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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.38  Belo Horizonte  2022  Epub 20-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/0102-469838517 

Artigos

OS PROFESSORES TEMPORÁRIOS NAS REDES MUNICIPAIS DO ESTADO DO PARÁ (2011-2020)1

MAESTROS CON CONTRATOS PROVISIONALES EN LOS SISTEMAS ESCOLARES MUNICIPALES DEL ESTADO DE PARÁ, BRASIL (2011-2020)

* Universidade Federal do Pará(UFPA). Cametá, Pará (PA), Brasil.

** Universidade Federal do Paraná. Curitiba, Paraná (PR), Brasil.


RESUMO:

Analisa-se a presença dos professores temporários nas redes públicas municipais do Estado do Pará entre 2011 e 2020. Pesquisa em abordagem quantitativa de natureza exploratória, tendo como procedimento de coleta de dados analise documental. Os dados foram analisados a partir de cinco variáveis: porte populacional dos municípios, PIB per capita, capacidade de financiamento das redes, percentual de matrículas em escolas rurais e a relação entre o número de docentes das redes e assalariados nos municípios. Constatou-se um quadro generalizado de descumprimento da legislação que se manteve estável entre 2011 e 2020, bem como um cenário heterogêneo, com os municípios apresentando enorme diversidade no que diz respeito à presença dos temporários em suas redes.

Palavras-chave: Política educacional; Educação Básica; professores; contratação temporária; Pará

RESUMEN:

Se analiza la presencia de maestros con contratos provisionales en los sistemas escolares públicos municipales del Estado de Pará entre 2011 y 2020. Investigación con enfoque cuantitativo de carácter exploratorio, que utilizó como procedimiento de recolección de datos el análisis documental. Los datos fueron analizados a partir de cinco variables: tamaño poblacional de los municipios, PIB per cápita, capacidad de financiamiento de los sistemas, porcentaje de matrículas en escuelas rurales y la relación entre el número de docentes de los sistemas y asalariados en los municipios. Se verificó un cuadro generalizado de incumplimiento de la legislación, que se mantuvo estable entre 2011 y 2020, así como un escenario heterogéneo, con las municipalidades presentando una enorme diversidad a respecto de la presencia de maestros con contratos provisionales en sus sistemas.

Palabras clave: Política educativa; Educación Básica; maestros; contratación provisional; Pará

ABSTRACT:

This study sought to analyze the presence of temporary teachers in the municipal public networks of Pará State between 2011 and 2020. This study employed a quantitative approach of exploratory nature with documentary analysis as the data collection procedure. The data were analyzed based on five variables: population size of the municipalities, GDP per capita, financing capacity of the networks, percentage of enrollment in rural schools, and the relationship between the number of teachers of the networks and wage earners in the municipalities. We found a generalized picture of non-compliance with the legislation that remained stable between 2011 and 2020, as well as a heterogeneous scenario, with the municipalities showing enormous diversity concerning the presence of temporary workers in their networks.

Keywords: Educational policy; Basic Education; teachers; temporary contracting; Pará

INTRODUÇÃO

A partir da Constituição Federal de 1988 foi instituído um arcabouço legal que estipula limites para que a contratação de professores temporários seja realizada de forma excepcional pelas redes públicas de ensino. Contudo, ao arrepio da lei, a presença dos professores temporários é estrutural, permanente e persistente na educação pública brasileira. Em 2011, primeiro ano em que o Censo Escolar incorporou essa modalidade de contrato docente, os professores temporários representavam 29% do total de professores da rede pública no Brasil; em 2020 representavam 32% do total. Na última década, os professores temporários representaram em torno de um terço dos docentes nas redes públicas de Educação Básica no Brasil (INEPb).2

Dessa forma, a conquista do concurso público como condição de valorização da carreira docente ainda não foi implementada no Brasil na sua integralidade e sofre reiteradas ameaças. Não obstante, ganha relevo no Congresso Nacional e no debate público a agenda da reforma administrava. No dia 23 de setembro de 2021, por exemplo, foi aprovada em Comissão Especial a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020, de autoria do Poder Executivo. Entre outros aspectos, o substitutivo aprovado em comissão, que seguirá ainda ao plenário, abre um precedente relevante, ao constitucionalizar a permissão de “normas gerais sobre contratação por tempo determinado em regime de direito administrativo”. (BRASIL, 2021, p. 10). Dessa forma, no contexto político atual, o serviço público, tal como concebido pela Constituição Federal de 1988, sofre ameaça de desmonte. O momento, portanto, é propício para a realização de pesquisas sobre a presença de um tipo de trabalhador que, de acordo com a legislação ainda vigente, deveria ser a exceção, e não a regra: o professor temporário.

A literatura brasileira que investiga os professores temporários nas redes públicas de ensino mostra robustas evidências de que as condições de trabalho oferecidas a esse profissional acarretam uma série de problemas. Ferreira (2016), observou professores temporários da rede municipal de Fortaleza, indicando que esses trabalhadores apresentam significativos sinais de sofrimento e adoecimento. Nauroski (2014), investigando a subjetividade dos professores temporários da rede estadual do Paraná, mostra que estes trabalhadores forjaram uma subjetividade negativa, pois, segundo a autora, nas situações “observadas nas escolas e, principalmente, nos relatos coletados, predominam condições objetivas de trabalho geradoras de sofrimento e mal-estar” (NAUROSKI, 2014, p. 219). Venco (2018), analisando os efeitos do paradigma da Nova Gestão Pública em municípios paulistas, evidencia as relações entre baixas condições de trabalho, contratos flexíveis dos professores temporários e estudantes de perfil mais vulnerável. Ampla literatura indica que os professores temporários trabalham em condições precárias, pois não têm seus vencimentos vinculados a um Plano de Cargo, Carreira e Remuneração (PCCR) (FERREIRA, 2013), são constrangidos a regularmente trocar de escola (MARQUES, 2006) e, no limite, não são protegidos pela legislação trabalhista (FERREIRA, 2013; FELDMAN; COSTA, 2021). Além das condições piores em relação aos professores efetivos, Silva Jr. e Oliveira (2019) destacam, a partir do caso baiano, as desvantagens dos professores temporários em relação, inclusive, às regras da CLT, evidenciando que esse tipo de contrato que cria regimes especiais que não reproduzem elementos básicos de proteção ao trabalhador.

Em relação às causas da presença estrutural dos professores temporários nas redes públicas da Educação Básica, a literatura indica dois fatores proeminentes, ambos interrelacionados, a saber: a hegemonia do receituário neoliberal que ganhou força no Brasil da década 1990 (FERREIRA, 2016) e as restrições orçamentárias das redes públicas. Dentro dessa perspectiva de análise, Santos (2016) fez um estudo dos professores temporários da rede estadual paulista sob o ponto de vista orçamentário. Sua hipótese de pesquisa era a de

que o montante orçamentário destinado à função educação, especificamente para pagamento de professor da educação básica, é insuficiente para arcar com a contratação de um quadro de docentes efetivos que perfaça, pelo menos, um contingente de 90% dos professores da rede (SANTOS, 2016, p. 22).

Como achado de pesquisa mais relevante, Santos (2016, p. 117) indica a economia que o governo do Estado de São Paulo “realiza por meio de uma política de pessoal ancorada em uma engenharia orçamentária no sentido de diminuir os gastos com educação a partir da precarização.” Outra pesquisa que evidencia a relação entre flexibilização de contratos e economia de recursos é a de Araújo e Jann (2018). Analisando o caso de Minas Gerais, as autoras colocam em evidencia os múltiplos rompimentos de vínculos que a burocracia envolvida nos contratos temporários submetem aos professores.

