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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.38  Belo Horizonte  2022  Epub 11-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/0102-469837849 

Artigos

PROPAGANDA, MÍDIA E EDUCAÇÃO: O DISCURSO OFICIAL E PUBLICITÁRIO SOBRE A REFORMA DO ENSINO MÉDIO DE 20171

PUBLICIDAD, MEDIOS Y EDUCACIÓN: EL DISCURSO OFICIAL Y PUBLICITARIO SOBRE LA REFORMA DE LA ESCUELA SECUNDARIA 2017

ANDRÉ RANDAZZO ORTEGA1 
http://orcid.org/0000-0003-1198-9742

JOANA D’ARC GERMANO HOLLERBACH1 
http://orcid.org/0000-0002-3931-7836

1 Universidade Federal de Viçosa (UFV). Viçosa, MG, Brasil.


RESUMO:

Este artigo traz os resultados de uma pesquisa que analisou as propagandas sobre a reforma do Ensino Médio de 2017, realizando contrapontos com a realidade do sistema educacional brasileiro e levando em conta questões socioeconômicas, interpretações do próprio texto da lei e perspectivas históricas das políticas para o Ensino Médio no Brasil. Foram utilizadas técnicas de análise documental e de conteúdo com uso do software Iramuteq de exame de textos à luz de matriz bibliográfica amparada nos principais eixos do materialismo histórico dialético. Identificou-se a existência de dois eixos contidos nas propagandas: a defesa de que a Lei nº 13.415/17 traz vigor e ares de renovação e novidade ao Ensino Médio, por um lado, ao passo em que, por outro, a exaltação de uma suposta liberdade de escolha por parte dos educandos pela trajetória curricular de acordo com suas ambições, desejos e metas pessoais para o futuro, o que aumentaria a satisfação destes com a experiência escolar. Entretanto, defendemos que o discurso oficial e publicitário sobre a Lei nº 13.415/17 apresenta um conteúdo falacioso, que distorce e manipula o conteúdo do texto legal, sendo que o objetivo principal dos anúncios é garantir as condições de implementação de uma reforma educacional que convém àqueles interessados na manutenção do status quo social, no qual uma elite domina e dirige a sociedade, controlando a produção e o grande capital, relegando ao conjunto restante da sociedade uma realidade socioeconômica totalmente adversa na qual nem mesmo a educação é garantida para todos de forma igualitária.

Palavras-chave: Ensino Médio; Propaganda; Reforma do Ensino Médio; Lei 13.415/2017; Educação Básica

RESÚMEN:

Este artículo presenta resultados de investigación que analizó los anuncios sobre la reforma de la escuela secundaria de 2017, haciendo contrapuntos con la realidad del sistema educativo brasileño y teniendo en cuenta los problemas socioeconómicos, las interpretaciones del texto de la ley y las perspectivas históricas de las políticas de enseñanza. medio en Brasil. Se utilizaron técnicas de análisis de documentos y contenido utilizando el software Iramuteq para examinar textos a la luz de matriz bibliográfica respaldada por el materialismo histórico dialéctico. Se identificó la existencia de dos ejes contenidos en los anuncios: la defensa de que la Ley N ° 13.415 / 17 trae vigor y aires de renovación y novedad a la escuela secundaria, por un lado, y, por otro, la exaltación de una supuesta libertad de elección de los alumnos según la trayectoria curricular de acuerdo con sus ambiciones y metas personales para el futuro, lo que aumentaría su satisfacción con la experiencia escolar. Defendemos que el discurso oficial y publicitario sobre la Ley nº 13.415 / 17 presenta un contenido falaz que distorsiona y manipula el contenido del texto legal, siendo que el objetivo principal de los anuncios es garantizar las condiciones de implementación de una reforma educativa que corresponda a aquellos Interesado en mantener el status quo, en el que una élite domina y dirige la sociedad, controla la producción y el capital y relega al resto de la sociedad una realidad socioeconómica adversa en la que ni siquiera la educación estaba garantizada para todos.

Palabras clave: Escuela secundaria; Publicidad; Reforma de la escuela secundaria; Ley 13.415 / 2017; Educación básica

ABSTRACT:

This article brings the results of a research that analyzed the advertisements about the 2017 high school reform, making counterpoints with the reality of the Brazilian educational system and taking into account socioeconomic issues, interpretations of the text of the law, and historical perspectives of the policies for high school in Brazil. Techniques of document and content analysis were employed by using the Iramuteq software for examining texts in the light of a bibliographic matrix supported by the main axes of dialectical historical materialism. We identified two axes in the advertisements: the defense that Law no. 13.415/17 brings vigor and an air of renewal and novelty to high school on the one hand, and, on the other, the exaltation of a supposed freedom of choice by students for the curricular trajectory according to their ambitions, desires, and personal goals for the future, which would increase their satisfaction with the school experience. Nonetheless, we argue that the official and advertising discourse on Law no. 13.415/17 presents fallacious content that distorts and manipulates the content of the legal text and that the main objective of the advertisements is to guarantee the conditions for implementing an educational reform that suits those interested in maintaining the social status quo, in which an elite dominates and directs society, controlling production and big capital, relegating the rest of society to an adverse socioeconomic reality in which not even education is guaranteed for all in an equal manner.

Keywords: High School; Propaganda; High School Reform; Law no. 13.415/2017; Basic Education

INTRODUÇÃO

O ano de 2016 pode ser entendido como um período de grande instabilidade na vida social, econômica e política no Brasil. Em meio à efervescência de setores civis e grandes manifestações pelas principais cidades do país, assistiu-se ao engendramento e execução de um golpe de Estado que destituiu a presidenta eleita Dilma Vana Rousseff ainda antes da metade de seu segundo mandato, em 31 de agosto de 2016, por impeachment imposto pelo Congresso Nacional. Num campo político polarizado, com embates cada vez mais acirrados entre os parlamentares em ambas as casas legislativas, somados aos resultados negativos da indústria, do comércio e dos serviços e ao crescimento da massa de desempregados no país, o ideário neoliberal recuperou toda sua força e tomou de sobressalto o Estado e a sociedade brasileira (FERREIRA; SILVA, 2017).

A partir daí, o novo governo assumido pelo vice-presidente Michel Temer, alinhado aos interesses da classe dominante e dirigente nacional, passou a implantar uma série de medidas de austeridade fiscal sob o pretexto de sanar as contas públicas e empreendeu um ataque significativo aos direitos da classe trabalhadora. Nesse sentido, reformas impopulares foram discutidas e aprovadas no Congresso Nacional, por uma base de parlamentares que, vitoriosa no processo de impeachment, manteve-se, a priori, coesa em apoio à nova organização do poder executivo2. Entre as várias medidas que surgiram nesse cenário merecem destaque: a Reforma do Ensino Médio, Lei n° 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, a Emenda Constitucional (EC) n° 95, de 16 de dezembro de 2016, e a Reforma Trabalhista, cujo dispositivo legal é a Lei n° 13.467, de 13 de julho de 2017.

A reforma do Ensino Médio veio a público em 22 de setembro de 2016 e ganhou força de lei com sua publicação no diário oficial da união no dia 23 de setembro, como Medida Provisória n° 746/2016. Após a divulgação, a medida seguiu para o rito processual no Congresso Nacional em regime de urgência. Em rara demonstração de coesão entre os poderes Legislativo e Executivo, a MP foi aprovada em todos os seus eixos centrais e sancionada em 16 de fevereiro de 2017, pelo presidente Michel Temer, como Lei nº 13.415/17.

