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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.38  Belo Horizonte  2022  Epub 10-Oct-2022

https://doi.org/10.1590/0102-469840889 

Palavra aberta

RESISTIR E ESPERANÇAR: OS DESAFIOS À GESTÃO UNIVERSITÁRIA EM TEMPOS SOMBRIOS1

RESIST AND HOPE: THE CHALLENGES OF UNIVERSITY MANAGEMENT IN DARK TIMES

RESISTIR Y ESPERANZAR: DESAFÍOS DE LA GESTIÓN UNIVERSITARIA EN TIEMPOS OSCUROS

LUCIANO MENDES DE FARIA FILHO1 
http://orcid.org/0000-0002-1023-7138

1 Professor Titular da Faculdade de Educação da UFMG. E-mail: lucianomff@uol.com.br


RESUMO:

O texto é uma saudação às colegas e aos colegas da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais que, em tempo tão difíceis, aceitaram nos conduzir, assumindo a gestão da instituição nos quadriênios 2018-2022 e 2022-2026. Tarefa difícil, mas necessária e estruturante, a gestão universitária tem sido considerada por muitos como um enorme fardo ou, por outros, como uma carreira que os distancia da sala de aula e os aproxima do poder. Mas, há também aqueles e aquelas que assumem a gestão como um desafio democrático e solidário para que a universidade seja um espaço acadêmico e científico em que docentes, técnicos administrativos em Educação e discentes construam sentidos de vida, para a vida e para o país. Chama-se a atenção, também, para o fato de que, no momento atual, ao desafio democrático soma-se o do enfrentamento do negacionismo, do obscurantismo e do medo que, sob o atual governo, transformaram-se em políticas de Estado. Mas, como em outros momentos, as luzes da aurora, como nos lembrava Drummond, hão de aparecer e tingir nossas manhãs com as cores da vida e da alegria.

Palavras-chave: Educação; Gestão Universitária; Política

ABSTRACT:

This text is an acknowledgment to the colleagues of the School of Education of the Federal University of Minas Gerais [UFMG] who, in such difficult times, accepted the role of leading us, taking on the administration in the terms of 2018 to 2022 and 2022 to 2026. A difficult, but necessary, task, the administration of a university is considered by many as a huge burden and, by others, a path that distances them from the classroom and takes them closer to power. But there are also those who take on the administration as a democratic and solidary challenge, so that the University can be a scientific amd academic space in which teachers, professors, students and admnistrative technicians can give their life meaning, and extend this to the country. It draws attention, too, for the fact that, in this moment, the denial and fear of scientific discoveries, transformed by the current government in State politics, are added to the challenge of upholding democracy. However, as in other dark times, the rays of the rising sun, as Drummond said, ought to appear and paint our mornings with the colors of light and happiness.

Key words: Education; University management; Politics

RESUMEN:

El texto es un reconocimiento a las colegas y a los colegas de la Facultad de Educación de la Universidad Federal de Minas Gerais (UFMG) que, en tiempos tan sombríos, han aceptado conducirnos, asumiendo la gestión de la institución en los cuadrienios 2018-2022 y 2022-2026. Tarea difícil, aunque necesaria y estructurante, la gestión universitaria ha sido considerada por muchos como una enorme carga y, por otros, como una carrera que los aleja de las clases y los acerca al poder. Pero hay también aquellos y aquellas que asumen la gestión como un reto democrático y solidario para que la universidad sea un espacio académico y científico en que docentes, técnicos Administrativos en Educación y estudiantes construyan sentidos de vida, y para la vida, y para el país. Llama la atención, también, el hecho de que, en el momento actual, al reto democrático se suma el del enfrentamiento del negacionismo, del obscurantismo y del miedo que, bajo el actual gobierno, se convirtió en política de Estado. Pero, como en otros momentos, las luces de la aurora, como recordaba Drummond, han de surgir y teñir nuestras mañanas con los colores de la vida y de la alegría.

Palabras clave: Educación; Gestión Universitaria; Política

INTRODUÇÃO

  • Magnífica Reitora, professora e colega Sandra Regina Goulart Almeida;

  • Magnífico vice-Reitor, professor e colega Alessandro Fernandes Moreira;

  • Excelentíssima Diretora, professora e colega Daisy Moreira Cunha;

  • Excelentíssimo vice-Diretor, professor e colega Wagner Ahmad Auarek;

  • Excelentíssima Diretora Eleita, professora e colega Andrea Moreno;

  • Excelentíssima vice-Diretora Eleita, professora e colega Vanessa Ferraz Almeida Neves;

  • Caras e caros colegas Pró Reitores e Pró Reitoras, professoras e professores, Técnicos e Técnicas Administrativos em Educação, alunas e alunos e familiares aqui presentes ou que nos acompanham pela internet,

BOA NOITE!!

