SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.39“TRABALHO DE FORMIGUINHA”: FORMAÇÃO CONTINUADA DE DOCENTES EM SEXUALIDADE NA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE MANAUSRETEXTUALIZAÇÃO: DO CURTA-METRAGEM À HISTÓRIA EM QUADRINHOS índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 03-Fev-2023

https://doi.org/10.1590/0102-469826299 

Artigos

ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ANCORANDO A PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA NOS ESTUDOS BAKHTINIANOS

ENSEÑANZA DE LENGUA PORTUGUESA: APOYANDO LA PRÁCTICA DEL ANÁLISIS LINGÜÍSTICO EN LOS ESTUDIOS BAKTINIANOS

LAYS MAYNARA FAVERO FENILLI1  , Escrita - primeira versão, participação ativa na curadoria e análise dos dados e revisão da escrita final
http://orcid.org/0000-0002-3667-1098

TEREZINHA DA CONCEIÇÃO COSTA-HÜBES1  , Orientadora da pesquisa, revisão da escrita final
http://orcid.org/0000-0002-9063-7982

1 Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Cascavel, PR, Brasil.


RESUMO:

Neste artigo, buscamos balizar a Prática de Análise Linguística (PAL) (GERALDI, 1984; 1997[1991]) nos estudos do Círculo de Bakhtin, por compreendermos que essa prática precisa de maior embasamento teórico-metodológico e que os estudos dialógicos contemplam, na análise de textos-enunciados, estratégias estilístico-discursivas para aulas de Língua Portuguesa. Desse modo, indagamos: Como ampliar as orientações teórico-metodológicas da PAL, sustentando-a em uma base dialógica? Como o método sociológico proposto por Volóchinov (2017[1929]) pode contribuir na constituição dessa PAL? Nossas reflexões foram baseadas majoritariamente nos estudos do Círculo, como Volóchinov e Bakhtin (1926), Bakhtin (2010[1929]; 2013; 2016[1979]), além de outros estudiosos que se voltam para o trabalho com a PAL nas aulas de Língua Portuguesa. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e exploratória, ancorada na Linguística Aplicada e no paradigma qualitativo interpretativista. Como resultados, compreendemos que a PAL de base dialógica parte de reflexões sobre o contexto extraverbal das enunciações para chegar às reflexões de base estilística, sem perder de vista os aspectos valorativos e discursivos dos textos-enunciados, o que pode ampliar a capacidade dos alunos de ler, escrever e interpretar textos e diferentes gêneros do discurso.

Palavras-chave: Prática de Análise Linguística; Concepção dialógica de linguagem; Ensino de Língua Portuguesa

RESÚMEN:

En este artículo buscamos orientar la Práctica del Análisis Lingüístico (PAL) (GERALDI, 1984; 1997 [1991]) en los estudios del Círculo de Bakhtin, ya que entendemos que esta práctica necesita una mayor base teórica y metodológica y que los estudios dialógicos contemplan, en análisis de textos-enunciados, estrategias estilístico-discursivas para clases de lengua portuguesa. Así, nos preguntamos: ¿Cómo podemos ampliar una orientación teórica y metodológica de PAL, apoyándola en una base dialógica? ¿Cómo puede contribuir el método sociológico propuesto por Volóchinov (2017 [1929]) a la constitución de esta PAL? Nuestras reflexiones se basaron principalmente en estudios del Círculo, como Volóchinov y Bakhtin (1926), Bakhtin (2010 [1929]; 2013; 2016 [1979]), además de otros académicos que recurren a trabajar con PAL en clases de portugués. Se trata de una investigación bibliográfica e exploratoria, anclada en la Lingüística Aplicada y en el paradigma interpretativo cualitativo. Como resultado, entendemos que la PAL de base dialógica parte de reflexiones sobre el contexto extraverbal de los enunciados para llegar a las reflexiones de base estilística, sin perder de vista los aspectos evaluativos y discursivos de los textos enunciados, que pueden ampliar la capacidad de los estudiantes para leer, escribir e interpretar textos de diferentes géneros del discurso.

Palabras clave: Práctica de Análisis Lingüístico; Concepción dialógica de la lengua; Enseñanza de la Lengua Portuguesa

ABSTRACT:

This paper sought to ground the Practice of Linguistic Analysis (PLA) (GERALDI, 1984; 1997[1991]) in Bakhtin Circle's studies considering that this practice needs a more significant theoretical and methodological basis and that the dialogic studies can provide an interactive approach to the analysis of texts, focused on the stylistic-discursive strategies in Portuguese Language classes. Hence, our guide questions are: How to amplify the methodological approach for the dialogic PLA? How can the sociological method proposed by Volóchinov (2017 [1929]) constitute this PLA? Our reflections were based mainly on Bakhtin Circle's studies, including Volóchinov and Bakhtin (1926), Bakhtin (2010[1929]; 2013; 2016 [1979]), among other researchers of the Portuguese Language teaching field. It is a bibliographic and exploratory study anchored on Applied Linguistics and the qualitative interpretative paradigm. Our findings led us to conclude that the dialogic PLA must be developed considering the reflections about the extraverbal context of the enunciations so that the stylistic reflections may approach axiological and discursive aspects of the texts, which can broaden students' ability to read, write, and interpret texts from diverse discursive genres.

Keywords: Practice of Linguistic Analysis; Bakhtin's Circle; Portuguese Language teaching

INTRODUÇÃO

A “Prática de Análise Linguística” (doravante PAL) foi cunhada por Geraldi (1984, 1997[1991]) e Franchi (2006[1987]), para suprir as necessidades comunicativas e interativas da disciplina de Língua Portuguesa (LP) no contexto histórico dos anos 1980, em que chegavam no Brasil os primeiros estudos a respeito da linguagem como enunciação e interação. A PAL tinha o intuito de ampliar/alterar a forma de trabalho com a língua que vinha sendo desenvolvida até então. Os autores conceberam essa prática ancorados em uma concepção interacionista de linguagem, o que culminou em uma proposta de ensino da língua de forma contextualizada e reflexiva.

Com o passar dos anos, essa prática veio ganhando reconhecimento como eixo de ensino de LP pelos estudiosos da área e por documentos norteadores do ensino1, o que fez com que a PAL passasse a ser estudada por meio de diversos vieses teóricos, visto que seus idealizadores não a calcaram em nenhuma teoria específica.

Entretanto, estudiosos contemporâneos da teoria do Círculo de Bakhtin2 encontraram confluências entre a proposição da PAL e os conceitos da concepção dialógica de linguagem, gerando, atualmente, uma busca pela ressignificação da proposta de Geraldi (1984, 1997[1991] e Franchi (2006[1987]) para uma prática de base explicitamente dialógica. Inseridas nesses estudos, buscamos, neste artigo, contribuir para tal ressignificação, ancorando nos seguintes questionamentos: Como ampliar as orientações teórico-metodológicas da PAL, sustentando-a em uma base dialógica? Como o método sociológico de Volóchinov (2017[1929]) pode contribuir na constituição dessa PAL?