Já a Emenda Constitucional n° 95/16, publicada no Diário Oficial da União em 16 de dezembro de 2016, instituiu um novo regime no âmbito do Orçamento Fiscal da União, cuja duração é de vinte exercícios financeiros, ou seja, vinte anos. Com o objetivo de enfrentar o déficit orçamentário da União e controlar os gastos do governo, a principal proposição dessa Emenda é o estabelecimento, em cada exercício financeiro, de um limite de gastos para as despesas primárias do Executivo e de outras instituições do aparelho de Estado, tais como o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Defensoria Pública. (BRASIL, 2016). Tais despesas primárias da União se referem, antes de mais nada, aos investimentos do governo em saúde, educação, segurança, infraestrutura, pagamento da folha salarial do funcionalismo público, dentre outros. Logo, observa-se que o texto da EC n° 95/16 exclui do teto estabelecido as despesas financeiras do governo (pagamento de juros e rolagem da dívida pública) - justamente aquelas que levam, proporcionalmente, a maior parte do orçamento previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA). Conforme o texto legal, os limites de gastos formulados pela EC nº 95/16 a partir do exercício financeiro referente ao ano de 2018 seriam calculados pelo valor do ano anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços do Consumidor Amplo (IPCA), publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (BRASIL, 2016). Essa forma de cálculo do orçamento, quando aplicada ao Executivo Federal, por exemplo, inibe pela raiz a possibilidade de um aumento real dos investimentos do Estado, uma vez que a correção mediante o cálculo do IPCA é uma mera compensação de valores. Sendo assim, pode-se afirmar que os investimentos necessários para garantir os direitos sociais da população, entre eles a educação pública, historicamente já sucateada e subfinanciada, estão congelados pelos próximos vinte anos. A EC n° 95/16, conforme parágrafo 5º do art. n° 107, veda, ainda, a possibilidade de “abertura de crédito suplementar ou especial que amplie o montante total autorizado de despesa primária sujeita aos limites de que se trata o artigo” (BRASIL, 2016a). Em termos práticos, isso significa que mesmo que houvesse interesse por parte de algum dos governos eleitos futuramente em um aumento minimamente significativo de investimentos nas áreas supracitadas, os entraves legais seriam tantos que a inciativa provavelmente não sairia do papel.

Por fim, tem-se a Lei n° 13.467/17, cuja principal mudança é a alteração da histórica Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, que tem por finalidade, em teoria, adequar a legislação trabalhista às novas relações de trabalho, próprias do século XXI (BRASIL, 2017). Com um discurso que propugnava a modernização dos ritos legais referentes ao mundo do trabalho e objetivando, ainda, enfrentar o grande número de desempregados existente no país à época, a Lei n° 13.467/17 buscou regulamentar o regime de trabalho intermitente, permitindo que gestantes trabalhem em ambientes insalubres vetados na legislação anterior e reduziu a autonomia e capacidade de atuação da Justiça do Trabalho, retirando um suposto “peso” do Estado em prol de uma negociação e uma relação mais “livre” entre patrões e empregados.

Ora, tem-se aí uma contradição evidente e insuperável. Considerando a distinção de classes, que claramente possuem interesses igualmente distintos, sendo que uma detém o poder econômico e a outra possui apenas sua força de trabalho, é no mínimo ingênuo pensar que, de fato, existe paridade na capacidade de negociação entre trabalhador e patrão no estabelecimento de acordos trabalhistas. Além disso, a reforma atacou diretamente os sindicatos ao retirar a obrigatoriedade da contribuição do imposto sindical, numa ação clara de desestabilização da classe trabalhadora3. Nestes termos, a reforma trabalhista representou um retrocesso nos direitos conquistados pelos trabalhadores em décadas de lutas, imposto na esteira de uma agenda autoritária, liberalizante, privatista, mercadológica, empresarial e de diminuição do papel do Estado em setores de interesse popular.

Não obstante, enquanto o governo da “Ponte para o futuro” determinava os rumos do país de cima para baixo, com pouca ou nenhuma participação efetiva da ampla maioria da população, diversos setores da sociedade civil se levantaram contra as reformas impostas. A resistência pode ser percebida, por exemplo, quando da aprovação da EC n° 95, em segundo turno no Senado Federal, no dia 13 de desembro de 2016, que ocorreu sob o protesto de dezenas de milhares de pessoas que tomaram a Esplanada dos Ministérios em Brasília. Nesta ocasião, a reação do poder da União foi violenta.

Do mesmo modo, o estabelecimento da MP n° 746 da reforma do Ensino Médio gerou uma reação imediata por parte de estudantes secundaristas, docentes e educadores, que, denunciando a precarização subjacente aos propósitos do novo arranjo do Ensino Médio, ocuparam escolas por todo o território nacional4. “No ápice do movimento, aproximadamente 1.400 instituições educacionais ficaram sob gestão estudantil” (FERREIRA; SILVA, 2017, p. 288). Entretanto, naquele contexto, a aprovação relâmpago das propostas, inclusive da Emenda Constitucional 95/16, que requeria uma ampla maioria de 3/5 do Congresso, evidenciou um distanciamento entre os anseios populares e o governo.

Nas instâncias do poder, partidos de esquerda ofereceram resistência contra as medidas. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) moveu a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 5.599 junto ao Ministério Público e à Procuradoria Geral da União contra a MP n° 7465. Em relatório inicial, o ministro Edson Fachin, do STF, entendeu que a medida não respeitou o rito processual e a necessidade de diálogo requerida por uma reforma dessa envergadura, contrariando os princípios de uma gestão democrática da educação preconizados na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), considerando-a, inclusive, inconstitucional, devido à forma com que foi implantada (como Medida Provisória). Ainda segundo a relatoria, a reforma não apresentava, com efeito, soluções efetivas e contundentes que justificassem a urgência requerida para políticas executadas através de Medida Provisória (BRASIL, 2016a).

Nesse contexto, veículos de imprensa e redes sociais foram tomados por debates e polêmicas referentes à maneira com a qual a reforma foi instituída e no tocante aos seus pressupostos. Diante do cenário adverso, o governo, então, lançou mão de intensa e agressiva campanha de marketing, amplamente divulgada através da grande mídia televisiva, com o objetivo de exaltar a nova configuração do Ensino Médio. Como pontua Saviani (2018), essa reação ocorreu ao mesmo tempo em que as críticas direcionadas à medida eram ignoradas. Como propagandas políticas, os anúncios publicitários sobre a reforma do Ensino Médio traziam à tona a forma com a qual o Estado e o Ministério da Educação (MEC) “vendem” a sua política educacional, buscando, assim, azeitar as condições necessárias para a efetivação.

Levando em conta a problemática anteriormente apresentada, nosso objetivo neste trabalho foi analisar o discurso oficial contido nas propagandas políticas sobre a reforma do Ensino Médio, consubstanciada na Lei n° 13.415/17, versando acerca de seus sentidos, fins e impactos, realizando contrapontos com a realidade do sistema educacional brasileiro e levando em conta questões socioeconômicas, interpretações do próprio texto da lei e perspectivas históricas das políticas para essa etapa de ensino no Brasil.

Trata-se de pesquisa qualitativa e quantitativa, que utilizou a técnica de análise de conteúdo para recolha de dados, auxiliada através do uso do software francês Iramuteq de análise de textos. Conforme Moraes,

A análise de conteúdo constitui uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos. Essa análise, conduzindo a descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas, ajuda a reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além de uma leitura comum (MORAES, 1999, p. 2).

A pesquisa bibliográfica, cuja matriz está amparada nos principais eixos do materialismo histórico dialético, completa, por fim, o conjunto teórico-metodológico, sendo que, ao “investigar a conexão íntima entre a forma pela qual a sociedade produz sua existência material e a instituição escolar que cria” (NOSELLA; BUFFA, 2009, p.79), o materialismo histórico tem por objetivo primordial ir além da:

Aparência fenomênica, imediata e empírica-por onde necessariamente se inicia o conhecimento, sendo essa aparência um nível da realidade e, portanto, algo importante e não descartável, é apreender a essência (ou seja: a estrutura e a dinâmica) do objeto. Numa palavra: o método de pesquisa que propicia o conhecimento teórico, partindo da aparência, visa alcançar a essência do objeto (NETTO, 2011, p.22).