Feldman e Alves (2020) e Feldman e Costa (2021), por sua vez, realizaram estudos de caso, respectivamente, nos municípios paraenses de Portel e Cametá, investigando a política de contração de professores temporários nessas duas redes municipais. Ambos os estudos indicam que o trabalho docente representa importante fatia do mercado de trabalho assalariado formal nesses municípios. Em Portel, entre 2011 e 2017, os professores da rede municipal representaram em média 37% dos trabalhadores assalariados registrados pela Relação Anual de Informações Sociais (RAIS); em Cametá, entre 2011 e 2018, representaram em média 24%. Os estudos apontam, ainda, que a indicação de professores temporários tem grande relevância dentro das disputas políticas municipais, sobretudo na zona rural. Segundo Feldman e Costa (2021, p. 17), “tendo em vista [...] que a zona rural tem uma importância eleitoral significativa, afere-se a correlação entre indicação de professores temporários e as disputas políticas municipais”. Em Cametá, como mostra a pesquisa, entre 2011 e 2018, em média 94% dos professores temporários trabalhavam na zona rural. Assim, esses dois estudos indicam novas possibilidades causais para entender a grande presença dos professores temporários nas redes municipais do Estado do Pará.

Estudo de Lima e Azevedo (2022), ao analisar os efeitos dos planos de carreira na valorização dos professores, evidencia o quanto a condição de contratação temporária é uma variável que segue interferindo de maneira estrutural nas desigualdades do sistema educacional brasileiro, dado que não é coincidência que as redes onde não existem Planos de Carreira também sejam as que predominam contratos temporários com professores com menor qualificação inicial e menor acesso a pós-graduação

A partir destas preocupações e tendo como objetivo geral analisar a presença dos professores temporários no conjunto das redes públicas municipais do Estado do Pará entre 2011 e 2020, formularam-se alguns questionamentos. Qual o percentual de professores temporários nas redes municipais do Estado do Pará? Esse percentual indica que a legislação está sendo cumprida? As redes municipais paraenses apresentam semelhanças ou diferenças em relação à presença dos professores temporários em seu quadro funcional? Existe alguma variável que impacta os municípios paraenses em relação ao percentual de professores temporários em suas redes de ensino?

Para responder as questões definiram-se cinco variáveis de análise, verificando se elas impactam nos municípios paraenses em relação ao percentual de professores temporários em suas redes de ensino, considerando os fatores causais apontados pela literatura, já previamente explicitados (SANTOS, 2016; FELDMAN; ALVES; 2020; FELDMAN; COSTA, 2021). Mais especificamente as três últimas variáveis de análise tiveram como inspiração a mencionada literatura. Essas são as cinco variáveis: 1) Porte populacional dos municípios, 2) PIB per capita dos municípios, 3) Capacidade de financiamento das redes municipais, 4) Percentual de matrículas em escolas rurais nas redes municipais (doravante % de MatRur) e 5) a Relação entre o número de docentes das redes de ensino e o pessoal ocupado assalariado nos municípios (doravante Razão Docente/Assal).

E por que realizar uma pesquisa cujo escopo é analisar a presença dos professores temporários nos 144 municípios paraenses? Primeiro, porque o Estado do Pará é o que apresenta a maior taxa de municipalização das matrículas do Ensino Fundamental na região Norte (MARIALVA, 2021). Em 2020, existiam 78.690 docentes nas redes públicas do Pará, dos quais 64.851 (82%) eram vinculados a uma rede municipal. Segundo, porque a presença dos professores temporários nas redes municipais paraenses se mostra mais acentuada do que na rede estadual. Em 2011, as redes municipais paraenses tinham 38% de professores temporários, enquanto as estaduais 14%. Em 2020, as redes municipais tinham 37% de temporários, as estaduais 11% (INEPa).

Por fim, em terceiro lugar, é importante investigar os 144 municípios paraenses em conjunto no contexto histórico conhecido como política de fundos (GOUVEIA; SOUZA, 2015). Trata-se de um período histórico singular no financiamento da Educação Básica, que foi iniciado em 1996 com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (doravante FUNDEF), aprimorado e consolidado em 2006 com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (doravante FUNDEB transitório), o qual foi novamente modificado em 2020 (doravante FUNDEB permanente). Na política de fundos anterior ao FUNDEB permanente, cada uma das 26 unidades federativas estaduais e mais o Distrito Federal apresentava uma dinâmica de funcionamento que enfrentou as desigualdades com contornos específicos. Assim, torna-se relevante realizar uma análise de todos os municípios de um estado em conjunto. Estabeleceu-se o recorte cronológico de 2011 a 2020 porque o Censo Escolar passa a registrar a quantidade de contratos temporários apenas em 2011. Além disso, a partir de 2010, a complementação da União ao FUNDEB provisório estabilizou-se em 10% do valor total do fundo. O Pará recebeu, desde o início da política de fundos, complementação da União, a qual chega a seu valor máximo e estabiliza-se a partir de 2010.

Além dessa introdução, a seguir será explicitada a metodologia da pesquisa. Na sequência, realizaremos breve descrição do arcabouço legislativo que regula a contratação de professores temporários nas redes públicas de ensino. Então, passaremos a explicitar os resultados da pesquisa. Primeiro, mostraremos a oscilação no percentual de professores temporários nas redes municipais do Estado do Pará entre 2011e 2020. Em seguida, analisaremos de forma separada como cada uma das cinco variáveis selecionadas se relaciona com o percentual de professores temporários nas redes municipais paraenses. Por fim, teceremos considerações finais refletindo sobre o resultado da investigação como um todo e sugerindo uma agenda de pesquisa para novos estudos sobre a temática.

METODOLOGIA

Essa é uma pesquisa de abordagem quantitativa de natureza exploratória e descritiva. Para a coleta de dados foram utilizadas diferentes bases documentais: Censo Escolar (INEPa, 2011, 2020), Cadastro Central de Empresas (IBGEa, 2011, 2019), FINBRA - Dados Contábeis dos Municípios (STN, 2011, 2020), Produto Interno dos Municípios (IBGEb, 2011, 2018) e Censo Brasileiro de 2010 (IBGE, 2010). Os dados coletados dessas bases foram cruzados e agrupados de acordo com as cinco variáveis de análise: 1) Porte populacional dos municípios, 2) PIB per capita dos municípios, 3) Capacidade de financiamento das redes municipais, 4) % de MatRur e 5) Razão Docente/Assal.

Exceto para a análise pautada na variável porte populacional dos municípios, na qual os municípios foram agrupados em quatro portes, os municípios foram divididos em quartis tendo como referência de entrada a variável utilizada. Após dividir a amostra dos municípios em quartis, cruzaram-se as principais medidas de posição de cada quartil (média, mediana, desvio padrão, limite inferior e limite superior) com as mesmas medidas de posição do percentual de professores temporários observadas no referido quartil.

Quando realizada a divisão das amostras em quartis através de uma variável de entrada, primeiro, verificamos se existiam outliers, ou seja, municípios com valores atípicos, destoando dos demais valores da amostra, podendo gerar distorções na interpretação dos dados. Existindo outliers na amostra, eles foram retirados e os quartis foram recalculados sem a presença desses valores atípicos. Sendo Q1 o limite inferior do segundo quartil e Q3 o limite inferior do quarto quartil, e IQR a amplitude interquartil, o limite inferior para calcular os outliers abaixo foi definido pela formula Q1 - 1,5 x IQR e o limite superior para calcular os outliers acima foi definido pela formula Q3 + 1,5 x IQR.

