, las demandas explícitas del Plan Nacional de Educación (1997), la organización de la FNDEP, las resoluciones del PT y las ideas democráticas y populares. El campo educativo, como parte de la totalidad, expresa de manera particular la conciencia práctica de la clase trabajadora.

Palabras clave: democratización; educación; ideales democráticos y populares.

ABSTRACT:

The article inquires some of the scope and limits of the Democratic and Popular Strategy (DPS) and its influence in the educational field made explicit through the struggles for the democratization of education. To understand the struggles for the democratization of education we recall: the production of educational research between the 1980s and early 2000s; the establishment of the Brazilian National Forum in Defense of Public Schools (BNFDPS), as it encompasses significant representation in the area; the construction of the National Plan for Education - The Brazilian Society Proposal o(1997), a document that synthesized in a unique way the struggle flags of the educational field; and the resolutions and government programs of the Workers' Party (WP) dealing with education, produced between the late 1970s and 2002, as they were the main working class' party in this period. The objective was to show how the proposals oriented by democratic and popular strategy were assimilated by the movements that fought for the democratization of education and in defense of the public school, which were the flags raised, tactics used and the consequences for the political organization. This is a bibliographic study that uses historical, conceptual, and documentary analysis. In our conclusions, we point out that there is a certain convergence between the educational research productions, the explicit demands in the National Plan for Education (1997), the organization of the BNFDPS, the WP resolutions and the democratic and popular ideals. The educational field, as part of the totality, expressed in a particular way the working class' practical consciousness.

Keywords: democratization; education; democratic and popular ideas

INTRODUÇÃO

Este artigo é um convite à reflexão sobre a organização e a orientação política dos trabalhadores da educação. Nele, apresentamos um debate sobre o movimento dos educadores, abordando o setor educacional e sua relação com a mobilização geral da classe trabalhadora entre o período de redemocratização, iniciado com o fim da ditadura empresarial-militar3 (golpe de 1964), até o início dos anos 2000. Essa extensa periodização se justifica porque, no presente, tanto as lutas como as formas de organização social estão paradigmaticamente vinculadas a esse passado, de modo que as experiências desse período ressoam e ainda orientam a atual forma de mobilização dos educadores e o conjunto da classe trabalhadora.

Para esta investigação, realizamos um estudo bibliográfico, contando também com a análise histórica, conceitual e documental. As fontes de pesquisa foram o acervo teórico produzido pelos autores que se tornaram grandes referências no campo da educação progressista no Brasil e o acervo documental construído pelo movimento dos educadores difundidos no país e suas associações, assim como as resoluções e programas de governo do Partido dos Trabalhadores (PT) - por ter sido o principal organizador da classe no período pesquisado. Selecionamos autores expressivos4 que tiveram grande contribuição na leitura crítica da educação escolar brasileira, com significativas propostas de intervenção na realidade educacional, quais sejam: Dermeval Saviani, Gaudêncio Frigotto, Lucília Machado, Guiomar Namo de Mello e Paulo Freire. A fim de apreender a trajetória das reivindicações das mobilizações do campo educacional em torno da democratização, que ganharam força a partir dos anos de 1980, recuperamos a constituição do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP), enquanto personificação da mobilização do setor educacional, ao congregar amplos setores (sindicatos de trabalhadores da educação, movimento estudantil e diferentes instituições do campo educacional), e a construção do Plano Nacional de Educação - A Proposta da Sociedade Brasileira (1997), documento síntese das bandeiras de luta da educação. Também apresentaremos o estudo dos documentos produzidos pelo Partidos dos Trabalhadores, abarcando a formulação das resoluções e programas de governo entre o final dos anos 1970 e 2002, delimitando esse período por coincidir com a gênese, desenvolvimento e auge da Estratégia Democrática e Popular (EDP).

Esta pesquisa é parte de uma série de estudos sobre as controvérsias teóricas, estratégicas e táticas das lutas de classe no Brasil, que buscam compreender os processos que levaram o conjunto da classe trabalhadora da contestação à acomodação da ordem5. Antes de prosseguirmos, faremos breve remissão aos conceitos de estratégia e tática adotados. Na luta de classes, “estratégia é a teoria da combinação entre as diversas formas particulares e momentos singulares de embate entre os blocos em presença (capitaneados sempre por uma classe social fundamental) tendo em vista atingir os objetivos finais” (NEVES, 2016, p.189, grifo do autor). A estratégia nos remete à articulação das diferentes batalhas a serem travadas, visando ao êxito no conjunto da guerra. A tática refere-se a cada um dos embates singulares, não possuindo um fim em si mesma. Vale ressaltar que a estratégia é teoria colocada em movimento que, ao ser efetivada, lida com uma objetividade que escapa de seu controle, não se tratando de um momento isolado, de modo que a temporalidade é maior do que uma única tentativa bem sucedida, não resultando da mera intencionalidade dos sujeitos políticos. Entende-se que a EDP não foi formulada a priori, é uma orientação estratégica que foi engendrada pelo conjunto da classe no período de redemocratização (final dos anos 1970) a partir da movimentação de um conjunto de forças questionadoras da ordem social. O PT não era/é a única organização a atuar no seio da classe trabalhadora, mas, sem dúvida, foi (e ainda é) o partido mais expressivo, agregando e influenciando um maior número de militantes. Fruto da retomada das mobilizações da classe trabalhadora, o partido colaborou na construção de um campo de forças sociais e políticas, cuja estratégia se tornou hegemônica. Esse campo é composto tanto por militantes quanto por simpatizantes que nunca se filiaram ao PT e nem nutriam tal pretensão, mas que se orientaram pela Estratégia Democrática e Popular (EDP). Ao afirmarmos que o Partido dos Trabalhadores se orientou pela EDP, ressaltamos que ele não nasceu com uma orientação teórica específica, não sendo possível atribuir a responsabilidade pelos seus desvios exclusivamente a um determinado formulador ou intelectual (IASI, 2012). Ademais, a existência de uma estratégia predominante não elimina as divergências e os embates internos, mas indica o que predominou como política no partido e a influência dela no movimento de esquerda de forma geral.

Buscando diferenciar-se da tradição comunista, o partido que surgia entre os anos de 1979 e 1980, procurou superar os limites da Estratégia Democrático Nacional protagonizada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), criticando a necessidade de aliar-se à burguesia nacional a fim de implantar uma etapa democrática anterior à etapa socialista. O PT pretendia distanciar-se tanto da tradição social-democrata quanto do chamado socialismo real, reafirmando o objetivo socialista6. De acordo com Iasi (2013), a EDP toma forma no V Encontro Nacional do PT (realizado no ano de 1989). Buscando uma elaboração original7, fez-se a leitura de que a formação social brasileira havia alcançado um desenvolvimento desigual regional e socialmente e que, consequentemente, os setores populares estavam em contraposição aos setores burgueses, daí seu caráter popular. Essa ideia era reforçada pelo entendimento de que o Estado brasileiro era autoritário e impermeável à participação dos “de baixo” (autocrático). Disso resultaria a necessidade da luta democrática. O pressuposto central era a impossibilidade de realização imediata do socialismo. Portanto, seria necessário acumular forças na apresentação das demandas populares. As demandas populares, organizadas por um programa antimonopolista, anti-imperialista e antilatifundiário se chocariam com o Estado autocrático, podendo levar a uma ruptura ou fortalecimento da sociedade civil que, gradualmente, realizaria um conjunto de reformas capazes de superar o capitalismo. A luta se colocava no terreno da democracia, na combinação de lutas sociais com a participação nas eleições (conquistando cargos executivos no governo), de forma a alterar a correlação de forças, desencadeando reformas radicais. Por consequência, a democracia se tornava meio e fim do socialismo.