Uma vez delimitado o escopo teórico-metodológico, devemos explicitar os procedimentos adotados no trato com os materiais de pesquisa que culminaram na obtenção dos dados adiante analisados. Primeiramente, definiu-se um conjunto de propagandas (P) produzidas pelo MEC sobre a reforma do Ensino Médio para serem submetidas à análise. Obtivemos, então, uma amostra de cinco anúncios, todos vinculados em grandes meios de comunicação e disponibilizados no canal do MEC, na plataforma Youtube, entre os dias 26/12/2016 e 04/01/2017, a saber:

  • P1 - Com o Novo Ensino Médio, você tem mais liberdade para escolher o que Estudar! (BRASIL, 2016b).

  • P2 - O Novo Ensino Médio vai deixar o aprendizado mais estimulante e compatível com a sua realidade!6 (BRASIL, 2016c).

  • P3 - O Novo Ensino Médio vai melhorar a educação dos jovens! (BRASIL, 2017b).

  • P4 - Com o novo Ensino Médio você pode decidir o seu futuro! (BRASIL, 2017c).

  • P5 - O Novo Ensino Médio vai ser mais estimulante e compatível com a sua realidade!7 (BRASIL, 2017d).

Segundamente, procedemos à transcrição ipsis litteris do conteúdo das propagandas, garantindo, assim, maior facilidade e clareza em sua manipulação e, desse modo, preparando os corpus textuais. Com o uso do Iramuteq, submetemos as transcrições a duas ferramentas disponíveis no software, a Análise de Similitude e a geração de Nuvem de Palavras. A primeira é uma ferramenta que nos mostra a ocorrência e a interconexão entre as principais palavras e termos contidos nos conteúdos examinados, e a segunda, por seu turno, revela as palavras mais representativas presentes no texto a partir de critérios estatísticos.

A priori, cada um dos cinco anúncios constituiu um corpus textual individual, posto em análise em ambas as ferramentas separadamente, o que permitiu a identificação de suas especificidades. Em seguida, as propagandas foram reunidas de forma integral em um único corpus (PT) e novamente estudadas, o que possibilitou a compreensão das linhas gerais do conteúdo. Este procedimento levou à obtenção de conjuntos de dados que serão parcialmente expostos nas seções subsequentes deste texto, para a devida discussão.

Para além dos anúncios, entretanto, aquilatamos profícua a inclusão de outros documentos para o devido exame, em sua maioria textos legais referentes às análises propostas, quais sejam: Parecer nº 45, de 14 de janeiro de 1972 (CFE, 1972); Relatoria da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5.599 (BRASIL, 2016a); Emenda Constitucional n° 95, de 16 de dezembro de 2016 (BRASIL, 2016); Lei n° 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017a); e, por fim, Lei n° 13.467, de 13 de julho de 2017 (BRASIL, 2017).

Isto posto, as páginas subsequentes apresentarão o desenvolvimento das reflexões e conclusões advindas dos materiais, documentos, fontes e métodos supracitados. Mormente, porcederemos com breves ponderações sobre o papel da mídia no contexto da Lei n° 13.415/17, concetando-o com um sucinto debate sobre a atuação das propagandas políticas em sociedades democráticas. Em seguinda, traçamos um panorama da história recente do Ensino Médio no Brasil, elegendo como marco inicial a reforma escolar da ditadura consubstanciada na Lei n° 5.692/71 e culminando com a reforma de 2017, a mais recente política educacional dessa envergadura no país. Posteriormente, nosso foco foi identificar as linhas de força dessa reforma e os principais elementos das propagandas políticas produzidas pelo MEC no contexto de sua aprovação, para, logo adiante, confrontá-los em face da realidade do Ensino Médio no Brasil.

O PAPEL DA MÍDIA NO CONTEXTO DA LEI N° 13.415/17: DEMOCRACIA E PROPAGANDA POLÍTICA

Segundo Pochmann (2017), nos anos imediatamente anteriores ao processo de impeachment, durante o governo do Partido dos Trabalhadores (PT), no Brasil, a tônica da política internacional buscava manter o legado do governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), que, por sua vez, ficou marcado por um realinhamento do Brasil em termos geopolíticos mundiais, no qual a antiga subserviência à hegemonia dos Estados Unidos da América deu lugar à busca pelo fortalecimento de alianças com países vizinhos, como no bloco do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), e com outras nações emergentes como Rússia, China, Índia e África do Sul, na formação dos BRICS.

Diante do crescente protagonismo político e econômico brasileiro, se tornou imprescindível para o interesse imperialista norte-americano a derrubada do governo e a sua substituição por um que, uma vez mais, se submetesse por completo ao poder dos EUA8. No livro O Golpe de 2016 e a Educação no Brasil, resultado das conferências proferidas ao longo do primeiro semestre de 2018 no curso livre homônimo, promovido pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE-UNICAMP), estão reunidos textos de intelectuais que se debruçaram ao entendimento do contexto de formulação da Lei 13.415/17 e do atual jogo de forças políticas internas e externas que atuam no Brasil de modo a pensar sobre tais questões.

Nesse sentido, conforme Medeiros Filho (2018) e Saviani (2018), o Brasil foi alvo de um tipo de intervenção imperialista que dispensa o uso do aparato militar e, ao contrário, conta com as mais diversas instituições do próprio país atuando para a desestabilização de um governo. A esse movimento dá-se o nome de “Guerra Híbrida”. No caso brasileiro, destacaram-se a atuação, entre outras instituições, do Judiciário, na figura do juiz de primeira instância Sérgio Moro e da operação Lava-Jato, e da grande mídia (SOUZA, 2017; MASCARO, 2018) que, por sua vez, ao dar enfoque privilegiado aos casos de corrupção nos quais estavam envolvidos políticos do PT, buscou a todo custo deslegitimar o governo Dilma ao mesmo tempo em que atacava diretamente o ex-presidente Lula, figura de proa e destacada relevância no campo político do Brasil atual. O juiz Sérgio Moro, nesse ínterim, recorrentemente vazava para os grandes meios de comunicação delações e escutas telefônicas que deviam, por lei, permanecerem sob segredo de justiça. Aos poucos, a população foi conclamada às ruas para protestar, atribuindo a crise do país à corrupção que, supostamente, teria atingido seu ápice com o governo petista. A cobertura dessas manifestações foi outro grande destaque da mídia e uma forte arma conta o governo. Em vista disso, nota-se que a mídia atuou como difusora dos ideais do grupo dominante do país, cujos interesses são subservientes aos interesses imperialistas norte-americanos e fomentou um movimento que culminou com a destituição de Dilma (e, consequentemente, do PT, de uma estada de 13 anos no executivo federal) num golpe parlamentar, jurídico e midiático (SAVIANI, 2018) que levou ao poder um grupo político de viés conservador, entreguista e neoliberal.

Entretanto, para além do papel que executou enquanto artífice do impeachment, em se tratando do contexto que se relaciona diretamente com a aprovação da Lei nº 13.415/17, a mídia foi o grande meio através do qual foram vinculadas as massivas propagandas políticas sobre a reforma do Ensino Médio.

Nosso entendimento das propagandas políticas está ancorado em Chomsky (2014). O autor compreende essas propagandas como um instrumento de azeitamento das condições para a implementação de ações governamentais, na medida em que buscam criar consensos e opiniões formatadas a respeito de um determinado assunto. Chomsky percorre o histórico das propagandas políticas, remontado à criação da Comissão Creel, em 1916, responsável por modificar a opinão da população estadunidense quanto à entrada do país na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A partir do uso massivo e recorrente das propagandas políticas, as classes dominantes e dirigentes utilizam-se da mídia como meios de difusão de seus pressupostos ideológicos, transmitindo às pessoas como elas devem sentir, agir e pensar sobre um determinado tema. Com base nesse contexto, temos o que Chomsky classifica como uma concepção de democracia que considera que o povo deve ser impedido de decidir sobre seus próprios assuntos e questões pessoais e que, por isso, o acesso à informação deve ser rigidamente controlado. Nos dizeres do autor:

Naquilo que hoje em dia é chamado de Estado totalitário ou Estado militar, é fácil. Basta manter um porrete acima das cabeças deles, e se eles saírem da linha você lhes esmaga a cabeça. Mas como a sociedade tem se tornado mais livre e democrática, perdemos esse poder. Consequentemente, precisamos recorrer às técnicas da propaganda política. A lógica é cristalina. A propaganda política está para uma democracia assim como o porrete está para um Estado totalitário. Esta é uma atitude inteligente e vantajosa porque, uma vez mais, os interesses comuns escapam ao rebanho desorientado: ele não consegue decifrá-los (CHOMSKY, 2014, p.10).

Tendo em vista esse horizonte teórico, as propagandas políticas referentes à Lei nº 13.415/17 configuram-se como uma poderosa ferramenta de manipulação e coerção social capaz de produzir consensos e opiniões formatadas favoráveis à reforma do Ensino Médio, sem que fosse possível contestá-la a partir do senso comum. A intensa campanha de marketing produzida pelo MEC para promover sua nova política, em uma clara resposta às reações de setores da sociedade civil diante da instabilidade política e social brasileira à época, lança mão, ainda, de outros tipos de artifícios que aumentavam sua eficácia: uma roupagem moderna e de fácil identificação, apelo à subjetividade e a utilização de slogans vazios e frases feitas, tais como “Quem conhece o Novo Ensino Médio, aprova!” (BRASIL, 2016b), e “Novo Ensino Médio. [...] Agora é você quem decide o seu futuro” (BRASIL, 2017d).

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA RECENTE DO ENSINO MÉDIO NO BRASIL: DA LEI 5.692/71 À 13.415/17

Nosso debate parte da definição da reforma de ensino consubstanciada na Lei n° 5.692, de 1971 como um marco significativo para a história do Ensino Médio no Brasil, uma vez que pode ser considerada como o ponto de maior impacto na estruturação da educação brasileira e, especificamente, da formação técnica no nível médio, uma vez que coloca como compulsória a profissionalização em todo ensino de 2º grau (RAMOS, 2012, p. 31-32).

Gestada e sancionada nos tempos do “milagre econômico”, que segundo Germano (1993)correspondem ao final da década de 1960 e início da década de 1970, quando a economia brasileira crescia a taxas de 10% ao ano, impulsionando a ideia do Brasil potência e gerando um clima de euforia no país, sustentado no período de maior repressão do regime civil militar (1964-1985), esta reforma “obedeceu a transformações havidas no mundo do trabalho, determinadas pelo crescente desenvolvimento industrial decorrente do modelo de substituição de importação” (KUENZER, 2009, p. 29). Foi, pois, em seu bojo que se consolidou a pedagogia tecnicista no Brasil, que pautava-se na busca pela neutralidade científica, pela eficiência, produtividade e racionalidade dos processos educativos, além de incorporar os moldes da produção fabril, no esforço de formar os trabalhadores necessários ao contexto capitalista da época (SAVIANI, 2013).

De acordo com Kuenzer (2009), através da profissionalização compulsória, a Lei 5.692/1971 pretendeu acabar com a dualidade historicamente construída no ensino de 2º grau9 e, por conseguinte, garantir a todos a mesma trajetória escolar. Para justificar a validade da nova lei, o governo engendrou diversos argumentos que compuseram um discurso oficial sobre a reforma. Um primeiro era o de que a formação de técnicos era necessária pela escassez destes profissionais no mercado. Outro, de que a profissionalização do currículo serviria para evitar a “frustração dos jovens”, que, ao completarem o ensino de 2º grau, teoricamente não ingressariam na universidade nem no mercado de trabalho por não possuírem habilitação profissional (RAMOS, 2012). Por fim, argumentou-se, ainda, que a reforma solucionaria as precariedades da LDB de 1961, resolveria os problemas educacionais no país, e que a formação para o trabalho estava em íntima relação com a autorrealização dos jovens como finalidades do ensino nas escolas (CFE, 1972).

Não obstante, em termos concretos, a reforma da ditadura civil-militar buscou desarticular a formação básica do Ensino Superior e assim reprimir o crescente aumento da demanda por vagas advinda das classes médias (ROMANELLI, 1978). Como nos diz Oliveira (2017, p. 23), no discurso oficial do governo, a estrutura escolar tornar-se-ia mais adequada e eficaz na seleção dos mais “capacitados”, ou seja, estudantes abastados e de condição social favorecida, matriculados em escolas particulares, propensos à continuidade dos estudos depois do colegial em detrimento dos “incapacitados”, que ficariam, ao contrário, na etapa mínima, com formação técnica suficiente para obter um salário-base no sistema produtivo, aprofundando o sistema de exclusão. Nesse cenário, e a despeito do esforço por parte do Estado em bancar a sua reforma educacional, a Lei 5.692/71 fracassou em suas principais determinações, tendo sido abandonada já na década seguinte.

De acordo com Saviani (2013), vigente na década de 1980, no contexto da redemocratização do país após duas décadas de autoritarismo, o aumento na produção acadêmica e a formação de grupos e organizações que defendiam uma proposta de educação eminentemente humana, pública e de qualidade, focada no desenvolvimento integral do jovem, alavancaram as chamadas pedagogias contra-hegemônicas. Sendo assim, novos projetos foram levados para o âmbito da educação em diversas localidades do Brasil10.

Não obstante, a crise do endividamento do país com o Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), a emergência do neoliberalismo e as mudanças ocorridas na produção no período da 3ª Revolução Industrial, ou reestruturação produtiva, acabaram por tornar-se a força central que delineou as políticas educacionais nas últimas duas décadas do século XX. À mercê das determinações das instituições credoras, as políticas educacionais no Brasil se pautaram na busca da formação por capital humano que se adequasse ao novo padrão de acumulação e produção exigido pelo sistema do capital (SOARES, 2007).

Segundo Duarte (2010), as ações do Estado para universalização da Educação Básica no Brasil nesse período se pautaram na universalização do Ensino Fundamental, conforme as determinações do Banco Mundial, que via nessa etapa de ensino o maior potencial de retorno aos investimentos e à formação de capital humano. Ainda segundo a autora, em comparação a países vizinhos como Chile e Argentina, apenas tardiamente o Brasil passou a se ocupar da universalização do Ensino Médio11. A Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 9.394 de 1996 (LDBEN) abraçaram esses ideais na medida em que promoveram a descentralização do sistema educativo, definindo funções específicas a estados e municípios, e eximindo a União de grandes responsabilidades em relação à Educação Básica e ao Ensino Médio.

A lógica descentralizadora, típica do discurso neoliberal de estado mínimo, permaneceu como a tônica das políticas educacionais durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016). Segundo o Censo da Educação Básica de 2016, das 28,3 mil escolas que ofertam Ensino Médio no Brasil, apenas 517 são federais, dado que corresponde ao fato de que a responsabilidade da oferta desta etapa de ensino é dos estados, como determina a LDBEN (BRASIL, 2017e). Esta ínfima participação da União traz consequências graves para a educação brasileira, uma vez que a capacidade de investimentos das unidades federativas e dos municípios é substancialmente menor, o que contribui para a precarização do Ensino Médio e da Educação Básica de modo geral. Não obstante, este é apenas um dos graves problemas que rondam o Ensino Médio.

De acordo com o PNAD 2006, o acesso ao ensino médio é profundamente desigual. Consideradas as pessoas com idade de 15 a 17 anos, entre os 20% mais pobres apenas 24,9% estava matriculada, enquanto entre os 20% mais ricos, 76,3% frequentava esta etapa de ensino. [...] O recorte étnico-racial demonstra que apenas 37,4% da juventude negra acessava o ensino médio, contra 58,4% branca. A qualidade do ensino, aferida pelos exames, também é marcada pelas desigualdades. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB/2005) foi de 3,4 para o ensino médio nacional. Para estudantes da rede privada foi de 5,6 e para os das redes públicas, 3,1 (KRAWCZYK, 2009, p. 5)12.