Utilizamos, sempre, dois anos de referência para verificar a presença dos professores temporários nas redes municipais paraenses: 2011 e 2020. Assim, essa pesquisa compara duas amostras, uma do primeiro ano em que o Censo Escolar disponibilizou dados referentes ao tipo de vínculo dos docentes, 2011, e outra do último ano de vigência do FUNDEB transitório, 2020. É importante ressaltar que o ano de 2020, apesar de ter sido atípico, por conta da pandemia de COVID-19, não é atípico no número de professores temporários nas redes municipais paraense registrados pelo Censo Escolar. Em 2019, existiam 67.656 docentes nas redes municipais do Pará, sendo 24.151 (36%) deles temporários. Em 2020, essa relação praticamente se mantém, com 64.851docentes nas redes municipais do Pará, sendo 24.177 (37%) deles temporários (INEPa, 2019, 2020).

Para algumas variáveis de análise, não existiam dados disponíveis para 2020. Para o PIB per capita, utilizaram-se dados de 2018 para fazer a correlação com o percentual de professores temporários de 2020, tendo em vista que a proposta é considerar o PIB per capita como um indicador de desenvolvimento econômico do município. Neste caso, o ano de 2020 tem uma peculiaridade devido à crise econômica decorrente da pandemia COVID-19. Assim, a disponibilidade dos dados de 2018 tomados aqui como indicativo do retrato pré-pandemia parece adequado para tomar a variável como elemento comparativo ao ano de 2011. Para verificar a Razão Docente/Assal, utilizaram-se dados de pessoal ocupado assalariado de 2019, que indica o número de dezembro deste ano, ou seja, relacionamos o percentual de professores temporários nas redes de ensino de 2020, como número de pessoal ocupado assalariado de dezembro de 2019. Novamente, isto permite uma comparação com o mercado de trabalho privado no contexto municipal pré-pandemia, considerando que os níveis de desemprego em dezembro de 2020 tiveram mudanças completamente atípicas.

Para mensurar a capacidade de financiamento das redes municipais, utilizamos o conceito de Valor Aluno Ano Total (doravante VAAT), o qual foi consagrado pela Emenda Constitucional nº 108, de 26 de agosto de 2020 (BRASIL, 2020), que tornou o FUNDEB permanente.3

Antes de passarmos para a análise dos dados empíricos da pesquisa, contudo, realizaremos uma breve síntese do arcabouço legal que regula a contração de professores temporários no Brasil e no Pará.

PROFESSORES TEMPORÁRIOS: LEGISLAÇÃO

O texto constitucional, no artigo 37, inciso IX, estipula que a contratação temporária deve “atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”. No mesmo artigo 37, o inciso II, estipula-se que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos [...]”, com exceção para cargos em comissão, algo que não se refere aos docentes. No artigo 206, inciso V, a constituição estipula a “valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas” (BRASIL, 1988[2021]).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabelece, no artigo 67, inciso I, o ingresso, nos sistemas de ensino, “exclusivamente por concurso público de provas e título” (BRASIL, 1996). O Plano Nacional de Educação (PNE), de 2014, estabelece, na estratégia 18.1, referente à meta 18,

estruturar as redes públicas de Educação Básica de modo que, até o início do terceiro ano de vigência deste PNE, 90% (noventa por cento), no mínimo, dos respectivos profissionais do magistério [...] sejam ocupantes de cargos de provimento efetivo e estejam em exercício nas redes escolares a que se encontrem vinculados (BRASIL, 2014).

Já o Plano Estadual de Educação do Pará reproduz, quase que textualmente, a estratégia 18.1 do PNE (PARÁ, 2014).

Cabe ressaltar que cabe a cada ente federado legislar sobre seus quadros de funcionários. Portanto, há regras para os vínculos temporários excepcionais formuladas em cada um dos 144 municípios paraenses: leis orgânicas, planos municipais de educação, PCCRs e estatutos dos servidores públicos municipais, assim como regras especificas para a vigência dos contratos temporários. Não foi possível, contudo, dentro do escopo dessa pesquisa, traçar um panorama dessa legislação.

Reiteremos, assim, aquilo que é instituído por amplo arcabouço legal: a presença dos professores temporários nas redes públicas de ensino deve ser esporádica e residual. Vejamos, agora, se os municípios paraenses estão de acordo com a legislação vigente.

OS PROFESSORES TEMPORÁRIOS NAS REDES MUNICIPAIS DO PARÁ ENTRE 2011 E 2020

A Tabela 1 nos fornece o panorama das redes municipais paraenses em relação ao percentual de professores temporários. Importante destacar que em 2011, existiam 143 municípios no Estado. Com a criação de Mojuí dos Campos, em 2013, que foi emancipado de Santarém, o Pará passou a ter 144 municípios.

Tabela 1 Percentual de professores temporários nas redes municipais do Pará, por decil, 2011-2020 

2011 2020
% de prof. temporários na rede Nº de municípios % de municípios Nº de municípios % de municípios
Entre 0 e 10% 10 7% 6 4%
Entre 10 e 20% 21 15% 17 12%
Entre 20 e 30% 27 19% 33 23%
Entre 30 e 40% 24 17% 30 21%
Entre 40 e 50% 21 15% 22 15%
Entre 50 e 60% 15 10% 17 12%
Entre 60 e 70% 13 9% 15 10%
Entre 70 e 80% 5 3% 1 1%
Entre 80% e 90% 5 3% 3 2%
Entre 90% e 100% 2 1% 0 0%
TOTAL 143 100% 144 100%

Fonte: INEPa (2011,2020)

Em primeiro lugar, em relação aos dados da Tabela 1, destaque-se o não cumprimento da lei. Em 2020, quando de acordo com o PNE as redes públicas de ensino deveriam ter no máximo 10% de professores temporários, apenas 4% dos municípios paraenses cumpriam esse requisito legal. Em segundo lugar, destaquemos a grande variação no percentual de professores temporários nas 144 redes municipais paraenses. É, inequivocadamente, um quadro bastante heterogêneo. Por fim, verifica-se que a situação pouco mudou entre 2011 e 2020. A Tabela 2 também demonstra esse diagnóstico de manutenção do status quo.

Tabela 2 Percentual de professores temporários nas redes municipais do Pará, medidas de posição (2011 e 2020) 

Medidas 2011 2020
Média 38% 37%
Desvio Padrão 21% 18%
Mínimo 1% 0%
Q1 21% 24%
Mediana 36% 37%
Q3 51% 50%
Máximo 94% 87%

Fonte: INEPa (2011, 2020)

A Tabela 2 indica que, entre 2011 e 2020, a presença dos professores temporários se manteve estável se olharmos em conjunto as redes municipais paraenses, com a alteração de apenas 1 ponto percentual na média, ainda que com mudança no desvio padrão, o que indica variação interna nos grupos dos municípios da amostra, o que será melhor evidenciado mais adiante. Passemos à Tabela 3, na qual uma oscilação negativa significa o aumento no percentual de professores temporários entre 2011 e 2020, enquanto oscilação positiva significa a redução no percentual de professores temporários nesse mesmo período.

Tabela 3 Oscilação no percentual de professores temporários nas redes municipais do Pará, medidas de posição (2011 a 2020) 

Medidas %
Média 1%
Desvio Padrão 18%
Mínimo -48%
Q1 -11%
Mediana 2%
Q3 13%
Máximo 55%

Fonte: INEPa (2011, 2020)

Traduzindo os dados da Tabela 3, 25% dos 143 municípios paraenses (Mojuí do Campos, inexistente em 2011, foi retirado dessa amostra), aumentaram, entre 2011 e 2020, o percentual de professores temporários em suas redes de ensino entre 11% (Q1) e 48% (mínimo). O caso mais extremo de oscilação negativa (o mínimo da Tabela 3) foi o município de Santa Isabel do Pará, que tinha 12% de professores temporários em sua rede em 2011 e passou a ter 60% em 2020, numa oscilação negativa de 48%. Por outro lado, 25% dos 143 municípios paraenses, diminuíram o percentual de professores temporários em suas redes entre 13% (Q3) e 55% (Máximo). O caso mais extremo de oscilação positiva (o máximo da Tabela 3) foi o município de Nova Esperança do Piriá, que tinha 87% de professores temporários em sua rede em 2011 e passou a ter 32% em 2020, numa oscilação positiva de 55%. Se analisarmos os 144 municípios em conjunto, a impressão é de que nada mudou, ou seja, em média, os municípios diminuíram em 1 ponto o percentual de professores temporários em suas redes (oscilação positiva de 1%). Contudo, dentro desse quadro de pouca mudança no conjunto da amostra, observam-se munícipios que oscilaram de forma significativa entre 2011 e 2020.

Observado o panorama geral das redes municipais de ensino do Pará, passemos a analisar, de forma separada, como cada uma das variáveis se relaciona com o percentual de professores temporários.

Municípios agrupados por porte populacional

Agrupamos os municípios paraenses em 4 portes populacionais, separando a capital, Belém, classificada como metrópole. Optamos por dividir as duas amostras, de 2011 e 2020, tendo como base Censo Brasileiro de 2010, não utilizando as estimativas.

Tabela 4 Municípios paraenses agrupados por porte populacional, 2010 

  Nº de municípios População Percentual da população
Até 20 mil 43 518.010 6,8%
De 20 a 50 mil 61 1.856.388 24,5%
De 50 a 100 mil 30 2.002.499 26,4%
Acima de 100 mil 9 1.810.755 23,9%
Metrópole (Belém) 1 1.393.399 18,4%
Total 144 7.581.051 100%

Fonte: IBGE (2010)

Observa-se, na Tabela 4, que os 43 municípios com menos que 20 mil habitantes representavam apenas 7% da população do Estado em 2010. As demais faixas populacionais têm representatividade semelhante em termos de percentual da população estadual, variando de 24% a 26%, sendo que Belém continha 18% da população do Pará em 2010. Destaque-se, por fim, o número significativo de municípios (61) que tinham em 2010 entre 20 e 50 mil habitantes.

Antes de analisarmos a relação entre essa variável, porte populacional, e o percentual de professores temporários nas redes municipais, é importante observar a dimensão das redes pelo número de professores. Realizaremos essa visualização com todas as variáveis, de modo a entender melhor o porte dessas redes de ensino de acordo com a forma como foram agrupadas, tal como mostra a Tabela 5.

Tabela 5 Dimensão das redes municipais paraenses (por número de professores), municípios agrupados por porte populacional (2011 e 2020) 

Ano Variáveis Até 20 mil De 20 a 50 mil De 50 a 100 mil Acima de 100 mil Belém
2011 Média de professores nas redes municipais 131 328 601 1327 2.186
Desvio padrão 63 88 246 667
Rede com menor nº de professores 44 152 215 696
Mediana 117 303 552 1.270
Rede com maior nº de professores 308 637 1231 2.828
2020 Média de professores nas redes municipais 148 359 685 1565 1.960
Desvio padrão 75 125 284 596
Rede com menor nº de professores 37 133 223 819
Mediana 140 332 628 1582
Rede com maior nº de professores 417 709 1.606 2.842

Fonte: IBGE (2010) e INEPa (2011, 2020)

Em relação à Tabela 5, é importante destacar que Santarém, município com 294.580 habitantes em 2010, é a maior rede municipal do Pará, tanto em 2011, com 2.828 professores, como em 2020, com 2.842, porque Belém não municipalizou o Ensino Fundamental, que ainda concentra muitas matrículas na rede estadual. Outro exemplo nessa direção é Ananindeua, o segundo maior município do Estado, com população, em 2010, de 471.980 habitantes. Localizada na região metropolitana de Belém, Ananindeua, tal qual Belém, não municipalizou completamente o Ensino Fundamental (algo que já aconteceu, em 2020, em 98 dos 144 municípios do Estado), tendo uma rede, em 2020, menor em número de professores do que Marabá, município com 233.669 habitantes.

Feitas essas importantes ressalvas em relação à Tabela 5, passemos ao que é mais relevante na nossa pesquisa, a Tabela 6, que relaciona a variável porte populacional com o percentual de professores temporários nas redes municipais.

Tabela 6 Professores temporários nas redes municipais do Pará, municípios agrupados por porte populacional (2011 e 2020) 

Ano % de prof. temporários nas redes Até 20 mil De 20 a 50 mil De 50 a 100 mil Acima de 100 mil Belém
2011 Média 42% 39% 32% 40% 35%
Desvio Padrão 23% 21% 20% 21%
Mínimo 5% 1% 1% 16%
Mediana 41% 36% 25% 39%
Máximo 84% 94% 93% 74%
2020 Média 39% 39% 35% 30% 24%
Desvio Padrão 21% 15% 19% 20%
Mínimo 1% 7% 0% 12%
Mediana 38% 37% 32% 21%
Máximo 85% 69% 87% 66%

Fonte: IBGE (2010) e INEPa (2011, 2020)

Sobre a Tabela 6, se excluirmos de nossa análise Belém, em primeiro lugar destaque-se uma pequena tendência de mais contratos temporários nos menores municípios. Isto não se apresenta apenas na média, mas também se observarmos os valores do desvio padrão em 2011. Nos municípios com mais que 100 mil habitantes observa-se uma situação diferenciada com média de 40% de professores temporários nas redes em 2011, estando essa faixa populacional com uma média superior à estadual de 2011 (37%) e rompendo com a tendência geral diagnosticada na Tabela 6. Aliás, é na faixa populacional de municípios acima de 100 mil habitantes que é observada a melhora mais significativa na média percentual de professores temporários na rede, uma redução, de 2011 a 2020, de 40% para 30%. Aqui se colocam questões interessantes para futuras análises, como, por exemplo: que elementos de organização política local levariam redes mais complexas a fazerem mais concursos públicos? Mesmo assim, note-se que o percentual mínimo dos municípios com mais de 100 mil habitantes, em 2020, não pode ser considerado residual.

Contudo, em segundo lugar, e mais importante para a nossa análise, destaquemos que em todas as faixas populacionais se observam mínimos que indicam o cumprimento da legislação (ou quase) e máximos que indicam percentuais exorbitantes de professores temporários nas redes. Ou seja, independente do porte populacional do município, os dados mostram que é possível tornar a presença dos professores temporários residual nas redes públicas. Ou o inverso, independente da população do município, é possível verificar a existência de municípios que extrapolam de forma contundente a brecha legal. Essa observação é importante, pois veremos na sequência que ela é válida para a totalidade dos dados analisados, independente da variável de entrada.

Municípios agrupados por PIB per capita

A Tabela 7 divide os municípios paraenses por quartil tendo como variável de entrada o PIB per capita. Na amostra de 2011 foram identificados, numa primeira divisão, 12 outliers acima, e na amostra de 2018, 9 outliers acima. Como já explicitado na seção metodológica, os outliers foram retirados da amostra e a divisão em quartis recalculada. A maioria dos outliers são municípios com atividade mineradora, como Parauapebas, com PIB per capta em 2011 muito acima do padrão geral da amostra, de R$ 131.149,69, ou Canaã dos Carajás, com PIB per capta de 197.137,69 em 2018.

Tabela 7 PIB per capita nos municípios paraenses, divisão por quartil (2011 e 2018, a preços correntes) 

Grupos 2011 2018
Faixa do PIB per capita (R$) Nº de municípios Faixa do PIB per capita (R$) Nº de municípios
1º quartil 3.370,46 a 4.640,98 33 5.408,39 a 7.985,91 34
2º quartil 4.640,98 a 5.774,77 32 7.985,91 a 9.777,07 34
3º quartil 5.774,77 a 7.927,55 33 9.777,07 a 15.112,345 34
4º quartil 7.927,545 a 14.281,23 33 15.112,345 a 27.618,27 33
Outliers Acima de 14.281,23 12 Acima de 27.618,27 9
Total 143 144

Fonte: IBGEa (2011, 2019)

Na Tabela 8, é possível visualizar a dimensão média das redes municipais de ensino, por número de professores, ao dividir os municípios paraenses por quartil tendo como variável de entrada o PIB per capita.

Tabela 8 Dimensão das redes municipais paraenses (por número de professores), municípios agrupados por PIB per capita, divisão por quartil (2011 e 2018/2020) 

Medidas 1º quartil 2º quartil 3º quartil 4º quartil Outliers acima
2011 18/20 2011 18/20 2011 18/20 2011 18/20 2011 18/20
Nº de municípios 33 34 32 34 33 34 33 33 12 9
Media de prof. 310 311 374 468 394 443 421 497 755 767
Desv. Padrão 283 214 309 412 198 317 532 580 605 617
Menor rede 61 75 56 70 66 66 44 37 193 205
Mediana 237 281 298 345 384 369 253 279 691 507
Maior rede 1.318 1.044 1.522 1.634 871 1.417 2.828 2.842 2.186 1.953

Fonte: IBGEa (2011, 2019) e INEPa (2011, 2020)

É possível observar, na Tabela 8, que há uma tendência de que quanto maior o PIB per capita, maior o tamanho das redes municipais de ensino. Nos outliers acima observa-se, naturalmente, um alto desvio padrão, pois, além de ser uma amostra pequena, em 2011 tinha Belém como maior rede (2.186 professores) e em 2020 tinha Marabá como maior rede (1.953 professores). Excetuando os outliers, o 4º quartil apresenta o maior desvio padrão, pois além de conter Santarém (a maior rede do quartil em 2011 e 2018), o 4º quartil engloba também a menor rede do Estado, Bannach, com 44 professores em 2011 e 37 em 2020. Observemos, agora, a Tabela 9.

Tabela 9 Professores temporários nas redes municipais paraenses, municípios agrupados por PIB per capita, divisão por quartil (2011 e 2020) 

Ano % de prof. temporários nas redes 1º quartil 2º quartil 3º quartil 4º quartil Outliers acima
2011 Média 36% 41% 37% 40% 35%
Desvio Padrão 21% 20% 22% 22% 20%
Mínimo 24% 10% 5% 8% 1%
Mediana 33% 36% 35% 39% 34%
Máximo 94% 93% 87% 84% 62%
2018/2020 Média 40% 37% 32% 39% 42%
Desvio Padrão 18% 16% 17% 20% 23%
Mínimo 3% 15% 0% 1% 12%
Mediana 40% 37% 32% 37% 37%
Máximo 69% 87% 66% 80% 85%

Fonte: IBGEa (2011, 2019) e INEPa (2011, 2020)

Observando a Tabela 9, constata-se que é muito improvável que exista correlação entre PIB per capita e percentual de professores temporários nas redes municipais de ensino do Pará. Primeiro, porque em ambas as amostras, de 2011 e 2018/2020, se observarmos a média do percentual de professores temporários dos quartis, averígua-se uma oscilação difusa. Em 2011, o primeiro quartil tem uma média (36%) abaixo da média estadual (38%), o segundo quartil uma média (41%) acima da estadual, o terceiro quartil tem 37% e o quarto 40%. Em 2018/2020, observa-se uma oscilação nas médias dos quartis também difusa. Há uma tendência de queda do primeiro ao terceiro quartil, baixando de 40% no primeiro, para 37% no segundo e 32% no terceiro. Contudo, essa tendência de queda é interrompida, observando-se no quarto quartil uma média (39%) acima da estadual (37%).

Em segundo lugar, destaquemos, novamente, algo que vai ser observado tendo como referência de entrada todas as variáveis. Em todos os quartis, ou seja, independentemente do PIB per capita, observam-se mínimos que indicam o cumprimento da legislação, isto é, a presença residual de professores temporários nas redes de ensino, e máximos que indicam percentuais muito acima do permitido pela legislação.

Municípios agrupados por VAAT

Para mesurar a capacidade de financiamento das redes municipais, utilizou-se como critério o Valor Aluno Ano Total (VAAT). Esse indicador é um avanço em termos de mensuração na capacidade de financiamento educacional, pois, para além de considerar os recursos do FUNDEB, que é invariavelmente o montante principal de recursos, o VAAT também considera os recursos próprios municipais não englobados na cesta do FUNDEB, que em alguns municípios gera impacto significativo, bem como os recursos transferidos aos municípios através de programas e projetos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

Para a construção da Tabela 10, foram considerados apenas 108 municípios para amostra de 2011 e 105 para 2020, pois os demais não apresentavam dados de receita tributária completos no STN (2011, 2020).

Tabela 10 VAAT nas redes municipais paraenses, divisão por quartil (2011 e 2020, a preços correntes) 

Medidas 2011 2020
Faixa do VAAT (R$) Nº de municípios Faixa do VAAT (R$) Nº de municípios
Outliers abaixo Abaixo de 1411,13 4 Abaixo de 2901,38 1
1º quartil 1411,13 a 1.777,12 26 2901,38 a 3583,69 25
2º quartil 1772,12 a 1924,18 25 3583,69 a 3.839,10 25
3º quartil 1924,18 a 2.208,83 26 3839,10 a 4,036,95 25
4º quartil 2030,22 a 2208,83 26 4036,95 a 4.502,83 26
Outliers acima Acima de 2208,83 1 Acima de 4502,83 3
Total 108 105

Fonte: STN (2011, 2020)

A Tabela 10 demonstra que, mesmo com a redistribuição intraestadual de recursos promovida pelo FUNDEB, ainda existe grande diferença entre os municípios em termos de capacidade de financiamento. Em 2011, Santa Maria das Barreiras apresentou o menor VAAT, de R$ 819,12, frente a R$ 2.687,79 de Ourilândia do Norte, o maior. Em 2020, Bonito foi o menor VAAT, com R$ 2.847,12, enquanto Marituba, na região metropolitana de Belém, foi o maior VAAT, com R$ 5.938,54. Vejamos, na Tabela 11, a característica de cada quartil após dividir as redes municipais tendo como variável de entrada o VAAT.

Tabela 11 Dimensão das redes municipais paraenses (por número de professores), municípios agrupados por VAAT, divisão por quartil (2011 e 2020) 

Medidas Outliers abaixo 1º quartil 2º quartil 3º quartil 4º quartil Outliers acima
2011 2020 2011 2020 2011 2020 2011 2020 2011 2020 2011 2020
Nº de municípios 4 1 26 25 25 25 26 25 26 26 1 3
Media de prof. 507 108 259 271 416 381 422 485 614 606 200 808
Desv. Padrão 511 - 268 296 419 382 307 330 541 301 480
Menor rede 119 - 44 37 65 94 102 74 96 280 388
Mediana 338 - 162 205 321 259 298 382 511 570 706
Maior rede 1.231 - 1.221 1.582 2.186 1.960 1.467 1.417 2.828 1.634 1.331

Fonte:STN (2011, 2020) e INEPa (2011, 2020)

Excluindo os outliers da nossa análise, a Tabela 11 indica que as redes com menor número de professores tendem a ter menor VAAT. Isso talvez se explique porque 20% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que nos municípios pequenos têm um peso proporcional ainda maior que nos médios e grandes, seja destinado ao FUNDEB, não retornando na mesma proporção. Parauapebas é a maior rede do 1º quartil, tanto em 2011 como em 2020. Observa-se que o desvio padrão do 1º quartil é o menor da tabela, mostrando que os municípios agrupados nesse quartil são mais homogêneos, ou seja, são, em grande parte, municípios de pequeno porte e com menos professores. Belém é a maior rede do 2º quartil, tanto em 2011 como em 2020, tornando o desvio padrão desse quartil relativamente alto. No 3º quartil, a maior rede de 2011 é Marabá (que não está na amostra de 2020), e em 2020 é Ananindeua (que não está na amostra de 2011). No 4º quartil, Santarém, a maior rede do Estado, estava presente na mostra de 2011, tornando o desvio padrão desse quartil, nesse ano, o mais alto da tabela. Santarém, contudo, está ausente na mostra de 2020 por falta de dados. Passemos a analisar a Tabela 12, a mais importante para nossa pesquisa em se tratando do VAAT como variável de entrada.

Tabela 12 Professores temporários nas redes municipais paraenses, municípios agrupados por VAAT, divisão por quartil (2011 e 2020) 

Ano % de prof. temporários nas redes Outliers abaixo 1º quartil 2º quartil 3º quartil 4º quartil Outliers acima
2011 Média 36% 41% 36% 42% 42% 45%
Desvio Padrão 13% 24% 23% 25% 25% -
Mínimo 23% 1% 5% 1% 1% -
Mediana 37% 37% 30% 36% 36% -
Máximo 48% 84% 93% 94% 94% -
2020 Média 34% 43% 36% 37% 36% 44%
Desvio Padrão - 18% 20% 19% 19% 21%
Mínimo - 3% 1% 0% 12% 25%
Mediana - 41% 37% 36% 30% 42%
Máximo - 85% 80% 87% 69% 66%

Fonte: STN (2011, 2020) e INEPa (2011, 2020)

Observa-se, na Tabela 12, que é inconsistente estabelecer uma correlação entre os menores VAAT e uma maior presença de professores temporários nas redes municipais paraenses. Excluindo os outliers da análise, para a amostra de 2011 apenas o 2º quartil apresentou um percentual médio (36%) de professores temporários abaixo de média estadual (38%). Destaque-se que o desvio padrão de todos os quartis da amostra de 2011 estão em um patamar semelhante, entre 23% e 25%, o que mostra certa semelhança de variação no interior de cada quartil. A amostra de 2020 até sugere, de forma ainda inconclusiva, uma possível correlação entre os menores VAAT e a maior presença professores temporários nas redes municipais, pois o primeiro quartil, que reúne os menores VAAT, é o único que apresenta uma média percentual (43%) acima de média estadual (37%). Contudo, o percentual médio de professores nos quartis subsequentes se estabiliza entre 36% e 37%, muito próximo à média estadual (37%), indicando que é bastante inclonclusiva a correlação entre os menores VAAT e a maior presença professores temporários nas redes municipais. Destaque-se, ainda, que o desvio padrão dos quartis da amostra de 2020 está em um patamar semelhante, entre 18% e 20%, indicando que a variabilidade no interior de cada quartil é parecida em 2020.

Contudo, novamente, o aspecto que mais chama a atenção é que, após uma divisão realizada tendo o VAAT como variável de entrada, em todos os quartis se observam mínimos que indicam o cumprimento da legislação, isto é, a presença residual de professores temporários nas redes de ensino, e máximos que indicam percentuais muito acima do permitido pela legislação.

Municípios agrupados por percentual de matrículas em escolas rurais nas redes municipais (% de MatRur)

Conforme já explicitado na introdução, Feldman e Costa (2021, p. 18), indicaram que no município de Cametá, entre 2011 e 2018, em média 94% dos professores temporários trabalhavam na zona rural. Por conta desse indício, realizamos uma análise tendo como variável de entrada o % de MatRur.

Tabela 13 % de MatRur, divisão por quartil (2011 e 2020) 

Grupos 2011 2020
% de matrículas em escolas rurais Nº de municípios % de matrículas em escolas rurais Nº de municípios
1º quartil 0 a 30 36 0 a 29 36
2º quartil 30 a 49 35 29 a 47 36
3º quartil 49 a 62 36 47 a 60 36
4º quartil 62 a 97 36 60 a 92 36
Total 143 144

Fonte: INEPa (2011, 2020)

Percebe-se, observando a Tabela 13, que as redes municipais paraenses têm redes com forte presença de matrículas em escolas rurais. A mediana em 2011 (o mínimo do 3º quartil) foi de 49% e a de 2020 de 47%. Ou seja, metade dos municípios paraenses concentram percentuais de matrículas em escolas rurais acima dos 47%. Observemos, agora, a Tabela 14.

Tabela 14 Dimensão das redes municipais paraenses (por número de professores), municípios agrupados por % de MatRur, divisão por quartil (2011 e 2020) 

Medidas 1º quartil 2º quartil 3º quartil 4º quartil
2011 2020 2011 2020 2011 2020 2011 2020
Nº de municípios 36 36 35 36 36 36 36 36
Media de prof. 499 563 274 420 468 400 382 418
Desv. Padrão 478 536 163 502 513 306 267 299
Menor rede 50 37 44 94 56 70 66 81
Mediana 297 319 267 280 317 359 311 372
Maior rede 2.186 1.960 762 2.842 2.828 1.606 1.318 1.594

Fonte: INEPa (2011, 2020)

A Tabela 17 mostra que existe uma tendência difusa de as maiores redes serem as que têm um menor % de MatRur. Essa tendência é, em parte, rompida pelo 2º quartil, que é o quartil com a menor média de professores em 2011 (274) e que só tem sua média drasticamente elevada na amostra de 2020 por conta da presença de Santarém (2.842 professores), elevando o desvio padrão. Santarém, ao estar no terceiro quartil na amostra de 2011 (2.828 professores) eleva a média do número de professores desse quartil em 2011 bem como o desvio padrão. Para visualizar melhor essa tendência difusa, o mais correto seria retirar Santarém da amostra. Destaque-se, contudo, que a tendência de as maiores redes terem menos matrículas na zona rural trata-se apenas uma tendência difusa. Afinal, o 2º quartil rompe com essa tendência. Além disso, existem municípios com redes grandes com muitas matriculas urbanas, como Belém, a maior rede do 1º quartil, tanto em 2011 como em 2020 (2.186 e 1.960 respectivamente). Contudo, existem também redes grandes com muitas matrículas rurais, como Cametá, maior rede do 4º quartil em ambas as amostras. Do mesmo modo, existem redes pequenas com muitas matriculas urbanas, como Sapucaia (50 professores), a menor do 1º quartil de 2011, e Bannach (37 professores), a menor em 2020. O contrário também é válido, pois observamos, no 4º quartil, redes pequenas com muitas matrículas rurais, como Inhangapi (60 professores, a menor de 2011) e São João da Ponta (81, a menor de 2020).4

Passemos, agora, a analisar a Tabela 15, que utiliza como variável de entrada o % de MatRur, relacionando-a com nosso objeto de pesquisa, a presença dos professores temporários nas redes.

Tabela 15 Professores temporários nas redes municipais paraenses, municípios agrupados por % de MatRur, divisão por quartil (2011 e 2020) 

Ano % de prof. temporários nas redes 1º quartil 2º quartil 3º quartil 4º quartil
2011 Média 35% 38% 42% 38%
Desvio Padrão 22% 23% 22% 19%
Mínimo 1% 1% 5% 5%
Mediana 32% 35% 37% 38%
Máximo 84% 87% 94% 84%
2020 Média 33% 34% 41% 40%
Desvio Padrão 18% 16% 20% 17%
Mínimo 0% 7% 3% 3%
Mediana 30% 32% 41% 42%
Máximo 80% 74% 87% 85%

Fonte: INEPa (2011, 2020)

Na Tabela 15, é razoavelmente nítida a correlação entre um maior % de MatRur e uma maior presença dos professores temporários nas redes do primeiro ao terceiro quartil, tanto na amostra de 2011 como na de 2020. A queda observada no percentual médio de professores temporários no 4º quartil, mais acentuada em 2011, mas também observada em 2020, obriga-nos a ter cautela em afirmar que essa correlação é contundente. Mesmo assim, entende-se, observando os dados da Tabela 15, que, mesmo que difusa, é possível observar uma correlação fraca, mas presente, entre essas duas variáveis de análise. Ou seja, há indicativos de uma tendência, mesmo que pouco contundente, de que quanto mais matrículas rurais uma rede tiver, mais professores temporários ela terá. Contudo, destaque-se o aspecto que estamos chamando atenção em todas as variáveis de entrada: nenhuma delas parece ser determinante. Em todos os quartis da Tabela 15, observam-se mínimos razoáveis e máximos pouco razoáveis. Passemos, agora, para a análise de nossa última variável.

Municípios agrupados pela Razão Docente/Assal

Conforme explicitado na introdução, Feldman e Costa (2021) e Feldman e Alves (2020), demonstraram, através de estudos de caso em Portel e Cametá, que a política de contratação de professores temporários exerce grade importância nas disputas políticas municipais. Os estudos apontam que, em parte, essa importância decorre do fato de que o emprego docente municipal representa importante quinhão da oferta de trabalho assalariado formal nas localidades. Por isso, decidimos, nessa pesquisa, criar um indicador, a Razão Docente/Assal. É importante destacar que esse indicador é apenas uma relação, uma divisão entre dois valores de natureza diferente, oriundos de bases de dados muito peculiares (INEPa, 2011, 2020; IBGEa, 2011, 2019). O pessoal ocupado assalariado é oriundo da RAIS, que é obrigatório no setor privado porém tem baixa adesão no setor público, sendo que o Censo Escolar registra com mais precisão o docente servidor público. Então, a Razão Docente/Assal não indica uma proporção. Indica, isto sim, uma relação. Observemos, assim, a Tabela 16.

Tabela 16 Razão Docente/Assal. nos municípios paraenses, divisão por quartil (2011 e 2019/2020) 

Grupos 2011 2019/2020
Faixa da Razão Docente/Assal (%) Nº de municípios Faixa da Razão Docente/Assal (%) Nº de municípios
1º quartil De 1% a 11% 35 De 0% a 9% 35
2º quartil De 11% a 17% 35 De 9% a 14% 34
3º quartil De 17% a 24% 35 De 14% a 21% 35
4º quartil De 24% a 39% 35 De 21% a 41% 35
Outliers Acima de 39% 3 Acima de 41% 4
Total 143 143

Fonte: IBGEa (2011, 2019) e INEPa (2011, 2020)

Abaetetuba não aparece na amostra de 2019 do CEMPRE (IBGEa), por isso só têm 143 municípios nas duas amostras da Tabela 16, tanto em 2011 (Mojuí dos Campos era inexistente) e 2019/2020. A Tabela 16 mostra a importância do trabalho docente municipal nas localidades, mesmo que o indicador Razão Docente/Assal seja imperfeito. Desconsiderando os outliers, em 2011, metade dos municípios tinha Razão Docente/Assal acima de 17% (mediana, mínimo do 3º quartil). Em 2019/2020, metade dos municípios tinha a Razão Docente/Assal acima de 14%. Esse abaixamento da mediana indica que a Razão Docente/Assal diminuiu entre 2011 e 2019/2020. O que equivale afirmar que o número total de assalariados cresceu mais (9% de crescimento) que o número de docentes municipais (7%) nesse recorte cronológico. Observemos, agora, a Tabela 17.

Tabela 17 Dimensão das redes municipais paraenses (por número de professores), municípios agrupados pela Razão Docente/Assal, divisão por quartil (2011 e 2019/2020) 

Medidas 1º quartil 2º quartil 3º quartil 4º quartil Outliers acima
2011 19/20 2011 19/20 2011 19/20 2011 19/20 2011 19/20
Nº de municípios 35 35 35 34 35 35 35 35 3 4
Media de prof. 593 632 307 378 328 307 404 444 342 491
Desv. Padrão 597 651 254 274 313 165 253 368 151 62
Menor rede 61 37 44 75 56 70 85 81 221 418
Mediana 409 334 220 325 231 285 342 355 294 489
Maior rede 2.828 2.842 1.109 1.115 1.522 666 1.318 1.606 511 568

Fonte: IBGEa (2011, 2019) e INEPa (2011, 2020)

Na Tabela 17, observa-se que o 1º quartil, aquele que apresenta a menor Razão Docente/Assal, é o que apresenta, em média, as maiores redes. Faz sentido, pois em ambas as amostras (2011 e 2019/2020), as maiores cidades da região metropolitana de Belém estão dentro desse quartil (Belém, Ananindeua e Marituba), bem como as cidades mais industrializadas do Estado, como Barcarena e Castanhal. Note-se, também, que a presença de Santarém no 1º quartil (a maior rede em ambas as amostras), contribui com o aumento do desvio padrão desse quartil. Contudo, é interessante observar que, se há uma tendência de queda no tamanho médio das redes do 1º ao 3º quartil, o 4º quartil apresenta redes, em média, maiores que o 2º e o 3º quartil. Isso indica que existem municípios com redes grandes em que a Razão Docente/Assal é bastante significativa. Observemos, agora, a Tabela 18.

Tabela 18 Professores temporários nas redes municipais paraenses, municípios agrupados pela Razão Docente/Assal, divisão por quartil (2011 e 2020) 

Ano % de prof. temporários nas redes 1º quartil 2º quartil 3º quartil 4º quartil Outliers acima
2011 Média 35% 37% 42% 38% 59%
Desvio Padrão 21% 20% 23% 21% 11%
Mínimo 1% 9% 5% 1% 48%
Mediana 33% 35% 35% 37% 59%
Máximo 83% 84% 93% 94% 71%
2019/2020 Média 35% 33% 35% 44% 61%
Desvio Padrão 17% 18% 19% 17% 5%
Mínimo 0% 1% 3% 15% 58%
Mediana 34% 30% 33% 43% 59%
Máximo 69% 80% 87% 85% 69%

Fonte: IBGEa (2011, 2019) e INEPa (2011, 2020)

É possível, na Tabela 18, observar uma correlação entre o aumento da Razão Docente/Assal com o percentual médio de professores temporários nas redes. Contudo, como aconteceu com outras variáveis, essa correlação não é nem determinante, nem extremamente alta. Não é alta porque na amostra de 2011 há uma tendência de crescimento entre o 1º e o 3º quartil, mas há um decréscimo no 4º. Em 2020 essa correlação parece mais nítida, pois a média do 4º quartil (44%) está bem acima da média dos demais quartis. Contudo, e isso vale para todas as variáveis, a média professores temporários nas redes de nenhum quartil, em nenhuma variável, ficou abaixo de 30%. Ou seja, todas as correlações estabelecidas ao longo dessa pesquisa são baixas. Por fim, como insistimos ao longo de todo o texto, as correlações observadas estão muito distantes de serem determinantes. Na Tabela 18, como nas demais tabelas dessa natureza com outras variáveis de entrada, observam-se, em todos os quartis, mínimos razoáveis e máximos pouco razoáveis.

Passemos, assim, para as considerações finais, de modo a olhar em conjunto os dados que foram apresentados de forma separada, e sugerir algumas inferências à guisa de conclusão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em 2020, apenas 4% dos municípios paraenses tinham menos que 10% de professores temporários em suas redes, os demais 96% dos municípios estavam além do estabelecido pelo PNE. Trata-se de um quadro amplo e generalizado de descumprimento das metas de valorização do magistério por meio da carreira, quadro que se manteve estável entre 2011 e 2020, pois a média estadual de professores temporários nas redes municipais oscilou de 38% a 37% no período. Destaque-se, ainda, que é um cenário bastante heterogêneo, com os municípios de diferentes tipos apresentando a estratégia de contrato temporário para manutenção da força de trabalho nas suas redes. Portanto, aquela norma constitucional que deveria ser tratada como excepcional passou a compor estratégia corrente no processo de expansão das redes municipais de ensino paraenses. O percurso da pesquisa procurou testar variáveis que pudessem explicar tendências para tipos de municípios que utilizaram esta estratégia.

Em relação às variáveis de análise, verificou-se que em três delas é possível estabelecer uma baixa e difusa correlação com o percentual de professores temporários nas redes municipais de ensino do Pará: porte populacional dos municípios, % de MatRur e a Razão Docente/Assal. Em relação às duas outras variáveis, PIB per capita dos municípios e capacidade de financiamento das redes municipais (mensurada através do VAAT), os dados analisados demonstraram ser mais improvável que exista essa correlação.

O que os dados mostram, contudo, é um cenário complexo, em que essas variáveis demonstram exercer influência sobre uma maior ou menor presença dos professores temporários nas redes, mas não determinar o volume dessa presença. Em primeiro lugar, analisando todos os quartis de todas as variáveis (lembremos que na variável porte populacional não foi utilizada a divisão por quartil), a menor média de professores temporários nas redes foi de 30% e a maior 43%. Isso significa que as médias de todos os quartis esteve muito próxima da média estadual de 2011 e 2020 (38% e 37%), indicando que se uma variável exerce influência sobre a presença de temporários nas redes, essa influência não deve ser tomada como determinante. Além disso, a pesquisa indica que múltiplas causas explicam a permanência estrutural dos professores temporários nas redes. Trata-se de um fenômeno multicausal.

Dessa forma, o achado mais relevante da pesquisa é um aspecto que foi destacado reiteradamente ao longo do texto. Dentro de todos os quartis, em todas as variáveis, observam-se mínimos que indicam o cumprimento da legislação, isto é, a presença residual de professores temporários nas redes de ensino, e máximos que indicam percentuais muito acima do permitido pela legislação. Isso indica que uma maior ou menor presença de professores temporários na rede é, em boa medida, uma decisão política do município. A dinâmica política interna de cada município é um fator que deve ser levado em consideração quando se analisa a questão dos professores temporários. O cenário bastante heterogêneo, com os municípios apresentando enorme diversidade no que diz respeito à presença dos temporários em suas redes, é outro indicativo de que a dinâmica política local é um fator explicativo importante.

Feitas essas ponderações, finalizemos esse texto com duas proposições. A primeira é a sugestão de uma agenda de pesquisa. Sugere-se a realização de estudos de caso que comparem a dinâmica política de municípios que cumprem a legislação, isto é, com presença residual de professores temporários nas redes de ensino, com munícipios com percentuais exorbitantes de temporários. A segunda proposição é uma agenda política. A valorização do magistério como condição central da qualidade da educação pública exige um projeto político que mobilize a sociedade para compreender o lugar do servidor público na construção do direito à educação. Mais que uma agenda corporativa dos sindicatos de professores, mas também como parte de uma agenda sindical, a superação dos contratos temporários precisa ser parte de um projeto de defesa da qualidade da educação como serviço público, onde a dignidade em relação ao poder e a continuidade em relação ao tempo é que constroem a identidade de pertencimento de professores como servidores públicos comprometidos com um projeto de educação. Trata-se, pois, de um desafio político no horizonte.

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1 A presente pesquisa recebeu financiamento do Edital nº21/2018 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia (PROCAD/Amazônia), Auxílio nº 88887 200466/2018-00, sendo o artigo resultado de interlocução acadêmica estabelecida através de estágio pós-doutoral no âmbito desse edital.

2A pesquisa foi realizada através da manipulação dos microdados do Censo Escolar (INEPa). Contudo, para a aferição de dados nacionais agregados foi utilizado o Censo Escolar através do Laboratório de Dados Educacionais (INEPb).

3Para o cálculo do VAAT foi, para cada município, realizada a soma de : a) 5% dos impostos e transferências que estão dentro da cesta do FUNDEB (Cota_FPM, Cota_ICMS, LC_87_97_ICMS, Cota IPI_Exporta_o, Cota_ITR, Cota _IPVA e Cota_IOF_Ouro), b) 25% dos impostos próprios municipais que não estão na cesta do FUNDEB (IPTU, IRRF_Trabaho, IRRF_Outros_Rendimentos, ITBI e ISSQN), c) transferências do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), d) transferências de recursos do FUNDEB (Transf_Multigov_FUNDEB) e e) complementação da União ao FUNDEB (Transf_Multigov_FUNDEB_Comp). A essa soma, foi subtraído 20% dos impostos que estão dentro da cesta do FUNDEB, já mencionados, e realizada a divisão pelo número de alunos matriculados na respectiva rede municipal (INEPa). As siglas/abreviaturas que estão entre parênteses nessa nota indicam como os impostos/transferências estão descritos na base de dados (STN) de 2011. Em 2020 a nomenclatura do STN fica mais detalhada. Não foram considerados os fatores de ponderação para o cálculo do VAAT.

4Para uma problematização do que o Censo Escolar considera como matricula rural, verificar a nota 7 de Feldman e Costa (2021, p. 10).

Recebido: 28 de Março de 2022; Aceito: 07 de Julho de 2022

<ariel@ufpa.br>

<andrea-gouveia@uol.com.br>

Ariel Feldman - Coordenador do projeto, coleta de dados, análise dos dados e escrita do texto.

Andréa Barbosa Gouveia - Análise dos dados e escrita do texto.

Os autores declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo

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