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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 01-Fev-2023

https://doi.org/10.1590/0102-469839408 

Artigos

ENSINOS DE CIÊNCIAS INSURGENTES: AMBIENTALIZANDO CIÊNCIAS E EDUCAÇÕES1

JAVIER GIOVANNY SÁNCHEZ MOLANO2 
http://orcid.org/0000-0001-8843-0985

ROSILÉIA OLIVEIRA DE ALMEIDA2 
http://orcid.org/0000-0002-6804-1816

2 Universidade Federal da Bahia. Salvador(BA), Brasil.


RESUMO:

O tecido textual corresponde a uma revisão crítica, cuja primeira versão fundamentou as análises e discussões relacionadas às experiências de campo produzidas em uma pesquisa qualitativa (SÁNCHEZ MOLANO, 2020) em instituições escolares da periferia de uma metrópole latino-americana. No caminhar pelo texto, estaremos acompanhados pelas Epistemologias do Sul, cujas ideias-força darão consistência ao fio argumentativo, em relação às proposições sobre ciências contra-hegemônicas, ciências contemporâneas, ambientalismo latino-americano e à noção de ecologia de saberes, bem como aos ensinos de ciências que podem ser ancorados nessas proposições. Avança-se na compreensão da prática científica a partir dos postulados do pragmatismo epistemológico e do pluralismo metodológico, que seriam complementares às perspectivas educacionais inspiradas na interculturalidade crítica e na educação ambiental insurgente. Com base no exposto, são propostas atualizações nomenclaturais no campo dos ensinos de ciências, mais condizentes com olhares emancipatórios projetados desde a América Latina.

Palavras-chave: América Latina; ciências contra-hegemônicas; ensinos de ciências; interculturalidade crítica; tecituras ambientais

ABSTRACT:

The text corresponds to a critical review, whose first version substantiated analyzes and discussions related to field experiences produced in a qualitative research (SÁNCHEZ MOLANO, 2020) in school institutions in the periphery of a Latin American metropolis. Throughout the text, we will be accompanied by the Epistemologies of the South, whose main ideas give consistency to the argumentative thread, in relation to propositions about counter-hegemonic science, contemporary science, Latin American environmentalism and to the notion of ecology of knowledge, as well as to science teaching that can be anchored in those propositions. It advances in the understanding of the scientific practice from the postulates of epistemological pragmatism and methodological pluralism, which would be complementary to educational perspectives inspired by critical interculturality and insurgent environmental education. In the light of the foregoing, nomenclature revisions are proposed in the field of science teaching, more compatible with emancipatory perspectives projected from Latin America.

Keywords: Latin America; counter-hegemonic science; science teaching; critical interculturality; environmental weavings

RESUMEN:

El tejido textual corresponde a una revisión crítica, cuya primera versión basó los análisis y discusiones relacionadas con experiencias de campo producidas en una investigación cualitativa (SÁNCHEZ MOLANO, 2020) en instituciones escolares de la periferia de una metrópoli latinoamericana. En el recorrido del texto nos acompañarán las Epistemologías del Sur, cuyas ideas principales darán consistencia al hilo argumental, en relación con proposiciones sobre ciencias contrahegemónicas, ciencias contemporáneas, ambientalismo latinoamericano y a la noción de ecología de saberes, así como a las enseñanzas de las ciencias que pueden anclarse en estas proposiciones. Se avanza en la comprensión de la práctica científica desde los postulados del pragmatismo epistemológico y el pluralismo metodológico, que serían complementarios a perspectivas educativas inspiradas en la interculturalidad crítica y en la educación ambiental insurgente. Con base en lo anterior, se proponen actualizaciones nomenclaturales en el campo de las enseñanzas de las ciencias, más acordes con perspectivas emancipatorias que se proyectan desde América Latina.

Palabras clave: América Latina; ciencias contrahegemónicas; enseñanzas de las ciencias; interculturalidad crítica; tejidos ambientales

POR QUE AMBIENTALIZAR AS CIÊNCIAS E AS EDUCAÇÕES NA AMÉRICA LATINA?

Apesar do fim formal dos colonialismos, a colonialidade sobrevive fortemente em estruturas subjetivas, imaginários e na colonização epistemológica (OLIVEIRA; CANDAU, 2013). Compartilhamos com Santos (2006) o entendimento de que “a emancipação social tem três dimensões principais: uma epistemológica, uma teórica e uma política” (p. 13, tradução nossa). Compreendemos, com o mesmo autor, que a injustiça social se assenta na injustiça cognitiva, pois a criação de objetos teóricos privilegiados, como a tecnociência, vincula-se à potenciação social, política e cultural de determinados sujeitos e grupos sociais e, consequentemente, à marginalização dos sujeitos e povos que não podem se apropriar desses objetos (SANTOS, 2003, 2008).

Por isso, pensar em decolonialidade implica projetar uma democratização e contextualização dos processos de construção e apropriação do conhecimento científico na América Latina.

A ideia de colonialidade diz respeito a um processo de dominação no qual foram estabelecidas relações que impedem os povos dominados de terem suas culturas reconhecidas, nega-se o acesso à ciência universal, assim como de participarem de decisões políticas, de estabelecerem vínculos sociais, afetivos, e de terem a dignidade humana respeitada (DUTRA; CASTRO; MONTEIRO, 2019, p. 2).

Ao mesmo tempo, acompanhamos Hodson (2019), quando afirma que “a frequência com que a degradação ambiental impacta os pobres, desfavorecidos e marginalizados muito mais do que os ricos e poderosos justifica o uso do termo racismo ambiental” (p. 37). Esse racismo ambiental é particularmente conspícuo em Nuestra América2.

De maneira complementar, percebemos que a utopia característica da contemporaneidade é a utopia ambiental. Corresponde a uma utopia com o potencial articulador de campos disciplinares, culturas, dimensões humanas, resistências locais, e uma diversidade de lutas antigas e atuais. A concretização dessa utopia pressupõe um exercício radical da cidadania visando à transformação global dos modos de produção, do conhecimento científico, dos estilos de vida e dos relacionamentos sociais (étnico-raciais, de gênero, sexuais, familiares, trabalhistas etc.). É, portanto, uma utopia que não tem sujeito histórico ou vanguarda privilegiada (SANTOS, 1994).

Por isso, nesse contexto, dentro dos muitos caminhos emancipatórios que ainda precisam ser tecidos pelos nossos povos na América Latina, torna-se relevante o desenvolvimento de ensinos de ciências que enfrentem as atuais configuração e consolidação dogmáticas, assépticas, ecologicamente irresponsáveis, social e epistemologicamente injustas, da ciência hegemônica3.

Não se trata de ignorar, rejeitar ou demonizar as poderosas construções disciplinares e simbólicas que se consolidaram na modernidade4 e que hoje, em grande medida, sustentam o atual modelo de desenvolvimento. Não se trata de negar a razão e a tecnociência, mas sim de irrigá-las com ética e paixão, facilitando sua apropriação desde embaixo, desde as lógicas, os desejos e as necessidades dos territórios e comunidades, para que tenham um uso contra-hegemônico. A esse respeito, Santos e Meneses (2009) afirmam:

A ciência moderna não foi, nos dois últimos séculos, nem um mal incondicional nem um bem incondicional. Ela própria é diversa internamente, o que lhe permite intervenções contraditórias na sociedade. A verdade é que foi e que continua a ser muitas vezes apropriada por grupos sociais subalternos e oprimidos para legitimar suas causas e fortalecer suas lutas (SANTOS; MENESES, 2009, p. 11).