Às desigualdades socioeconômicas e étnico-raciais somam-se também as discrepâncias que opõem diferentes regiões do país, como a região sudeste, com 76,3% de seus jovens no Ensino Médio, em detrimento de 33,1% da região nordeste (KRAWCZYK, 2009, p. 5). Há ainda um componente subjetivo, identificado por Krawczyk (2009), entre docentes e estudantes, que diz respeito à falta de interesse, desmotivação e falta de identidade. Zibas (1992), já nos anos 1990, ao tecer um debate sobre a produção científica voltada para o Ensino Médio, atribuiu essa falta de identidade às questões históricas e à inconsistência das políticas educacionais que o enfocam.

Com efeito, pode-se inferir que, em termos concretos, ainda hoje o Ensino Médio permanece como a etapa mais polêmica, problemática e desigual da Educação Básica no Brasil. O cenário foi agravado pela execução do processo de impeachment que destituiu a Presidenta Dilma Rousseff, em agosto 2016, que, como nos dizem Lombardi e Lima (2018, p.52), alçou ao poder um governo de caráter antinacional, antipopular e antidemocrático. Esse é, pois, o contexto de formulação da Lei nº 13.415/17, que tem um Ensino Médio desigual, problemático e amorfo como objeto.

AS LINHAS DE FORÇA DA LEI N° 13.415/17

Para início de discussão é necessário compreender que a Lei nº 13.415/17 representa, assim como várias de suas antecessoras, uma política de governo, ou seja, trata-se do amoldamento da educação ao projeto político do grupo que detém o poder, nesse caso, conforme sublinhado anteriormente, uma elite dirigente de viés neoliberal, alinhada aos interesses dos setores produtivos e do grande capital, que usurpou o poder através de um golpe parlamentar (MASCARO, 2018; SOUZA, 2017).

Em uma perspectiva mais ampla, podemos entender que próprio cenário político vivenciado em 2016 é uma ruptura na história recente da ainda frágil e intermitente democracia brasileira, o que, conforme Saviani (2018), se reflete na inconsistência da própria educação no Brasil. Em termos concretos, não só a Reforma do Ensino Médio representou uma mudança de sentido nos rumos da educação, como também outras disposições, dentre as quais a EC nº 95/16, que estabeleceu o teto dos gastos públicos, por exemplo, fizeram do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 e suas principais metas letra morta (SAVIANI, 2018). Nesse contexto, a instituição escolar é convocada para adequar a classe trabalhadora aos novos ditames do mercado e ao novo contexto de produção e acumulação do capital (LOMBARDI; LIMA, 2018)

Prometendo resolver os problemas identificados no Ensino Médio por todo país, o Poder Executivo Federal, através da figura do presidente Michel Temer e do Ministro da Educação, o administrador de empresas José Mendonça Bezerra Filho, apresentou a Reforma do Ensino Médio pouco menos de um mês após da consumação do golpe parlamentar, mediante medida provisória, como supramencionado. Logo em seus primeiros artigos, a Lei nº 13.415/17 determina mudanças que dizem respeito à carga horária mínima anual do Ensino Médio:

Art.1º O art. 24 da Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art.24. I - a carga horária mínima anual será de oitocentas horas para o ensino fundamental e para o ensino médio, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar [...]

§ 1º A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser ampliada de forma progressiva, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil horas anuais de carga horária, a partir de 2 de março de 2017. (BRASIL, 2017a, s.p.).

Vê-se, portanto, de acordo com o texto legal, que a ampliação progressiva da carga horária do Ensino Médio prevê o aumento das oitocentas horas atuais para mil e quatrocentas horas, divididas em, pelo menos, 200 dias letivos. Em outros termos, o disposto no artigo 1º da reforma nos apresenta um dos objetivos da Lei, que é, como diz a redação oficial, a instituição da Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Não obstante, nenhum artigo, parágrafo ou inciso contido na Lei indica um prazo para a implantação da carga horária de mil e quatrocentas horas, sendo determinando apenas um período de cinco anos para que os sistemas de ensino ofertem ao menos mil horas anuais, ou seja, duzentas horas a mais do que a carga horária atual. Em uma conta simples, esse acréscimo representa um inexpressivo aumento de, em média, uma hora diária, se levarmos em conta o mínimo de duzentos dias letivos.

Da Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral ainda fazem parte outros oito artigos da reforma, que dispõem sobre o repasse de recursos para escolas que implementem o ensino integral e atendam a determinadas exigências e metas. Entretanto, o parágrafo 2º, do art. 14, é enfático ao delimitar que “A transferência de recursos será realizada anualmente, a partir de valor único por aluno, respeitada a disponibilidade orçamentária para atendimento, a ser definida por ato do Ministério de Estado da Educação” (BRASIL, 2017a, grifo nosso). Sendo assim, entende-se que o repasse de recursos para as escolas, em um contexto de políticas de austeridade como a EC nº 95/16, está minado pela base, e que o MEC, por seu turno, aparece munido de um dispositivo legal que o permite eximir-se da responsabilidade para com o fomento do Ensino Médio em tempo integral.

Ao legislar sobre o currículo Ensino Médio, o texto da Reforma relega à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) a definição dos direitos e objetivos de aprendizagem, que devem incorporar quatro áreas de conhecimento: “I - Linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas” (BRASIL, 2017a). A partir disso, já podemos mensurar a importância da BNCC para a concretização da Lei nº 13.415/17.

Outro ponto a ser notado é que o dispositivo legal, no art. 3º, parágrafo 3º, prevê apenas que o ensino de língua portuguesa e de matemática são componentes obrigatórios nos três anos de Ensino Médio. A maior importância dada a esses conteúdos refere-se diretamente à lógica organizacional das grandes avaliações nacionais13, que auferem a qualidade da educação com base no desempenho dos jovens em português e matemática.

As mudanças relacionadas ao currículo não param por aí, sendo nelas, inclusive, que reside aquela que, se não for a principal proposição da reforma do Ensino Médio, é, como demonstraremos adiante, um dos pilares centrais da sustentação das propagandas produzidas pelo MEC: a criação e inclusão dos chamados itinerários formativos.

O art. 4º da Lei nº 13.415/17 altera o art. 36 da LDBEN e determina:

Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:

  • I - linguagens e suas tecnologias;

  • II - matemática e suas tecnologias;

  • III - ciências da natureza e suas tecnologias;

  • IV - ciências humanas e sociais aplicadas;

  • V - formação técnica e profissional.

Com base no exposto, podemos compreender aquelas que são as principais linhas de força da mais recente reforma para o Ensino Médio no Brasil: o fomento ao ensino integral e a flexibilização do currículo mediante os itinerários formativos. Todavia, para além das possíveis interpelações embasadas no texto legal, a Lei nº 13.415/17 foi objeto de uma intensa campanha publicitária, cujo conteúdo produziu um discurso oficial acerca de seus pressupostos e objetivos. A análise desse conteúdo e desses discursos será apresentada na seção seguinte.

AS PROPAGANDAS DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO CONSUBSTANCIADA NA LEI N° 13.415/17: EIXOS FUNDAMENTAIS E ELEMENTOS COERCITIVOS

Conforme indicado na introdução, as propagandas sobre a Lei nº 13.415/17 surgem em um contexto de grandes manifestações de setores sociais contra a reforma e as mudanças que estavam sendo propostas. Como identifica Saviani: “[...] o governo, em lugar de levar em conta as críticas revendo a orientação impressa à reforma, ignorou-as e lançou uma agressiva campanha publicitária com muitas inserções diárias nos meios de comunicação [...]” (SAVANI, 2018, p. 40). É justamente sobre parte dessa campanha que nossa pesquisa se debruça neste momento. Os resultados da análise conduzida através do software Iramuteq nos permitiu identificar, em primeiro lugar, os eixos fundamentais que compõem os anúncios.

A primeira constatação refere-se à identificação de um eixo central comum presente em todas as propagandas examinadas, composto pela expressão “Ensino Médio” acrescida da palavra “novo”. Com efeito, “Novo Ensino Médio” é o título, ou mote, através do qual o discurso contido nas propagandas trata e “vende” a Lei nº 13.415/17. O exame individualizado dos anúncios mostra-nos ainda que, em cada anúncio, o referido eixo comum é acrescido de outros termos que, via de regra, não se repetem entre uma propaganda e outra, o que denota que cada uma delas apresenta aspectos próprios.