A formulação ganhou força na materialidade social por apresentar-se como a resposta adequada às demandas sociais, ou seja, fornecia fortes argumentos que pareciam dar conta de explicar o capitalismo que aqui se desenvolveu e trazia propostas concretas (e viáveis) de atuação. Mesmo havendo algumas divergências e embates, a orientação geral seguia um sentido muito próximo, por tal razão se tornou predominante. Analisando o desenvolvimento das formulações do PT, desde a fundação até o momento de conquista do governo federal (2002), Iasi (2006) observa uma transformação no partido, transitando da negação da ordem burguesa para uma acomodação nela. Para o autor, essa transição se vincula à formulação estratégica da EDP e um importante aspecto da elaboração, que corrobora com a transição, foi a concepção de acúmulo de forças e a compreensão do Estado nesse processo. A vitória eleitoral presidencial assumiu papel central na estratégia, levando à moderação programática e ampliação do leque de alianças. Paralelamente a isso, houve enfraquecimento do movimento sindical e das mobilizações em geral, consequências da reestruturação produtiva e das políticas neoliberais dos anos 1990. Quando o PT chegou ao governo federal (2002), para manter a governabilidade, houve também um desarme das organizações políticas. Sobre a EDP, Iasi (2012, p.310) nos faz uma importante indicação:

Ainda que essa formulação tenha cumprido um papel importante na dinâmica da luta de classes e tenha significado um poderoso instrumento de mobilização, luta e organização dos trabalhadores que refletiu em patamares significativos na constituição de uma consciência de classe (aliás, o mesmo pode ser dito da estratégia democrático-nacional); seu desfecho produziu algo muito distinto daquilo que se esperava.

Entre os problemas oriundos da formulação da EDP está o fato de que muitas das demandas populares apresentadas pelos movimentos sociais ficaram restritas à busca pela ampliação da democracia e da participação, por estarem comprometidas pelo vínculo estabelecido à institucionalidade burguesa, prejudicando a autonomia dos movimentos. Isso ocorreu na mesma quadra histórica em que a burguesia, após queda do muro de Berlim, defendia a ampliação da participação democrática para obter o consenso dos dominados8.

A partir dos anos 1980, muitos daqueles que lutaram pela democratização da educação, tendo a defesa da escola pública e gratuita como a principal bandeira de luta, orientaram-se pelas lutas gerais da classe trabalhadora, sendo influenciados pela EDP. O campo educacional expressa, de forma particular, a consciência prática da classe trabalhadora, pois, nas lutas de classe, formamos uma visão social de mundo marcada pelas características de nossa época, compartilhando modos de pensar e de agir, muitas vezes acolhidos sem análise crítica (GRAMSCI, 1978, p.12).

Seria impossível falar da organização dos trabalhadores no atual ciclo de lutas sem fazer qualquer referência ao PT, seja para criticá-lo ou para defendê-lo, afinal, o partido teve enorme importância na luta pelo fim da ditadura empresarial-militar e pela redemocratização do país. Todavia, as políticas educacionais efetivadas no governo federal pelo Partido dos Trabalhadores contribuíram com a produtividade do capital, possibilitando o crescimento da atuação empresarial, tendo inserido a educação na estratégia de governabilidade e de formação de um ethos coerente com o novo espírito do capitalismo (LEHER, 2010). Por essa razão, apesar dos avanços pontuais, suas políticas colaboraram com a privatização direta e indireta da educação pública. A implementação de tais políticas não se deu sem contradições e disputas, mas como parte do desdobramento de um projeto coletivo, construído pelo conjunto da classe no interior de suas lutas em um determinado período histórico. Embora contenham características particulares, os embates na educação integram a totalidade, e não perdem a conexão com o desencadear geral das lutas. Vejamos, agora, como o ideário da EDP repercutiu na área educacional.

BASES TEÓRICAS DO IDEÁRIO DEMOCRÁTICO E POPULAR NA EDUCAÇÃO

O regime ditatorial empresarial-militar buscou modelar a escola por meio de eficientes dispositivos de controle, contudo, tal atuação teve uma contraface por deflagrar espaços de resistência e oposição. No campo educacional, durante os anos de 1960 e 1970, entre aqueles que se contrapunham ao regime ditatorial, havia grande influência de teóricos franceses, como Bourdieu, Passeron, Baudelout, Establet e Althusser, e do brasileiro Paulo Freire. Suas teorias, relacionando a estrutura social e a educação, forneciam importante arsenal teórico no combate às reformas educacionais e ao modelo educacional vigente.

A partir dos anos 1970, a política ditatorial é alterada pelo processo de “reabertura democrática”, uma abertura “lenta, gradual e segura” - bastante seletiva, pois nunca deixou de perseguir os militantes comunistas - influenciada pelo fim do milagre econômico e crise internacional do petróleo. Concomitantemente, ocorreu o ressurgimento do movimento sindical e grevista em meio a um cenário internacional de tensão. Influenciados por essa conjuntura política, muitos educadores, animados pelo espírito de redemocratização do país e de retomada das mobilizações da classe trabalhadora, com o protagonismo político da classe operária e sua organização, identificaram-se com a esquerda (NETTO, 2008). De acordo com Vieira (1994), naquela quadra histórica, a pesquisa educacional se ampliou, como resultado da produção dos programas de pós-graduação que haviam crescido em qualidade e quantidade. Os teóricos franceses, até então referência do campo de esquerda, passaram a ser questionados por serem rotulados de “imobilistas”, ao mesmo tempo em que a produção educacional passa a ser orientada predominantemente pela concepção do papel transformador da escola, chocando-se com os estudos críticos anteriores que tratavam do caráter reprodutor de relações sociais das instituições de ensino (VIEIRA, 1994; FAVARO, 2014). Nessa nova produção teórica, a escola deixou de ser vista como mera reprodutora do sistema e a escolarização passou a ser entendida como potencializadora da democratização da sociedade, posto que, em seu interior, havia espaço para a contradição.

Nesse novo período da produção da pesquisa educacional, alguns dos pesquisadores que ganharam destaque foram Dermeval Saviani, Gaudêncio Frigotto, Lucília Machado, Guiomar Namo de Mello e Paulo Freire9. Além de terem relação direta com a nova produção acadêmica educacional, os autores foram participantes ativos do novo ciclo de Conferências Brasileira da Educação (CBE)10 e da construção do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP), contribuindo com a crítica e para a formulação de políticas públicas, seja por meio da participação direta na sua elaboração ou por se tornarem referências teóricas.

Segundo Vieira (1994), uma característica marcante dessas novas formulações foi a centralidade da categoria contradição na análise da educação escolar, em que a escola passa a ser compreendida como lócus privilegiado na defesa dos interesses dos dominados. Dentre os programas de pós-graduação em educação, o Programa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) desempenhou um importante papel na reorganização política e acadêmica dos educadores e representou o avanço da consciência crítica naquele período. De acordo com Handfas (2008, p.381):

Entre a maioria dos pesquisadores que congregavam a pós-graduação da PUC-SP, predominava a posição de que se deveria buscar uma intervenção no interior do Estado e no direcionamento das políticas educacionais e uma participação ativa nos espaços institucionais, concebendo-se a própria inserção dos educadores e, como decorrência, a organização do espaço pedagógico como os elementos fundamentais para a construção da teoria pedagógica e para a realização da ação pedagógica.

Essa produção teórica trouxe inúmeras contribuições para o setor ao refletir sobre os problemas educacionais, entretanto, havia limites no acúmulo teórico alcançado, dada a censura do regime ditatorial e a influência do humanismo tradicional entre os profissionais do ensino. A conjuntura de mobilizações e organização da classe trabalhadora da década de 1980, bem como a ascensão de governos democráticos e populares, reforçava a premissa da possibilidade de conquistas pela via democrática, ainda mais por estas serem fruto de ampla mobilização social. Naquele período, a produção teórica da educação, entre aqueles pesquisadores que se identificavam com o movimento dos trabalhadores, indicava a necessidade de se ocupar os espaços e lutar por políticas educacionais para efetivar a democratização da educação.

O contraponto às teorias anteriores (rotuladas de “imobilistas”) buscava reforçar que elas tornavam mais remota “a possibilidade de articular os sistemas de ensino com os esforços de superação do problema da marginalidade nos países da região” (SAVIANI, 2006, p.29), ou, como aponta Frigotto (2010, p.34), a “análise de autores crítico-reprodutivistas, acabava por cair no imobilismo e na crença da impossibilidade de organizar, no interior da escola, família, fábrica, e na sociedade civil em seu conjunto, os interesses dos dominados”. Enquanto se reforçava as virtudes da escola, amenizava-se os limites objetivos e históricos das instituições de ensino no interior do sistema capitalista. Afinal, a atuação político pedagógica proposta foi pensada “para ser implementada nas condições da sociedade brasileira atual, na qual predomina a divisão do saber” (SAVIANI, 2006, p.80). Assim, entre os pesquisadores marxistas, havia uma explícita opção política pela luta direta nas instituições escolares de ensino (estatais) e pelo direcionamento das políticas públicas educacionais, incentivando a participação ativa dos trabalhadores nesses espaços, por entenderem que “a escola recebe uma dimensão ativa e relevante na tarefa revolucionária da classe trabalhadora” (FRIGOTTO, 2010, p.223). Tal direcionamento das políticas educacionais também possuía o sentido de estimular o processo de organização da classe e contribuir na luta pelo acesso ao conhecimento elaborado. Em vista disso, a produção teórica do período foi marcada por uma sobrepolitização (HANDFAS, 2008) ou, como preferimos denominar, sobrevalorização na análise dos processos educacionais, levando a um superdimensionamento do potencial da escola e de ocupação dos espaços institucionais, bem como da possibilidade de interferência nas políticas educacionais.