Estamos aqui reunidos para uma cerimônia acadêmica em que, juntas, juntos e juntes, vamos oficializar e festejar uma das passagens das mais significativas da vida universitária: a transmissão de cargos da Direção da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais da professora Daisy Cunha e do professor Wagner Auarek, para as professoras Andrea Moreno e Vanessa Ferraz Neves.

Estou honrado e agradecido à Daisy e ao Wagner, assim como à Andrea e à Vanessa, pelo convite que me foi dirigido para saudá-las neste momento tão importante. Sabendo elas que, esta é a última cerimônia de transmissão de cargos de que participo como professor da ativa da UFMG, o convite reveste-se de especial significado para mim; e por isso, redobro os agradecimentos pela lembrança e pela confiança.

Trata-se, portanto, de uma festa, de uma comemoração, de uma continuidade da tradição das mais importantes na vida universitária. No entanto, como sabemos, cada nova edição de uma tradição é, também, a sua atualização e sua recriação. Mudam-se os contextos, alteram-se os sentidos, muda-se a história.

Digo isso como uma espécie de pedido antecipado de desculpas - e como justificativa - para lembrar que, mesmo sendo um contexto de festa e de comemoração, não poderia eu iniciar esta saudação aqui, neste momento, sem lembrar que vivemos tempos sombrios.

Para nós, do campo da educação, a ideia das sombras vem, quase sempre, associada à ideia da escuridão e da ignorância e, quase imediatamente, do seu contrário: as luzes da razão e do conhecimento. Foi assim que aprendemos, é assim, em boa parte, que ensinamos!

Mas, sabemos também, que há algo das sombras, do mundo sombrio, que ultrapassa essas ideias fortes e permanentes, e nos conectam com a experiência da morte. Sombrias são as veredas e vales da morte, sombria é a face da morte, sombrio é, diz-se, o momento da morte e do morrer.

Nestes tempos em que vivemos, infelizmente, estes sentidos se articularam e se articulam continuamente. E, é também por isso que, não podemos nos esquecer das mais de 663 mil pessoas que morreram no Brasil nos últimos dois anos, infectadas pelo vírus letal. São brasileiras e brasileiros que partiram antes do tempo! São nossas Marias, nossos Josés, nossos Joões, nossas Beneditas, nossas Joanas, Cecílias, Margaridas, Celestinos, Josefinos, Antônios, Arnaldos, Lúcias... e mais um incontável número de rostos conhecidos e desconhecidos que não voltaram..... São nossos colegas que não voltaram! São nossos alunos e alunas que não voltaram...

Por eles e por elas, é preciso chorar e guardar o luto. É preciso elaborar o luto e transformá-lo em memória. É preciso, pois, palavrear a morte!

Mas, a nós que cá estamos, precisamos fazer justiça aos nossos mortos e às nossas mortas. É preciso não deixar esquecer que 663 mil pessoas não morreram porque simplesmente foram infectadas pelo vírus. Eles e elas morreram, em boa parte, devido às políticas de morte abraçadas pelos que hoje tomaram de assalto a República. Fazer justiça a tantas pessoas que partiram fora de hora é não deixar esquecer que aqui morreram mais quatro, cinco ou seis vezes a média de outros países parecidos com o nosso; é não deixar esquecer que a pandemia não foi e não é democrática - ela tem a cara e a cor das gentes mais pobres e negras deste país.

Então, neste momento em que nos reunimos para a festa acadêmica, na casa da educação e do conhecimento em que estamos, precisamos atualizar as nossas cerimônias e incorporar, cada vez mais, a lembrança daqueles e daquelas que não voltaram. Somente assim, transformaremos o luto em memória e a lembrança em justiça para que o verdadeiro genocídio que aqui se praticou não se repita! É preciso que a gente diga sempre que #Elenão passará! Que @Elenão será esquecido! Que #Elenão sairá dessa impune!