Para responder a tais perguntas, buscamos respaldo no método sociológico proposto por Volóchinov (2017[1929]) e em outras obras do Círculo (BAKHTIN, 2010[1929]; 2013; 2016[1979]; VOLÓSHINOV, 2013[1930]; VOLÓCHINOV E BAKHTIN, 1926). Ademais, recorremos a estudiosos contemporâneos que se dedicam a tais reflexões, como: Acosta Pereira (2013), Polato (2017) Santos (2017), dentre outros. No que concerne aos aspectos metodológicos, fizemos uma pesquisa bibliográfica e exploratória (GIL, 2008), ancorada na Linguística Aplicada (MOITA-LOPES, 2006), dentro do paradigma qualitativo interpretativista (FLICK, 2009; BORTONI-RICARDO, 2008).

Na primeira seção, apresentamos reflexões sobre o método sociológico e suas implicações para uma PAL de base dialógica. Na segunda seção, refletimos sobre como esses conceitos se imbricam na ressignificação da PAL, e, por fim, apresentamos nossas considerações finais de forma a delinear os aspectos que podem configurar a PAL dialógica.

MÉTODO SOCIOLÓGICO: CONTRIBUIÇÕES TEORICO-METODOLÓGICAS PARA A PAL

A teoria do Círculo de Bakhtin é bastante vasta e rica. Os conceitos cunhados por esses teóricos russos são férteis e podem servir de base para diversas áreas do conhecimento, sob diferentes abordagens. Assumimos, em nossa pesquisa3, o desafio de alinhar tais reflexões estabelecidas, com mais ênfase, no contexto de 1920, para repensar a PAL no ensino de LP no Brasil dos dias atuais.

É importante compreendermos que os integrantes do Círculo não tiveram, ao longo de sua existência, o intuito em escrever precisamente sobre o ensino de línguas. As reflexões que empreenderam eram de base teórica, filosófica e, em alguns momentos, metodológica. Todavia, ao analisar seus escritos, alguns estudiosos da linguagem (ACOSTA PEREIRA, 2013; POLATO, 2017; SANTOS, 2017, dentre outros) vêm percebendo como tal teoria pode enriquecer os debates de um campo que, à época, não foi explorado, como, por exemplo, a PAL.

Em suas reflexões, Bakhtin (2010[1929]) se propõe a pensar em uma disciplina que pudesse embasar um estudo discursivo da língua(gem), visto que, a seu ver, isso não se garantia na Linguística que se fazia na época. Por isso, idealizou uma disciplina nova que, no estudo da língua, transpusesse os limites puramente linguísticos do texto-enunciado, avançando para além dos aspectos formais, e que tivesse o discurso como mote condutor dos estudos, a qual denominou de Translinguística4:

Nossas análises [...] podem ser situadas na metalingüística, subentendendo-a como um estudo [...] daqueles aspectos da vida do discurso que ultrapassam - de modo absolutamente legítimo - os limites da linguística. As pesquisas metalinguísticas, evidentemente, não podem ignorar a linguística e devem aplicar seus resultados. A linguística e a metalingüística estudam um mesmo fenômeno concreto, muito complexo e multifacético - o discurso -, mas estudam sobre diferentes aspectos e diferentes ângulos de visão (BAKHTIN, 2010[1929], p. 207).

A Translinguística apresentada pelo autor destaca-se como uma proposta de disciplina, mas não traz, de forma clara, aspectos metodológicos de como fazer tais análises. Por essa razão, a ordem metodológica sistematizada por Volóchinov (2017[1929]) pode complementar a ideia de um estudo da língua(gem) com foco no discurso, no extralinguístico que, neste caso, é tomado como ponto de partida. Assim, o autor ressalta que se devem considerar, nesse estudo, as:

1) formas e tipos de interação discursiva em sua relação com as condições concretas; 2) formas dos enunciados ou discursos verbais singulares em relação estreita com a interação da qual são parte, isto é os gêneros dos discursos verbais determinados pela interação discursiva na vida e na criação ideológica; 3) partindo disso, revisão das formas da língua em sua concepção linguística habitual (Volóchinov, 2017[1929], p. 220).

Nessa ordem, o contexto (“condições concretas”) histórico, ideológico e social dos enunciados tem primazia no estudo da língua(gem), já que são esses elementos que trarão a vida para a forma linguística/semiótica de um texto-enunciado; são eles que determinarão as possibilidades de sentido ali impressas e que definirão, de forma única, o tema dessa enunciação.

Após refletirmos sobre o contexto, é preciso que se estude o texto em relação às “formas dos enunciados”, isto é, aos gêneros discursivos em que se inscrevem, pois eles, de forma conjunta com o contexto, determinam seu estilo e construção composicional, e, portanto, têm papel central na sua realização nos campos de atividade humana.

Por fim, viabiliza-se o estudo linguístico (“formas da língua”) e/ou semiótico do texto-enunciado que, por ser precedido pelas outras etapas, adquire valorações específicas, já que é pensado em diálogo com o seu contexto extraverbal. Ao considerarmos a língua(gem) empregada, quando temos conhecimento do contexto de sua enunciação, inferimos uma entonação outra, ampliada pela relação com a situação de interação na qual se encontra inserida.

Assim, não basta olhar apenas para a constituição material do enunciado, pois só ela não garante a compreensão dos valores e discursos agenciados nos enunciados; precisamos estender a análise para o contexto de produção e refletir sobre como este atua na construção e propagação de discursos, sentidos e valores materializados no texto.

Desse modo, consideramos que a língua(gem) como prática social precisa ser estudada dentro do seguinte movimento: (i) partir das suas condições concretas de uso na sociedade, ou seja, de seu contexto histórico, social e ideológico, compreendido por Volochinov e Bakhtin (1926) como dimensão extraverbal; (ii) avançar para contextos mais específicos de interação entre interlocutores, como os gêneros do discurso inseridos em um campo de atividade humana; (iii) estender para o estudo da dimensão verbo-visual de textos-enunciados e, dentro deles, para as formas linguísticas/semióticas empregadas em sua produção, procurando perceber os acentos valorativos que impregnam a seleção de tais formas, mas sempre em relação com o extraverbal.

O método sociológico, nesse sentido, embasa a concepção de PAL dialógica que aqui se apresenta, compreendida, neste estudo, conforme ilustração apresentada na figuraa seguir:

Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras

Figura 1 Entrelaçamentos teórico-metodológicos da pesquisa 

Se observarmos essa figura, podemos perceber que o método sociológico vai estar em ligação direta com a PAL por meio, primeiramente, do estudo da dimensão extraverbal (VOLÓCHINOV; BAKHTIN, 1926), dos enunciados que compreende os dois primeiros passos da ordem metodológica já detalhada. Esses passos, didaticamente, implicam o estudo: a) do contexto de produção e circulação dos enunciados; e b) dos gêneros do discurso, levando em conta sua constituição e função enunciativa na sociedade.