No quadro dessa nova produção teórica havia certo consenso de que a revolução socialista não era viável naquela fase histórica, portanto, buscava-se apontar soluções nos marcos da institucionalidade burguesa, de modo a contribuir na construção do socialismo dentro dos limites da conjuntura vivenciada. A partir de uma determinada leitura gramsciana11, se previa que a conquista da hegemonia - operando com essa categoria associada exclusivamente ao consenso12 e excluindo dela o momento coercitivo - na sociedade civil seria o mecanismo de transformação social, o caminho da revolução. Nessa elaboração, a via de transição ao socialismo era a ampliação da democratização em diversas instâncias sociais e o Estado burguês poderia ter um governo comprometido com os interesses dos trabalhadores, a fim de implantar políticas democráticas. A leitura era coerente com a ideologia que orientava os teóricos e militantes naquela conjuntura e as condições da difusão do marxismo na época. Mesmo tendo clareza do caráter de classe do Estado, acabaram colocando os aparelhos estatais burgueses como passíveis de serem controlados pelos trabalhadores, perseguindo a luta institucional como via da efetivação das políticas públicas. Lucília Machado ilustra essa posição ao falar sobre o papel das conquistas parciais e das reformas:

Elas não implicam, necessariamente, o fortalecimento do poder burguês. Cabe ao proletariado pressionar o Estado na direção que lhe é mais conveniente, pois liberdade significa educar o Estado, colocando-o subordinado à sociedade civil. As reformas não significam, obrigatoriamente, uma servil crença no aparelho estatal e no milagre democrático. Elas se inserem na perspectiva do desenvolvimento das contradições, ou seja, no processo dialético entre continuidade e ruptura (MACHADO, 1989, p. 262).

Na leitura efetivada pelos pesquisadores marxistas, a possibilidade de uma ação revolucionária foi descartada porque não seria exequível nas condições econômicas e sociais do país naquela época. Por isso, previa-se a necessidade de um processo cumulativo e progressivo de direitos e conquistas na sociedade como um todo e também na área da educação. Parece-nos ser possível indicar que o pensamento de Gramsci foi adequado ou ajustado para justificar a opção por uma ação pacífica e institucional. Tal proposição, entretanto, não foi compartilhada por Guiomar Namo de Mello que, mesmo fazendo parte do campo progressista da educação, já naquela época defendia a democratização da educação enquanto mediação para a sociedade democrática e não para a construção do socialismo. Ainda assim sua proposição foi parcialmente incorporada por uma parcela dos educadores (marxistas e não-marxistas) na medida em que, ao longo da década de 1990, o socialismo passou a ser confundido com a democracia.

A adaptação ao ciclo capitalista de acumulação flexível (reestruturação produtiva), que já havia impactado o modo de vida dos trabalhadores ao redor do mundo, foi promovida no Brasil especialmente nos anos 1990, trazendo precarização nas condições de trabalho e mudanças na organização dos trabalhadores e provocando também uma intensa crise no sindicalismo (ANTUNES, 2006). Austeridade, redução fiscal e erosão do compromisso social foram as palavras de ordem de todos os Estados do capitalismo avançado. O Estado brasileiro foi impactado pela contrarreforma, passando a adotar políticas neoliberais e a realizar os ajustes propostos pelo Banco Mundial e pelo FMI, adaptando-se à dinâmica do capitalismo internacional. Tais mecanismos possibilitaram ao capital a saída de mais uma de suas crises cíclicas e periódicas, conservando a reprodução do sistema capitalista. Essa nova etapa da sociabilidade capitalista se fortaleceu mediante pacto social (FONTES, 2010) com gerenciamento dos conflitos, fragmentação das pautas reivindicadas em parcelas administráveis e desmonte das organizações combativas através da violência direta (truculência policial), indireta (privatizações e demissões) e da cooptação de lideranças. Em relação à cooptação de lideranças, Coelho (2005b) entende que “esta migração dos ‘elementos mais ativos’ de um grupo social subalterno para a zona de hegemonia do grupo dominante foi o fenômeno que Gramsci denominou de transformismo” (p.140, grifo do autor).

A situação dos anos 1990 fazia com que os trabalhadores não lutassem por novas conquistas, mas em defesa de conquistas mínimas. Organizações dos trabalhadores como a CUT passaram a defender uma “política realista”, propondo o diálogo e o consenso para negociar, transitando para um sindicalismo de parceria entre capital e trabalho, no qual a entidade dirigia suas lutas para a distribuição de renda e melhoria das condições de vida dos trabalhadores. Nesse processo, as câmaras setoriais13 propiciaram a domesticação das mobilizações sindicais e a negociação tripartite (Estado, trabalhadores e empresas) de fundos públicos levou à dependência do Estado e a sua subserviência (MATTOS, 2014).

A difícil conjuntura não levou as organizações e os teóricos ao necessário balanço do projeto e da estratégia que orientou as lutas e as pautas educacionais reivindicadas na década de 1980. Parte dos pesquisadores marxistas, buscando responder às demandas do período e a fim de manter a defesa do socialismo e do marxismo num momento em que ambos foram ativamente questionados, mantiveram-se na defensiva, reafirmaram o conteúdo de suas produções anteriores (década de 1980), indicando que um dos problemas seria o insuficiente acúmulo de forças.

Nos anos 1990, alguns teóricos do campo progressista apresentavam o pacto social como uma necessidade do período, entre eles está Paulo Freire14. Para o educador, a democracia necessitava do acordo entre as partes antagônicas para sobrevivência do todo, mesmo havendo interesses distintos entre as classes. Ademais, mesmo a parcela dos estudiosos marxistas, naquele período, não se atentou que a maior participação dos trabalhadores em diferentes instâncias, a “expansão da sociedade civil”, fazia parte da (re)organização do próprio sistema capitalista que, ao expandir as “relações sociais capital-imperialistas na sociabilidade corrente da vida brasileira”, o fez através de “variadas formas de convencimento (produção do consenso)”, ao mesmo tempo que mantinha e aumentava a “coerção (criminalização das resistências e das organizações contra-hegemônicas)” (FONTES, 2010, p. 257-258).

A década de 1990 se caracterizava por um conjunto de derrotas da classe trabalhadora e de sua desmobilização. Contraditoriamente, a orientação política priorizava a participação e a luta nos espaços institucionais, secundarizando a análise da própria objetividade do processo histórico e das limitações do aparato de Estado burguês. Sem uma ruptura radical, os pesquisadores vinculados ao campo progressista acabaram “apostando em que o seu Estado e as suas políticas sociais ser[iam] melhores do que o Estado e as políticas sociais dos outros” (TONET, 2010, p. 24). Nos anos 1990, ainda que não fosse a intencionalidade de muitos pesquisadores e dos educadores de forma geral, na medida em que o socialismo passou a ser confundido com democracia (ou sua ampliação), tratou-se a luta por direitos e cidadania como sinônimo de emancipação. Defendeu-se, então, que o conhecimento presente na escola proporcionaria uma participação mais ativa dos trabalhadores no âmbito da democracia burguesa. As propostas para a educação dos trabalhadores puderam caminhar pari passu às teses de Guiomar Namo de Mello, que seguiam o receituário neoliberal das organizações multilaterais, como o Banco Mundial15, ainda que o objetivo final dos educadores comprometidos com o projeto histórico da classe trabalhadora fosse diferente. Vejamos como parte dessas elaborações teóricas acabaram sendo incorporadas nas reivindicações do movimento educacional.