Palavrear a morte é dar lugar à política... É por isso que, talvez, no momento de reconstrução nacional do país que em breve chegará, necessário fosse estabelecer, como política de memória, uma data, um dia, um feriado cívico em que pudéssemos nos lembrar dos nossos mortos e das nossas mortas e evocar as razões pelas quais tantos e tantas morreram precoce e desnecessariamente. Do mesmo modo, não poderão faltar lugares de memórias que nos ajudem a lembrar daqueles e daquelas que não voltaram e para os quais queremos justiça. Se não em outros lugares, poderíamos fazer aqui na própria FaE e, de um modo geral, na própria UFMG para nos lembrarmos e para não nos esquecermos.

Mas, por falar em não esquecer, não podemos nos esquecer de que estes tempos recentes não foram apenas de insegurança e de medo. Foram também de coragem, solidariedade e criatividade.

No âmbito da UFMG, dirigida pelo Reitorado sob a liderança da profa. Sandra e do prof. Alessandro, a UFMG soube, como poucas instituições do país, desdobrar-se para garantir, dentro do seu raio de ação, a segurança de seu corpo profissional e discente, assim como soube, como há muito tempo não se via, interagir com os órgãos públicos, sobretudo com as prefeituras, para prestar assessoria e contribuir na direção técnica e política no combate aos impactos da pandemia e das políticas de morte dos governos federal e estadual.

Foi também momento de buscar garantir, em condições muito adversas, as condições de um governo democrático da universidade, assim como as possibilidades de continuidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão. Os resultados, sabemos hoje, apesar das dificuldades, estiveram à altura das nossas melhores tradições de qualidade e de inclusão.

Do mesmo modo, na FaE, foram tempos de grande solidariedade e criatividade para manter a faculdade pulsando nos ritmos das exigências impostas pela pandemia e das novas condições de funcionamento. Imensos foram os esforços do corpo profissional da faculdade para não deixar nenhuma aluna e nenhum/a colega para trás! Em situações formais e informais, foi-se criando um clima de um destino comum partilhado por todes e que, portanto, o cuidado deveria ser redobrado com cada uma e com cada um de nós!

Este esforço e este cuidado se estenderam, também, para fora dos limites da universidade. Por meio de ações, as mais diversas, os grupos e projetos de pesquisa e extensão foram pródigos em acompanhar as lutas e agruras dos profissionais da educação, do alunado e de suas famílias. Projetos arrojados foram desenvolvidos e seus resultados amplamente disseminados para subsidiar o estabelecimento de ações pontuais e/ou de políticas educacionais que visavam garantir o direito à vida e à educação, ao cuidado e à atenção, sobretudo aos sujeitos mais vulneráveis e mais desprotegidos, como as crianças pequenas.

Neste sentido, cumpre notar que, mesmo em tempos tão adversos, com a pandemia e as políticas de morte nos açoitando a cada dia, com os cortes de financiamento e tentativas de cerceamento da ação docente, a Faculdade, sob a Direção da Daisy e do Wagner, e com o concurso de cada um e cada uma que compõe o seu corpo profissional, melhorou e ampliou suas estruturas e canais de comunicação e divulgação dos conhecimentos e das experiências aqui produzidos, cujo Projeto FaE Comunica em Rede é um feliz exemplo.

Do mesmo modo, apenas para citar mais um exemplo, cientes da importância, sobretudo em tempos de crise, de preservar e divulgar as nossas memórias, foi dado continuidade à organização do acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da Faculdade, numa parceria entre a Equipe do CEDOC, coordenada pela Andrea, a Direção da Faculdade.

A FaE é, de longe, a mais diversa das unidades da UFMG. Em nossos corpos, em nossas cores, em nossas raças, em nosso gêneros, em nossas formações, em nossas vidas, em nossos conhecimentos e conheceres, trazemos as marcas de muitas histórias e trajetórias. Aqui, como em nenhuma outra unidade, todas as áreas acadêmicas se encontram de forma sistemática e continuada. Aqui, como em nenhuma outra unidade, a universidade pulsa no compasso da sociedade brasileira.

Foi essa Faculdade pulsante e multifacetada que Daisy e Wagner aceitaram conduzir em 2018, sem saber eles, nem nós, dos acontecimentos trágicos que estavam por vir: a eleição de um racista, homofóbico, machista, genocida e fascista para a Presidência da República - e de vários de seus aliados para os executivos estaduais - e a pandemia.