Ao refletir sobre a dimensão extraverbal de um texto-enunciado, parte-se do pressuposto de que, o que está além do linguístico/semiótico é o “solo” que nutre todas as formas de utilização da língua(gem). Se pensarmos nessa metáfora de Voloshinov e Bakhtin (1926), compreendemos como tal dimensão é importante para a constituição do enunciado, uma vez que, assim como uma planta, se essas formas forem retiradas desse solo, perdem sua força vital e secam, isto é, perdem sua significação.

Considerar o contexto extraverbal implica entender a dialogicidade de um texto-enunciado, uma vez que “não pode haver enunciado isolado. Ele sempre pressupõe enunciados que o antecedem e que o sucedem. Nenhum enunciado pode ser o primeiro ou o último. Ele é apenas o elo na cadeia, e fora dessa cadeia não pode ser estudado” (BAKHTIN, 2016[1979], p. 26). Assim, os gêneros, como tipos relativamente estáveis de enunciados, estão imersos nessa cadeia que é a comunicação discursiva e só existem por causa dela.

Além disso, a parte extraverbal tem relação com seu Cronotopo. Bakhtin (2002[1975]) apresenta o conceito de Cronotopo como uma ideia que integra o tempo (do grego, crónos) e o espaço (do grego, topos). Desse modo, para o autor, as interações são particularmente inseridas em um espaço físico comum entre os interlocutores (mesmo que presumidamente) e, da mesma forma, em um momento histórico, compartilhado ou não pelos envolvidos no ato da interação.

Voloshinov e Bakhtin (1926) sinalizam, no estudo dessa dimensão, a “avaliação comum” da situação: “Qualquer que seja a espécie, o enunciado concreto sempre une os participantes da situação comum como co-participantes que conhecem, entendem e avaliam a situação de maneira igual” (VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1926, p. 8, grifos dos autores). Esse procedimento tem relação com a valoração que os interlocutores estabelecem para a situação de interação. Cada interlocutor dispõe de uma apreciação valorativa em relação ao objeto do discurso (o tema) e, ao produzirem seus enunciados, apresentam uma avaliação comum, para que possam estabelecer, no diálogo, suas ênfases apreciativas que podem estar tanto em consonância como em dissonância entre si.

Por fim, o terceiro passo da ordem metodológica apresentada por Volóchinov (2017[1929]) compreende o estudo da dimensão verbo-visual (BRAIT, 2013) de um texto-enunciado que, didaticamente, em face à PAL (GERALDI, 1997[1991]), resulta no desenvolvimento de

  1. )atividades linguísticas (produção/leitura de enunciados concretos);

  2. )atividades epilinguísticas (reflexões sobre como os recursos linguísticos/semióticos empregados na constituição do enunciado se organizam/significam na relação com o projeto de dizer do enunciador, com suas valorações, com os sentidos agenciados naquele contexto de uso, dentro da situação de interação); e

  3. ) atividades metalinguísticas (reflexões mais pontuais sobre as formas e estruturas da língua(gem), considerando a metalinguagem como ferramenta de reflexão sobre a atuação desses recursos na construção de estratégias linguísticas e estilísticas de enunciar discursos.

Para além disso, Costa-Hübes (2017) afirma que, na análise da dimensão verbo-visual dos enunciados, “[...] o olhar do pesquisador deve voltar-se para o estudo dos elementos constituintes do gênero discursivo” (COSTA-HÜBES, 2017, p. 560), sendo esses: conteúdo temático, estilo e construção composicional, conforme Bakhtin (2016[1979]). Desse modo, estudar a constituição dos enunciados na sua relação com o gênero do discurso ao qual pertencem pode promover uma base social e ideológica para uma análise linguístico-discursiva. Adiante apresentamos, de forma mais pontual, como tais elementos se imbricam metodologicamente na PAL de base dialógica.

PAL DE BASE DIALÓGICA: DIÁLOGOS E REFLEXÕES PARA UMA PRÁTICA DOCENTE PERMEADA PELOS ESTUDOS DO CÍRCULO DE BAKHTIN

Diante das reflexões já expostas, tomamos a PAL, nesta seção, considerando-a em face ao método sociológico defendido pelos teóricos do Círculo de Bakhtin. Todavia é preciso deixar claro que o intuito não é afirmar que as obras de Geraldi e Franchi, fundadoras da PAL, não tinham influências da teoria dialógica para o estudo da língua(gem). Pelo contrário, em alguns momentos, tais autores se colocam em diálogo explícito com essa teoria, por vezes de forma referenciada, por vezes de forma interdiscursiva.

Entretanto, no que tange à PAL, nem Franchi (2006[1987)] nem Geraldi (1984; 1997[1991]) tinham o intuito de relacioná-la com uma teoria linguística específica. Os autores buscaram, sim, inspirações filosóficas, teóricas e metodológicas de diversas correntes teóricas, com o intuito de colocar o ensino de LP, em relação, principalmente, aos estudos da enunciação, considerando, para tanto, os conceitos pertinentes a esse ramo da Linguística.

Desse modo, nosso intuito não é transformar a PAL em uma prática dialógica de ensino, como se ela já não tivesse, em certa medida, tal caráter. O que objetivamos, portanto, partindo dos textos fundadores, é ancorar teoricamente a PAL nos estudos do Círculo de Bakhtin, em diálogo com os demais autores e pesquisares que vêm fazendo parte desse movimento teórico.

Como destacamos anteriormente, atualmente se têm diversas pesquisas cujo foco é a PAL com embasamento bakhtiniano. Evocaremos algumas delas ao longo dessa seção para construir nosso entendimento de um ensino dialógico de LP por meio da PAL.

Santos (2017), em sua pesquisa5 , definiu determinados pontos centrais da teoria do Círculo que precisam ser agenciados na PAL, como, por exemplo, a necessidade de reconhecer: a natureza interacional da língua(gem); que o sujeito utiliza a língua(gem) por meio de práticas sociais; que a língua(gem) é utilizada por meio de enunciados concretos inseridos em contextos sócio-histórico-culturais específicos; que os enunciados são produzidos pelos sujeitos em face do campo de atividade humana em que se inserem; que cada um desses campos elabora seus respectivos gêneros do discurso; que os enunciados propagam discursos e ideologias em relações dialógicas; e que todos esses fatores se imbricam e se relacionam dentro da comunicação discursiva. Tais conceitos da teoria são aspectos caros à concepção dialógica de linguagem desenvolvida pelos estudiosos do Círculo; logo, é importante que também sejam agenciados numa PAL dialógica.

Ao observarmos os pontos elencados pela pesquisadora, percebemos sua preocupação em destacar aspectos que já haviam sido apresentados por Geraldi (1984; 1997[1991]). Isso se dá, acreditamos, num movimento discursivo que busca garantir a compreensão de que a base geraldiana da PAL seja mantida, mas que seja ampliada por meio de conceitos importantes da teoria bakhtiniana. Desse modo, corroboramos Santos (2017) com relação à imprescindibilidade de trazer para o contexto esses conceitos, refletindo-os, tanto teórica quanto metodologicamente, como sustentação para a PAL.

Acreditamos que um dos pontos fulcrais do ensino por meio da PAL é, partindo do uso de enunciados reais e de sua materialidade linguística/semiótica (que é o que se apresenta aos seus interlocutores), adentrar esses enunciados, buscando exatamente compreender o que faz deles enunciados: sua relação com um contexto específico de interação, que evoca aspectos extraverbais, como o cronotopo em que se inserem, o(s) enunciador(es), seu(s) projeto(s) de dizer e os discursos acionados.

Assim, poderíamos afirmar que a base sociológica que Volochínov e Bakhtin (1926) defenderam no estudo da língua(gem) ganha lugar de destaque nessa PAL, pois busca-se o cerne do que faz a língua ser social: a sua inserção na vida, nas relações entre sujeitos sócio historicamente situados. Esse caráter sociológico, que precisa ser estudado a fundo, não faz com que o aspecto linguístico/semiótico seja esquecido, até porque é pela língua(gem) (verbal e/ou não verbal) que primeiramente reconhecemos o enunciado, e é para ela que voltamos quando analisamos as estratégias linguístico-discursivas utilizadas pelo autor para efetivar seu propósito enunciativo. Nesse sentido, é necessário que se estabeleça uma relação de diálogo, de ir e vir (e também devir) entre as manifestações da língua(gem) e sua inserção num contexto extraverbal.

Esse movimento de constante retorno ao extraverbal é necessário, pois, segundo Voloshinov e Bakhtin (1926), “é esta mesmíssima ‘alma social’ do discurso verbal que o torna belo ou feio, isto é, que lhe dá também significado” (VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1926, p. 13, grifos dos autores). Assim, é essa “essência sociológica” que faz com que os enunciados tenham vida, pois é ela que garante se este poderá ser “verdadeiro ou falso, banal ou distinto, necessário ou desnecessário” (VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1926, p. 13).

Outro conceito bakhtiniano que merece destaque numa PAL dialógica é o de axiologia. Polato (2017) propôs um estatuto dialógico para a PAL, no qual postula que:

A Análise Linguística de estatuto dialógico, doravante (ALD), é uma perspectiva pedagógica de abordagem de aspectos linguístico-enunciativos e discursivos em textos mobilizados em gêneros discursivos, que mira, em primeiro plano, a compreensão do discurso e, portanto, as relações sociais representadas, a partir de uma abordagem valorativa da língua(gem). [...] seus objetivos tanto são pragmático-pedagógicos como sociais, pois a Análise Linguística de estatuto dialógico visa que os sujeitos-alunos participantes da organização social alcancem a compreensão da configuração axiológica das situações sócio-históricas e ideológicas amplas e imediatas de interação, em uma abordagem especialmente interessada no evento de interlocução demarcada, lugar onde o uso da língua ultrapassa domínios cognitivos, por estar circunscrito à especificidade das relações sociais constituídas, nas quais se funda a enunciação (POLATO, 2017, p. 195-196, grifos nossos).

Dessa forma, a autora afirma que a ALD que se propõe deve ser um meio para que os sujeitos saibam interagir com os enunciados, de forma a mobilizar os discursos presentes neles e de compreender o que esses discursos representam na sociedade (quais valores os permeiam). Além disso, busca-se que o aluno passe a ocupar o lugar social de sujeito-autor que interage em sociedade por meio da língua(gem), veiculando discursos, valores e avaliações sociais.

A autora atrela o estudo da PAL aos aspectos axiológicos presentes na linguagem, considerando esse conceito à luz da teoria do Círculo. Corroboramos Polato (2017), pois acreditamos que uma “abordagem valorativa da língua(gem)” é, de fato, uma abordagem que pode garantir que a PAL proporcione um estudo e reflexão não apenas da língua(gem), mas dos discursos materializados nos enunciados. Acreditamos que, por meio do conceito de valoração, possam ser desenvolvidas práticas de leitura, produção textual e análise linguística efetivamente dialógicas, centradas nas estratégias discursivas de uso da língua(gem), preconizando um estudo translinguístico, como destacado por Bakhtin (2010[1929]), visto que vai além da materialidade do enunciado, penetrando na vida das enunciações, isto é, na tessitura sócio-ideológica dos discursos.

Polato (2017), ao comentar sobre as tentativas de estudiosos de relacionar o conceito de gêneros com as práticas de ensino, compreende que

A perspectiva dialógica de trabalho com a análise linguística é centrífuga e centrípeta. Não está fechada na orientação interna do gênero. Ela empurra você para fora dele, para os valores, para as relações sociais representadas no texto de X gênero, mas o traz de volta para saber como esses valores e relações funcionam ali dentro. Gênero, assim, é lugar socialmente semiótico de mobilização do discurso e não, necessariamente, morada ou caminho para os métodos e nem simulacro para abordagens cognitivas de aspectos linguísticos (POLATO, 2017, p.158).

Os movimentos centrífugo e centrípeto de uso da linguagem são explorados nos estudos do Círculo e representam as forças sociais que agem sobre suas manifestações. No movimento centrípeto, existem forças que puxam os discursos e os valores para um centro, e os concentram em um eixo de valor relativamente homogêneo. Já o movimento centrífugo age de maneira oposta, empurrando esses discursos e valores para fora, difundindo-os como heterogêneos e múltiplos.

Ao considerarmos tais forças na PAL, é necessário propiciar ao aluno a compreensão de que agimos com a língua(gem), de forma a efetivar nossos propósitos enunciativo-discursivos, por meio dos quais expressamos nosso estilo e valoração, que acreditamos ser apenas “nossos” e homogêneos. Porém, além de nossos, se constituem, também, nos discursos externos, diversos, abertos e heterogêneos que penetram as ênfases apreciativas que colocamos na língua(gem). Diante disso, buscamos promover a consciência linguística de que na língua(gem) não existe só um discurso, ou alguns discursos certos/bons/positivos, mas que existem diversos discursos imbricados, os quais são sócio-valorados de forma positiva ou negativa em relação à avaliação comum da comunidade/grupo social em que os interlocutores se inserem.

Com relação ao conceito de gênero do discurso, depreendemos que na PAL ele deve ser abordado nos dois movimentos: tanto considerando o gênero discursivo em si, e suas forças internas, que puxam para uma estabilidade composicional, quanto considerando as forças externas, sociais, ideológicas e culturais, que demarcam sua instabilidade, já que originadas de contextos e sujeitos múltiplos e heterogêneos. Portanto, abordar os gêneros do discurso na PAL é destacar as forças centrípetas e centrífugas que atuam (na relação do extraverbal com o linguístico/semiótico), por meio deles, para a constituição dos discursos.

Além dessas forças, numa PAL dialógica é essencial que se situem os gêneros na sua esfera de criação ideológica/campo de atividade humana. Os campos, de acordo com sua lógica interna, exercem determinadas coerções sobre seus respectivos gêneros (GRILLO, 2017). Assim, alguns aspectos dos textos-enunciados são organizados não por uma escolha do enunciador, ou por regularidade do gênero, mas por coerções do campo em que o gênero se insere e essa consciência, para o aluno, é importante, pois “Cada campo da criação ideológica possui seu próprio modo de se orientar na realidade, e a refrata a seu modo” (VOLÓCHINOV, 2017[1929], p. 94).

Logo, de acordo com o campo, com as coerções do próprio gênero e com as escolhas feitas pelo autor, temos, a cada nova enunciação, uma única forma de refratar a realidade, aspecto esse que precisamos levar à atenção do aluno. Segundo Acosta Pereira (2013), “Todo gênero constrói uma visão de mundo e uma percepção particular da experiência; os gêneros são formas, portanto, de se pensar sobre o mundo” (ACOSTA PEREIRA, 2013, p. 499-500).

Além da importância do gênero, Mendes-Polato e Menegassi (2017) destacam, também, que numa PAL dialógica, que parta de uma abordagem valorativa da língua(gem), é preciso considerar que os valores são a todo tempo refletidos e refratados nos signos, logo, nos enunciados. Para os autores, isso significa que “diferentes meios podem distorcer a percepção e, no caso da língua, a apreensão do valor do signo, que não é fixo, mas plurivalente” (MENDES-POLATO; MENEGASSI, 2017, p. 18) e, ainda, que os signos “acumulam índices de valor ao longo de sua existência - refratam [...], sendo objeto de luta entre sentidos atuais, passados” (MENDES-POLATO; MENEGASSI, 2017, p. 20).

A partir dessas constatações, os autores afirmam que no signo pode acontecer reflexão e refração de forma concomitante, visto que, quanto mais reflexão acontecer, menos refração e vice-versa. Isso se dá porque o signo reflete uma verdade comum para certa comunidade e ao mesmo tempo refrata, de forma mais ou menos distorcida, realidades diferentes para outras comunidades (MENDES-POLATO; MENEGASSI, 2017). Desse modo, quando usamos os signos, estamos a todo momento operando com reflexões e refrações que implicam ênfases valorativas específicas/diferentes e que precisam ser destacadas na PAL dialógica.

Os autores defendem, ainda, que ao se trabalhar com atividades de reflexão sobre a língua(gem) em sala de aula, é preciso atentar para os blocos de juízo de valor que são construídos nos textos na relação entre o contexto extraverbal e determinadas estruturas gramaticais e sintáticas que, muitas vezes, não emergem nas materialidades linguísticas, por isso precisam ser abordadas em face ao extralinguístico.

Por esse motivo, para os autores, esses blocos de juízo de valor não são alcançados apenas por uma análise gramatical do texto, mas, sim, por uma análise que considere o aspecto estilístico - apontado por Bakhtin (2013) - das enunciações:

Qualquer aspecto gramatical circunscrito à palavra deve ser analisado também como estilístico, ou socialmente expressivo [...], porque é vivo e tem valor assentado no diálogo social e interior do homem, sendo, portanto, passível de ser reconhecido, compartilhado entre interlocutores específicos em situações únicas de interação (MENDES-POLATO; MENEGASSI, 2017, p. 24-25, grifo nosso).

Os autores apontam, desse modo, para um aspecto que acreditamos ser central na PAL de base dialógica: a relação entre gramática e estilo. Para eles, o aspecto estilístico vai residir no que é vivo e que tem relação com os diálogos sociais que os interlocutores estabelecem ao longo da vida. Enquanto os aspectos gramaticais apontam para categorias de estudo da estrutura da língua, o aspecto estilístico aponta para o estudo da parte viva dos enunciados, a parte que, mesmo sendo elaborada por meio de determinadas estruturas, busca construir sentido(s) pelo atravessamento do contexto social e o faz de acordo com a endereçabilidade (interlocutores) e expressividade (valores e entonações) (BAKHTIN, 2016[1979]) própria de cada enunciado e situação interativa.

Compreendemos, então, que trabalhar com a PAL de base dialógica no Ensino de LP é propiciar situações de estudos de modo que os alunos entendam que gramática e estilo são conceitos imbricados, porém, distintos, que têm sua respectiva importância em determinados momentos do estudo dos textos-enunciados. Bakhtin (2013), na obra Questões de estilística no ensino da Língua6, aborda a relação gramática-estilo em sala de aula e nos traz exemplos de como fazê-lo, por meio de sua atuação docente como professor da língua russa, no período de 1942 a 1945. Nessa obra, é possível ver o filósofo ocupando o papel social de professor e agindo nele embasado em uma concepção dialógica de linguagem e, dentro desta, na compreensão de interação, enunciado e autoria, próprias de suas reflexões teóricas, presentes nas outras obras do Círculo.

Didaticamente, o Professor Bakhtin busca promover a reflexão dos alunos diante de determinadas estruturas sintáticas, de modo que percebam como uma reflexão estilística pode tirar o uso da língua(gem) do automatismo e situá-la em um contexto mais vivo e criativo, isto é, nas produções escritas de seus alunos. Segundo Bakhtin (2013), a vivacidade de uso da língua(gem) é perdida no momento em que esses estudantes passam a ter suas produções reguladas por normas gramaticais.

Bakhtin (2013), ao desenvolver análises estilísticas, faz junto com seus alunos, o que podemos denominar, em face aos estudos posteriores de Geraldi (1997[1991), diversas “atividades epilinguísticas”. Isto é, ele promove reflexões sobre as formas de emprego da língua(gem), por meio de leituras dramáticas, alterações sintáticas e gramaticais nos enunciados, práticas estas que, ao ressaltar a possibilidade de diferenças estilísticas, destacam outras possibilidades de (re)significar o enunciado, resultando em leituras/compreensões diferentes.

Ao fazer a análise de enunciados das obras de A. S Púchkin e de Gogól, junto com os alunos, o Professor Bakhtin tenta introduzir uma conjunção “de forma mecânica” no enunciado. Como seu objetivo era ensinar o período composto por subordinação sem conjunção, o professor parte de enunciados reais que já têm essa estrutura e tenta desconstruí-la com os alunos, inserindo uma conjunção, para que percebam a diferença estilística e de sentido entre os dois enunciados. Por meio dessa atividade, Bakhtin propicia que seus alunos reflitam sobre o(s) sentido(s) evocado(s) por tal construção sintática, mostrando-lhes que, uma vez reformulada, as frases de A. S. Púchkin, por exemplo, (agora com conjunção) perdem sua “expressividade emocional”, ficam “mais fria[s], seca[s] e lógica[s]” e conclui, com eles, que o elemento dramático dos períodos some totalmente (BAKHTIN, 2013, p. 31). Uma de suas preocupações, então, era demonstrar como a entonação, os valores e sentidos que um enunciado carrega podem ser facilmente modificados apenas com a introdução da conjunção.

Coerentemente com seus postulados teóricos, Bakhtin (2013) mostra aos alunos como a entonação (presente no extraverbal) tem grande importância para o uso da língua(gem) e que, portanto, apenas o estudo dos aspectos linguísticos/semióticos não é suficiente. Ao fazer tais análises, o autor apresenta a ideia de que as entonações (tanto dramáticas - da fala - quanto apreciativas - do discurso) têm grande importância para as ênfases valorativas a serem construídas na leitura do enunciado.

É importante destacarmos também que Bakhtin (2013), ao fazer análises estilísticas e semânticas com os alunos, utiliza a metalinguagem como uma forma de auxílio para suas explicações sobre a língua(gem). Entretanto, não é seu objetivo ensinar apenas o que seria um período composto por subordinação sem conjunção (sua descrição/conceito), mas também, e principalmente, ensinar sua função social, a como utilizá-lo para escrever textos mais vivos, criativos, expressivos, singulares, e sua potencialidade de ressaltar (ou não) entonações apreciativas diversas.

Após um trabalho como este, é possível que o aluno aprenda o conceito/descrição gramatical justamente pelo fato de interagir constantemente com essa construção sintática na vida dos textos e com sua nomenclatura, sem que tal conteúdo precise ser o foco do ensino e aprendizagem. Abre-se espaço para que a língua(gem) e o discurso guiem o aprendizado do estilo. Para o autor, esse tipo de trabalho “explica a gramática para os alunos: ao serem iluminadas pelo seu significado estilístico, as formas secas gramaticais adquirem novo sentido para os alunos, tornam-se mais compreensíveis e interessantes para eles” (BAKHTIN, 2013, p.40). Além dos aspectos já destacados, Bakhtin (2013) busca deixar o conteúdo mais interessante e significativo, uma vez que, quando isso acontece, o conhecimento se torna efetivamente útil; logo, destinam a ele mais atenção.

Ademais, o analisarmos a prática pedagógica de Bakhtin, é perceptível sua ênfase no conceito de estilo de forma particular. Isso se dá pelo fato de que Bakhtin tinha um modo sociológico de conceber a Estilística. Para ele, esta deveria contemplar um estudo que fosse além da linguística da época, que considerasse o discurso como ponto de encontro entre as vozes sociais e suas relações dialógicas materializadas no âmbito linguístico por meio do estilo. Nessa perspectiva, o estilo é compreendido pelo autor como uma escolha entre formas linguísticas que requer, para seu agenciamento, a consideração das relações dialógicas e as orientações apreciativas presentes/possíveis no extraverbal: “quando o falante ou o escritor tem a possibilidade de escolher entre duas ou mais formas sintáticas igualmente corretas do ponto de vista gramatical. Nesses casos, a escolha é determinada não pela gramática, mas por considerações puramente estilísticas, isto é, pela eficácia representacional e expressiva dessas formas” (BAKHTIN, 2013, p. 25).

A partir disso, entendemos que o estilo possibilita que o locutor se coloque no discurso como autor, pois, por meio de suas escolhas ficam perceptíveis os aspectos expressivos e vivos de seu discurso, que o ligam aos contextos de uso da língua(gem) e que possibilitam refrações e ressignificações de outros discursos.

Uma das preocupações de Bakhtin (2013) em sala de aula era justamente propiciar para que seus alunos se constituíssem como autores, de modo a atuarem com a língua(gem) com consciência desse fato e das entonações que seus discursos produzem/refratam. Ao final de suas reflexões, após avaliar os novos textos de seus alunos, Bakhtin (2013) afirma que consegue atingir esse objetivo. A mudança da forma sintática resultou também em uma melhora geral do estilo dos alunos, que se tornou mais vivo, metafórico e expressivo, e o principal: começou a revelar-se nele “a individualidade do autor, ou seja, passou a soar a sua própria entonação” (BAKHTIN, 2013, p. 40, grifos nossos).

O autor, por meio de um processo de reflexão durante suas aulas, ajuda a desenvolver, não só um processo de leitura mais crítico, como também produções de texto mais autorais, expressivas e criativas, nas quais o aluno ocupa o papel social de autor, de locutor que escreve para interlocutores reais (como também apontado por GERALDI, 1997[1991]).

Desse modo, evocamos a prática pedagógica de Bakhtin (2013) e sua forma de conceber o estilo, com o intuito de ressaltar o que se propõe com uma PAL de base dialógica. Uma prática de ensino que, por meio de reflexões estilístico-discursivas, podem trazer maior consciência para os alunos das escolhas que fazem em seus textos-enunciados. Mais uma vez, apresentamos uma soma de duas forças, forças internas da estrutura da língua(gem) e forças externas do contexto vivo. No estudo dessa tensão de forças socioideológicas, buscamos promover a compreensão de como os discursos são construídos nas relações dialógicas, de sentido e de valor.

Diante de tais considerações, acreditamos que a PAL de base dialógica precisa contemplar:

  1. ) o estudo do contexto extraverbal dos enunciados;

  2. ) uma abordagem valorativa da língua(gem), considerando que os usos linguísticos são eivados de valorações e entonações expressivas;

  3. ) que os signos refletem e refratam sócio-ideologicamente valores e discursos de acordo com forças centrípetas e centrífugas;

  4. ) que nos textos existem blocos de juízos de valor agenciados pelos recursos discursivos, estilísticos e linguísticos;

  5. ) que a língua(gem) e os gêneros do discurso precisam ser abordados considerando sua orientação interna e externa nas interações, bem como sua inserção em um campo da atividade humana;

  6. ) que são necessárias análises estilísticas e discursivas dos enunciados.

Diante de tal compreensão da PAL, elaboramos a seguir uma figura na qual buscamos ilustrar as principais diferenças entre a proposta de PAL de Geraldi (1984, 1997[1991]) e a configuração dialógica que propomos para essa prática nessa seção:

Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras.

Figura 2 Diferenças entre a PAL geraldiana e a PAL de base dialógica 

Na Figura 2 listamos os principais tópicos abordados nessa seção. Buscamos, portanto, fazer uma diferenciação entre PAL concebida por Geraldi (1984, 1997[1991]) - apresentando as principais bases que o autor elucidou nos anos de 1980/1990 para essa prática7 - e a PAL de base dialógica, calcada exclusiva e explicitamente na teoria do Círculo de Bakhtin.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No intento de responder às perguntas motivadoras desse ensaio - Como ampliar as orientações teórico-metodológicas da PAL, sustentando-a em uma base dialógica? Como o método sociológico de Volóchinov (2017 [1929]) pode contribuir na constituição dessa PAL? - percorremos um caminho de cunho teórico, metodológico, didático e prático, visto que nosso objetivo foi aliar uma teoria russa do início século XX, com uma prática de ensino de LP que foi proposta no Brasil a partir dos anos de 1980 e que tem se perpetuado até os dias atuais.

Desse modo, conforme procuramos ilustrar na Figura 2, acreditamos que uma PAL de base dialógica se ancora em alguns tópicos centrais depreendidos das obras O texto na sala de aula (GERALDI, 1984) e Portos de Passagem (GERALDI, 1991), como, por exemplo, o assentamento da proposta na concepção interacionista de linguagem, a qual vê a língua(gem) como forma de interação (GERALDI, 1984, p. 43). E por esse viés interacionista, a PAL tem a necessidade de ser desenvolvida em relação com outras práticas de linguagem como oralidade, leitura e produção textual. Além disso, consideramos que sua proposta inicial é basilar para a compreensão do texto como unidade de ensino, reconhecendo-o como ponto de partida que perpassa o processo de ensino e aprendizagem de LP, até ser ponto de chegada de todas as interações com a língua(gem). E, a partir de atividades linguísticas (textos-enunciados), desenvolve-se atividades epilinguísticas e metalinguísticas.

Logo, a PAL de base dialógica que buscamos ressaltar, toma todos esses tópicos como pressuposto e procura ampliá-los a partir da ótica dos estudos do Círculo. Assim, tudo o que Geraldi propôs é reinterpretado, ressignificado e ampliado, usando nomenclaturas e conceitos próprios do viés bakhtiniano. A PAL de base dialógica não só é calcada em uma compreensão interacionista linguagem, mas em uma concepção dialógica, que engloba os pressupostos do Dialogismo e entende que a interação é condição vital para toda e qualquer prática de língua(gem).

Além de manter a relação entre as práticas de uso da lingua(gem) (oralidade, leitura e produção textual), adota-se o texto-enunciado como unidade de ensino de LP, compreendendo-o como lugar onde as interações discursivas (escritas, orais, verbo-visuais, multissemióticas) se configuram a partir de um projeto/necessidade de dizer. Assim, não se pensa numa PAL destinada apenas a textos escritos, como enfocado nas obras de Geraldi dos anos 1980 e 1990. Considerando a época em que vivemos, os estudos do Círculo e os estudos atuais sobre a língua(gem) em face ao avanço da tecnologia, entendemos que a reflexão sobre as estratégias de dizer precisa romper com os limites da palavra e atingir o âmbito do enunciado e das enunciações.

Para tanto, é preciso refletir sobre o contexto extraverbal dos enunciados, isto é, a parte que tem a ver com o uso da língua(gem) em contextos definidos, situados social e historicamente, envolvendo interlocutores reais e necessidades de interação. É só considerando essa parte extraverbal que podemos estudar os gêneros do discurso em face ao campo de atividade humana, ou à esfera ideológica em que estão inseridos. Diante disso, reconhece que a língua(gem) é usada em um Cronotopo específico e por interlocutores engajados socialmente de forma diversa. Em face a tais aspectos, é possível entender que os gêneros são movidos por forças centrípetas que buscam uma estabilidade pela repetição das condições extraverbais dos enunciados e, ao mesmo tempo, por forças centrífugas que buscam a inovação, a diferença e a flexibilidade, pois os interlocutores são múltiplos e o cronotopo sempre se modifica.

Assim, na PAL de base dialógica, essa compreensão da dimensão extraverbal do gênero do discurso precisa perpassar a reflexão sobre a língua(gem) e estar presentes em suas dimensões verbo-visuais exploradas em atividades epilinguísticas e metalinguísticas que devem estar em constante movimento dialógico. Isso implica que a análise dos recursos linguísticos/semióticos deve ser feita a todo tempo em diálogo com os aspectos extraverbais, o que ocorre no momento em que as análises estilísticas forem feitas.

De forma prática, isso significaria que, em sala de aula, não basta que o/a professor/a traga um texto-enunciado, comente brevemente sobre o contexto (autor, momento histórico, local de publicação, etc.) e parta para o ensino da gramática utilizando o enunciado como exemplo. Pensar numa PAL dialógica, implicaria trazer um enunciado para os alunos abordando primeiramente seu contexto de produção e circulação e as caraterísticas específicas do gênero discursivo utilizado e o campo social ao qual pertence. Na sequência, far-se-ia um trabalho com a reflexão a respeito das posições valorativas perceptíveis na superfície textual e aquelas construídas pelos alunos a respeito do texto-enunciado, considerando o extraverbal que o embasa (atividades epilinguísticas).

Por fim, seriam abordadas especificamente as escolhas estilísticas feitas para construir o sentido no enunciado, assim partir-se-ia para um estudo mais gramatical e particular das estruturas linguísticas/visuais/auditivas (atividades metalinguísticas) de forma a destacar que todas elas são colocadas no enunciado de forma a cumprir um propósito discursivo de seu autor, em sua posição social e em um contexto particular de produção e circulação. Considerando que todos os elementos perceptíveis no enunciado estão intimamente atrelados a elementos não perceptíveis na tessitura textual. É somente na interconexão dessas análises que as valorações coconstruídas pelos interlocutores serão interpretadas e vistas pelos alunos como discurso, carregados de entonações e avaliações ideológicas.

REFERÊNCIAS

ACOSTA PEREIRA, Rodrigo. A prática de análise linguística mediada pelos gêneros do discurso: matizes sócio-históricos. Letrônica, v. 06, p. 494-520, 2013. [ Links ]

COSTA-HÜBES, Terezinha da Conceição. A pesquisa em ciências humanas sob um viés bakhtiniano. Revista Pesquisa Qualitativa. São Paulo (SP), v.5, n.9, p. 552-568, dez. 2017. [ Links ]

BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance. Tradução do russo por Aurora Fornoni Bernardini et al. 5. ed. São Paulo: Hucitec, 2002. [ Links ]

BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 5.ed.Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. [ Links ]

BAKHTIN, Mikhail. Questões de estilística no ensino de língua. Tradução, pósfacio e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2013. [ Links ]

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Organização e tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34 , 2016. [ Links ]

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O professor pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa. São Paulo: Parábola, 2008. [ Links ]

BRAIT, Elizabeth. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana. São Paulo (SP), 8 (2): 43-66, Jul./Dez. 2013. Disponível em:Disponível em:https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/16568/12909 Acesso em:12/04/19. [ Links ]

FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & Diálogo: as ideias do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola , 2009. [ Links ]

FENILLI, Lays Maynara Favero. Trilhando caminhos para uma prática de análise linguística de base dialógica: uma proposta de elaboração didática a partir do gênero discursivo tira. Dissertação (Mestrado em Letras). Cascavel: UNIOESTE, 2020. [ Links ]

FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2017. [ Links ]

FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. Traduzido por Joice Elias Costa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. [ Links ]

FRANCHI, Carlos. Gramática e Criatividade. In: FRANCHI, Carlos. Mas o que é mesmo “gramática”? São Paulo: Parábola Editorial, p. 34-101, 2006. [ Links ]

GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula: Leitura & Produção. Cascavel-PR: Assoeste, 1984. [ Links ]

GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem. 4. ed.São Paulo: Martins Fontes, 1997. [ Links ]

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de Pesquisa Social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. Disponível em:<Disponível em:https://ayanrafael.files.wordpress.com/2011/08/gil-a-c-mc3a9todos-e-tc3a9cnicas-de-pesquisa-social.pdf > Acesso em: 10 out. 2018. [ Links ]

GRILLO, Sheila. Marxismo e filosofia da linguagem: uma resposta à ciência da linguagem do século XIX e início do XX. In: VOLOCHINOV, Valentin. (1929) Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Sheila Grillo e Ekatarina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, p. 7-79, 2017. [ Links ]

MENDES-POLATO, Adriana Delmira; MENEGASSI, Renilson José. Refratar e refletir: Relações sociais e língua em práticas de análise linguística In: FERNANDES, Eliane Marquez da Fonseca (org.). Gêneros do discurso: Refletir e Refratar com Bakhtin. Campinas, SP: Pontes Editores, p. 13-44, 2017. [ Links ]

MOITA LOPES, Luis Paulo da(org.). Por uma linguística aplicada INdisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. [ Links ]

POLATO, Adriana Delmira Mendes. Análise Linguística: do estado da arte ao estatuto dialógico. Tese (Doutorado). Maringá: UEM, 2017. [ Links ]

SANTOS, Gabriela Debas dos. A prática de análise lingüística nas aulas de língua portuguesa: por uma abordagem enunciativo-discursiva de base dialógica. Dissertação (Mestrado). Florianópolis: UFSC, 2017. [ Links ]

VOLOSHINOV, Valentin; BAKHTIN, Mikhail. Discurso na Vida e Discurso na Arte (sobre a poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco & Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo, 1926. [ Links ]

VOLOCHÍNOV, Valentin. A construção da enunciação e outros ensaios. Organização, tradução e notas: João Wanderley Giraldi. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013. [ Links ]

VOLOCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Sheila Grillo e Ekatarina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. [ Links ]

1No estado do Paraná, o Currículo Básico para a Escola Pública do Estado do Paraná (PARANÁ, 1990) propôs, pela primeira vez, o trabalho de Análise Linguística como substitutivo ao trabalho gramatical e estrutural, enfatizando aspectos como a coesão textual, além de ressaltar alguns encaminhamentos por meio da produção e reescrita textual do educando. Na mesma década, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) apresentaram, como um dos eixos de Ensino de LP, a PAL. Destaca-se, também, a publicação das Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (PARANÁ, 2008), outro documento parametrizador que contempla a PAL. E, atualmente, a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) orienta para o trabalho com a análise linguística/semiótica.

2O termo “Círculo de Bakhtin” tem sido usado, segundo Faraco (2009), para denominar “um grupo de intelectuais (boa parte nascida por volta da metade da década de 1890) que se reuniu regularmente de 1919 a 1929” para refletir sobre diversos conceitos. O grupo era multidisciplinar e incluía, entre outros, “o filósofo Matvei I. Kagan, o biólogo Ivan I. Kanaev, a pianista Maria V. Yudina, o estudioso de literatura Lev V. Pumpianski” (FARACO, 2009, p. 13) e os estudiosos da linguagem e da literatura Mikhail M. Bakhtin, Valentin N. Voloshinov e Pavel N. Medvedev.

3Trata-se de uma pesquisa de mestrado intitulada “Trilhando caminhos para uma prática de análise linguística de base dialógica: uma proposta de elaboração didática a partir do gênero discursivo tira”, desenvolvida com apoio da CAPES, entre os anos de 2018 e 2020, no Programa de Pós-Graduação em Letras (UNIOESTE), sob orientação da Profa. Dra. Terezinha da Conceição Costa-Hübes. Neste ensaio, apresentamos apenas um recorte dos estudos desenvolvidos (FENILLI, 2020).

4Apesar de a tradução trazer, para esse conceito, a palavra “metalinguística”, utilizamos aqui o termo “translinguística” para evitar confusões com o termo “metalinguística” como compreendido por Geraldi (1991) e, também corroboramos Fiorin (2017) quando afirma que o sufixo “trans” tem sentido de “ir além de”. Assim, consideramos “translinguística” uma tradução mais precisa da proposta de Bakhtin, que era justamente ir além do que propunha a Linguística da época.

5Pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Linguística (UFSC), sob a orientação do Prof. Dr. Rodrigo Acosta Pereira.

6O livro é uma compilação de um Plano de Aula e de um artigo de Bakhtin sobre sua atuação em sala. Tal compilação foi feita em russo por Serguei Botcharov e Liudmila Gogotichvíli, que a intitularam Questões de estilística no ensino da língua russa no ensino médio, da qual a versão brasileira é tradução direta, feita por Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo.

7É importante esclarecer que Geraldi produziu diversas obras após as que estamos tratando, visto que é um autor que continua, na atualidade, engajado com as reflexões sobre língua(gem), políticas linguísticas e o papel dos discursos na sociedade. Entretanto, o autor não retoma sistematicamente as reflexões sobre a PAL, de forma a atualizá-las. Desse modo, estamos tomando a PAL de Geraldi como aquela descrita nas obras de 1980 e 1990, o que não exclui a possibilidade de o próprio autor a compreender de forma diferente hoje. O que percebemos, como já comentado, é que não foi estabelecida por Geraldi uma relação direta entre a PAL e a teoria do Círculo, o que aqui estamos tentando fazê-lo em face aos estudos atuais sobre a teoria bakhtiniana.

Recebido: 16 de Novembro de 2020; Aceito: 25 de Setembro de 2022

<lays.fenilli@gmail.com>

<tehubes@gmail.com>

Os autores declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons