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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 03-Fev-2023

https://doi.org/10.1590/0102-469820723 

Artigos

“TRABALHO DE FORMIGUINHA”: FORMAÇÃO CONTINUADA DE DOCENTES EM SEXUALIDADE NA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE MANAUS

“TRABAJO DE HORMIGUITA”: FORMACIÓN CONTINUA DE DOCENTES EN SEXUALIDAD EN LA RED MUNICIPAL DE EDUCACIÓN DE MANAOS

ÉRICA VIDAL ROTONDANO 1 
http://orcid.org/0000-0002-3699-8031

1Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Manaus, AM, Brasil


RESUMO:

Este artigo é parte de uma pesquisa de Doutorado que analisou a implementação das formações continuadas docentes em sexualidade na Divisão de Desenvolvimento Profissional do Magistério (DDPM) da Secretaria Municipal de Educação (SEMED) de Manaus, desde sua criação, em 2000, até o primeiro semestre de 2018, buscando identificar concepções de sexualidade e gênero que permeiam as formações e os trabalhos desenvolvidos por docentes em escolas, as repercussões das disputas em torno das políticas educacionais em sexualidade no plano do legislativo local, tanto sobre as práticas das formadoras como de professoras(es), e verificar como os dois grupos profissionais lidam com a tensão instaurada. O estudo qualitativo teve cunho etnográfico. Identificou-se que as ações empreendidas são permeadas por várias concepções de sexualidade e gênero, que convivem ou entram em dissonância dependendo dos interesses em jogo a cada instante. Para lidar com as tensões e justificar a pertinência do trabalho, educadoras(es) fazem uso de normativas e ênfases na prevenção do bullying e violência sexual infanto-juvenil. No plano das políticas educacionais em sexualidade, há a tendência de desconsiderar o que crianças e adolescentes pensam a respeito da sexualidade, o que pode denunciar o lugar de tutela que ainda ocupam no âmbito da questão.

Palavras-chave: sexualidade; conservadorismo; formação continuada docente

RESÚMEN:

Este artículo es parte de una investigación de Doctorado que analizó la implementación de formaciones continuas de docentes en sexualidad en la División de Desarrollo Profesional del Magisterio (DDPM) de la Secretaría Municipal de Educación (SEMED) de Manaos, desde su creación, en el año 2000, hasta el primer semestre de 2018, buscando identificar concepciones sobre sexualidad y género que permean las formaciones y los trabajos desarrolhados por los docentes em escuelas, las repercusiones de las disputas alrededor de políticas educacionales en sexualidad en el plan legislativo local, tanto sobre las prácticas de las formadoras como de profesoras(es), y verificar como los dos grupos profesionales lidian frente a la tensión instaurada. El estudio cualitativo tuvo naturaleza etnográfica. Se identificó que las acciones emprendidas son permeadas por varias concepciones de sexualidad y de género, que conviven o entran en disonancia dependiendo de los intereses en juego a cada instante. Para hacer frente a las tensiones y justificar la pertinencia del trabajo, educadoras(es) utilizan normativas y énfasis en la prevención del bullying y violencia sexual infanto-juvenil. En el plan de las políticas educacionales en sexualidad, existe la tendencia de desconsiderar lo que los niños y adolescentes piensan a respecto del tema, lo que puede denunciar el lugar de tutela que todavía ocupan en este ámbito.

Palabras clave: sexualidad; conservadorismo; formación continua docente

ABSTRACT:

This article is part of a doctoral research that analyzed the implementation of in-service teacher education on the topic of sexuality in the Department of Teachers’ Professional Development of the Municipal Secretary of Education in the city of Manaus, Brazil, from its creation in 2000, until the first semester of 2018. We sought to 1) identify the concepts of sexuality and gender that permeate the training and activities developed by teachers in the schools, 2) the impact of the disputes on local legislative power around the educational policies regarding sexuality on the practices of trainers and teacher(s), and 3) to check how both professional groups deal with this established tension. The qualitative study had an ethnographic perspective. We identified that the actions undertaken are permeated by several concepts of sexuality and gender that co-exist or differ depending on the interest at stake in each moment. To deal with the tensions and justify the work relevance, teachers use normative prescriptions and focus on bullying prevention and juvenile sexual violence. Regarding sexuality educational policies, there is a tendency to ignore what children and teenagers think about sexuality, which can show a role of guardianship that continues to linger in this context.

Keywords: sexuality; conservatism; in-service teacher training

INTRODUÇÃO

O artigo busca analisar o processo de formação continuada em sexualidade junto a docentes da Secretaria Municipal de Educação de Manaus (SEMED) desde a sua criação, no ano 2000, até o primeiro semestre de 2018; identificar concepções de sexualidade e gênero que permeavam ações e discursos das equipes envolvidas em sua implementação, bem como estudar as tensões que atravessavam o desenvolvimento das ações, a partir das disputas em torno das políticas educacionais em sexualidade no plano do legislativo local, e como se tentava solucioná-las.

As formações em sexualidade ocorrem na Divisão de Desenvolvimento Profissional do Magistério (DDPM), igualmente inaugurada no ano de 2000 com o intuito de atender demandas, por parte de docentes do município, pela criação de um espaço de promoção da renovação dos quadros profissionais e de investimento num perfil de educador(a) reflexivo(a) e produtor(a) de novos conhecimentos, capaz de contribuir com a transformação social.

À época, os Paramêtros Curriculares Nacionais (PCNs) - publicados no fim da década de 1990 em meio a um contexto contraditório de implementação de medidas neoliberais no âmbito da educação, mas também de atendimento a reivindicações de diversos grupos (indígenas, negros, LGBTs1, feministas), atuantes desde o processo de redemocratização do País - demandavam estudo e renovação da prática pedagógica, assim como uma escola mais justa e democrática (CÉSAR, 2009). Entre as novidades trazidas pelos Parâmetros estavam os Temas Transversais, dentre os quais figurava a então “Orientação Sexual”, termo adotado nos PCNs sob a justificativa de diferenciar o trabalho empreendido pela escola em sexualidade (classificado como intencional e organizado) daquele desenvolvido espontaneamente no espaço da família. No entanto, autoras(es) como Xavier Filha (2009) observavam que a adoção da expressão “orientação sexual” suscitava confusões e equívocos, inclusive na formação docente, já que no movimento LGBT e na academia tal conceito se refere à vivência de desejos e prazeres2.

Desde o início, as formações continuadas docentes em sexualidade foram caracterizadas como um “problema”, isto porque, de acordo com uma das educadoras entrevistadas - que participou do movimento em prol da implementação da DDPM -, a Divisão ainda não contava com profissionais de psicologia em seu quadro, categoria considerada como a “mais preparada para abordar uma temática tão complexa”3 (2018). A respeito disso, para Foucault (2014), o conhecimento da área supôs a existência de certos profissionais mais capacitados para falar sobre a verdade da temática, o que constituiu um campo de saber-poder. Em célebre passagem, o autor refutou a ideia de incidência de repressão sobre o discurso da sexualidade. Para ele, pelo contrário, nunca se falou tanto sobre sexo. Assim, a questão a ser formulada não seria por que não se fala de sexo, mas quem pode falar dele, para quem, em que espaços e para obter qual efeito.

Ao longo dos anos, a Divisão constituiu diversas equipes para abordar a temática da sexualidade, cada uma com objetivos, percepções correlatas e formas específicas de desenvolver os trabalhos. Num primeiro momento, as formações angariaram certo prestígio, especialmente em virtude de a preocupação com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS4 ) ser central à época. No entanto, posteriormente passaram a receber menos atenção, havendo momentos em que, segundo caracterização de uma antiga formadora da área, receberam o rótulo de “patinho excluído” da DDPM.

A sexualidade, no entanto, voltou a ocupar lugar de destaque a partir do ano de 2014, quando, na votação do Plano Nacional de Educação para o decênio 2014-2024 (Lei Federal 13.005/2014), o gênero e a diversidade sexual foram retirados do documento. A importância dada a ela intensificou-se igualmente em âmbito local com a votação do Plano Municipal de Educação no ano seguinte, quando as referidas categorias também sofreram ataques. Ainda em 2015, o Projeto de Lei (PL) 389/2015, do então Vereador Marcel Alexandre - do Partido do Movimento Democrático Brasileiro -, foi apresentado junto à Câmara Municipal de Manaus com a proposta de vetar as discussões sobre sexualidade e diversidade nas escolas municipais:

Art. 1.º Fica proibida a inserção, na grade curricular das escolas do município de Manaus, a orientação política pedagógica aplicada à implantação e ao desenvolvimento de atividades pedagógicas que visem à reprodução do conceito de ideologia de gênero.

Art. 2.º

Considera-se, para efeito desta Lei, como ideologia de gênero a ideologia segundo a qual os dois sexos, masculino e feminino, são considerados construções culturais e sociais5.

Em resposta ao projeto, constituiu-se um grupo formado por professoras(es) das universidades estadual e federal do Amazonas; por profissionais da Secretaria Estadual de Educação e da SEMED, em particular as(os) vinculadas(os) à formação continuada docente em sexualidade; por profissionais da Secretaria Estadual de Justiça Direitos Humanos e Cidadania; por organizações de classe, como o Conselho Regional de Psicologia e de Serviço Social; e por entidades de defesa dos direitos da população LGBT na cidade. O grupo, posteriormente batizado de “Ediversa: Movimento Educação pela Diversidade”, empreendeu várias ações a fim de tornar clara a inconstitucionalidade do PL, que, a despeito de todos os esforços, foi instituído no dia 3 de março de 2017, por meio da Lei 439, que entrou em vigor no dia 7 do mesmo mês.

Tais acontecimentos intensificaram as disputas em torno das políticas educacionais em sexualidade no município e repercutiram diretamente sobre o trabalho que as formadoras realizavam na DDPM. Esse cenário tornou importante a realização de estudos a respeito das tensões instauradas e as formas de lidar com ela.

DOS CAMINHOS DA PESQUISA

A pesquisa de Doutorado, que contou com o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), adotou uma metodologia qualitativa e assumiu a perspectiva etnográfica. A unidade de estudo foi o campo das políticas educacionais em sexualidade sob a jurisdição da SEMED, relativas à formação continuada empreendida pela DDPM na área.

Como estratégias de pesquisa, realizou-se: a) o mapeamento e a análise documental das políticas públicas locais, relatórios e material didático - como slides produzidos e livros de literatura infantojuvenil - adotados para o trabalho com educação para a sexualidade nas formações; b) observação participante nas reuniões do movimento Ediversa (das quais participaram profissionais da SEMED ligadas à temática da sexualidade), bem como em grupos de formação continuada na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental e de Socialização de Práticas Formativas6; c) entrevistas individuais semiestruturadas com educadoras(es) que participaram do processo de implementação do espaço de formação continuada do Município, bem como com aquelas(es) que atuam/atuaram na rede municipal de educação em projetos de formação de professoras(es) na área da sexualidade; d) entrevistas individuais semiestruturadas com professoras(es) que desenvolviam projetos de Educação em sexualidade nas escolas nas quais atuavam.

A decisão de frequentar as reuniões do Ediversa justificou-se pela necessidade de acompanhar a repercussão da tensão instaurada a partir do PL 389/2015, especialmente sobre o trabalho desenvolvido na DDPM.

POLÍTICAS SEXUAIS: UM CAMPO DE DISPUTAS

O terreno sobre o qual se deu a investigação foi o das políticas sexuais definidas por Carrara (2015, p. 234), a partir da proposição de Weeks (1989), como “todo tipo de intervenção (através de leis, campanhas sanitárias, programas educativos ou decisões jurídicas) promovida pelo Estado ou sob a sua chancela.” O conceito utilizado evidencia a coexistência de estilos de regulação moral, distintos e por vezes contraditórios, sobre as práticas erótico-sexuais e as expressões de gênero. Tal forma de gestão, para Foucault (2014), é própria da esfera do biopoder e atua sobre a sexualidade não apenas em forma de censura ou disfarce, nem incide sobre um foco único ou assume uma única roupagem. O biopoder não é uma instituição ou estrutura, mas uma situação que adota formas diversas; não é hegemônico, pois é confrontado por pontos de resistência pulverizados em diferentes estratos sociais. Em sua esfera, dá-se uma multiplicidade de enfrentamentos incessantes e correlações de forças que se apoiam e formam sistemas e estratégias complexas e contraditórias. Assim, o poder que silencia é o mesmo que faz falar, metamorfoseado de exame, de confissão, de ciência sobre o sexo e de práticas sexuais recomendadas.

Ainda para Foucault (2014), a sexualidade é estratégica para o Estado, pois forja um tipo específico de subjetividade, regula relações sociais e (re)produz diferenças e hierarquias.

Pensar em termos de política sexual, dessa forma, ajuda a entender disputas em torno do que deve, ou não, ser trabalhado nas escolas, em que momentos e quais os papéis desta instituição e da família no assunto. Da mesma forma, permite supor que diferentes formas de pensá-la e regulá-la convivem ou colidem no cenário da elaboração e implementação das políticas educacionais em sexualidade e gênero.

No campo de formulação destas últimas, tal coexistência permite que diferentes concepções de sexualidade e modelos de moralidade sejam acionados por diferentes atores, o que produz novas alianças e dissidências em função das várias convicções e interesses em jogo. O estudo das políticas sexuais deve, portanto, dar conta de um campo heterogêneo e dinâmico, repleto de complexas nuances.

GÊNERO E SEXUALIDADE

A partir de uma perspectiva que pode ser chamada de ‘naturalista’, o corpo tende a ser pensado como um elemento estritamente biológico, formado por uma coleção de órgãos e dividido em apenas duas categorias possíveis: homens e mulheres, de acordo com diferenças de anatomia. Assim, o sexo biológico imprime diferenças no segmento masculino e feminino em termos não apenas corporais, mas também comportamentais, emocionais, afetivos.

De acordo com tal linha de raciocínio, os corpos são elementos universais sentidos, utilizados, pensados e vivenciados da mesma forma, independentemente da sociedade, da cultura e do período histórico (VANCE, 1995).

De igual modo, essa lógica dita a obrigatoriedade do agrupamento familiar assentado no desenvolvimento considerado “normal” da sexualidade, em que um homem se percebe e se comporta de forma masculina e deseja uma mulher que, por sua vez, também se percebe e se comporta de acordo com sua “natureza” feminina. Sobre tal imposição, Rubin (1984) observa que todas as possibilidades de afeto que fogem de tal modelo heterossexual são consideradas como fora das leis da natureza, do direito ou de Deus, o que instaura uma nítida linha que separa o “bom” do “mau sexo” e exclui, silencia e propõe a cura de qualquer divergência. Ainda para a autora, a sociedade é organizada em sistemas de poder que recompensam e encorajam alguns, ao passo que punem e suprimem outros. É por isso que, segundo ela, reduzir a sexualidade ao fenômeno biológico é desconsiderar que a produção de conhecimento não é neutra, mas marcada por desigualdades, modos de opressão e de diferenciação mais ou menos naturalizados, o que faz com que sexo e gênero sejam sempre questões políticas.

Em relação à categoria gênero, Piscitelli (2002) situa as diferenças consideradas femininas e masculinas no campo da produção social, o que leva em conta hierarquias estabelecidas nesse espaço. Seguindo essa lógica, o conceito objetiva evidenciar que o sexo biológico/anatômico não define “naturalmente” nossas condutas. É o plano cultural e relacional, marcado por hierarquias e disputas pelo poder, que produz e reproduz, continuamente, padrões sociais mecanicamente associados a corpos que se distinguem por seu aparato genital.

Segundo Pelúcio (2014), a partir da década de 1980, o conceito de gênero, que nasceu no âmbito do movimento feminista, passou a apresentar-se como promissor, tanto no que diz respeito ao estabelecimento de reflexões quanto de campo de lutas, uma vez que a categoria “mulher”, bastante utilizada até então, não dava conta das múltiplas experiências relacionadas ao feminino, que pareciam não se referir apenas ao fato de possuir certos orgãos biológicos, mas ser igualmente atravessada por elementos sociais como raça, etnia, classe, geração e religião, por exemplo. Além disso, permitiu pensar também os homens como possuidores de gênero.

Justamente por não serem naturais, Louro (1997) esclarece que os padrões de gênero são continuamente reiterados nas relações, em diversos contextos sociais: os agentes privilegiados pela estrutura familiar, a escola e a religião, por exemplo, determinam e defendem uma ideia a respeito do que ele é e de como deve ser vivido, encobrindo seu caráter político e suas múltiplas formas de ser experenciado. Dessa forma, a escola “fabrica” sujeitos, identidades diversas, incluindo as de gênero, num cenário de relações de desigualdades que podem ser sutilmente constatadas nos materiais didáticos e na condução dos componentes curriculares.

Na execução desse trabalho disciplinador, Junqueira (2009) observa que preconceitos e violência são dirigidos contra as pessoas que manifestam uma performance e/ou expressão de gênero que destoa dos modelos impostos pela norma heteronormativa compulsória que, de acordo com Butler (2003), exige coerência entre sexo biológico, gênero e desejo/prática, invisibilizando outras formas de ser e estar no mundo. Gênero, neste caso, é sobretudo uma performance baseada numa espécie de roteiro socialmente construído, de caráter coercitivo, normatizador e que exige que o corpo de cada pessoa atue de acordo com ditames que vinculam o gênero ao sexo biológico e à sexualidade.

Ao longo da pesquisa, várias professoras, em entrevistas e em encontros de formação continuada, relataram cenas de homofobia7 nas escolas, envolvendo, inclusive, agressões físicas a estudantes. Assim, não apenas docentes exercem controle e vigilância sobre os corpos. Estudantes também vigiam constantemente (em si e nas outras pessoas) habilidades, movimentos, expressões de gênero e a sexualidade:

Os estudantes são seres com uma bagagem prévia de crenças, significados, valores, atitudes e comportamentos adquiridos fora da escola. A televisão, os quadrinhos, a fala e as atitudes cotidianas dos adultos e dos grupos de amigos estão cheios de estereótipos de gênero, de crenças sobre o que é ser homem ou mulher em nossa cultura (SOUZA; ALTMANN, 1999, p. 64).

Diante disso, percebe-se que o processo heteronormativo de socialização normatiza a sexualidade e a generifica, ao passo que estigmatiza a diversidade. Araújo (2014⁄2015), não obstante, levanta a possibilidade de educadoras e educadores ressignificarem suas próprias crenças, num processo que envolve não apenas mudanças nas políticas de educação mas, inevitavelmente, uma jornada pessoal, por vezes angustiante, de confronto com o desconhecido.

A “IDEOLOGIA DE GÊNERO” VERSUS OS ESTUDOS DE GÊNERO

Em Manaus, como já observado, foram retiradas do Plano Municipal de Educação, sob a alegação de combate à “ideologia de gênero”, todas as referências a “gênero”, “diversidade e orientação sexual”.

A expressão “ideologia de gênero” é uma categoria política acusatória, de combate contra o postulado do gênero como construção social. Atualmente, tem sido intensamente mobilizada tanto em vídeos na internet, marchas contra os direitos sexuais e reprodutivos e da diversidade sexual quanto na pregação religiosa de pastores e padres conservadores e seus seguidores.

Em linhas gerais, o termo é defendido por um crescente movimento global (presente na Europa, Estados Unidos e Canadá - e mais especialmente na América Latina, em países como o Brasil, Colômbia e México), que consolida e organiza uma “onda conservadora” que se opõe à igualdade de gênero e aos direitos de pessoas LGBT, bem como às discussões sobre sexualidade na escola, sob o argumento de que ameaçam a ordem social natural (WILKINSON, 2017).

Quando se fala a respeito de “ideologia de gênero”, Almeida (2017) observa que é preciso especificar aquilo que se entende por ‘conservador’. Segundo ele, o conceito foi construído em meio a embates políticos com a participação significativa dos meios de comunicação e emergiu como categoria acusatória que envolve variados discursos, valores, ações e posicionamentos com interesses de diversos grupos que podem se aproximar e igualar em alguns momentos. A onda, para o autor, não representa um fenômeno homogêneo, uniforme, mas é composta por diferentes atores, advindos de vários campos e que podem ter divergências em alguns pontos, mas que se articulam em torno de opositores comuns. Ele adverte que, para se compreenderem os sentidos específicos de ‘conservador’, deve-se também estar atento ao que é negociado num dado momento.

Para Junqueira (2017), os setores religiosos mais conservadores, seus seguidores e outros grupos (não explicitamente religiosos, políticos e gestores públicos) que aderem ao discurso da “ideologia de gênero” parecem encontrar nele um caminho para combater os direitos sexuais das mulheres e da comunidade LGBT, afirmando valores de defesa da ordem sexual heteronormativa, ganhando espaços políticos e angariando mais apoio, inclusive, em temas e territórios não estritamente religiosos ou que, em sociedades laicas, não deveriam ser religiosos. Em todos os casos, a matriz religiosa do discurso continua a exercer influência significativa.

O termo “ideologia de gênero” remonta aos anos 90. Sobre a origem do mesmo, Junqueira (2017, p. 26-27) afirma “que o nebuloso sintagma ‘teoria/ideologia de gênero’, com suas variações, é uma invenção católica que emergiu sob os desígnios do Conselho Pontifício para a Família e de conferências episcopais, entre meados da década de 1990 e no início dos anos 2000.”

Miguel (2016) observa que a categoria gênero passou a ser sentida como ameaça sobretudo a partir de duas conferências patrocinadas pela Organização das Nações Unidas (ONU): as Conferências Internacionais sobre População e Desenvolvimento, no Cairo, em 1994; e da Mulher, ocorrida em Pequim, em 1995. Em ambas, a igualdade de gênero foi posta como meta, o que entrou em choque com a doutrina católica, que encara a diversidade sexual e a liberdade da mulher, inclusive no mercado de trabalho, como uma ameaça à estrutura tradicional de família heterossexual.

O discurso construído pela Igreja Católica, participante constante dos desenhos de políticas educacionais no Brasil, exalta a complementariedade dos sexos e o desempenho dos papéis femininos tradicionais (procriar, amar, cuidar, todos estes tidos como dons naturais dados por Deus). Diante disso, a igualdade pregada pelo feminismo representa um rebaixamento da mulher, e a igualdade de gênero leva a uma confusão de papéis maléfica para a preservação da ordem familiar e social, devendo ser combatida por questões éticas, inclusive. Estrategicamente, a Igreja vislumbrou, no ataque a tal igualdade, a possibilidade de garantir sua autoridade sobre católicos, cada vez mais liberados sexualmente. Ao mesmo tempo, ela despolitiza a busca de direitos, colocando a questão no plano da moral e dos “valores”8.

A construção do ataque à igualdade de gênero começou no pontificado do papa Wojtyla (João Paulo II), sob o comando do prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Ratzinger, que em 2005 sucedeu Wojtyla no papado, adotando o nome de Bento XVI. A partir dos anos 2000, delineou-se com clareza o adversário: aquilo que no Brasil recebeu o nome de “ideologia de gênero”, mas que na França e na Itália costuma ser chamado de “teoria do gender” (“théorie du gender”, “teoria del gender”). Embora gênero não tenha um conceito unívoco no âmbito do feminismo, suas possibilidades variadas são ignoradas, o que esvazia a riqueza e a complexidade dos estudos da área.

No Brasil, a “ideologia de gênero” encontrou nos debates legislativos sobre educação um espaço privilegiado para difusão. Como consequência, Junqueira (2017) e Cunha (2016) atentam para a dissociação das violências contra as mulheres de processos sócio-históricos, o que naturaliza desigualdades por meio da essencialização do binarismo sexual. Além disso, o binômio gênero/homossexualidade passa a ser evidenciado de forma negativada, entrando em dissonância com os debates e as desconstruções incentivadas no âmbito das formações em sexualidade na DDPM.

Em resenha acerca da “explosão” da “ideologia de gênero” no continente americano, Wilkinson (2017) aponta para disputas entre diferentes moralidades em relação à sexualidade num terreno no qual se articulam juventude e diversidade sexual e de gênero. Estas interferem na elaboração de políticas públicas (especialmente as da educação, pelo entendimento de que as crianças são prejudicadas na consolidação da identidade masculina ou feminina) e colocam em risco a continuidade dos debates sobre sexualidade nas escolas.

O cenário esboçado remete às observações de Carrara (2015) a respeito dos sucessivos embates em torno dos direitos sexuais no Brasil, no qual uma nova geografia do mal é traçada. Nela, as narrativas antigênero postulam que a educação das crianças não deve sofrer interferências indevidas por parte de escolas, acusando-se tais instituições (que teriam se convertido em espaço de “doutrinação”) de planejar a implantação da “ditadura do gênero”:

Propostas educacionais inclusivas, antidiscriminatórias, voltadas a valorizar a laicidade, o pluralismo, a promover o reconhecimento da diferença e garantir o caráter público e cidadão da formação escolar, tendem a ser percebidas e denunciadas por esses movimentos como uma “ameaça à liberdade de expressão, crença e consciência” daquelas famílias cujos valores morais e religiosos (de ordem estritamente privada) são, segundo eles mesmos, inconciliáveis com as normativas sobre direitos humanos produzidas por instituições, como a ONU, “colonizadas pela agenda do gender” (JUNQUEIRA, 2017, p. 44).

PÂNICO MORAL

O conceito de pânico moral, elaborado por Stanley Cohen na obra Folk Devils and Moral Panics (1972⁄1987), caracteriza reações coletivas exageradas, desproporcionais diante do que se sente como uma ameaça potencial a valores e interesses sociais. A partir deles, desenvolve-se hostilidade em relação a personagens ou condições que passam a encarnar a causa do problema. Grupos influentes, especialmente os meios de comunicação de massa, compartilham desse consenso e reproduzem a ideia de que há uma ameaça a ser combatida (o que pode, inclusive, ser manejado com fins políticos). Uma outra característica importante de tais pânicos é a volatilidade: eles entram em erupção e se dissipam repentinamente, sem aviso.

Para Lancaster (2011), o pânico moral alia o arcaico e o pós-moderno e, para que opere, é central a questão do tabu, pois para ele nada parece causar mais medo e incitar a censura coletiva mais rapidamente do que questões consideradas proibidas, impuras, sacrílegas. A ideia de bode expiatório é importante aqui, na medida em que a ameaça moral é projetada em determinadas figuras.

Em outra chave analítica, Irvine (2006), ao estudar o que denomina “pânico sexual local” promovido contra o currículo de educação sexual em centenas de distritos escolares nos Estados Unidos na década de 1980, observa que não se trata de uma erupção espontânea de indignação e hostilidade, mas, sim, de um evento político, alimentado por scripts emocionais - uma retórica estrategicamente elaborada para produzir respostas emocionais (como medo, nojo e raiva) intensas, mas, ainda assim, voláteis. Tais emoções mobilizadas não são nem irracionais, nem simplesmente espontâneas, mas produzidas no contexto social, sendo um meio pelo qual os empreendedores morais tentam reforçar uma determinada moral sexual em detrimento de outras.

Irvine descreve que os pânicos sexuais locais surgem regularmente nos Estados Unidos desde a década de 1960 e caracteriza-os como uma espécie de estratégia política alavancada por organizações religiosas nacionais conservadoras para reduzir as liberdades civis e os direitos sexuais através do controle do conhecimento sexual. Para Irvine, na maioria dos casos, a oposição à presença da sexualidade nos currículos é composta por uma minoria de pessoas; mas, apesar disso, os oponentes exercem enorme poder, em virtude da capacidade de aglutinar emoções em torno do tabu da sexualidade infantil. O medo e a raiva sustentam o pânico à educação sexual, ganhando intensa cobertura de mídias locais. Os defensores de sua permanência nas escolas são frequentemente atacados com estigmatização retórica.

Compondo o cenário brasileiro de insultos ao gênero na educação nos últimos anos, há o PL 7.180/2014, conhecido como Movimento Escola Sem Partido (MESP). Fundado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib, ele foi “uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior.”9 Se no princípio seu foco se restringia ao combate do marxismo na educação, temor já presente no período da ditadura, na atualidade, para Miguel (2016), a popularidade do movimento deu-se pela repulsa à “ideologia de gênero” - a partir dos ataques ao Projeto Escola sem Homofobia (ESH)10.

Na ocasião, a polêmica partiu da ideia de que o Estado financiava um projeto que incitava a homossexualidade e a promiscuidade, sendo uma via de acesso à pedofilia e ao desvirtuamento das crianças. Tal argumento mais uma vez denuncia um enlace entre homossexualidade e ameaça à proteção da infância, como observado por Carrara (2015).

A empreitada pela difamação do Projeto Escola sem Homofobia foi mobilizada especialmente a partir de três vídeos de natureza didática, pejorativamente apelidados de kit gay, que apontavam para a possibilidade de vivência positiva das identidades LGBT na escola por parte de adolescentes. A partir daí, de acordo com Leite (2014), atores conservadores em ascensão no Congresso atuaram em rede para divulgar versões distorcidas desses materiais por meio de redes sociais, TV, imprensa, folhetos impressos e debates parlamentares. O discurso veiculado alertava para o perigo da exposição infantil a um material de natureza pornográfica, capaz de aliciar crianças para a homossexualidade, tornando-as, ainda, presas fáceis para pedófilos. Para a autora, a repercussão do caso ilustra o quanto as políticas educacionais são sensíveis ao tabu da sexualidade, menos permeáveis a discursos afirmativos que o campo da saúde, em que o paradigma do direito à diversidade sexual tem sido assimilado a partir das políticas de prevenção à AIDS.

A partir da análise da cruzada contra o projeto, parlamentares pentecostais, acompanhados por aliados, foram os principais protagonistas. Já em relação ao acionamento da categoria “ideologia de gênero”, Carvalho e Sívori (2017, p. 24) destacam que houve a colaboração de “lideranças católicas com maior peso relativo que na primeira, mas que acionou uma aliança mais extensa, que veio a incorporar também uma base secular” pela participação do MESP.

Dessa forma, ganhou espaço a noção de primazia da família sobre a escola11, a primeira tentando impedir que docentes transmitissem conteúdos contrários aos valores prezados pelos pais, seja no âmbito da sexualidade, seja em termos de posições partidárias e religiosas. Assim, as escolas tinham que se curvar aos ditames das famílias que quisessem usar tais prerrogativas.

O slogan “meus filhos, minhas regras”, que fez menção de forma sarcástica ao slogan “meu corpo, minhas regras” da luta feminista, passou a ser utilizado reiteradas vezes pelo MESP, negando tanto o caráter republicano da escola (que parte do entendimento de que a educação prepara para o convívio entre diferentes visões de mundo, inerente a uma sociedade pluralista e democrática) quanto a condição da criança e do adolescente de sujeitos de direito, incluindo o de conhecer o mundo e formar suas próprias ideias, frente à autoridade dos pais. Do mesmo modo, a representação da família como criação divina daria a ela, segundo Moura (2016), direitos superiores aos do Estado e aos de seus próprios membros, especialmente mulheres e crianças. Estas últimas teriam o acesso a informações restrito apenas àquelas permitidas pela família, desconsiderando, assim, crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.

Mais recentemente, Silva (2000, p. 144) sinaliza que o pânico moral também foi acionado no processo de construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, “que em sua última versão, aprovada sem participação popular e a portas fechadas no Ministério da Educação, retirou todas as menções às questões de gênero e sexualidade, e promoção da cidadania de pessoas LGBT.”

A BNCC, que objetiva ser um documento permanente para nortear habilidades e competências a serem alcançadas pelo alunado, deveria ser - de acordo com o PNE aprovado em 2014 - um documento construído a muitas mãos e que contemplasse os interesses de diversos atores do campo educacional. No entanto, não foi isto o que aconteceu. Segundo Silva (2000), a pressão de movimentos de direita e ligados a igrejas cristãs abriu margem para o ataque às sexualidades dissidentes. Assim, o processo de aprovação do documento, em 2017, foi atravessado por apagamentos, o que deu margem para que o Conselho Nacional de Educação, por orientações do MEC, desconsiderasse sugestões advindas de consultas públicas, presentes em versões anteriores do documento. Como consequência, a BNCC promulgada retirou, inclusive, habilidades que se propunham a discutir sexo, gênero e sexualidades.

Em 2018, a BNCC foi atualizada para o ensino médio, e, segundo Silva, Brancaleoni e Oliveira (2019, p. 1.544), “o documento foca a dimensão biológica da sexualidade, bem como silencia questões de gênero.” Ainda sobre a sexualidade, ressaltam que esta ficou restrita ao 8° ano do Ensino Fundamental - no componente curricular de Ciências - ao lado de conteúdos relativos à anatomia e fisiologia da reprodução humana, gravidez e Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)12, o que pode reforçar a tríade corpo-saúde-doença, algo que já acontecia nos PCNs, bem como sinalizar que discussões acerca da sexualidade no campo da educação não tenham avançado ao longo das décadas que separam os dois documentos oficiais.

A não menção às questões de gênero na BNCC, que orientará a elaboração de matrizes curriculares da educação básica em todo Brasil, além de representar um apagamento que se traduz em um ocultamento de diferenças e de um projeto oficial que prima pela heteronormatividade, também abre precedentes para que estas não sejam incluídas.

OS ACHADOS DA PESQUISA

A pesquisa identificou que a política de formação continuada em sexualidade para docentes da DDPM estava articulada, em seus primeiros anos, ao fascículo de “Orientação Sexual” dos PCNs. Ao mesmo tempo que este tratava da promoção de relações de gênero mais igualitárias, concebendo a sexualidade em seu caráter de fenômeno histórico, social, cultural e político, por outro lado, contraditoriamente adotava uma perspectiva de ênfase em aspectos biológicos e preventivos, focada no risco e no controle, o que era justificado pelo contexto de avanço da AIDS e de outras ISTs13, bem como da gravidez na adolescência, considerada como “problema” a ser combatido. Segundo entrevistas realizadas com formadoras que atuaram na época, mesmo com a presença de módulos de estudo em que se discutia a sexualidade numa perspectiva histórica e cultural, em muitos dos encontros com docentes a ênfase recaia nas ISTs e na necessidade de uso da camisinha14.

As entrevistas com diversas educadoras que desempenharam a função de formadoras em sexualidade ao longo dos anos evidenciaram que as formações passaram por muitas alterações (como na constituição das equipes de trabalho e carga horária), seja em virtude de mudanças de chefia, seja em resposta a novas normativas sobre a abordagem da sexualidade e do gênero na escola.

Ao longo da pesquisa, identificou-se que os ataques às formações em sexualidade foram tanto representativos da realidade da política nacional e local do momento quanto - de modo não dissociado - dos embates entre diferentes modos de pensar e gerir a sexualidade, já pontuados por Foucault (2014) e Carrara (2015). Exemplo disso é que tanto a análise de materiais elaborados para as formações quanto a fala de educadoras entrevistadas sinalizaram que, desde o início, os trabalhos partiram do princípio da existência da sexualidade em todas as etapas do ciclo vital, bem como da adequação da escola como espaço para conduzir ações educativas em torno dela, algo nem sempre admitido por docentes e familiares. Da mesma forma, não apenas nos anos mais recentes, mas em todo percurso das formações, observaram-se crenças pessoais e valores religiosos docentes e familiares atuando como obstáculo ao trabalho em sexualidade na escola.

Nos primeiros anos das formações continuadas, discutia-se a opressão feminina presente desde o processo de colonização do Brasil, ainda que com reflexões escassas sobre as diversas hierarquias sociais e formas de opressão que atravessam a categoria gênero. Nesses encontros, também surgiam debates em torno da presença predominante de mulheres na função do magistério para a Educação Infantil e as séries iniciais do Ensino Fundamental e sobre formas sutis pelas quais as docentes driblavam a dominação masculina no cotidiano.

Após a primeira década da DDPM, a análise do material elaborado para os encontros com docentes e as entrevistas com formadoras evidenciaram que os trabalhos na área da sexualidade passaram a receber influência dos debates em torno dos direitos humanos. Por essa época, mais precisamente em 2012, a área da sexualidade passou a fazer parte do eixo de formações do campo da diversidade, ao lado de temáticas como a diversidade religiosa e étnico-racial. Nesse contexto, ganhou força a defesa da educação para a sexualidade como um direito de crianças e adolescentes. Aspectos como a descoberta do corpo, a possibilidade de vivências prazerosas e as diferentes formas de ser menino e menina receberam destaque, assim como a visão da sexualidade como um fenômeno complexo e diverso. Preconceitos em relação aos que fogem do referencial heteronormativo passaram a ser discutidos. Dessa forma, quando a categoria LGBT era referenciada, geralmente se dava destaque à violência dirigida a ela.

Identificou-se, ainda, a intenção de promover reflexões, questionamentos, desconstruções junto às(aos) docentes sobre a diversidade nos agrupamentos familiares, de identidades de gênero e orientações do desejo, o que, em alguns momentos, surgiu na fala da dupla atual de formadoras como um trabalho frustrante, uma vez que evidências de mudanças no fazer docente não são tão claras, ainda mais quando ocorre apenas um encontro anual da equipe com as(os) professoras(es).

Embora a compreensão da sexualidade e do gênero como construções atravessadas pela cultura constitua o principal eixo que organiza a formação em sexualidade como política após a primeira década de existência, esta convive de modo aparentemente harmonioso com a teoria psicanalítica freudiana - apesar de a leitura das “fases do desenvolvimento psicossexual” se ancorar sobre concepções essencializantes e universalizantes da sexualidade.

Ao longo de toda a trajetória das formações, foi marcante a preocupação docente com a homossexualidade. Para as formadoras mais antigas, inclusive, questionamentos em relação à temática eram frequentes em todos os encontros, indo desde questões de como lidar com ela em classe até se seria possível revertê-la. As entrevistadas observaram a frequente associação entre homossexualidade e patologia, desvio.

A observação participante de encontros formativos - entre os anos de 2016 e 2018 - permitiu identificar na fala de professoras a utilização de uma certa “pedagogia da correção”, no intuito de enquadrar crianças às performances de gênero esperadas, como é mostrado no seguinte registro da fala de uma docente: “se um menino da minha classe quisesse se vestir de princesa, eu tentaria convencê-lo a vestir roupa de príncipe, porque há o masculino e o feminino. Para mostrar sua escolha errada, perguntaria dele também se, por acaso, ele seria mulher como a mamãe, pretendendo ter filhos e casar com um homem” (2016).

Colocações como essa não deixavam de ser problematizadas pelas formadoras nos encontros. Elas aproveitavam para enfatizar a necessidade de as crianças experimentarem diversos papéis, bem como para questionar se, por trás de tais proibições, não existiria o medo da homossexualidade. Na referida situação, até mesmo outras docentes, presentes no encontro, confrontaram a professora, citando o fato de que na sociedade atual mulheres vestem calça e bermuda, roupas antes consideradas masculinas, e que em certos países homens podem usar saia sem que a sexualidade dos mesmos seja questionada.

Ao longo das observações participantes, registrou-se, ainda, que, ao mesmo tempo que se reconhece a sexualidade infantil como sendo diferente da adulta - sem “maldade”, o que aproxima a criança da inocência angelical -, esta mesma sexualidade assusta as docentes da Educação Infantil quando se manifesta, como ilustrado a seguir, pela fala de uma antiga integrante da equipe de formação em sexualidade, que continuava atuando na DDPM, mas em outra área:

Outro dia alguém chegou comigo num desses encontros formativos e disse assim: “professora, pelo amor de Deus, a senhora acredita que fulano de tal estava arriando a calcinha de outra? Eles são tão pequenininhos”. Eu digo: “Sim. E o que foi que você fez?” Porque ele está curioso, querendo conhecer. Ele percebe que o outro pode ter algo parecido com o que ele tem, ou diferente. Então ele está querendo discutir isso. Será que a gente está promovendo uma educação nesse sentido? Ele tem direito de saber sobre o seu corpo. A gente precisa construir uma educação que seja diferente. Eu contei que um dia vi uma situação como essa, numa escola, em que a professora saiu correndo e gritando, dizendo: “Meu, Deus! O menino está no banheiro fazendo isso.” Então, ela divulgou para a escola todinha o escândalo, o horror, no maior pavor. Mas não conversou com a criança, o que era o mais importante. Esclarecer. (2018).

Ainda em relação às expressões da sexualidade infantil na escola, a seguinte fala de uma professora, participante de um dos encontros de formação em sexualidade em 2016, revelou uma possível associação de tais manifestações com eventos de abuso, bem como a sensação de não estar apta para trabalhar a temática:

[...] a gente vê algumas cenas e não sabe o que está acontecendo de fato: é algo espontâneo? Foi abuso? A gente fica preocupada de deixar para lá e depois, se for algo sério? Eu me sentiria culpada por não ajudar. Eu mesma tenho uma filha de 2 anos que quer se tocar em casa. Eu digo para ela que não pode. Mas eu mesma não sei se pode.

Especialmente a partir do ano de 2015, com o surgimento do PL 389/2015, do então Vereador Marcel Alexandre, que pretendia vetar as discussões sobre sexualidade e diversidade nas escolas municipais, as formações em sexualidade passaram a entrar em choque com o discurso do legislativo e com o de familiares de alunos(as) e educadoras(es) defensoras(es) do discurso da “ideologia de gênero”, até mesmo dentro do âmbito da DDPM - o que garantiu à equipe a sensação de que, de todas as diversidades, a sexual é a mais difícil de ser aceita e trabalhada.

Com a participação de formadoras em sexualidade da DDPM junto ao Ediversa, constatou-se a articulação destas com universidades, movimento LGBT, órgãos de classe, dentre outros atores, o que permitiu a organização de ações como a realização de eventos, a construção de páginas na internet e documentos a serem entregues ao Ministério Público, tudo a fim de denunciar a inconstitucionalidade do PL 389/2015. Tais alianças também promoveram maior consciência a respeito das forças conservadores atuantes no País e no âmbito local, isto não sem tristeza diante do contato com uma realidade de ataques às políticas de educação em sexualidade.

Em meio a esse contexto, o desenvolvimento de projetos em sexualidade na escola foi experenciado pelas profissionais da Divisão como um trabalho difícil, deflagrador de aflição. Ainda assim, uma das formadoras, em entrevista realizada no ano de 2016, reforçou que era necessário perseverar na luta contra preconceitos e valores arraigados, o que considerava um verdadeiro “trabalho de formiguinha”:

[...] é muito difícil trabalhar a sexualidade e as questões de gênero, mas a gente vê que é possível. A gente continua com a mesma paixão. E está acontecendo. Mesmo com o PL. Mas a gente sente cada vez mais essa dificuldade. Às vezes é desgastante. Mas, então, a gente pára, respira, se fortalece e volta: um trabalho de formiguinha.

A partir da promulgação, no dia 7 de março de 2017, da Lei Municipal 439/2017, que, ao evocar a “ideologia de gênero" buscava impedir qualquer diretriz ou prática pedagógica que visasse “reproduzir” tal “conceito” em escolas municipais, a defesa do trabalho em sexualidade por parte da DDPM deu destaque ao argumento da proteção de crianças e adolescentes diante da ameaça da violência sexual, como mecanismo de resistência. Da mesma forma, a própria BNCC, a partir do conjunto de competências e habilidades a serem desenvolvidas junto ao alunado, era utilizada como defesa para a continuidade de trabalhos em sexualidade. Nesse sentido, a equipe frisava que, mesmo com a retirada de referências à orientação sexual e ao gênero, ainda era possível ver, em todo o documento, a defesa da diversidade. Por isso mesmo, seria importante, para a coordenadora das formações no campo da diversidade, continuar cobrando das escolas a viabilização de ações nesse sentido: “se a gente não bater na tecla de que a proposta curricular deve ser cumprida, não adianta, o gestor e o professor não vão se importar com a diversidade”15 (2018).

Meses depois, em julho de 2017, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu a Recomendação n°. 08/2017 para a Secretaria Municipal e a Secretaria Estadual de Educação, por meio da qual deu permissão para a DDPM prosseguir com as formações em sexualidade, bem como para que professoras(es) da rede continuassem a desenvolver a temática da sexualidade. Mesmo assim, identificou-se o desgaste da equipe de formadoras, que relatavam uma grande sensação de cansaço: “cansa falar, falar, fazer e no final ser incompreendida.”

Da mesma forma, entre docentes havia o medo e dúvidas a respeito de como proceder em relação a trabalhos em sexualidade nas escolas pois, se por um lado deviam cumprir determinações (embasadas em normas legais) da Secretaria de Educação, por outro recebiam ameaças de punição de pais e gestores, por exemplo, diante de um mínimo movimento em torno da temática. Como relatou um professor participante de uma das formações em sexualidade ocorrida em maio de 2018: “é difícil trabalhar o tema, pois existe uma lei da mordaça rondando e a SEMED dizendo para não esquecermos do tema: é um fogo cruzado e não tem ninguém para proteger a gente.”

As próprias docentes da Educação Infantil e primeiras séries do Ensino Fundamental solicitaram, para o ano de 2018, formações voltadas para outras questões, como o autismo, o que proporcionou à equipe de formadoras em sexualidade uma sensação descrita como “alívio”, diante de um contexto considerado delicado.

Ao longo do ano, a temática da sexualidade permaneceu sendo trabalhada apenas no 4º. e no 5º. ano do Fundamental, com ênfase, dessa vez, na prevenção à violência sexual, assunto que parecia tornar a sexualidade mais palatável, mas que reforçava a pauta negativa de trabalhos em torno dela na educação, como observado por Leite (2014).

Em fevereiro de 2019, quando a pesquisa já havia sido encerrada, o pleno Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM) votou por unanimidade pela inconstitucionalidade da Lei 439/2017; e, em janeiro de 2020, o Supremo Tribunal Federal confirmou o acordão do TJAM, após a Câmara Municipal de Manaus interpor um Agravo Interno à decisão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Refletir sobre o processo de formação continuada docente em sexualidade em Manaus constituiu-se na possibilidade de pensar o alcance de tais formações, suas conquistas e obstáculos no processo de construção de uma educação mais democrática, integral e que pretende reconhecer e acolher a diversidade sexual que emerge no espaço escolar.

O estudo identificou que pensar a criança e o adolescente como sujeitos de políticas em sexualidade no âmbito da educação é um desafio diante da prática recorrente de acionar discursos de vitimização e de dessexualização que reforçam o lugar de tutela desses sujeitos. Carrara e Heilborn (2009), inclusive, acreditam que, quando se fala em sexualidade na escola, as crianças não são reconhecidas como sujeitos de direito, o que ocasiona a exclusão da temática no currículo, que fica restrita ao espaço privado da família. Para a dupla, essa visão deve ser contestada, pois o silêncio em relação a situações de discriminação por preconceito e violência de gênero contribui para a reprodução de desigualdades e injustiças.

A pesquisa permitiu pensar também familiares e educadoras(es) como oriundos de um processo de socialização que normatiza e generifica, o que em diversos momentos impõe obstáculos ao desenvolvimento da temática da sexualidade nas escolas. Assim, a necessidade de repensar e desnaturalizar o que parece inquestionável aumenta o desafio das formadoras que desenvolvem a temática, o que, por sua vez, parece ter sido intensificado pela emergência do discurso da “ideologia de gênero” e pela adesão de certa parcela da população a ele.

No entanto, mesmo diante dos ataques à educação para a sexualidade, a escola insiste em se revelar como um espaço no qual se expressam diferentes formas de ser menino e menina, homem e mulher, de perceber e pensar o próprio gênero e de viver diversas possibilidades de orientação para os afetos, embora nem sempre aceitas e reconhecidas pelas próprias pessoas que ali transitam.

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1 A opção pela sigla LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) deu-se pelo fato dessa ainda orientar o desenvolvimento de diversas políticas nos últimos anos. Sabe-se, no entanto, que outras siglas surgiram nas últimas décadas (Facchini, 2005), inclusive com a proposta de serem mais inclusivas.

2Para demarcar tal distinção, sempre que nos referirmos ao uso do termo nos PCNs, será utilizado “orientação sexual” (entre aspas).

3Chamou atenção, ao longo da pesquisa, a predominância de psicólogas enquanto formadoras da área após os primeiros dez anos de DDPM. Antes disso, o número de profissionais da área de biologia era significativamente maior.

4Sigla em inglês para Acquired Immunodeficiency Syndrome.

5CÂMARA MUNICIPAL DE MANAUS. Projeto de Lei Nº. 389/2015, de 24 de novembro de 2015. Proíbe na grade curricular das Escolas do Município de Manaus as atividades pedagógicas que visem à reprodução do conceito de ideologia de gênero. Manaus, 2015. Disponível em: http://www.cmm.am.gov.br/wp-content/uploads/2015/12/PL_389_2015.pdf. Acesso em: 01 dez 2015.

6A DDPM realiza tais socializações anualmente e delas participam docentes e gestoras(es) das escolas municipais. Na ocasião, acontece a exposição e a discussão dos projetos (nas mais diversas áreas, incluindo a da sexualidade) desenvolvidos ao longo do ano por docentes nas escolas.

7Aqui entendida na acepção utilizada por Junqueira (2009), de acordo com a qual a reação homofóbica é parte de um processo social de produção de diferenças no âmbito de relações de poder que visam reforçar o regime binário da sexualidade, e que produz, portanto, a homossexualidade como desvio, doença, pecado, defeito.

8Interessante observar, como nota Rosado-Nunes (2008), que embora no Brasil a Igreja Católica tenha tido importante papel no enfrentamento da ditadura militar, na constituição de uma cultura de direitos estimulada pela Teologia da Libertação e no movimento das Comunidades Eclesiais de Base, atuando em causas relacionadas à justiça social, quando o plano é o dos direitos sexuais e reprodutivos, sua atuação tende para outra direção.

9Disponível em: http://www.escolasempartido.org/quem-somos. Acesso em: 21 set. 2018.

10Articulado ao lançamento, pelo Governo Federal, em maio de 2004, do Brasil sem Homofobia - Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra LGBT e Promoção da Cidadania Homossexual - e apoiado pelo Ministério da Educação a partir da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão.

11Esta posição teórica encontra-se embasada no professor português, radicado no Paraná, Armindo Moreira, que no livro “Professor não é Educador”, defende que a função da escola e do professor é repassar conteúdos de forma “neutra” e objetiva, enquanto a da família, da igreja e sociedade é educar (WURMEISTER, 2018).

12No documento a nomenclatura utilizada é a de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) .

13À época ainda denominadas de DSTs.

14Naquele momento, o maior número de formadoras(es) graduadas(os) em Biologia e a parceria com a Secretaria Municipal de Saúde pareciam contribuir com tal ênfase.

15Apesar da crença pontuada, havia o reconhecimento de que caso Estados e Municípios pelo país não possuíssem uma equipe que defendesse o trabalho com a diversidade sexual e de gênero, a não menção destas na BNCC inviabilizaria a temática.

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSE

16A autora declara que não há conflito de interesse com o presente artigo.

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSE

17A autora declara que não há conflito de interesse com o presente artigo.

Recebido: 18 de Maio de 2020; Aceito: 03 de Dezembro de 2020

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