Como sabemos, tais acontecimentos, impactaram enormemente as universidades e suas respectivas unidades, dentre as quais a Faculdade de Educação. Diante de políticas de morte, de destruição e de cenários totalmente adversos ao ensino, à pesquisa, à extensão e à administração universitária, Daisy e Wagner souberam nos conduzir e criar condições para que pudéssemos continuar atuando, ainda que, muitas vezes, não soubéssemos quais as melhores direções tomar.

Estes últimos anos foram tempos de reinventar a Faculdade, de nos reinventarmos como pessoas, professoras(es), pesquisadoras(es), administradoras(es) e extensionistas. Tempos difíceis em que nossas subjetividades dilaceradas, nosso bem estar corroído, nossas convicções foram colocadas à prova.

Em muitos destes momentos, sobretudo aqui na FaE, foi a certeza de poder contar com um coletivo solidário, com chefias competentes e zelosas e com uma Diretoria presente e propositiva que nos mantiveram como bússola, apontando para os melhores propósitos: aqueles suleados pela educação pública, democrática, laica e de qualidade socialmente referenciada para todas, todes e todos.

Aprendemos, e ensinamos, que a educação é um ato político por excelência: faz circular a palavra e nomeia o mundo, ainda que sejam mundos desencantados. Mas, des-encantar o mundo, por meio das próprias palavras e dos cantos diversos, é tarefa primeira de educadoras e educadores comprometidos com um mundo mais justo, democrático e igualitário.

Daisy e Wagner, como sabemos, quanto mais democráticas as relações, mais os conflitos e as posições diferentes aparecem. É por isso que, a política é necessária: para que os conflitos não degenerem em violência e tenham como alvo o outro, seus corpos, suas subjetividades. Por isso, queria saudá-la e saudá-lo, Daisy e Wagner, pelo esforço da condução democrática e republicana da FaE nos últimos quatro anos.

Andrea e Vanessa, colegas queridas! Os tempos de hoje não estão menos sombrios do que os de ontem. Pelo contrário, paira no ar a ameaça anti-democrática e de continuidade das políticas de morte. E, ainda que façamos tudo que está ao nosso alcance para que tal não aconteça, é preciso que nos preparemos também para o pior.

A perspectiva de uma reedição de1964, com um golpe dentro do golpe, para ampliar as políticas de morte e horror, está cada vez mais explícita nas palavras e nas ações daquele que ocupa a Presidência da República e de seus mais leais seguidores. E, sabemos, se tal vier a acontecer, não faltarão, como não faltaram outrora, apoiadores e financiadores no meio empresarial, religioso, político e, mesmo, intelectual e universitário, como bem sabemos.

Mas, prepararmos para o pior, naquilo que nos compete, é também planejar para que, nos próximos 4 anos, todos os dias, façamos o melhor que podemos e sabemos fazer! O grande desafio de vocês será, sem dúvida, conduzir-nos nos grandes desafios que nos cercam. Sabem vocês, sabemos nós, que não será uma tarefa fácil dirigir a Faculdade nos tempos que se aproximam.

Ainda que, a partir de 1º de janeiro, possamos retomar o curso da história brasileira rumo a um projeto de reconstrução nacional, foram tantas as destruições, a começar em nossas próprias convicções sobre os lugares da escola, do conhecimento e da educação, que demorará um tempo alongado sairmos deste atoleiro em que nos meteram.2

Penso Andrea e Vanessa, que além do esforço ad-intra de manutenção e reconstrução da Faculdade por dentro e para fora, não menos necessário será o esforço ad-extra, de fortalecimentos de laços de solidariedade e cumplicidade para colaborar com a reconstrução educacional deste país.

Como não aquilatar os enormes desafios trazidos pelas novas configurações da educação pela acelerada expansão das plataformas privadas de ensino e de comércio ostensivo de facilidades educacionais? Como nos preparar, e preparar as nossas alunas, nossos alunos, para esse enfrentamento tão desigual, e que nos impõe imensos desafios científicos, tecnológicos, políticos e epistemológicos?

Novamente, havemos de acreditar que se saída há, ou ela é coletiva ou não haverá. Nossos corredores, auditórios e salas de aula deverão continuar pulsando ao ritmo das melhores utopias. Mas, ainda assim, temos que ter a clareza de que tais espaços e tempo de ensino e aprendizagem, de tradições e inovações, de solidariedade e cumplicidade, não serão suficientes.

Impõe-se, pois, a continuidade e o alargamento de nosso diálogo, sempre respeitoso e criativo, com as forças que compõem o campo democrático em educação, ciência e tecnologia. Não falo apenas e tão somente das nossas instituições científicas, com as quais compartilhamos ideários e ações. Falo, sobretudo, do alargamento das nossas parcerias e cumplicidades com aqueles movimentos que, de fato, trouxeram lufadas novas e alvissareiras para a educação pública deste país.

Movimentos do campo e da cidade, sem terra, sem teto, quilombolas, negros, indígenas, ambientalistas, de professoras da educação básica, de estudantes, sindicais, coletivos de educação e cultura, de luta pela saúde pública, dentre tantos outros que nos ajudaram a sonhar e a fazer uma nova escola, da educação infantil à pós graduação, nas últimas décadas.

Para terminar, gostaria de lembrar, ainda que isso fosse dispensável, que 2022 é um ano emblemático para todes nós que aqui estamos.

2022 é o ano de comemoração do Bicentenário da Independência e, portanto, ocasião para as inúmeras discussões que estão em curso sobre os sentidos das independências para os diversos sujeitos e territórios que nos constituem como país e como nação. São comemorações que, sem dúvida, colocam em questão as histórias que nos trouxeram até aqui. Não chegamos até aqui graças ao destino ou à sorte; à ausência da escola ou à falta de ciência e conhecimento.

Os novos desafios explicitam e enlaçaram questões e contornos tão antigos quanto a própria humanidade. Escola e conhecimento são e serão sempre insuficientes para dirigir a ação política de sujeitos açoitados pelo medo e destituídos de projetos de futuro. Escola e conhecimento sempre serão insuficientes para a autonomia dos sujeitos numa sociedade que produz mentiras e as veicula, utilizando a mais avançada das tecnologias e os mecanismos mais perversos de acumulação e de lucro. Há que se fazer cessar essa máquina de produzir riqueza para alguns e pobreza e morte para a imensa maioria da população.

2022 é o ano em que a UFMG completa 95 anos. Havemos de saudar uma data tão significativa, e, felizmente, o Reitorado já está atuando neste sentido. Mas, é preciso pensar, desde já, na universidade centenária que queremos. Não podemos deixar de sonhar com uma universidade que, prestando contas ao passado e se apossando de suas melhores tradições, entre definitivamente no século XXI e nos incentive a criar e a vibrar com novas utopias e abrigue os melhores sonhos da maioria da população brasileira.

A universidade que temos, hoje, é, em boa parte, ainda a universidade criada sob os auspícios da Ditadura e aclimatada aos generosos sonhos dos movimentos de estudantes e professores daqueles difíceis, mas criativos e subversivos, anos de 1960. Para onde vamos com a UFMG Centenária? Quais sonhos ela abrigará e institucionalizará no transcurso dos próximos 100 anos?

Mas, 2022 é também o ano em que temos a oportunidade de derrotar o fascismo e banir os milicianos que tomaram de assalto a República para a cadeia e para o lixo da história.

É por isso que eu gostaria de lembrar, também, que em 2022 completamos 90 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que tinha o emblemático subtítulo de A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL - AO POVO E AO GOVERNO.

Eu dizia há pouco que se aproxima o momento de reconstruímos o Brasil, um país dilacerado pela violência, pela pobreza, pela fome e entregue a voragem do capital transnacional com o beneplácito apoio de nossas elites. Certamente que, parte desta reconstrução deverá passar pela escola pública, a mais democrática, capilar e inclusiva das instituições republicanas.

O grande desafio de vocês, Andrea e Vanessa, em coordenação permanente com a Reitoria, será nos conduzir neste difícil momento, não apenas nos animando e ajudando a achar os melhores caminhos para continuar com nossas melhores tradições, mas também, e talvez, sobretudo, nos ajudando a achar, em meio aos ventos da reconstrução histórica, ou do recrudecimento da violência antidemocrática, inventar novas formas de fazer a educação pública de qualidade ou, no mínimo, de se transformar em uma imensa trincheira de proteção e luta contra o arbítrio.

A educação e a escola pública sempre são objetos em disputa. Significam a possibilidade de influir na formação de milhões de pessoas e, ao mesmo tempo, o acesso a uma fatia substantiva do orçamento nacional. Os capitalistas e seus representantes no campo político e educacional sabem tanto disso como “nosotros”. Por isso, não subestimemos a capacidade de o lobo travestir-se novamente de cordeiro e buscar se apropriar de nossas lutas coletivas e dos nossos melhores sonhos. Agora mesmo, na preparação da reconstrução nacional, os mesmos que antes apoiaram o Golpe e fizeram vistas grossas à eleição dos partidários da morte e da destruição sentam-se ao lado das vítimas, como se algozes não fossem.

Eu dizia há pouco que sombria é a morte! Mas, em boa parte das culturas que conhecemos, mais do que a morte, é o medo que é mais sombrio, porque é ele que convoca e autoriza as atrocidades mais repugnantes; as violências mais destrutivas; a cassação da palavra; a suspensão da política; a cessação da vida.

Numa sociedade em que o espectro do medo faz cessar a política, a única forma de enfrentamento da violência por meio da circulação da palavra, da simbolização dos horrores, da representação dos demônios. Não bastam hoje, como jamais bastaram, a escola e o conhecimento razoável para combater o medo, a violência e as políticas de morte.

Quando a violência vira normalidade e a destruição dos outros humanos e não humanos que habitam nossos territórios tomam o lugar da política, não podemos educar as novas gerações para a “normalidade”, para que sejam razoáveis, para que convivam com as violências ou para o bom aprendizado das lógicas do sistema. Por isso, não basta que sejamos frontalmente contrários à Base Nacional Comum Curricular e queiramos substituí-la por melhores currículos, por mais experiências locais, por mais diversidade... para interessar mais os alunos e alunas pela escola e melhorar o seu aprendizado.

Ainda que isso seja necessário, nosso desafio é ainda maior Andrea, Vanessa e demais colegas: é preciso devolver às novas gerações, na escola e pela escola, ainda que não apenas, a experiência e o exercício cotidiano de outras formas de dizer, de expressar, de conhecer, de entender, de simbolizar, enfim, de representar o mundo que lhes foram usurpados pela razão pragmática e pelas suas formas de conhecimento de nós mesmos, do mundo e da escola.

É preciso que a escola e a educação cultivem novamente o compasso da dança, o ritmo da música, as iluminuras do cinema, as cenas do teatro, as cores das artes plásticas e que abra espaço para todas as artes, para as potencialidades de simbolização dos corpos, em toda a sua plenitude e em todas as nossas diversidades..... Enfim, é preciso que recuperemos nossas capacidades, juntos com as crianças e os jovens, de simbolizar o horror, palavrear o medo e representar as perversidades nuas e cruas de que somente o humano é capaz.

Somente assim, seremos capazes de elaborar os fantasmas e os monstros que nos paralisam e devoram os nossos melhores e mais generosos sonhos. Somente assim, estaremos, de fato, construindo uma educação e uma escola que sejam contemporâneas de nosso tempo e preparem, com as especificidades que lhe são próprias, as novas gerações para os gestos amorosos, solidários, altruístas, de acolhimento e empatia que, também, somente o humano é capaz.

Queridas Daisy, Andrea e Vanessa. Querido Wagner! Prezadas colegas, infelizmente o momento que vivemos não é, nem foi, único em nossa história. Há muitos séculos, os nossos mortos não descansam em paz, pois aqueles que os assassinaram continuam construindo sobre seus ossos e suas histórias, pontes para este presente sombrio em que vivemos. Mas, como em outros momentos, as luzes da aurora, como nos lembrava Drummond, hão de aparecer e tingir nossas manhãs com as cores da vida e da alegria.

Para isso, estamos aqui!

Por isso, continuaremos aqui!

Contem conosco, Andrea e Vanessa, nessa alvorada que agora iniciam!

Obrigado!

Referência

Fargoni, Everton Henrique Eleutério ; ZACARIAS, MAYNA ; VICENTE, WILLIAM AUGUSTO ; SILVA JÚNIOR, JOÃO DOS REIS . CIÊNCIA E SOCIEDADE CIVIL SOB NECROPOLÍTICAS. Revista de Estudos em Educação e Diversidade - REED, v. 2, p. 15-33, 2021. [ Links ]

1Saudação à professora professora Daisy Moreira Cunha e ao professor Wagner Ahmad Auarek, que deixaram a Direção da Faculdade de Educação da UFMG, e às professoras Andrea Moreno e Vanessa Ferraz Almeida Neves que assumiam o cargo em cerimônia realizada no dia 04 de maio de 2022.

2Alguns trechos deste texto foi publicado como Editorial do jorna Pensar a Eduação em Pauta em 06 de maio de 2022.

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