AS LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO PÚBLICA

As greves operárias do ABC paulista, em 1978, e a retomada das lutas e mobilizações repercutiram positivamente nos movimentos no campo da educação, ao mesmo tempo em que ocorria a criação das entidades nacionais - por exemplo, a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd); o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES); a Associação Nacional de Educação (ANDE), todas criadas nos anos 1970 - e, com elas, a reativação editorial - criação da Revista Educação e Sociedade, Revista ANDE e Cadernos CEDES. Essas entidades, juntamente com o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC), passaram a organizar, nos anos 1980, um novo ciclo de Conferências Brasileiras de Educação (CBE).

As CBEs aglutinavam organizações acadêmicas e associações de trabalhadores que, após a Constituição de 1988, se transformaram em organizações sindicais. Nas conferências, buscavam resgatar a potencialidade da educação escolar na luta pela democratização da escola e da sociedade, havendo, entre os conferencistas, a disposição de participar ativamente da formulação e da implementação da política educacional, com propostas concretas e viáveis (ANDE, 1987). Entre as conferências, cabe destacar a IV CBE (1986), cujo tema foi Educação e a Constituinte, mobilizando os conferencistas em prol da escola pública democrática e também por condições mais amplas de democratização econômica, social e política da sociedade. Ao final da Conferência, aprovou-se uma carta, conhecida como Carta de Goiânia, que apresentava uma análise da realidade brasileira e trazia 21 princípios sobre educação, sociedade e Estado, orientando a organização dos movimentos da educação na Constituinte - as eleições gerais para escolha dos parlamentares que comporiam a Assembleia Constituinte ocorreram em 1986, mobilizando as discussões do período.

O método de trabalho da Assembleia Constituinte distribuía os parlamentares em comissões temáticas, divididas em subcomissões. Nas subcomissões, para a elaboração do texto sobre a temática educacional, se previa audiências com entidades representativas. Desse processo, a Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior (ANDES), em conjunto com as associações organizadoras das CBEs e demais associações, aproveitaram para fundar o Fórum Nacional de Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público - lançado oficialmente em 9 de abril de 1987, em Brasília, através da Campanha Nacional pela Escola Pública e Gratuita, enquanto mecanismo de debate e organização na primeira fase da Assembleia Nacional Constituinte. Além da campanha em defesa da escola pública, o Fórum também elaborou uma proposta de redação para a Carta Constitucional (capítulo referente à educação) e um Manifesto em Defesa da Escola Pública (PINHEIRO, 2015). O objetivo inicial foi “reivindicar um projeto para a educação, como um todo e não apenas para a escola (embora esta, na modalidade pública, seja o centro principal de suas atenções)” (GOHN, 2001, p.78). O Fórum agregava intelectuais, entidades, e coletivos organizados.

A correlação de forças políticas internas ao Fórum era múltipla (GOHN, 2001). Ainda assim, houve um movimento de integração na formulação de uma plataforma educacional unitária para a Constituinte. O ponto agregador era a defesa da escola pública e a oposição ao regime empresarial-militar, também se caracterizando como uma frente democrática voltada para a construção da cidadania no país. Constituía-se um espaço de construção de pautas e ações unificadas, embora houvesse divergências e diferenças entre as entidades, tanto pela natureza (entidades de pesquisa e as sindicais) como de orientação das políticas educacionais. Entre as disputas políticas internas, havia embates entre os acadêmicos, defendendo os resultados de suas pesquisas, e os sindicalistas, afirmando seu poder de representatividade. Outra disputa interna era o embate entre as diferentes representações dos trabalhadores (Central Única dos Trabalhadores versus Central Geral dos Trabahadores). De acordo com Pinheiro (2015), uma das principais divergências no interior do Fórum estava na relação dos recursos públicos aplicados na educação. Dessa maneira, o Fórum atuava unitariamente, porém, cada entidade que o integrava seguia procedendo com suas pautas e ações específicas, buscando implementar o que havia sido construído coletivamente.

Terminado o processo da Constituinte, a partir de outubro de 1988, as lutas e embates se deslocaram para a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB). O Fórum passou a se autodenominar Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP) a partir do ano de 1989. A ação do Fórum se dava em torno da colaboração com os deputados nos projetos substitutivos para uma nova LDB nacional. De acordo com Pino (2010, p.2), nessa fase, os objetivos do Fórum eram: “formulação de propostas consensuais entre as entidades nacionais comprometidas com a escola pública, nas dimensões já estabelecidas nos documentos anteriores do Fórum e impressos na nova Constituição; coordenar a pressão popular em defesa da escola pública, na NLDB16, durante o processo da sua elaboração no Congresso Nacional”. A atuação principal do FNDEP era a via parlamentar e a elaboração de leis, de modo que as ações eram ditadas pela dinâmica das ações parlamentares. As entidades que o compunham ficavam responsáveis por mobilizar as suas bases (movimento estudantil e sindical). A partir dos anos 1990, os deputados aliados do Fórum não foram reeleitos e a organização da educação sofreu com a ofensiva das políticas neoliberais dos governos Fernando Collor/Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

Após a perda da base de apoio no parlamento, o Fórum passou a ter menos influência na elaboração da LDB. Concomitantemente, as posições do campo educacional tornaram-se menos convergentes (PINO, 2010). A Lei 9394/96, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação, absorveu uma concepção de Estado e sociedade diferente daquela que fora proposta pelo Fórum. Após os debates da LDB, o Fórum ainda se constituía como espaço que sintetizava a mobilização do setor educacional, sendo atingido também pelas transformações da dinâmica capitalista que impactaram a conjuntura nacional e internacional na década de 1990. Foi nessa conjuntura que o Fórum defendeu a necessidade de ampliar o debate sobre as consequências das políticas neoliberais na educação. Suas ações foram direcionadas para a construção de uma proposta alternativa de educação, a qual contribuiria na disputa do espaço administrativo no interior do Estado. Por isso, criou uma arena de debates e formulações, realizando uma série de cinco Congressos Nacionais de Educação (CONEDs) nos anos de 1996, 1997, 1999, 2002 e 2004. A perspectiva era ampliar a intervenção política educacional brasileira no âmbito do Estado burguês, mesmo considerando o momento político crítico, sofrendo com a redução de verbas orçamentárias para as políticas sociais. Uma das principais contribuições escritas do Fórum foi registrada no Plano Nacional de Educação: A Proposta da Sociedade Brasileira (1997) (PNE), documento que sintetiza as bandeiras da luta educacional. Ele foi elaborado pela Comissão Organizadora do II CONED, expressando os diferentes debates realizados em todo o país.

Na medida do possível, o PNE recuperava os anseios da maioria da população ao recolocar direitos presentes na Constituição Federal de 1988. Segundo Silva (2017, p.78), “o texto é representativo da visão predominante na esquerda nos anos 1990 e expressa suas discussões ao longo do período”. Na atualidade, muitas das propostas presentes no PNE continuam sendo reivindicadas. Ele se tornou um documento-referência ao contemplar dimensões e problemas sociais, culturais, políticos e educacionais brasileiros. Suas propostas foram embasadas nas lutas e proposições “daqueles que defendem uma sociedade mais justa e igualitária e, por decorrência, uma educação pública, gratuita, democrática, laica e de qualidade, para todos, em todos os níveis” (FÓRUM NACIONAL EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA, 1997, p.2). O texto do PNE abarcou princípios, diretrizes, prioridades e estratégias de ação, com objetivos de longo, médio e curto prazo.

A produção de um documento como o PNE deve ser destacada, pois foi de grande relevância para os trabalhadores da educação o enorme esforço em produzi-lo junto a amplos setores, congregando uma significativa representação sindical nacional dos trabalhadores em educação, movimento estudantil e demais associações da área de educação. Tal construção coletiva não é nada fácil de ser colocada em prática. Deve-se ressaltar também o expressivo conjunto de dados sobre a realidade educacional (gastos em educação, formação dos docentes e demais trabalhadores em educação, matrículas, repetência, evasão, entre outros), permitindo um diagnóstico considerável da situação da educação no Brasil. O amplo diagnóstico e a reunião do conjunto de reivindicações puderam subsidiar as lutas no campo educacional, devido ao sério trabalho realizado. Entretanto, a despeito de sua pertinência, se pretendemos realizar uma análise crítica, não podemos deixar de situar os limites daquilo que foi produzido coletivamente pela nossa classe. Ao longo da redação do PNE, observam-se moderações quanto à radicalidade das propostas e várias concessões ao empresariado, por vezes trazendo propostas também defendidas pelo Banco Mundial. O cenário de derrotas dos anos 1990 (desmobilização e desmonte dos direitos sociais) levou à proposição de alternativas “viáveis” àquele contexto do capitalismo. A necessidade de fazer mediações com o momento presente possibilitou a convergência de certas pautas com o pensamento liberal.