Essa opinião é compartilhada por Leff (2010), ao afirmar que a ciência e a tecnologia não estão condenadas a serem exclusivamente suportes de guerras, injustiças sociais e exploração da natureza. A tecnociência é uma faca de dois gumes, sendo fácil perceber como os meios tecnológicos gerados no cerne do neoliberalismo apresentam projeções políticas ambivalentes e, em muitos cenários, são utilizados como instrumentos de poder e libertação pelas oprimidas5.

Além do acima exposto, e tomados por um profundo senso de justiça ambiental (ecológica, histórica, cultural, econômica e epistêmica), estamos conscientes de que as construções teóricas das ciências, assim como a tecnociência produzida a partir delas, foram obtidas e conquistadas sobre as lutas, esforços, sangue, suor e os patrimônios materiais e simbólicos de toda a humanidade. A esse respeito, Benjamin (2013, p. 23, tradução nossa) comenta que “os bens culturais (...) devem sua origem não só à fatiga dos grandes gênios que os criaram, mas também à servidão anônima de seus contemporâneos. Não existe um documento de cultura que não seja ao mesmo tempo um documento de barbárie”.

Consideramos, portanto, que a apropriação, defesa, uso responsável, coletivo e justo desses patrimônios culturais é um direito de todos os povos, sem exceção. As comunidades devem reivindicar seu direito a se apropriar da ciência e das tecnologias modernas e pós-modernas para melhorar sua qualidade de vida em harmonia com seus patrimônios ecossistêmicos (LEFF, 2010).

A ciência moderna também é parte das epistemologias do Sul, na medida em que consegue dialogar de forma tendencialmente horizontal com outros conhecimentos, socialmente legítimos, promovendo uma ecologia de saberes. Mas, tal como os outros saberes, não detém o estatuto de único saber válido (MENESES, 2019, p. 24).

Esse desafio teórico, metodológico, mas sobretudo ético de decolonialidade na educação e na pesquisa científica em Nuestra América é expresso por Chaves (2013), quando afirma que toda a humanidade tem o direito e a necessidade de conhecer os símbolos e dinâmicas das culturas científicas para que não seja usuária passiva da tecnociência. Assim, compreendendo seus mecanismos e por meio da análise dos saberes, intervenções e práticas alternativas, possa se apropriar dela de maneira responsável, criteriosa, criativa e crítica.

É comum, no cotidiano de nossas sociedades latino-americanas e nos seus contextos escolares, a cultura científica ser enxergada como elitista, cuja língua se apresenta estrangeira, intraduzível, não palatável aos interesses e desejos das pessoas simples. Destaca-se, dessa maneira, ser ambientalmente saudável que o povo conheça as lógicas das culturas científicas e domine seus argumentos criticamente, superando visões e concepções ingênuas que têm sido tecidas em torno das práticas científicas e que, muitas vezes, fecham-nas em castelos de cristal, isolando-as do contato e sentir popular. Seria projetado, assim, na educação, um ideal de prática científica com benefícios e riscos socioeconômicos mais bem distribuídos, e impactos e sacrifícios humanos e ecológicos evitados ou diminuídos. Isso, de forma indireta, também permitiria pensar no fortalecimento da capacidade científica e tecnológica dos povos e comunidades do Sul e, dessa maneira, obter independência das transferências e domínio tecnológico-político do Norte, promovendo o uso endógeno e respeitoso dos recursos ecossistêmicos e dos saberes ancestrais-populares.

A perspectiva ambiental traria, para o ensino de ciências praticado em cenários escolares da América Latina, urgentes reflexões sobre o significado de produzir e aplicar os conhecimentos científicos em nossos territórios e sobre a possibilidade de romper com o modelo instrumental e competitivo de pensar, ensinar e construir ciência. Seriam projetados, desde o ensino básico, caminhos alternativos de produção de outros tipos de conhecimentos e de subjetivação pautados em critérios mais colaborativos, solidários e condizentes com o ideário político e existencial ambientalista (REIGOTA, 2012).

Educações científicas construídas desde a perspectiva ambiental se oporiam ao tipo de ensino de ciências atualmente hegemônico na América Latina, que continua a reproduzir visões de ciência, de educação, de mundo, de trabalho, de ser humano, de sociedade, fundamentadas no individualismo, na marginalização de grandes contingentes de seres humanos, e nos pressupostos desenvolvimentistas da grosseira acumulação de capital e do insustentável crescimento econômico ilimitado. Visões que, por sua vez, se assentam em concepções e atitudes castradoras da natureza, reduzindo-a a uma simples fonte passiva e inesgotável de recursos materiais.

As características antiessencialistas, interculturalmente críticas e transdisciplinares da perspectiva ambiental latino-americana rompem com metanarrativas e dogmatismos ontológicos, liberam a educação de teleologias e fundacionismos disciplinares, epistêmicos ou culturais; oferecem-nos a possibilidade de pensar em outro tipo de professoras, de escolas, de ciências, de ensino de ciências, de cientistas, mais engajadas, abertas e fluidas. Profissionais das ciências e da educação cujas práticas e processos tenham um maior nível de assertividade em relação aos desejos, desafios, necessidades e características desse vasto e colorido contingente de humanidade que vive na América Latina.

Ambientalizar as práticas científicas e do ensino de ciências permitiria que elas fossem revestidas novamente daquela aura emancipatória que impregnou seu nascimento no Iluminismo contra os dogmas da Idade Média, mas, desta vez, atualizando e direcionando sua rebeldia potencial contra os grupos de poderes e micropoderes que entristecem a vida e reduzem a diversidade de sentidos, seres e formas de ser. Para Santos (2008a),

Não é possível imaginar horizontes não capitalistas no marco exclusivo da ciência; a luta contra o sistema capitalista, o qual tem garantido seu estatuto hegemônico graças à ciência, exige uma maior abertura epistêmica, no sentido de tornar visíveis campos de saber que o privilégio epistemológico da ciência tendeu a neutralizar e a ocultar ao longo dos séculos (p. 152).

A questão ambiental demanda essa abertura epistêmica e fornece uma sensual inspiração axiológica, sendo um substrato e ferramenta potente para o desenvolvimento de Ensinos de Ciências orientados para o bem viver coletivo, por meio da expansão do universo simbólico das atrizes escolares, visando dinâmicas de autodeterminação e autogestão dos povos e comunidades de Nuestra América.

CIÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS, CIÊNCIAS CONTRA-HEGEMÔNICAS E INTERCULTURALIDADE

Pensar em ciências contra-hegemônicas, na ambientalização das ciências, ou na construção de práticas científicas e de educação científica mais condizentes com as realidades de Nuestra América, implica compreender o campo científico como um campo heterogêneo e dinâmico, o que nos leva a lançar um rápido olhar sobre a natureza e sociologia das ciências e as características que essa prática social vem adquirindo desde o século passado.

Dessa forma, iremos nos aproximando da compreensão da ciência e da tecnologia como atividades humanas, histórica e culturalmente determinadas, submetidas a diferentes tipos de pressões e interesses políticos. Para Santos (2003), trata-se de compreender a ciência enquanto prática social de conhecimento, “uma tarefa que vai se cumprindo em diálogo com o mundo e que é, afinal, fundada nas vicissitudes, nas opressões, nas lutas que o compõem e a nós, acomodados ou revoltados” (p. 13).

O caminhar das ciências se dá sobre e em meio a contínuas e dinâmicas construções sociais, nas quais intervêm produzindo novas construções sociais, capazes de mobilizar forças e processos materiais que existem como potência na natureza e na sociedade (LEFF, 2010). Nas palavras de Lacey e Mariconda (2014), “as atividades científicas não são inteligíveis quando separadas de suas situações sócio-históricas, dos valores incorporados nelas e de seus lugares no mundo da vida” (p. 643).

Essa percepção do conhecimento e das disciplinas como construções sociais encontrou respaldo, segundo Leff (2010) e Santos (2008b), quando se identificaram falências no próprio coração do paradigma moderno. A identificação dessas falências decorreu dos grandes avanços do conhecimento científico que o mesmo paradigma moderno promoveu. Dessa maneira, se reconheceram seus limites, suas inadequações estruturais e a fragilidade dos pilares em que se baseia.

Na ciência, foram produzidas demonstrações de que não é possível observar um objeto sem interferir nele ou alterá-lo; que as leis da Física funcionam apenas de maneira probabilística; que a totalidade é muito mais do que a soma de suas partes; que a distinção sujeito-objeto não é dicotomia discreta, mas uma dispersão contínua; que a prova de consistência de qualquer sistema sempre lhe é externa e que a irreversibilidade termodinâmica acontece produzindo auto-organização e sistemas que são produto de uma história. Gerou-se, assim, uma percepção de mundo e do conhecimento que quebra a visão objetivista e mecanicista de uma realidade predeterminada e fixa.

Assim, a passagem da ciência moderna à ciência pós-moderna caracteriza-se, de acordo com Santos (2008b), por uma mudança nas metáforas explicativas: “em vez da eternidade, a história; em vez do determinismo, a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização; em vez da reversibilidade, a irreversibilidade; em vez da ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente” (p. 48).

Tais metáforas nos convidam a compreender a práxis científica mais do que como reflexo da realidade, senão como instrumento transformador e construtor de realidades, o que se torna mais palpável quando olhamos para as características das sociedades contemporâneas, nas quais os produtos da tecnociência6 estão reconfigurando radicalmente nossas realidades.

A ciência se torna tecnologia; ela não mais apenas observa, mas penetra o real, desnaturando-o, dessubstanciando-o, tecnologizando-o. O dualismo entre o conceito e o real da relação do saber que reduz a compreensão do mundo àquela identidade, que no regime da racionalidade busca a adequação entre a natureza e a ideia, passa ao do instrumento que disseca, sintetiza, clona e faz explodir o núcleo do Ser entre o mesmo e a diferença. O problema do conhecimento muda para os efeitos do conhecimento (LEFF, 2009, p. 264, tradução nossa).

Dessa forma, a ciência adquire a potencialidade de transitar de um instrumentalismo mecanicista que tem sustentado o capitalismo e outros tipos de desenvolvimentismos, para um pragmatismo com possibilidades emancipatórias. A ciência produzida sob um paradigma contemporâneo de viés emancipador seria um conhecimento-gambiarra7, produto de uma busca e reciclagem incessante de alternativas nos depósitos de dominação que a modernidade acumulou nas suas margens. Exemplos dessas alternativas são encontrados na agroecologia, nas tecnologias sociais, em ciências de outras naturezas (De-Carvalho, 2020), e nas perspectivas de saúde preventiva, pública e coletiva.

As práticas agroecológicas amalgamam o conhecimento agrícola tradicional com elementos da ciência e tecnologia modernas, inovando práticas culturalmente compatíveis com a racionalidade da produção camponesa. As técnicas resultantes são ecologicamente apropriadas e culturalmente apropriáveis; permitem aumentar a produtividade e preservar a capacidade produtiva do ecossistema; preservar as identidades culturais e os serviços ambientais do planeta (LEFF, 2009, p. 384, tradução nossa).

Na sua crítica à racionalidade instrumental negadora de outras racionalidades e saberes e, portanto, promotora de um desperdício da experiência humana, Santos (2009) nos diz que nenhum saber deve ser considerado descartável ou privilegiado per se. Segundo ele, todos os saberes e suas hibridizações serão valorados na medida em que estejam orientados a uma ecologia de saberes, que resolvam problemáticas concretas das populações e projetem alternativas aos grandes desafios societários.

Para Santos e Meneses (2009), “a diversidade epistemológica do mundo, longe de ser algo negativo, representa um enorme enriquecimento das capacidades humanas para conferir inteligibilidade e intencionalidade às experiências sociais” (p. 12). Sob esse olhar, é possível destacar dois tipos de estratégias interculturais que dariam conteúdo à ecologia de saberes.

Em primeiro lugar, destacamos a estratégia que Santos (2004) chama de tradução intercultural, entendida como o exercício de definir, em cada momento ou contexto histórico concreto, as constelações de práticas subalternas com maior potencial contra-hegemônico. Através desse tipo de tradução intercultural, torna-se possível identificar preocupações comuns, abordagens complementares e também contradições intratáveis (SANTOS, 2010). Esse exercício dialógico entre culturas subalternas, sem canibalização, funcionaria como contraponto aos processos de homogeneização da globalização neoliberal.

A segunda estratégia, chamaremos de interculturalidade antropofágica8, inspirados em Oswald de Andrade (1928) e no Movimento Modernista Brasileiro dos anos 20 do século passado. Entendemos essa dinâmica intercultural como a apropriação criteriosa e crítica de conhecimentos e epistemologias hegemônicas, colocando-as em diálogo e contato com os saberes populares em função dos desejos e necessidades das populações oprimidas do Sul Global.

Essas dinâmicas interculturais, que oferecem a substância cognitiva da ecologia de saberes, por sua vez, se complementariam e expressariam os sentidos sociopolíticos do que Santos chama de Cosmopolitismo Subalterno. Para Santos (2010), “o cosmopolitismo subalterno é animado por um ethos redistributivo, implicando a redistribuição de recursos materiais, sociais, políticos, culturais e simbólicos” (p. 47, tradução nossa). Também é incentivado pelo despertar global da utopia ambiental, com seu promissor potencial articulador das resistências e emancipações locais (SANTOS, 1994).

O cosmopolitismo subalterno, de acordo com Santos (2008b), desenvolve-se a partir da exemplaridade do local, ao redor de temas que em dado momento são adotados, por grupos sociais concretos, como preocupações territoriais. Assim se configuraria um novo paradigma político “que concebe através da imaginação e generaliza através da qualidade e da exemplaridade” (SANTOS, 2008b, p. 77).

Esse cosmopolitismo, trabalhando de forma analógica e tradutora, incentiva os conceitos, teorias e práticas desenvolvidos localmente a emigrarem para outros lugares cognitivos e experienciais, de modo a poderem ser recontextualizados e utilizados criteriosamente.

Os saberes do Sul Global, ancorados nas experiências de vida e luta dos povos e comunidades, não são estáticos; pelo contrário, a sua diversidade e especificidade, nas zonas de contato, suscitam a necessidade de traduções entre saberes e práticas, para realizar uma tarefa fundamental: sobreviver e (re)existir (MENESES, 2019, p. 25).

A ecologia de saberes, configurada na interculturalidade antropofágica e na tradução intercultural solidária, promove a interação sustentável e dinâmica entre os diferentes tipos de conhecimento, respeitando a autonomia e a legitimidade contextual de cada epistemologia, disciplina e/ou cultura. Para Santos (2009), uma ecologia de saberes se organiza entendendo que:

(...) todos os conhecimentos têm limites internos e limites externos. Os internos dizem respeito aos limites das intervenções no real que permitem. Os externos decorrem do reconhecimento de intervenções alternativas tornadas possíveis por outras formas de conhecimento. O uso contra-hegemônico da ciência moderna só é possível através da exploração paralela de seus limites internos e externos (SANTOS, 2009, p. 49).

Nem a interculturalidade antropofágica nem a tradução intercultural solidária são relativistas. Nelas existem hierarquias entre culturas, saberes e disciplinas, pois, segundo Santos (2008a), “nenhuma prática concreta seria possível sem tais hierarquias” (p. 159). Mas essas hierarquias não são constantes, nem teleologicamente determinadas. Elas são transitórias, contextuais, axiologicamente orientadas pelos princípios políticos do cosmopolitismo subalterno e, portanto, determinadas na concretude da problemática particular e dos substratos ecológicos e culturais dos territórios onde se fazem as intervenções.

As dinâmicas interculturais que configuram a ecologia de saberes são perpassadas por uma concepção pragmática de verdade, que, na opinião de Santos (2003), é a única concepção de verdade que permite romper com a circularidade da razão e da teoria. Essa concepção parte do entendimento de que todo conhecimento é dinâmico, plural, parcial e situado. Portanto, não há culturas e conhecimentos puros, nem culturas e conhecimentos completos ou eternos. Assim, o mais correto seria “comparar todos os conhecimentos em função das suas capacidades para a realização de determinadas tarefas em contextos sociais delineados por lógicas particulares” (SANTOS, 2008, p. 153).

A concepção pragmática de verdade foca nas consequências produzidas pelas intervenções do conhecimento nas realidades. A verdade não seria assim uma característica fixa, inerente a uma dada ideia. Uma ideia seria verdade na medida em que contribui para fazer acontecer os acontecimentos por ela antecipados; não existindo, portanto, no pragmatismo epistemológico, uma concepção definitiva de verdade (SANTOS, 2003). Assim, para Santos (2008a), “o conhecimento como intervenção no real, e não o conhecimento como representação do real, é a medida do realismo” (p. 159).

As hierarquias contingentes entre disciplinas, culturas ou saberes se organizariam ao redor de alguns critérios em que, segundo Santos (2009), deve se dar preferência às opções epistemológicas, metodológicas e tecnológicas, bem como às formas de conhecimento que garantam a maior participação e bem-estar dos grupos sociais envolvidos na concepção, na execução, no controle, na fruição, nos riscos e nas consequências da intervenção. Podemos deduzir, então, que a ecologia de saberes se projeta eticamente a partir do cosmopolitismo subalterno e seus valores de democracia participativa, autonomia, autogestão, sustentabilidade e justiça social.

Hugh Lacey (2012), filósofo da ciência e da tecnologia australiano, expõe uma perspectiva ampliada da ciência em que o pragmatismo epistemológico e o pluralismo metodológico9 estão implícitos: “a ciência pensada como investigação empírica sistemática, sensível ao ideal de imparcialidade, conduzida mediante o uso de quaisquer estratégias metodológicas que sejam apropriadas à obtenção do entendimento dos objetos de investigação” (p. 425). Dessa maneira, de acordo com essa perspectiva, também teriam relevância fundamental os conhecimentos que obedecem a lógicas e epistemologias diferentes daquelas estabelecidas pela ciência ocidental hegemônica, na medida em que eles contribuam para resolver problemas práticos ou conceituais.

Aprofundando-se um pouco em seus postulados, Lacey (2006, 2011, 2012) alerta que a ciência atualmente hegemônica não condiz com seus ideais declarados de neutralidade, autonomia e imparcialidade, pois geralmente a tecnociência trabalha de forma velada em torno de perspectivas de valor que correspondem às do progresso tecnológico, do capital e do mercado. Ignora outras perspectivas de valor, como as da sustentabilidade, as da justiça social e as da participação democrática, constituintes do que reconhecemos como ambientalismo latino-americano e que seriam também componentes axiológicos do cosmopolitismo subalterno.

Lacey e Mariconda (2014) afirmam que o discurso corrente da ciência atualmente dominante naturalizou que as únicas estratégias viáveis para a prática científica são aquelas que servem para avaliar as teorias e hipóteses, através dos valores cognitivos: adequação empírica, poder explanatório, consistência e coerência. Porém, se por um lado elas possibilitam alcançar a eficácia nos resultados de uma inovação, por outro, são cegas aos contextos humanos, ecológicos e sociais.

O fato de uma inovação ter resultados eficazes não significa que a aplicação dessa inovação seja legítima. Por sua vez, para avaliar a legitimidade de uma inovação, é necessário utilizar estratégias que sejam sensíveis aos contextos, que permitam determinar os efeitos colaterais prejudiciais, os riscos, gerar a distribuição equitativa de seus benefícios e compará-las com métodos alternativos para alcançar resultados similares. Essas estratégias complementares podem ser encontradas em um leque mais amplo de ciências (humanas, sociais), nas artes e nas epistemes e saberes populares e ancestrais.

Lacey, como grande conhecedor e amigo das lutas emancipatórias da América Latina, defende o princípio da precaução10, entendido como estratégia para garantir de forma ampliada os ideais de imparcialidade, neutralidade e autonomia, que a ciência hegemônica perdeu devido à sua subordinação a valores principalmente comerciais e militares (LACEY, 2006).

Para atingir esses três ideais de que a ciência se orgulha abertamente, a prática científica requer o uso de uma pluralidade de estratégias: tanto das clássicas, que só admitem valores cognitivos, sendo sensíveis às estruturas e interações subjacentes aos fenômenos ou objetos investigados, quanto daquelas que são sensíveis aos contextos socioecológicos e que precisam de valores éticos e sociais nas suas análises e avaliações.

Em sua proposta de prática científica baseada na pesquisa multiestratégica, Lacey também esclarece que as estratégias sensíveis aos contextos são complementares, e não opostas à tecnociência. São um mecanismo que evitaria distorções em torno das perspectivas hegemônicas de valor e que captam aspectos dos fenômenos que não são visíveis pelas estratégias das tecnociências. O pragmatismo epistemológico e o pluralismo metodológico permitiriam, assim, que o fenômeno pesquisado fosse compreendido “não apenas na sua estrutura, processo, interação e leis subjacentes, mas também associado a seus contextos humanos, sociais e ecológicos” (LACEY, 2012, p. 427).

Nesse sentido, Lacey (2011) afirma que “as responsabilidades dos cientistas se estendem também às deliberações sobre a legitimidade das aplicações do conhecimento científico” (p. 489). Consequentemente, essa legitimidade das inovações tecnocientíficas não deve ser reduzida à sua eficácia instrumental ou seu potencial comercial, e sim avaliada à luz de considerações que implicam julgamentos éticos e políticos fundamentados em conhecimentos e estratégias que estão fora da lógica e dos procedimentos da ciência instrumental. As ideias acima expostas se tornam mais claras e podem se resumir nas palavras de Oliveira e Von Linsingen (2019):

Em muitos casos o conhecimento ocidental eurocentrado é suficiente e adequado para atender as demandas da sociedade, mas, em outros casos, principalmente quando estamos falando de grupos historicamente marginalizados, como indígenas, transexuais, negros, etc., o conhecimento científico é inepto, pois não é capaz de ajudar esses sujeitos a compreender sua realidade e satisfazer suas necessidades, de modo que outros saberes e conhecimentos, locais, ancestrais, tradicionais, podem e devem ser utilizados (p. 187).

Percebemos, assim, que a decisão entre os diferentes tipos de intervenção no real pauta-se não só por juízos cognitivos, mas também por juízos éticos e políticos que se concretizam em valores de responsabilidade, prudência, respeito e bem-estar (SANTOS, 2008). Portanto, as hierarquias contingentes da ecologia de saberes dependeriam do contexto à luz dos resultados desejados pelas atrizes sociais envolvidas e daqueles permitidos pelas diferentes epistemes. Uma ciência contra-hegemônica incorporaria o conhecimento das comunidades para um processo de tomada de decisão participativa na apropriação social da natureza (LEFF, 2009).

DE NOMENCLATURAS E OUTROS DEMÔNIOS COLONIAIS

Consideramos necessário abrir um parêntese para esclarecer o uso da expressão ‘ecologia de saberes’, que Santos (2008a) justifica assim: “é uma ecologia porque assenta no reconhecimento da pluralidade de saberes heterogêneos, da autonomia de cada um deles e da articulação sistêmica, dinâmica e horizontal entre eles” (p. 157). A partir daí mostraremos nosso desacordo nomenclatural com o autor português e propomos o uso da expressão ‘tecituras ambientais’.

Percebemos que o conteúdo do conceito ecologia de saberes do autor português é semelhante ao significado e traz as mesmas implicações éticas e políticas que o conceito racionalidade ambiental do mexicano Enrique Leff, no sentido de que “na ecologia de saberes, a busca de credibilidade para os conhecimentos não científicos não implica o descrédito dos conhecimentos científicos. Implica somente a sua utilização contra-hegemônica” (SANTOS, 2009, p. 48). Trata-se de explorar a pluralidade interna e externa da ciência, isto é, seus limites e as práticas e epistemologias alternativas.

Salientamos a necessidade de estabelecermos, nos campos da educação ambiental e do ensino das ciências ‘‘naturais’’ e exatas, e nas suas comunidades de praticantes e pesquisadoras, uma clareza e consenso a respeito do uso das expressões ‘‘ambiente’’, ‘‘natureza’’ e ‘‘ecologia’’, que atualmente continuam a ser empregadas indiscriminadamente e de forma pouco rigorosa como sinônimos.

Desde uma perspectiva decolonial, os conteúdos teóricos dessas expressões não são semelhantes, pois elas não projetam os mesmos objetos empíricos ou conceituais. Percebemos que o uso indiscriminado dessas expressões gera consequências politicamente indesejáveis nas práticas e processos de educação ambiental, educação científica e formação de professoras, bem como na produção das ciências e na construção de políticas públicas na América Latina.

A expressão ‘‘ecologia’’ possui uma sólida base teórica e histórica no campo da biologia e das ciências naturais. Portanto, recomenda-se que, nas comunidades de praticantes e pesquisadoras dos campos acima mencionados, essa expressão continue a ser usada preferivelmente para se referir a elementos e dinâmicas que são enquadrados no campo de conhecimento referido às ciências biológicas, ecológicas e ‘‘naturais’’.

Embora alguns ambientalistas latino-americanos de renome, nas recentes reedições de seus trabalhos originais publicados nas últimas décadas do século passado, usem os termos ecologia, natureza e ambiente de maneira intercambiável, argumentamos que o uso indistinto dessas expressões não reflete os profundos avanços epistemológicos e políticos que ocorreram nos campos do ambientalismo e da educação ambiental nas últimas três décadas.

Na filosofia, sociologia, antropologia, psicologia, história, economia, e outras ciências humanas e sociais, a expressão ‘‘ecologia’’ (socioecologia, ecossofias, ecologia de saberes, ecosocialismo), com distintas nuances, é usada como metáfora. Aderimos ao pensamento de Santos (2008b) quando afirma que, no novo paradigma científico que irá surgindo ao lado de uma ciência pós-moderna, haverá uma aproximação crescente entre ciências naturais e ciências sociais; mas, na direção das ciências sociais.

Na contemporaneidade, metáforas trazidas das ciências sociais, das humanidades e das artes serão consideradas, cada vez mais, na transformação das antigas disciplinas científicas. Por sua vez, as ciências humanas e sociais se afastarão cada vez mais das metáforas mecanicistas do Iluminismo ou das metáforas biologicistas e ecologicistas do darwinismo e da teoria de sistemas (SANTOS, 2008b; LEFF, 2009).

Portanto, consideramos uma contradição quando o pensador português justifica o uso da expressão ‘‘ecologia’’ como uma forma de descrever a ‘‘autonomia e articulação sistêmica, dinâmica e horizontal entre os saberes’’, aplicando-a ao campo político das relações interculturais. Essa justificativa estaria ancorada em uma premissa falsa porque, na ecologia das ciências naturais, as autonomias dos seres são bastante limitadas e as articulações entre os indivíduos não são horizontais.

Na ecologia da biologia os graus de liberdade são menores e as articulações podem ser mais bem compreendidas como cíclico-sistêmicas e pouco contingentes. Além disso, Santos (2008a), ao caracterizar as ciências sociais a partir das ciências naturais, estaria caindo em um tipo de etnocentrismo disciplinar ou epistemológico, que o próprio autor, em suas publicações (SANTOS, 2003), convida a evitar.

Argumentamos que a expressão ‘‘ecologia de saberes’’, aplicada a contatos e diálogos interculturais, pode ser facilmente incompreendida, deturpada ou instrumentalizada para justificar éticas ecocêntricas, determinismos e reducionismos ecologicistas ou outros tipos de teleologias. A referida expressão não representa o sentido e o conteúdo conceitual da noção racionalidade ambiental de Enrique Leff, nem faz jus à rede teórica e ética tecida pelo próprio Boaventura de Sousa Santos para dar sentido às dinâmicas interculturais emancipatórias que constituiriam o cosmopolitismo subalterno.

Consideramos que trazer a metáfora ecológica das ciências biológicas para os campos da cultura não alcança o sentido político das relações hierárquicas parciais, concretas, situadas e transitórias entre epistemologias, culturas e disciplinas que o pragmatismo epistemológico e o pluralismo metodológico defendem. Nas relações entre as espécies, predações, extinções e parasitismos marcam o fluxo ‘‘natural’’ da vida. Ali, não existem opressores, oprimidas, rebeliões, solidariedades e justiças.

Acreditamos, assim, que a educação, marcada por tipos de diálogos e encontros interculturais específicos, e, em geral, as relações sociais não podem ser interpretadas e lidas no nível de calibração das peneiras conceituais da biologia nem da ecologia. As relações e processos ecossociais e interculturais possuem dimensões políticas, afetivas e simbólicas que escapam pelos interstícios dessas redes.

Certamente a ecologia pode informar a ação social para internalizar as condições ecológicas de uma organização social e uma produção sustentável; mas isso não implica a necessidade de ecologizar o pensamento humano e generalizar essa ecologização para explicar a consciência social e a ação política (LEFF, 2009, p. 54, tradução nossa).

A racionalidade ambiental viria a ser uma expressão mais pertinente para descrever a rede teórica e ética que dá sentido às dinâmicas interculturais emancipatórias que constituem o cosmopolitismo subalterno. A expressão ‘‘ambiente’’ representa e abrange melhor aquelas dimensões simbólicas e afetivas envolvidas em processos interculturais, políticos, psicológicos, socioecológicos e ideológicos.

Então, defendemos que “as diferentes ordens do real sejam apreendidas por conceitos teóricos específicos, não pela extensão dos princípios do mecanicismo, da biologia evolutiva e dos sistemas ecológicos à sociedade (LEFF, 2009, p. 57, tradução nossa). Quando esses princípios são artificial e prontamente levados às ordens do social e do humano, facilmente se enviesam pelos caminhos dos conservadorismos e dos fascismos.

Continuando a discussão, o conceito de racionalidade ambiental representa, segundo Leff (2010), uma ética que promove a diversificação, a diferença, e não uma integração sistêmica, holística e totalizante do conhecimento e/ou das culturas. Dessa maneira, o conhecimento não se fecha em círculos tautológicos (dogmas), mas “se expande continuamente a partir de ressignificações teóricas sobre processos materiais e ordens ontológicas diferenciadas”, na práxis concreta (p. 212, tradução nossa).

Nesse ponto, é necessário expressar uma segunda discordância semiológica, desta vez com a expressão Racionalidade Ambiental, de Enrique Leff. Nosso desacordo gira em torno de duas críticas: 1. A expressão racionalidade é usada por esse autor mexicano no singular, podendo contradizer seu pretenso interesse em escapar de todo holismo e totalidade (haveria uma racionalidade única e todo-poderosa ou haveria múltiplas racionalidades?). 2. Explicitar a palavra racionalidade pode facilmente ser mal interpretado como um enfoque exclusivo ou preponderante na dimensão racional, nos processos e emergências da razão, ignorando ou diminuindo os fluxos dos aspectos afetivos, mágicos, estéticos, sentipensantes, tão valorizados nas epistemes de Nuestra América.

Após essas necessárias clarificações semiótico-nomenclaturais, consideramos que a denominação Tecituras Ambientais protege e exprime melhor as ideias-força do autor português e do autor mexicano. As tecituras expressam essa diversidade de práticas, processos e movimentos sociais, assim como suas correlatas redes teóricas, afetivas, epistemológicas, pedagógicas, que se tecem na Nuestra América, nas quais as ciências, a biosfera, os símbolos, os afetos, a história e a emancipação estão ligadas. Conferem, ao mesmo tempo, um reconhecimento a essas belas práticas ancestrais, por meio das quais, em diferentes tecidos (cabelo, lã, algodão, fibras, sementes etc.), as culturas de Nuestra América dão vida e cor às suas existências e projetam seus sonhos, caminhos e futuros.

CARACTERÍSTICAS DOS ENSINOS DE CIÊNCIAS INSURGENTES

As comunidades e atrizes escolares nos contextos latino-americanos e, principalmente, em suas periferias urbanas não apresentam uma herança simbólica homogênea a partir da qual possamos estabelecer um protótipo de ensino dirigido a um alvo predefinido. Nesses cenários coloridos, densos e complexos, o Ensino de Ciências não deveria ser projetado em um palco linear e transparente, mas sim destilado a partir da ebulição de uma tendência crescente de hibridações e traduções culturais.

Promover, no ensino de ciências, um apagamento indiscriminado de saberes alternativos é jogar no lixo valiosas experiências que sobreviveram nos patrimônios culturais dos povos, testadas no calor da vida cotidiana. Ambientalmente tecidas, essas experiências nos ajudariam a resolver problemas complexos e concretos e a trabalhar na compreensão dos grandes desafios societários desde olhares não hegemônicos. Assim, é possível propor, como contribuição relevante das Tecituras Ambientais às práticas e processos de ensino de ciências, o sentido político oferecido aos contatos prazerosos entre epistemes, disciplinas e culturas diversas, o que permitiria avaliações, hibridações e análises contrastantes, respeitosas e críticas entre as ciências e outros tipos de saberes e práticas.

Além disso, os princípios do ambientalismo latino-americano permitiriam superar a concepção estreita de ambiente com a qual algumas correntes de educação em ciências, por meio de QSC (questões sociocientíficas) e enquadradas no movimento CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade, ‘‘Ambiente’’), ainda trabalham na América Latina. Acreditamos que essas correntes pedagógicas importadas de países ‘‘desenvolvidos’’ precisam ser submetidas a um profundo, apaixonado, e em fogo baixo, ritual antropofágico.

Apesar de sua criticidade e das suas inquestionáveis contribuições e desenvolvimentos na pesquisa e na prática da educação científica, o referido movimento continua estabelecendo seus modelos em torno de uma concepção colonial disciplinar de ambiente, que o iguala à natureza ou à biosfera. Essa concepção fica exposta, por exemplo, quando se justifica a inserção do elemento ‘‘Ambiente’’ nas relações Ciência-Tecnologia-Sociedade da seguinte maneira: “é preciso reconhecer explicitamente o ambiente como um elemento na relação com CTS, pois o Ambiente, através de seus componentes bióticos (animais, plantas, microorganismos, etc.) e abióticos (oceanos, rios, lagos, montanhas, atmosfera, solos etc.), por exemplo, é a própria condição de possibilidade natural para qualquer sociedade” (CONRADO; NUNES-NETO, 2018, p. 82).

Conforme apresentado no movimento CTSA, percebemos um ‘‘Ambiente’’ que adquire autonomia e independência da Ciência, da Tecnologia e da Sociedade, e não que as abrange ou que lhes é implícito e constitutivo. Dessa maneira, o Ambiente se reduziria a seus componentes bióticos e abióticos (excluindo o social e o histórico), representando um elemento em interação, mas exógeno aos elementos Ciência, Tecnologia e Sociedade. Nesse caso, consideramos que os conceitos de biosfera ou natureza poderiam projetar melhor aqueles componentes bióticos e abióticos do ambiente. Para nós, o Ambiente é uma dimensão política com componentes sociais, psicológicos e ecológicos que perpassa as relações tecidas entre Culturas (ciências, sociedades) e Natureza (biosfera).

Inferimos que a adição do denominador A (ambiente) ao antigo movimento CTS (Ciência, Tecnologia, Sociedade), nos anos 90 do século passado, deveu-se à relevância global da questão ambiental adquirida após a Conferência Rio-92. No entanto, a inserção do fator Ambiente no movimento CTS adquiriu um sinal de mera formalidade, pois careceu das devidas e profundas reflexões éticas, políticas e epistemológicas que o adjetivo ambiental implica. Consideramos que uma denominação mais alinhada com o sentido edênico, virginal, puro e ecologicista impresso na inserção de A no CTS seria CTSN (Ciência, Tecnologia, Sociedade, Natureza) ou CTSB (Ciência, Tecnologia, Sociedade, Biosfera).

Ademais, ensinos de ciências fundamentados em questões ambientais iriam além, ainda que dialoguem com perspectivas de ensino de ciências localizadas filosoficamente em um tipo de pluralismo pragmático, defendidas por autores como El-Hani e Mortimer (2007) e Cobern e Loving (2001), que promovem um compromisso com uma ética da convivência entre as diferenças culturais nas práticas escolares. Nessas perspectivas, o ensino de ciências, entendido como veiculação de uma cultura estrangeira, é orientado para a busca de estratégias que permitam o entendimento e domínio das línguas das ciências. Nesses tipos de ensino de ciências culturalmente sensíveis, os conhecimentos adquiridos nos contatos multiculturais se apresentam como uma forma de enriquecimento do patrimônio simbólico das atrizes escolares, acrescentando-lhes mais formas de interpretar e representar o mundo, facilitando-lhes uma navegação mais digna e prazerosa através das tempestades da vida.

No entanto, nessas perspectivas, subestima-se a importância de questionar politicamente tanto as dinâmicas das culturas científicas quanto as das culturas populares. Como exemplo, podemos citar o valioso trabalho empírico de El-Hani, Poliseli e Ludwig (2022) sobre a natureza dos contatos entre a ciência e outras culturas, no sentido de que reconhecem o dinamismo, hibridismo e heterogeneidade de toda cultura. Além disso, pode-se considerar que seus resultados visam fortalecer programas de pesquisa enquadrados nos aspectos cognitivos do que Enrique Leff (2010) chama de Antropologia Ambiental, entendida como a busca pelas potencialidades dos saberes populares e suas possibilidades de hibridação com os saberes científicos.

Contudo, os próprios autores reconhecem que, em sua proposta de Sobreposições Parciais, os aspectos epistêmicos ou cognitivos da interculturalidade prevalecem sobre os aspectos políticos, que aparecem de forma bastante tímida. Consideramos que propostas de contato cultural, disciplinar ou epistêmico em que os aspectos políticos são pouco valorizados podem nos levar a lógicas do conhecimento pelo conhecimento, ou da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade per se, sendo que a experiência histórica nos ensina que essas lógicas são facilmente instrumentalizadas pelo sistema socioeconômico hegemônico.

As Tecituras Ambientais enriquecem as perspectivas de ensino de ciências culturalmente sensíveis, expandindo-as com sentidos de justiça social, insuflando-lhes potencial político emancipatório, pois possibilitam a visualização, análise, desconstrução e confronto das relações de poder apresentadas nos discursos e nas práticas sociais. Nas tecituras ambientais, perguntas concernentes a por que, por quem, para quem e como estabelecer contatos entre culturas e epistemes são fundamentais.

Dessa maneira, no ensino de ciências, no marco da análise cultural, haveria uma ruptura com o que Chaves (2013) nomeia como multiculturalismo liberal humanista, no qual, segundo a autora, “se apela para as noções de respeito, tolerância e convivência entre diferentes, deixando intocadas e inquestionadas as relações de poder que mantêm hierarquias culturais, sociais e econômicas entre os grupamentos humanos” (p. 38).

Em contrapartida, seguindo Souza Silva (2013) e Walsh (2013), nas Pedagogias do Bom Viver Coletivo ou nas Pedagogias Insurgentes o pedagógico não se limita ao sentido instrumentalista do ensino e da transmissão e apropriação asséptica de conceitos. “A educação não é um fim em si mesma, é um ‘processo-meio’- de intervenção na formação dos cidadãos - para reproduzir uma sociedade, quando sua ordem é relevante para todos, ou transformá-la em outra sociedade, quando sua ordem é violenta, desigual e injusta” (SOUZA SILVA, 2013, p. 476, tradução nossa).

Nessa direção, nas Tecituras Ambientais nos Ensinos de Ciências também seria superada a inércia conformista do conceito pós-colonial de tradução cultural (hibridações interculturais centro-periferia) defendido por Hommi Bhabha (2002), avançando para os conceitos decoloniais de interculturalidade antropofágica e de tradução intercultural solidária, que consideramos politicamente mais potentes.

Esse entendimento nos leva a perceber os fundamentos teóricos dos Ensinos de Ciências InSURgentes (ECI) que se encontram, no campo educacional, na interculturalidade crítica expressa por autores como Mclaren (1997) e Candau (2013); na educação ambiental latinoamericana defendidada por Leff (2009), Reigota (2013), entre outros(as); e no campo da natureza da ciência, no pragmatismo epistemológico11 e no pluralismo metodológico nas vertentes de Boaventura de Sousa Santos e Hugh Lacey.

Os ECI tornam visível a incapacidade dos métodos e estratégias técnico-científicas de compreender e resolver totalmente problemas complexos, como é o caso das problemáticas ambientais, e a necessidade de combiná-los com outras estratégias, informadas por outras lógicas, e presentes em outras disciplinas, áreas e campos do currículo escolar. Múltiplas bússolas, disciplinas, culturas, saberes permitem um maior nível de rigorosidade, integridade e responsabilidade na construção e aplicação dos conhecimentos (SANTOS, 2008).

Essas brechas de trabalho político geradas pelas insurgências da EA são um antídoto contra o ingênuo reducionismo e o dogmatismo cientificista. Leff (2010) afirma que um olhar não reducionista da gênese, compreensão e solução dos complexos problemas ambientais sempre considera uma articulação entre os processos físicos, ecológicos, tecnológicos e sociais, oferecendo um lugar preponderante para esses últimos. Assim, os Ensinos de Ciências Insurgentes representariam educações que reconhecem a tecnociência como uma poderosa cultura dominante, parcialmente estrangeira, que poderia ser canibalizada e colocada nas fisiologias, sentidos, necessidades e interesses dos povos e culturas do Sul Global. Esses esforços vêm sendo tecidos desde o Pensamento Latino-americano de Ciência, Tecnologia e Sociedade, PLACTS, que, segundo Linsinger (2007), propõe a promoção do conhecimento científico e tecnológico vinculado ao desenvolvimento econômico e social dos países da América Latina.

Sem a presença de uma ética, a militância e/ou ativismo político, a pesquisa acadêmica e a ação pedagógica no ensino de ciências se esvaziam de sentido. Queremos uma pesquisa, uma educação e ciências subversivas, sendo necessário, para isso, horizontes éticos, sonhos, inspirações, utopias que nos motivem a andar, a seguir pegadas ancestrais, que nos ajudem a despertar e fortalecer a indignação e as esperanças dispersas do povo. Precisamos de bússolas que indiquem nosso Sul, bússolas que temos batizado como Tecituras Ambientais.

As Tecituras nos fazem reconhecer a esmagadora incompletude de todo conhecimento, teoria ou cultura e, portanto, a impossibilidade de se estabelecer uma hierarquia geral e metafísica entre formas de conhecimento. Assim, os ensinos de ciências seriam projetados sobre Questões Ambientais, com todo o ganho político e a abertura temática e metodológica que essa mudança epistemológica implicaria.

Em relação aos aspectos logísticos para desenvolver ECI, o trabalho de Amaral (2001) identifica diferentes níveis ou estilos de integração do ambiental no ensino de ciências. O autor brasileiro ressalta que o desenvolvimento desses estilos depende das concepções que as atrizes escolares tenham sobre educação, ciências e ambiente, bem como das características administrativas e organizacionais dos diferentes cenários escolares. Para nossos propósitos, destacamos a opção pela metodologia de projetos, que nos permitiria avançar de forma criativa e flexível na ambientalização do ensino de ciências em uma perspectiva emancipatória.

Esses projetos surgiriam dos problemas ambientais que a comunidade escolar vivencia em seu cotidiano, sendo articulados com conteúdos programáticos relevantes para a sua compreensão e resolução, estabelecidos nos planos de estudos. A realização desses projetos demandaria e estimularia encontros entre docentes de diferentes áreas, disciplinas e ciências, e entre os diversos integrantes da comunidade escolar e local, o que destacaria o sentido inter e transdisciplinar da educação ambiental. Nas práticas escolares, seriam promovidos processos de ensino-aprendizado das ciências em constante diálogo interdisciplinar e transdisciplinar com outros campos do conhecimento, com outras dimensões humanas e com os saberes populares.

Assim, promover-se-iam processos de ensino-aprendizado das ciências desde a desconstrução conceitual, a criticidade criteriosa, a hibridação cultural e a agência coletiva criativa, a partir de uma relação solidária com os territórios e com as comunidades. Transitando do afeto à mensuração e quantificação, revisitando e revisando bibliografias, cartografando12 saberes locais, buscando memórias e estatísticas, aliando experiências e experimentos, essa relação solidária passaria, necessariamente, ao ativismo social e ao engajamento político. O conhecimento resultante da ambientalização das ciências e do ensino de ciências seria, assim, um conhecimento prudente para uma vida decente (SANTOS, 2008b).

ABERTURAS

Avançamos na enunciação dos princípios e características que delineariam ensinos de ciências com perfil emancipatório, projetados a partir das necessidades, desejos, particularidades, complexidades e potencialidades da América Latina. Por meio de um diálogo com o ambientalismo latino-americano, mostramos as limitações nomenclaturais das noções de ecologia de saberes e racionalidade ambiental, enriquecendo seu conteúdo com a incorporação das noções de interculturalidade antropofágica e de tecituras ambientais. Da mesma forma, destacamos as possibilidades apresentadas por uma compreensão ampliada da prática científica por meio do pragmatismo epistemológico e do pluralismo metodológico para ancorar ensinos de ciências fundamentados em perspectivas interculturais críticas.

Além disso, mostramos como as características transdisciplinares e antiessencialistas da educação ambiental latinoamericana a tornam uma ferramenta política de contato intercultural e, portanto, de transversalização e territorialização curricular. Nas margens de Nuestra América, onde o contato intercultural é denso e vibrante, as questões ambientais poderiam articular e cruzar os saberes científicos com os saberes populares a partir dos problemas do cotidiano escolar e comunitário, focando na análise, prevenção e resolução desses problemas. Essa educação ambiental ancora outro paradigma de conhecimento, um paradigma em que, por meio dos contatos emancipatórios pautados na interculturalidade antropofágica e na tradução intercultural solidária, os saberes populares se qualificam e os saberes científicos se democratizam.

Resta-nos continuar caminhando pelas escolas das margens de Nuestra América, pelas escolas das regiões quilombolas, rurais, indígenas, de periferia urbana, cartografando e dialogando com suas realidades, linguagens e práticas; detalhar como a questão ambiental se expressa nas práticas de ensino de ciências; desenvolver uma espécie de antropologia ambiental, identificando o potencial dos saberes do cotidiano para se hibridarem com os saberes científicos e inspirarem bons viveres coletivos.

Da mesma forma, é pertinente examinar as brechas existentes nos documentos das políticas públicas educacionais e em seus projetos estruturantes para infiltrar a dimensão ambiental nos currículos e práticas do ensino de ciências. No Brasil, a título de exemplo, por meio da pesquisa qualitativa à qual se articula este artigo (SÁNCHEZ MOLANO, 2020), percebemos que as Feiras Escolares de Ciências, se construídas a partir de questões, problemáticas ou projetos ambientais, podem se constituir em espaços privilegiados de transversalização e territorialização curricular, discussão que pretendemos detalhar e desenvolver em outra publicação.

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1Agradecimentos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pelo financiamento da pesquisa, por meio da bolsa de doutorado concedida ao primeiro autor deste artigo, correspondente a um dos produtos teóricos da tese.

2Denominação oferecida pelo poeta cubano José Martí à porção do continente americano que vai do Rio Bravo no México à Patagônia no Chile e que inclui o Caribe e suas Antilhas.

3Usaremos os termos tecnociência e ciência hegemônica de forma intercambiável. Acreditamos que na contemporaneidade existem também ciências contra-hegemônicas (agroecologia, tecnologias sociais, saúde coletiva, por exemplo) que pragmaticamente se apropriam de algumas estratégias e conhecimentos tecnocientíficos e os combinam com outros tipos de metodologias e epistemes em função do que Boaventura de Sousa Santos tem chamado de Ecologia de Saberes, Enrique Leff de Racionalidade Ambiental, e nós chamaremos de Tecituras Ambientais.

4Para Santos (1994), “a modernidade fornece muitos dos materiais para a construção do novo paradigma. Só não fornece o plano de arquitetura nem a energia necessária para concretizá-lo” (p. 282).

5Por se configurar este artigo como um texto acadêmico explicitamente político, que considera diferentes tipos de opressões, destacamos sua construção no gênero feminino. Sabemos que são as mulheres do Sul Global as que mais suportam o peso do racismo ambiental.

6Segundo Santos (2008a), nos tempos contemporâneos, no interior da ciência hegemônica, é difícil continuar apoiando a separação moderna entre ciência e tecnologia que, segundo o autor português, foi usada por muito tempo para “afirmar a neutralidade intrínseca da ciência e atribuir as consequências da investigação científica, desejáveis ou indesejáveis, às suas aplicações” (p. 146). Isso justificaria a criação do termo tecnociência para nos referirmos àquela ciência que é hegemônica na contemporaneidade.

7Segundo Boufleur (2013, p. 7), gambiarra é o “ato de improvisar soluções materiais com fins utilitários a partir de artefatos industrializados”.

8Segundo Queiroz (2011, p. 2), para o movimento modernista brasileiro a antropofagia expressaria uma espécie de totem: “ritual indígena celebrado para o fortalecimento da tribo a partir das virtudes do inimigo derrotado e morto, era o exemplo da oposição, resistência e impassividade do aborígene diante da invasão colonial”.

9Para Santos (2003), o pluralismo metodológico não deve ser confundido com o anarquismo metodológico de Paul Feyerabend, nem com o ecletismo metodológico, porque, “ao contrário do primeiro, parte de uma lógica de investigação que prescreve normas para a seleção e a utilização dos métodos, e porque, ao contrário do segundo, a mesma lógica de investigação limita a diversidade entre métodos utilizados e estabelece hierarquias” (p. 75).

10“O princípio de precaução serve mais adequadamente para informar a tomada de decisões em situações nas quais se levantam questões sobre os riscos de causar dano sério, mas prevalece a ignorância ou a incerteza sobre: os detalhes do dano potencial e/ou do seu impacto, e a probabilidade de que ele viria a ocorrer e quando; e, de qual seja o potencial das alternativas atualmente disponíveis” (LACEY, 2014, p. 689).

11Diferente de perspectivas pedagógicas fundamentadas em multiculturalismos liberais, o pragmatismo epistemológico crítico de Boaventura de Sousa Santos e o pluralismo metodológico de Hugh Lacey, levados para o ensino de ciências, oferecem prioridade ética à participação das comunidades na construção do conhecimento e na transformação das realidades, visando a autogestão e a autonomia dessas comunidades, tendo dessa maneira um maior potencial político emancipatório.

12 Macedo (2016) define o ato de cartografar como: “Caminhar em busca do encontro com os saberes acontecimentais. Estar atentos a focos de luz que acendem, ficam à meia luz, apagam; a fachos de luz que mudam de lugar, de perspectiva, de intensidade, que se juntam, se separam, que se complementam, que se hibridizam, que emergem repentinamente. A cartografia acolhe múltiplas referências ao se apresentar disponível para compreender a heterogeneidade ineliminável em movimento e por múltiplos caminhos” (p. 63).

Recebido: 26 de Abril de 2022; Aceito: 13 de Setembro de 2022

jagiosamo2010@hotmail.com

roalmeida@ufba.br

Autor 1 - Coleta de dados, revisão de literatura, análise dos dados e escrita do texto.

Autora 2 - Orientadora da pesquisa, participação ativa na análise dos dados e revisão e organização da escrita.

Nós, autores, declaramos que não temos conflito de interesse com o presente artigo.

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