Entretanto, apesar de claras diferenças no tocante aos conteúdos, os sentidos das propagandas são complementares e, apesar de identificáveis fins particulares, todas estão voltadas para um objetivo comum: a exaltação da Reforma do Ensino Médio. As evidências a respeito da existência desse objetivo comum começam pelo próprio tratamento dado pelo discurso oficial à reforma, o já mencionado título “Novo Ensino Médio”.

Conforme descrito anteriormente, o contexto do Ensino Médio no Brasil é extremamente adverso. Primeiramente, tem-se as desigualdades (internas à escola e externas a ela) que tornam-no a etapa mais problemática da Educação Básica, com péssimos rendimentos nas grandes avaliações, inclusive quando observamos também as instituições privadas14. Ao mesmo tempo, o Ensino Médio desperta em seus principais atores (docentes e alunos) uma gama de sentimentos negativos, como desinteresse e desestímulo, além de uma histórica falta de identidade. Diante desse cenário, o Estado encontrou a justificativa perfeita para a implantação de uma reforma: “[...] o Ensino Médio apresenta resultados que demandam medidas para reverter esta realidade, pois um elevado número de jovens encontra-se fora da escola e aqueles que fazem parte dos sistemas de ensino não possuem bom desempenho educacional [...]” (BRASIL, 2016a, p. 9).

Esta citação, parte da defesa do governo e da retirada da relatoria da ADI 5.599, é coerente com o que se encontra no conteúdo das propagandas. Em P4, três personagens, um pai, uma mãe e um filho, travam o seguinte diálogo: “- Hum, muito bem filho, e esse novo Ensino Médio é pra já? - Sim pai, não dá mais para esperar. Tem muito jovem fora da escola. - É, eu andei pesquisando. São mais de 2 milhões de jovens fora da escola” (BRASIL, 2017c). Essa passagem do anúncio refere-se às altas taxas de evasão do Ensino Médio no Brasil, embora não discuta as causas do problema que perpassa, inclusive, a necessidade do trabalho dos jovens das camadas menos favorecidas para sua própria sobrevivência ou de seus familiares. O discurso oficial também faz alusão ao desestímulo dos jovens com o Ensino Médio que, segundo a relatoria, é causado pelo distanciamento das disciplinas obrigatórias da realidade dos jovens e do mundo do trabalho (BRASIL, 2016a).

Nos anúncios publicitários, por outro lado, uma das promessas é “deixar o aprendizado mais estimulante e compatível com a sua (do jovem) realidade!” (BRASIL, 2016c). Tomando por base esses argumentos, trazer frescor e ares de novidade ao Ensino Médio é uma questão de urgência. É aí que se cria, pois, o cenário para o “Novo Ensino Médio” e sua legitimação. O conceito do “novo” é, portanto, um dos principais elementos das propagandas sobre a Lei nº 13.415/17.

Figura 1 Nuvem de palavras em PT15  

A utilização do termo “novo” logicamente não aparece como um componente isolado. Ao contrário, veremos que ele é apenas um componente de uma gama de outros termos que compõem os eixos fundamentais que, em conjunto, configuram um poderoso aparato coercitivo do discurso oficial publicitário. Para melhor exemplificação, tomemos como base a Figura 1.

Tratando-se de uma campanha de marketing referente a uma reforma do Ensino Médio, nos parece óbvio que a expressão “Ensino Médio” seja o destaque nos resultados da análise de conteúdo das propagandas. Do mesmo modo, a partir da constatação de que a palavra “novo” compõe ao lado da expressão destaque o título da reforma, compreendemos a razão da sua proeminência na nuvem de palavras. Excluindo-se esses elementos, outros tomam a cena: “mais” “escolher”, “decidir”, “liberdade”, “querer”, “estudar”, “futuro”, “estimulante”, etc.

Já a Figura 2, além do destaque das palavras, evidencia as ligações entre estas no conjunto do conteúdo das propagandas. O advérbio “mais”, por exemplo, destacado na nuvem de palavras (Figura 1) está em conexão direta com o substantivo “liberdade”, o verbo “escolher”, o adjetivo “estimulante” e com o advérbio de tempo “já”. “Futuro”, por outro lado, aparece estreitamente ligado às palavras "ensino", “desejo” e “terminar”. Por fim, o verbo “querer” está associado aos termos “decidir” e “acordo”. Todas estas conexões, que aparecem como ramificações no gráfico de similitude, partem de um mesmo ponto central, composto pela palavra “novo” e pela expressão “Ensino Médio”.

Figura 2 Análise de similitude em PT16  

Partindo, pois, dessa estrutura e lançando luz às transcrições das propagandas, entendemos o sentido contido nessas ligações de palavras. Nos discursos, o “Novo Ensino Médio” trará ao jovem a liberdade para que ele escolha o que deseja estudar, de acordo com suas ambições e seu projeto pessoal de vida e de futuro. Ainda segundo os anúncios, o ensino se tornaria mais estimulante e até mesmo mais compatível com a realidade dos educandos. Trata-se, portanto, segundo o governo, de uma proposta de reforma para a criação de um Ensino Médio novo e atento ao querer, ou seja, ao desejo dos alunos. Na linguagem das propagandas:

Com o Novo Ensino Médio, o ensino nas escolas tem tudo para ficar mais estimulante, mais de acordo com o que a gente quer mesmo. [...] O mais importante é que vamos ter a liberdade de escolher entre quatro áreas do conhecimento para poder nos aprofundar nos estudos, né? Tudo de acordo com os meus sonhos e o que eu desejo pro meu futuro! (BRASIL, 2017b).

O apelo à questão da liberdade e aos outros termos utilizados nessa construção discursiva é reforçado ainda nos próprios títulos das propagandas: “Com o Novo Ensino Médio, você tem mais liberdade para escolher o que estudar!” (BRASIL, 2016b) e “O Novo Ensino Médio vai ser mais estimulante e compatível com a sua realidade!” (BRASIL, 2017d). Notemos, também, a existência do advérbio de tempo “já”, que pressupõe uma resposta dada pelas propagandas sobre quando as mudanças ocorrerão.

A partir do que foi exposto, podemos concluir que a construção discursiva oficial contida nas propagandas sobre a reforma do Ensino Médio consubstanciada na Lei 13.415/17 perpassa dois eixos fundamentais e complementares: a proposição de um Ensino Médio novo e revigorado (primeiro eixo) que, por seu turno, traz como principal avanço a possibilidade de escolha por parte do aluno pelo que estudar (segundo eixo). O aparato coercitivo fica por conta do enfoque dado às questões subjetivas como a suposta atenção ao desejo dos jovens e a construção de um ensino compatível com realidade e desejos destes para o futuro. Para além do discurso, entretanto, buscamos, nos limites desta pesquisa, contrabalancear a retórica governamental com os pressupostos da Lei e a realidade do Ensino Médio no Brasil.

ENTRE O QUE DIZ AS PROPAGANDAS, A LEI E A REALIDADE DO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO

Primeiramente, é preciso entender que a liberdade tão veementemente alardeada pelas propagandas sobre a reforma do Ensino Médio parte do exposto no art. 4º, da Lei nº 13.415/17, que dispõe sobre a nova organização curricular e determina a oferta dos itinerários formativos. É, pois, na escolha por parte dos estudantes que residiria a suposta liberdade, uma vez que, retirada a obrigatoriedade das atuais disciplinas, o jovem direcionaria sua trajetória escolar de acordo com seus desejos. Esse argumento, entretanto, não se sustenta a partir de uma análise mais cuidadosa. Observemos que, conforme o art. 4º, a oferta dos itinerários formativos está sujeita à “relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2017b). Além disso, nenhum dos dispositivos da Lei determina quantos itinerários devem ser oferecidos por escola, definindo apenas que haja pelo menos um em cada instituição.

Diante de uma realidade em que nem mesmo está assegurada a universalidade do Ensino Médio, quiçá a sua qualidade, conforme citado anteriormente, o que se pode esperar, em termos concretos e materiais, da real possibilidade dos sistemas de ensino para a oferta dos itinerários? De mesmo modo, em virtude das desigualdades socioeconômicas, étnico-raciais e regionais que marcam a qualidade e o acesso ao Ensino Médio em um país de dimensões continentais, podemos questionar, e muito, a “relevância para o contexto local” de que fala o texto legal. Estas constatações apontam para um cenário onde não só o Estado parece eximir-se da responsabilidade em aprimorar o Ensino Médio efetivamente, mas também reforça desigualdades ao equalizar e generalizar irresponsavelmente questões particulares que permeiam o já fragilizado sistema público de educação e o Ensino Médio no Brasil. Soma-se a isso o regime de austeridade fiscal e medidas como a EC nº 95/16.

Nesses temros, os jovens dos grandes centros urbanos e das escolas particulares poderão usufruir, em termos concretos, de um ensino com mais liberdade, enquanto que a imensa maioria, usuária dos sistemas públicos de ensino, terá minada pela base a sua possibilidade de escolha em face das péssimas condições materiais das redes. Em outras palavras: a suposta liberdade, principal elemento coercitivo e um dos eixos fundamentais das propagandas sobre a reforma do Ensino Médio é uma falácia construída a partir da retórica para facilitar as condições para implantação da reforma do Ensino Médio e garantir apoio junto à população. A eficácia do discurso, por sua vez, reside em sua capacidade de penetrar no imaginário do jovem, desiludido e descontente com a experiência escolar, notadamente nesta etapa. Com uma roupagem nova e moderna, na qual estão presentes gírias e representações cotidianas, as propagandas atingem em cheio o perfil e o público-alvo desejados.

Em segundo lugar, cabe ressalvar que, assim como os anúncios constroem uma falácia sobre a liberdade trazida pelo “Novo Ensino Médio”, a própria utilização do termo “novo” é questionável, uma vez que diversos autores têm constatado as semelhanças e aproximações com outras reformas educacionais. Kuenzer (2017), por exemplo, argumenta sobre as semelhanças entre os pontos que subsidiaram a Lei 13.415/17 e o Decreto 2.208/97, uma política para o ensino profissionalizante ocorrida durante o auge da agenda neoliberal do governo Fernando Henrique Cardoso.

Oliveira (2017), por seu turno, vai defender a tese de que a Lei 13.415/17 é a mais completa atualização da reforma escolar do regime civil-militar, a Lei 5.692/71, necessária em função da precisão de um novo trabalhador para um novo contexto de acumulação de capital e produção que emergiu com a chamada reestruturação produtiva, quando um mercado cada vez mais globalizado, com a incorporação da microeletrônica aos processos produtivos, fez com que o taylorismo/fordismo deixasse de ser a categoria de produção fundante, dando lugar a uma produção flexível influenciada pelo rápido desenvolvimento científico e tecnológico. Nessa mudança reside a necessidade de um novo trabalhador, conformado a um novo padrão de exploração, um padrão do século XXI.

Essa questão nos leva à reflexão da problemática da profissionalização, um dos principais pilares da Lei 13.415/17 e presente nas propagandas, como podemos perceber na Figura 2 na qual está evidenciada a íntima conexão entre a expressão “Ensino Médio”, o verbo “concluir” e a expressão “formação técnica e profissional”. A partir dessa análise, entendemos que o discurso oficial dos anúncios fomenta que o aluno busque a conclusão do Ensino Médio mediante uma formação técnica profissional, estimulando a sua entrada precoce no mercado de trabalho.

Não obstante, de acordo com Oliveira (2017, p.19), a reforma do Ensino Médio possui “práticas que agravam a desigualdade de acesso ao conhecimento pelas diferentes classes sociais, e visam conformar o trabalhador do século XXI ao novo padrão de exploração exigido pela economia capitalista atual.” Tal manutenção confirma o caráter dual da nossa educação, mantendo o padrão desigual historicamente constituído, no qual ficaram marcadas as trajetórias acadêmicas de duas classes sociais distintas, sendo que, de um lado, está a trajetória destinada aos filhos das elites, que sempre apontou para o prosseguimento dos estudos no Ensino Superior e para a formação visando aos cargos dirigentes do setor produtivo, com melhor remuneração. De outro lado, está a formação restrita para o trabalho, destinada aos filhos da classe trabalhadora, que tem como uma de suas consequências a entrada precoce dos jovens no mercado de trabalho em funções periféricas na dinâmica da produção (KUENZER, 2009). Sendo assim,

Implementando a profissionalização precoce, nos moldes da Lei 5.692/71 da ditadura civil militar, a nova Reforma do Ensino Médio busca impor a farsa tecnicista, representando um retrocesso no debate alimentado por expectativas criadas pelo processo de redemocratização, marcado pela luta em defesa da escola pública [...] (LOMBARDI; LIMA, 2018, p. 57)

A partir do que foi exposto, entendemos que o “Novo Ensino Médio” não representa, de fato, uma novidade de perspectiva para o Ensino Médio na busca pela melhora de sua qualidade. Comporta-se, antes de mais nada, como a busca pela adequação da instituição escolar ao novo padrão de exploração capitalista, que visa conformar o trabalhador ao regime vigente. Como nos diz o filósofo István Mészaros:

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu - no seu todo - ao propósito de não só fornecer conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade [...] (MÉSZAROS, 2008, p. 35).

Nesse sentido, podemos inferir que a Lei 13.415/17 mantém a lógica desigual do Ensino Médio no Brasil e a sua função enquanto ferramenta de legitimação da exploração e do sistema capitalista, sendo, portanto, condizente com o que se observa nas políticas educacionais nas últimas quatro décadas no país.

CONCLUSÕES

A reforma do Ensino Médio consubstanciada na Lei nº 13.415/17 se configura como a mais recente política pública educacional de grande envergadura no Brasil. Gestada nas instâncias de poder tomadas de assalto após a execução do golpe parlamentar de 2016, ela ocorreu na esteira de uma série de medidas de caráter antipopular (contrarreformas) e de uma rígida política de austeridade fiscal de base neoliberal. Em vista disso, nosso trabalho buscou analisar as propagandas sobre a reforma do Ensino Médio de 2017, realizando contrapontos com a realidade do sistema educacional brasileiro e levando em conta questões socioeconômicas, interpretações do próprio texto da lei e perspectivas históricas das políticas para o Ensino Médio no Brasil.

Nesse contexto, a reforma foi alavancada por uma massiva campanha de marketing que lançou mão de uma aparente roupagem moderna, democrática e atrativa para exaltar a Lei e suas determinações. Sendo assim, por trás de uma “capa bonita”, o Estado construiu um discurso oficial que se amparou em dois eixos fundamentais e complementares: a proposição de um Ensino Médio novo e revigorado e a defesa de uma maior liberdade de escolha por parte dos alunos pelo que estudar, de acordo com suas vocações, vontades e ambições de futuro. Como já mencionado, a eficácia desse aparato coercitivo repousa no enfoque dado pelas propagandas a questões subjetivas de desejo e motivação, que são geradas pela falta de interesse e desestímulo por parte dos jovens com esta etapa de ensino, como verificado por Krawczyk (2009), Zibas (1992), dentre outros.

A condução da pesquisa evidenciou, entretanto, que os elementos presentes no discurso oficial contido no conteúdo das propagandas não se sustentam se postos à luz de questões socioeconômicas relacionadas à realidade do sistema educacional brasileiro, principalmente o público, interpretações do texto da Lei e do levantamento de políticas da história recente do Ensino Médio.

Nesse sentido, podemos afirmar que a Lei nº 13.415/17 traz para a esta etapa da Educação Básica a visão de um grupo conservador de viés privatista e mercadológico, o que coincide com as políticas vistas nos anos 1990 no Brasil, no contexto do ajuste neoliberal. Além disso, a proposta de profissionalização contida na Lei, e defendida nas propagandas, aparece-nos como uma clara retomada da Lei nº 5.692/71, a reforma educacional do regime civil-militar, que redundou em fracasso (OLIVEIRA, 2017; LOMBARDI; LIMA 2018; SAVIANI, 2018).

A pesquisa permitiu identificar, ainda, semelhanças referentes aos discursos construídos pelos governos em cada política, mesmo separados por mais de quatro décadas, sendo que ambos aludiram à busca da satisfação dos jovens com a escola e ao tratamento da respectiva política como solução para os problemas da educação no Brasil.

Não obstante, a despeito da retórica oficial, pode-se inferir que a Lei nº 13.415/17 traz em seu bojo a tônica verificada na esmagadora maioria das políticas públicas educacionais das últimas décadas: a adequação da educação aos interesses do grande capital e dos setores produtivos, visando ao fornecimento de mão de obra para a máquina capitalista e perpetuando, assim, a divisão de classes, a extração da mais-valia e da exploração das elites econômicas e dirigentes para com a classe trabalhadora.

Nesse cenário, as diferenças entre as Leis e suas determinações, e os discursos, são justificadas pela necessidade de “atualização” dos aparatos coercitivos em contextos diferentes. Isso explica, por exemplo, a diferença na forma sob a qual os discursos se apresentam: sobre a Lei nº 5.692/71, num contexto de autoritarismo escancarado, um parecer técnico que circulou nas próprias dependências do poder (Parecer nº 45 de 1972); já num regime aparente de democracia, ou autoritarismo velado, lançou-se mão da propaganda política como ferramenta de coerção e formatação de opiniões relacionadas à Lei nº 13.415/17.

Sendo assim, o título de “Novo Ensino Médio” não se encaixa na proposta de reforma proposta pelo governo Temer, nem tampouco se sustenta diante da recuperação da história recente do Ensino Médio no Brasil. De mesmo modo, como já verificamos, a questão da liberdade, tão propalada pelas propagandas, apesar de fundamentar-se no texto legal da 13.415/17, configura-se como uma manifesta manipulação da proposta curricular desta última, uma vez que o artigo 4º define que a oferta dos itinerários será organizada conforme a possibilidade dos sistemas de ensino e a relevância para o contexto local. Num cenário de extremas desigualdades regionais e num contexto de políticas de austeridade fiscal como a EC nº 95, pode-se afirmar que essa suposta liberdade está minada pela base para aqueles que utilizam os sistemas públicos de ensino.

Com base nisso, pode-se se afirmar que o discurso oficial e publicitário sobre a Lei nº 13.415/17 apresenta um conteúdo falacioso, que distorce e manipula as interpretações do próprio texto da Lei, cujo objetivo é garantir as condições de implementação de uma reforma educacional que convém àqueles interessados na manutenção do status quo social, no qual uma elite domina e dirige a sociedade e relega ao restante uma realidade socioeconômica totalmente adversa na qual nem mesmo a educação foi garantida para todos.

REFERÊNCIAS

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1Este artigo apresenta resultados e conclusões de projeto de pesquisa que contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), entre março de 2018 e fevereiro de 2019.

2O novo governo, presidido por Michel Temer, vice-presidente eleito na chapa encabeçada por Dilma Rousseff, autoproclamou-se a “Ponte para o futuro”, formulando uma marca própria ao valorizar o lema positivista da “Ordem e progresso” da bandeira nacional, adotando-o como slogan oficial.

3As ações em prol do desmonte da luta da classe trabalhadora vêm sendo seguidas pelo atual governo, presidido por Jair Messias Bolsonaro, com a edição da Medida Provisória nº 873 de Março de 2019 que suspende a cobrança da contribuição sindical em folha de pagamento, desarticulando os sindicatos e esvaziando seu poder de atuação.

4Sobre isso, ver o Dossiê “(Des)Ocupar é Resistir?” da revista Educação Temática Digital, Campinas, SP v.19 n.1 p. 73-98 jan./mar. 2017.

5Até o mês de janeiro de 2022, segundo o sítio eletrônico Jusbrasil, o processo de tramitação referente a Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 5599 encontra-se parado no STF, sendo sua última atualização em 24 de agosto de 2017, com o seguinte despacho: “Nos termos do art.87, I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, torno desde já disponível na forma escrita o inteiro teor do respectivo Relatório, dele também propiciando ciência isonômica e simultânea à parte requerente, à Advocacia Geral da União e à Procuradoria-Geral da República. Publique-se. Intime-se. Brasília, 23 de agosto de 2017. Ministro Edson Fachin”. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/processos/144945840/processo-n-5599-rs-do-tjrs. Acesso em 05 abr. 2020.

6Nas propagandas P1 e P2 a ação ocorre em um grande auditório. Diversos jovens personagens, um a um, manifestam-se positivamente sobre a reforma do Ensino Médio, intercalados com as falas do narrador oficial.

7Nas propagandas P3, P4 e P5, a ação ocorre com personagens jovens ou adultos em diferentes situações rotineiras, tais como uma roda de estudos em uma biblioteca, conversa entre pais e filho e conversa entre amigas.

8O interesse dos EUA sobre o Brasil ampliou-se significativamente após o ano de 2006, quando a Petrobrás descobriu uma gigantesca reserva de petróleo no litoral brasileiro, o chamado Pré-sal. Diante do feito, a reação imediata do governo Lula foi a garantia do monopólio de exploração dos recursos pela estatal brasileira.

9A dualidade aqui refere-se a divisão do 2° grau em ensino profissional e ensino propedêutico, um dos pontos centrais das reformas de Gustavo Capanema durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Sobre isso, ver Saviani (2013).

10Como exemplo podemos citar a criação dos Centros Integrados de Educação Pública, os CIEPS, idealizados por Darcy Ribeiro durante o primeiro governo de Leonel de Moura Brizola no estado do Rio de janeiro (1983-1987).

11No Brasil, somente em 2009, com a Emenda Constitucional nº 59, o Ensino Médio e a Educação Infantil passam a ser obrigatórios. Entretanto, tal condição ainda guarda controvérsias, visto que o texto dita a obrigatoriedade restrita aos estudantes entre 4 e 17 anos.

12É importante assinalar que tanto os indicadores das escolas públicas quanto das instituições privadas apresentam rendimentos insuficientes para o Ensino Médio, embora o cenário mais frágil e de maior gravidade seja o das redes públicas (KRAWCZYK, 2009, p.5).

13Como exemplo destas avaliações podemos citar o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e pela Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), a Prova Brasil, destinada aos alunos do 5º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Os resultados de ambas as avaliações são base para o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), cujo escopo engloba o desempenho nos componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática.

14No cálculo do IDEB, por exemplo, o índice auferido do ano de 2017 para as escolas públicas foi de 3,5, o que representa uma estagnação com relação ao ano de 2015 e, no acumulado dos últimos 12 anos, um crescimento de 0,5, ao passo em que a meta esperada para o país, no mesmo ano de 2017, foi de 4,4. Ainda de acordo com este índice, a rede particular apresenta IDEB de 5,8, abaixo da meta estipulada de 6,7, mas substancialmente maior que na rede pública. Com efeito, a disparidade chama a atenção, ainda, quando consideramos apenas o índice de aprendizagem: 6,03 na rede privada, contra 4,24 do sistema público. Disponível em: https://www.qedu.org.br/brasil/ideb?dependence=4&grade=3&edition=2017. Acesso em 01 abr. 2020.

15Fonte: acervo de dados dos autores, 2020

16Fonte: acervo de dados dos autores, 2020.

Recebido: 10 de Janeiro de 2022; Aceito: 07 de Julho de 2022

<andre.ortega@ufv.br>

<joana.germano@ufv.br>

Autor 1 - Participação ativa na pesquisa, análise de dados e escrita final

Autora 2 - Orientadora da pesquisa, participação ativa na análise de dados e escrita final

Os autores declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo.

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