O horizonte almejado no documento era a democracia e a inclusão social, para fazer cumprir a Constituição Federal e dar “curso às transformações necessárias para melhorar a qualidade de vida da maioria da população, a conquista da justiça e da igualdade social” (FÓRUM NACIONAL EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA, 1997, p.3). O documento pretendia ser um referencial político de atuação, tendo como pressuposto: “Educação, Democracia e Qualidade Social”. Note-se todo um conjunto de palavras (democracia, inclusão, justiça, igualdade) que compõem o ideário liberal, muitas vezes incorporadas pelo movimento sem a crítica necessária.

O PNE defendia um projeto de desenvolvimento nacional que tinha como centro a dignificação do homem e não do mercado. Entretanto, na redação, logo após defender esse projeto, aparece a proposição de um “desenvolvimento auto-sustentado”, em que o Estado articule e indique o “fortalecimento do mercado interno para uma política econômica que fortaleça a geração de empregos e de renda, a reforma agrária, uma efetiva política agrícola, uma política de Ciência e Tecnologia, articuladas com as necessidades nacionais” (FÓRUM NACIONAL EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA, 1997, p.10, grifo nosso). Assim, contraditoriamente, propõe a dignificação do homem e não do mercado a partir do fortalecimento deste. Contudo, não nos pareceu ser uma falha pontual de escrita, mas a maneira de mediar a negação do mercado (internacional) com a necessidade de desenvolver a economia nacional. Articulada a essa proposição, havia a indicação de que “A educação escolar é um instrumento fundamental para o desenvolvimento econômico, social, cultural e político de um país, de seu povo, e para a garantia dos direitos básicos de cidadania e da liberdade pessoal” (FÓRUM NACIONAL EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA, 1997, p.10, grifo nosso). Embora criticasse a vinculação entre educação e desenvolvimento humano para formar “recursos humanos, capital humano”, as proposições do PNE acabam por vincular educação e desenvolvimento, resgatando indiretamente as teses da Teoria do Capital Humano, fomulada por Theodore William Schultz no ano de 1971.

Entre os pontos problemáticos do documento está a orientação de parcerias público-privadas, indicada através de propostas de gestão de políticas e dos fundos públicos para educação profissional com os empresários, como no trecho destacado:

Constituir, no prazo de dois anos, os Conselhos Paritários (trabalhadores, governos e empresários), para gestão das agências de formação de profissionais (SENAI, SENAC, SENAR, SENAT), ou de outras iniciativas, visando o controle fiscal e formalização de processos sistemáticos de definição e avaliação dos serviços prestados (FÓRUM NACIONAL EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA, 1997, p.39).

Outro destaque é a proposição de integração das instituições públicas e privadas, deixando de defender o fim das verbas públicas para a rede privada, trocando esta última bandeira pela defesa do “controle” sobre a destinação das verbas públicas. Contraditoriamente, no documento, ao mesmo tempo em que se fala que a educação profissional não pode ser tomada “como panacéia capaz de promover o desenvolvimento e gerar empregos”, afirma que ela é elemento para a “implantação de uma política de emprego e de renda” (FÓRUM NACIONAL EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA, 1997, p.68).

No PNE aparece a defesa da gestão democrática, situando que o mecanismo fortalece a sociedade civil, permitindo a esta última o controle da sociedade política e fomentando a cidadania. O problema é que naquela quadra histórica, apesar de ter outra intencionalidade, a construção da gestão democrática era indicada pelo Capital, uma vez que esse mecanismo contribuía na gestão dos conflitos e na estabilidade política. Fontes (2010) aponta que a FIESP, no livro Livre para Crescer, publicado em 1990, dedicou-se de maneira longa e cuidadosa à definição do papel do Estado e suas ações. Entre as medidas indicadas, uma delas seria o pesado investimento de formação em administração dos conflitos. A leitura da autora propõe que “a intenção burguesa de reduzir a democracia a seu aspecto gerencial era explícita, permitindo compreender sua atuação conjunta em inúmeras frentes” (FONTES, 2010, p.263). Assim, ao propor a gestão democrática, não se fez uma crítica contundente aos limites e problemas que essa proposição carregava.

Outro ponto emblemático do PNE foi a elevação da escola ao papel de transformadora da sociedade, considerando-a como caminho para acabar com as desigualdades sem fazer as mediações necessárias com as contradições próprias do desenvolvimento capitalista, já que nem mesmo uma sociedade altamente escolarizada é capaz de acabar com o conjunto de desigualdades sociais e a exploração do trabalho assalariado. Assim, mesmo que nas resoluções do PNE o foco principal fosse a defesa da educação pública e gratuita, ao se associar a educação ao desenvolvimento econômico e à cidadania, ficaram amenizadas as críticas ao setor privado, antecipando algumas das políticas educacionais que seriam implantadas pelo governo petista nos anos 2000. Essas formulações do PNE são bastante próximas às resoluções e formulações gestadas no interior do Partido dos Trabalhadores. Observemos, na sequência, como as resoluções foram se transformando e assumiram parte do ideário liberal no desenvolvimento da EDP.

REIVINDICAÇÕES DO PARTIDO DOS TRABALHADORES

A gestão petista no governo federal implementou políticas educacionais como o PROUNI, as parcerias público-privadas, a ampliação do FIES e o REUNI - políticas que puderam ser desenvolvidas, nos anos 2000, por já terem sido gestadas durante o governo FHC, na realização da contrarreforma do Estado e que são minimamente conhecidas por aqueles que acompanham as lutas educacionais. Tais políticas são paliativo, expressivos da política de conciliação de classes, pois, embora tenham sido significativas e apreciadas por parte dos trabalhadores (seus beneficiários), essas conquistas são insignificantes quando comparadas aos lucros dos empresários obtidos por meio de privatização direta e indireta do setor educacional. Todavia, tais proposições não surgiram após o ano de 2002, quando o partido assumiu a presidência do país. A gênese de muitas dessas proposições encontra-se tanto nos documentos do partido como no conjunto de reivindicações do setor educacional, acompanhando as transformações que ocorreram ao longo do desenvolvimento e implementação da EDP. Muitas das políticas efetivadas pelo governo federal haviam sido sinalizadas em resoluções e programas de governo que antecedem o ano 2002, representando uma construção coletiva que não se limitou ao próprio partido, embora ele tenha sido o principal responsável por ser o organizador coletivo da classe. Em seus documentos e resoluções iniciais, o partido defendeu a educação pública e gratuita, sem nunca abrir mão de tal bandeira, entretanto, a forma de manter a educação pública e gratuita sofreu alterações. Trazemos resumidamente a trajetória das resoluções.

No documento Plataforma Política (1979), havia a defesa da estatização das empresas que prestam serviços básicos, entre elas a educação. Na mesma linha de pensamento, o documento Plataforma Eleitoral Nacional: Trabalho, Terra e Liberdade (1982, p.4), propõe “pôr um fim no grande negócio que se tornou a educação”, prevendo, indiretamente, o fim da rede privada de ensino, o que é coerente com a linha do partido de construir uma “sociedade sem explorados e sem exploradores” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1980, p.1). As críticas à privatização e ao crescimento do mercado educacional eram contundentes, por exemplo, quanto à exclusividade da destinação das verbas públicas para a rede pública, exigindo também a proibição da destinação dessas verbas para a rede privada. Ao defender a gestão democrática nas instituições de ensino, o PT pretendia que o controle popular fomentasse a construção de um novo poder, vindo a superar a divisão entre governados e governantes, ao permitir que os trabalhadores pudessem tomar a direção do país, política e economicamente. Em geral, na década de 1980, as bandeiras de luta na educação estavam vinculadas à melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores, como um direito democrático que beneficiava as classes populares e o acúmulo de forças. Havia a compreensão de que a efetivação da educação pública, gratuita e de qualidade poderia ser compatível com o desenvolvimento capitalista em situações específicas, todavia, a avaliação era de que a burguesia brasileira dificilmente cederia, uma vez que essa condição seria contraposta ao modelo de desenvolvimento adotado no Brasil. Assim, na realidade brasileira, essa luta teria grande contribuição na construção do socialismo.

Até o ano de 1989, a educação, nas formulações do partido, não era vista como panaceia redentora do país, mas enquanto um direito social básico que deveria ser tratado com seriedade. Nesse período, havia certa sobrevalorização da escola ao indicar que ela poderia despertar e capacitar no rumo da transformação social. As lutas pela educação pública e gratuita tinham o intuito de alterar a correlação de forças na sociedade, na medida em que poderiam ampliar a democracia e a participação dos trabalhadores através da democratização da educação e da gestão democrática da escola. As propostas eram bastante avançadas e expressavam as demandas concretas da classe trabalhadora, entretanto, os debates educacionais não estavam isolados do programa do partido. Na efetivação da EDP, também o programa educacional paulatinamente sofreu alterações17.

Na década de 1990, o partido conquistou mais espaço na institucionalidade burguesa ao assumir prefeituras, governos de estado e vagas no parlamento, quando os problemas educacionais passaram a ser localizados na forma de condução do Estado burguês, ou seja, a crítica não era ao sistema capitalista e à necessidade de superar o Estado classista, mas em relação a como geri-lo melhor. A solução, para o PT, seria a construção de um governo democrático e popular que tornasse a máquina pública eficiente. No Programa de Governo para as eleições de 1994, a educação passou a ser associada ao desenvolvimento, crescimento e cidadania. Mantendo a defesa da consigna de “educação pública e gratuita”, o partido passou a convocar o empresariado para se mobilizar e construir o Plano Nacional de Educação, amenizando as críticas ao setor e passando a reconhecer o ensino privado como direito constitucional.

Por um lado, a defesa de recursos públicos para a rede pública foi mantida, por outro, previa-se a manutenção de programas como crédito-educativo e de fundos para financiar a formação profissional com gestão tripartite. Uma mudança significativa, nos anos 1990, foi a apresentação da educação como fator de empregabilidade e de distribuição de renda. Mediando a disputa entre público e privado, a política do partido para a educação deslocou-se para a defesa de uma “educação para todos” (SILVA, 2017), propondo a articulação entre as redes pública e privada no atendimento da educação profissional e da educação infantil, ou seja, tal parceria foi proposta muito antes do PT chegar ao governo federal.

A associação entre educação e desenvolvimento econômico no partido ficou evidente nos anos 2000, na conciliação das demandas do processo produtivo na promoção do desenvolvimento e da competição no mercado internacional. Houve também um recuo na proposta de financiamento, de tal modo que, no Programa de Governo de 2002, a proposição de investir 7% do PIB na educação aparece de forma progressiva e não imediata - no início dos anos 1980, era reivindicado 12% do orçamento nacional. Nos anos 2000, a proposta de educação não visava atender exclusivamente aos interesses da classe trabalhadora - como fora nos anos 1980 -, mas da “nação”, buscando conciliar os interesses de duas forças antagônicas: Capital (ao formar a força de trabalho que atende as suas necessidades) e Trabalho (por permitir aos trabalhadores acesso à educação escolarizada). A educação ainda assumia o papel de favorecer a ampliação da democracia, mas, nesse momento, passa também a ser associada ao papel de promotora do desenvolvimento econômico e é vista como capaz de solucionar outros problemas sociais.

As transformações ocorridas podem ser avaliadas enquanto rebaixamento do programa e/ou uma traição das lideranças, porém, nos parece que antes de pareceres precipitados, é preciso relembrar da estratégia que orientou os debates. A EDP previa a ocupação dos espaços administrativos do Estado por meio da disputa eleitoral. A disputa era tida como uma forma de construir hegemonia, mas, com a corrida eleitoral, impõe-se a necessidade de moderação programática e ampliação do leque de alianças - seguindo as “regras do jogo” democrático não foi possível obter sucesso sem essa moderação e ampliação, por se buscar um “governo para todos” - em um momento no qual as mobilizações da classe perdiam força social.

EDUCAÇÃO E IDEÁRIO DEMOCRÁTICO E POPULAR: CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS

Ao longo do texto, abordamos pontualmente alguns dos alcances e limites da EDP e das lutas gerais orientadas por essa estratégia, demonstrando também como o campo educacional se organizou a partir do ideário democrático e popular. Indicamos a convergência entre as produções da pesquisa educacional, as reivindicações explícitas no PNE (1997), a organização do FNDEP, e as resoluções do PT com o ideário democrático e popular. O intuito foi evidenciar que as propostas para a política educacional do Partido dos Trabalhadores, e também a dos movimentos que lutaram pela educação pública, seguiram um movimento de contraposição do Capital à sua gestão eficiente, acompanhando o mesmo movimento realizado por algumas lideranças petistas que atuaram como “ala esquerda do capital”, propondo “um outro capitalismo possível” (COELHO, 2005b, p.141). Esperamos que os apontamentos possam colaborar no direcionamento de críticas que contribuam para novas formulações estratégicas que orientem nossas bandeiras e táticas de luta, com o intuito não apenas de conquistar pequenas melhorias, mas no sentido de everter a ordem social do Capital.

Nesta terceira década dos anos 2000, além da pandemia do novo Coronavírus, que por si só afetou brutalmente as condições de vida e trabalho da classe trabalhadora, também estamos vivendo uma conjuntura de retirada de direitos e de desorganização da classe próxima à vivida nos anos 1990. A ascensão de um senso comum conservador e de um governo federal com elementos fascistizantes pode nos fazer reviver e reinscrever a EDP como nossa orientação estratégica. Afinal, quando os conservadores atacam ao PT não querem atingir apenas o partido, o alvo é a classe trabalhadora, sua história de lutas e suas organizações. Portanto, é preciso defender nossa história e nossos instrumentos de luta, mantendo-nos lado a lado com todas e todos que se posicionam contra os retrocessos na educação e no conjunto dos direitos sociais até então conquistados. Se, por um lado temos a necessidade de garantir “nenhum direito a menos”, por outro, não nos pode faltar a autocrítica capaz de nos municiar para a superação da EDP, considerada por nós como uma estratégia controversa e limitada. Assumir a presidência do governo federal promoveu a instituição de uma democracia de cooptação, esterilizando o potencial das lutas contra a pressão e exploração, tornando a esquerda cada vez mais democrática e menos socialista (DANTAS apudMARTINS, 2016). Não se deve confundir a tomada do poder do Estado pelo proletariado com a ocupação do executivo do Estado burguês via eleições democráticas.

O limite da democracia burguesa é que, mesmo com o desenvolvimento pleno da democracia e cidadania, as desigualdades de classe permanecem. Assim, ocupar os cargos executivos e ampliar a participação dos trabalhadores nas diferentes instâncias democráticas não é suficiente para a emancipação humana. No capitalismo, a apropriação do trabalho excedente não depende da condição jurídica ou civil, a igualdade civil não altera nem anula a desigualdade de classe, esse é o limite da democracia no capitalismo. Na sociabilidade capitalista, a igualdade política pode coexistir com a desigualdade socioeconômica, visto que a igualdade formal deixa intocadas as relações econômicas entre burguesia e trabalhadores, mesmo que ela também tenha sido fruto de árduas lutas da classe trabalhadora. A confusão entre socialização da política e socialização do poder político promovida pela EDP precisa, portanto, ser superada.

A socialização da política, quando limitada à cidadania, sem socialização do poder econômico, não representa a socialização do poder político. A participação nos parlamentos burgueses pode servir em determinados momentos para propaganda e agitação do socialismo, mas não se trata apenas de ocupar/conquistar o Estado burguês, mas de alterar o seu caráter, de aniquilá-lo e, no decorrer da transição, também este deverá ser destruído a fim de constituir o autogoverno dos produtores associados (KATAOKA, 2018, p.504).

Assim, não se deve confundir democracia (em abstrato), desvinculada das relações de classe, com o socialismo. Outro ponto relevante é que a ampliação do Estado, com seus diferentes aparatos, que incluem a participação do conjunto da população, complexificou os meios de dominação. Isto é, parte das conquistas dos trabalhadores foi benéfica ao Capital:

Num plano mais político, isso significa que as lutas dos trabalhadores assumem múltiplas dimensões. Ao extraírem conquistas efetivas, impelem tendencialmente o capital a reforçar os meios de adequação e apassivamento, resultando em enorme concentração de recursos voltados para produzir novos consensos dos subalternos com vistas à neutralização de suas vitórias parciais. Ao fazê-lo nos moldes formalmente democráticos e parlamentares, modificam as condições de ingresso para o reencetamento do enfrentamento de classes não apenas através da cooptação, mas do custo efetivo da manutenção das organizações aptas a construir a unidade dos subalternos, como partidos e campanhas políticas. A contra-hegemonia se torna, portanto, mais difícil e árida nas condições da ordem dominante (FONTES, 2012, p.195).

Por mais contraditório que possa parecer, a ampliação da democracia aprofundou a conformação à ordem burguesa. Por isso, as lutas no interior da ordem burguesa devem carregar, simultaneamente, o questionamento desta. Certamente, a educação escolar tem grande importância ao possibilitar à classe trabalhadora, de forma generalizada, acessar ao conhecimento historicamente sistematizado e acumulado. Não negamos que o direcionamento das políticas educacionais também possa estimular o processo de organização da classe e contribuir para a luta pelo acesso ao conhecimento elaborado. O problema se localiza na expectativa de que a democratização da educação, mais precisamente a educação escolar, possa solucionar os problemas do conjunto da classe trabalhadora, afinal, de forma isolada a educação não será responsável pelo progresso social. Ademais, a classe trabalhadora deve, também, construir seus órgãos autônomos de formação política para além das escolas sob a tutela do Estado. A apropriação de conteúdos científicos é condição necessária na luta revolucionária, mas não suficiente. Não há respostas fáceis e prontas sobre como nos organizarmos para este período de luta, portanto, essa ainda é uma tarefa que precisamos encarar coletivamente, considerando a realidade concreta e também os ensinamentos sobre os caminhos e descaminhos que as organizações da nossa classe percorreram.

REFERÊNCIAS

ANDE. A ANDE e o Fórum de Educação na Constituinte. Revista da Associação Nacional de Educação, ano 6, n. 12, 1987. p.67. [ Links ]

ANTUNES, Ricardo L. C. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho. 11ª edição. São Paulo/Campinas: Cortez/Editora UNICAMP, 2006. [ Links ]

BIANCHI, Álvaro. O laboratório de Gramsci: filosofia, história e política. São Paulo: Alameda, 2008. [ Links ]

COELHO, Eurelino. Uma esquerda para o capital: crise do marxismo do marxismo e mudanças nos projetos políticos dos grupos dirigentes do PT (1979-1998). Tese (Doutorado em História). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2005a. [ Links ]

COELHO, Eurelino. Outra Hegemonia: sobre algumas leituras petistas de Gramsci e sua reviravoltas. Revista Outubro, n.12, p.123-141, 2005b. [ Links ]

DIAS, Edmundo Fernandes. Sobre a leitura dos textos gramscianos: usos e abusos. In: DIAS, Edmundo Fernandes et al. O Outro Gramsci. São Paulo: Xamã, 1996. p. 105-122. [ Links ]

DREIFUUS, René Armand. 1964: A conquista do Estado - Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes, 1981. [ Links ]

FAVARO, Neide de A. L. G. O projeto político-estratégico da pedagogia histórico-crítica: uma análise das origens, do desenvolvimento, dos dilemas e da relação entre a escola pública e a luta socialista. Tese (Doutorado em Educação). Florianópolis-SC: Universidade Federal de Santa Catarina, 2014. [ Links ]

FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital imperialismo: teoria e crítica. 2 ed. Rio de Janeiro: EPSJV/ Editora UFRJ, 2010. [ Links ]

FONTES, Virgínia. Carlos Nelson Coutinho: intérprete do Brasil. In: BRAZ, Marcelo (org.). Carlos Nelson Coutinho e a renovação do marxismo no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2012. p. 175-203. [ Links ]

FÓRUM NACIONAL EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA. Plano Nacional de Educação: proposta da sociedade brasileira. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2, 1997, Belo Horizonte. (Projeto de Lei n. 4.155, de 10 de fevereiro de 1998) 1997. [ Links ]

FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re)exame das relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2010. [ Links ]

GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e Educação. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2001(Coleção Questões da Nossa Época). [ Links ]

GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. Tradução Carlos Nelson Coutinho. 3a edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. [ Links ]

HANDFAS, Anita. A trajetória do GT Trabalho e Educação na ANPED: Alguns elementos de análise. Trabalho, Educação e Saúde, v. 5n. 3, p. 375-398, nov.2007/fev.2008. [ Links ]

IASI, Mauro Luis. As Metamorfoses da Consciência de Classe: O PT entre a negação e o consentimento. São Paulo: Expressão Popular, 2006. [ Links ]

IASI, Mauro Luis. Democracia de Cooptação e Apassivamento. In: SALVADOR, Evilasio et al. Financeirização, fundo público e política social. São Paulo: Cortez, 2012. p. 285-317. [ Links ]

IASI, Mauro Luis. O PT e a Revolução Burguesa no Brasil. Fundação Dinarco Reis, 2013. Disponível em:<Disponível em:https://fdinarcoreis.org.br/fdr/2014/03/16/o-pt-e-a-revolucao-burguesa-no-brasil/ > Acesso em:20 abr. 2021. [ Links ]

KATAOKA, Emyly Kathyury. O Ideário Democrático e Popular na Educação: Um Inventário Crítico. Tese (Doutorado em Educação). Florianópolis-SC: Universidade Federal de Santa Catarina, 2018. [ Links ]

LEHER, Roberto. 25 anos da educação pública: notas para um balanço do período. In: GUIMARÃES, C.; BRASIL, I.; MOROSINI, M.V. Trabalho, educação e saúde: 25 anos de formação politécnica no SUS. Rio de Janeiro: EPSJV, 2010, p. 29-72. [ Links ]

MACHADO, Lucília R. de Souza. Politecnia, escola unitária e trabalho. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. [ Links ]

MARTINS, Caio. Teorias dos Novos Movimentos Sociais e Lutas de Classes: Uma leitura crítica de sua influência no Brasil. Tese (Doutorado em Serviço Social). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2016. [ Links ]

MATTOS, Marcelo Badaró. Movimento sindical brasileiro: o desafio da reorganização. In: ABRAMIDES, Maria Beatriz; DURIGUETTO, Maria Lúcia (Orgs.). Movimentos Sociais e Serviço Social: Uma relação necessária. São Paulo: CORTEZ, 2014. p. 85-101. [ Links ]

MOTA JUNIOR, Willian Pessoa da; MAUÉS, Olgaíses Cabral. O Banco Mundial e as Políticas Educacionais Brasileiras. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.39, n. 4, , p.1137-1152, out./dez. 2014. [ Links ]

MOTTA, Stefano. Crítica à “ampliação da democracia” como caminho ao socialismo. Tese (Doutorado em Serviço Social). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2016. [ Links ]

NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: Uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 12 ed. São Paulo: Cortez, 2008. [ Links ]

NEVES, Victor. Democracia e revolução: um estudo do pensamento político de Carlos Nelson Coutinho. Tese (Doutorado em Serviço Social). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2016. [ Links ]

PARTIDOS DOS TRABALHADORES. Plataforma Política. Fundação Perseu Abramo, 1979. Disponível em: <Disponível em: https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/uploads/sites/3/2017/04/04-plataformapolitica_0.pdf >. Acesso em: 10 set. 2017. [ Links ]

PARTIDOS DOS TRABALHADORES. Programa. Documentos de Fundação do PT. Fundação Perseu Abramo, 1980. Disponível em:<Disponível em:https://fpabramo.org.br/csbh/wpcontent/uploads/sites/3/2017/04/02-programa_0.pdf >. Acesso em: 12 set. 2017. [ Links ]

PINHEIRO, Camila Mendes. O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e o Princípio de Gestão Democrática na Constituição Federal de 1988. Dissertação (Mestrado em Educação). Marília-SP: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2015. [ Links ]

PINO, Ivany Rodrigues. Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. In: OLIVEIRA, D.A.; DUARTE, A.M.C.; VIEIRA, L.M.F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010. CD-ROM. [ Links ]

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 38ª. Edição. Campinas, SP: Autores Associados, 2006. [ Links ]

SECCO, Lincoln. História do PT. 4a Ed.São Paulo: Ateliê Editorial, 2011. [ Links ]

SILVA, Caio Cesar Andrade Bezerra da Silva. Crise do Capital e do Estado: A Transição do PT entre Projetos Opostos de Educação. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017. [ Links ]

TONET, Ivo. A propósito de “Glosas Críticas”. Mimeo on-line, 2010. (Prefácio, posfácio). Disponível em: <Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1844/08/a_proposito_de_glosas_criticas.pdf >. Aceso em:10 jan. 2018. [ Links ]

TUMOLO, Paulo Sergio. Da contestação à conformação: a formação sindical da CUT e a reestruturação capitalista. 2a edição. Florianópolis: Em Debate, 2013. [ Links ]

VIEIRA, Carlos Eduardo. O Historicismo Gramsciano e a pesquisa em Educação. Dissertação (Mestrado em História e Filosofia da Educação). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica(PUCSP). 1994. [ Links ]

WORLD BANK. Education Sector Strategy. Washington, D.C. World Bank, 1999a. Disponível em:<Disponível em:http://documents.worldbank.org/curated/en/406991468178765170/pdf/196310REPLACEM0cation0strategy0199.pdf >. Acesso em: 20 maio 2018. [ Links ]

WORLD BANK. Educational Change in Latin America and the Caribbean. Washington, D. C., World Bank, 1999b. Disponível em: <http://documents.worldbank.org/curated/en/519121468776777052/pdf/multi-page.pdf>. Acesso em:20 mai. 2018. [ Links ]

3A expressão ditadura empresarial-militar ou ditadura civil-militar e não apenas ditadura militar tem sido utilizada nas ciências humanas indicando a articulação política entre civis e militares no golpe de Estado. O estudo de Rene Armand Dreifuus, intulado 1964: a conquista do Estado (1981), localiza quem eram estes civis, evidenciando a atuação do campo empresarial e os interesses classistas por eles representados.

4Nossa intenção não foi privilegiar um autor em detrimento de outros, tampouco foi analisar individualmente a trajetória teórica e acadêmica dos respectivos pesquisadores. Destacamos alguns posicionamentos presentes em obras amplamente difundidas que sintetizam boa parte do pensamento da época.

5Sobre este tema, consultar: Tumolo (2013), Coelho (2005a), Iasi (2006) e Secco (2011). É interessante conferir também a produção de diferentes pesquisadores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro: Iasi (2012; 2013), Motta (2016), Neves (2016), Martins (2016) e Silva (2017).

6Devido aos limites do artigo, não conseguiremos expor um panorama histórico do surgimento e desenvolvimento da EDP. Para aprofundamento do tema, sugerimos a leitura de Iasi (2006), (2012) e (2013).

7De maneira geral, criticava-se o fato do PCB seguir a orientação da Internacional dos Trabalhadores (conhecida como III Internacional) e desconsiderar as especificidades da formação social brasileira, das particularidades do capitalismo que aqui se desenvolveu.

8“Em dois relatórios publicados no ano de 1999 (Educational change in Latin American and the Caribbean e Education sector strategy), o Banco Mundial reconhece a importância das reformas educacionais para consolidar a democracia liberal e promover a estabilidade política. Uma população educada, pela lógica do organismo, terá maior probabilidade de mostrar interesse e envolvimento na condução política do país e, como consequência, será mais capaz de fazer escolhas corretas e cobrar a responsabilidade dos políticos quanto às promessas de campanha eleitoral (World Bank, 1999a; 1999b). Além disso, a educação promove o desenvolvimento social, aumentando a coesão da sociedade e oferecendo melhores oportunidades aos indivíduos (World Bank, 1999b, p. 5)” (apud MOTA JUNIOR; MAUÉS, 2014, p. 1141).

9Diferenciando-se dos teóricos franceses, que passaram a ser questionados, Paulo Freire, que já era referência na educação, manteve sua influência no campo de esquerda. Outra ressalva importante é que, entre os autores que passaram a influenciar os debates, há significativas diferenças em suas proposições. Guiomar Namo de Mello, ao longo dos anos, se afastou do grupo de educadores marxistas, aderindo às teses liberais de educação. Paulo Freire, diferentemente de Saviani, Frigotto e Machado, nunca reivindicou a exclusividade da leitura marxista. Pelo curto espaço do artigo, não será possível demonstrar as substantivas diferenças entre as formulações. Por isso, optamos por apenas evidenciar alguns elementos gerais da produção educacional do período.

10Em 1924, foi criada a Associação Brasileira de Educação (ABE). A entidade realizou 13 Conferências/Congressos Nacionais de Educação entre os anos de 1927 e 1967. Esse primeiro ciclo de conferências foi encerrado com a ditadura empresarial-militar. O novo ciclo a que estamos nos referindo foi iniciado nos anos 1980. As CBEs realizadas entre 1980 a 1991 representaram um processo de reorganização e redemocratização do campo da educação. Além das organizações de cunho acadêmico e científico, as CBEs também aglutinaram associações de trabalhadores.

11Há grandes polêmicas sobre os usos e possíveis abusos dos textos gramscianos. Edmundo Dias escreveu um importante artigo sobre alguns problemas interpretativos cometidos por leitores de Gramsci no Brasil e na Itália (cf. DIAS, 1996, p. 105-119). Outra importante investigação que problematiza a apreensão de conceitos-chave e o contexto da escrita dos textos gramscianos é o livro de Alvaro Bianchi (2008).

12Apenas para ilustrar este posicionamento, apresentamos aqui uma passagem em que Saviani fala sobre o processo de superação do Estado e relaciona hegemonia ao consenso: “Quer dizer, superada a sociedade de classes, chegado o momento histórico em que prevalecem os interesses comuns, a dominação cede lugar à hegemonia, a coerção à persuasão, a repressão se desfaz, prevalecendo a compreensão. Aí, sim estarão dadas historicamente as condições para o pleno exercício da prática educativa (SAVIANI, 2006, p.87, grifo nosso).

13Espaços em que os trabalhadores negociavam com empresários e Estado a manutenção do emprego em troca de redução de impostos por parte do Estado e da garantia de que os trabalhadores não fariam greve e nem parariam a produção.

14Para Freire (1997), a nova fase histórica trazia o aprendizado de que era possível refazer o mundo, partejando “novas lutas em outros níveis. O aprendizado, afinal, de que numa nova prática democrática, é possível ir ampliando os espaços para os pactos entre as classes e ir consolidando o diálogo entre os diferentes. Vale dizer, ir aprofundando-se as posições radicais e superando-se as sectárias” (FREIRE, 1997, p.101, grifo nosso). Essa defesa complementava a sua proposição do socialismo democrático, não autoritário.

15Lançado no ano de 1999, o documento Educational Change in Latin America and the Caribbean, traz apontamentos da relação que buscava entre educação e socidade: “Three interrelated social goals drive government investment in education in LAC [Latin America and the Caribbean] countries - providing a skilled and flexible work force in the interests of economic growth, fostering social cohesion and promoting democracy and reducing the social inequality and poverty” (WORLD BANK, 1999b, p.13, grifo nosso). Ainda nesse documento, a organização propõe que “policies of inclusion are essential to fostering social cohesion and decreasing the incidence of violence and civil unrest” (WORLD BANK, 1999b, p.51).

16Novas Diretrizes e Bases da Educação Nacional - NLDB.

17Destaca-se que essas formulações são frutos de embates políticos internos ao partido. Novamente, enfatizamos que essas mudanças não ocorreram sem questionamentos, foram permeadas por muitas contradições. Devido aos limites de tamanho do artigo, demonstraremos apenas as mudanças mais gerais, sem apresentar as mediações e sem fazer o diálogo com as mudanças ocorridas na conjuntura econômica e política que contribuíram em tais transformações.

Recebido: 04 de Dezembro de 2020; Aceito: 15 de Abril de 2021

Emyly Kathyury Kataoka - Investigação, metodologia, conceituação, análise dos dados, escrita do texto - primeira versão

Luciana Pedrosa Marcassa - Conceituação, análise formal e escrita do texto - revisão e edição

2

As autoras declaram que não há conflito de interesse em relação ao presente artigo.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons