INTRODUÇÃO
Em diferentes partes do globo, as décadas finais do século XX foram marcadas pela deflagração de reformas educacionais que, dentre outras repercussões, vêm redefinindo as bases da regulação da educação. Consoante a teoria de regulação social, tal como desenvolvida por Reynaud (1997), tratar-se-ia de uma nova perspectiva de regulação social, enquanto por uma concepção assente na teoria da regulação, ter-se-ia em conta a existência de “uma conjunção de mecanismos que promovem a reprodução geral, tendo em vista as estruturas econômicas e as formas sociais vigentes” (BOYER, 1990, p. 46), o que remete à dimensão institucional e estrutural da regulação.
Como expressão dessas reformas, a introdução de novos mecanismos de regulação da educação1, segundo Maroy e Voisin (2013), põe à mostra o declínio de formas tradicionais, baseadas no modelo burocrático, e o ascenso de premissas e mecanismos de gestão identificados com a regulação por resultados. Focadas no direcionamento e controle da produção, as políticas correspondentes têm nos sistemas de avaliação externa o movente principal da regulação por resultados, cujo padrão de qualidade responde aos interesses do capital. Vale dizer, com base em Aglietta (2001, p. 20), que um modo de regulação “é um conjunto de mediações que asseguram que as distorções criadas pela acumulação de capital se mantenham dentro de limites compatíveis com a coesão social dentro de cada nação.” (tradução nossa).
É na dinâmica dessa regulação baseada no produto que ocorre a introdução de medidas de accountability amparadas em pressupostos da New Public Management (NPM), emergidos do meio neoliberal. Cabe destacar que a NPM opera um rompimento com o paradigma burocrático, em favor de um modelo mais flexível ou orgânico de burocracia, fórmula congruente com o mundo empresarial e os requerimentos de reorganização do Estado. Portanto, conforme sintetizam Maroy et al. (2015, p. 803), é uma perspectiva de gestão comprometida com a “diminuição do papel do Estado, de suas estruturas e campos de ação, em prol do setor privado e da concorrência.”
No Brasil, políticas que requisitam da escola e dos sistemas de ensino a produção de resultados, cujo motor é a avaliação de desempenho dos estudantes articulada com outras medidas de accountability (prestação de contas e responsabilização), são empreendidas desde os anos de 1990 e estampam relação orgânica com as mudanças aqui mencionadas. Assim, a introdução de novas formas de gestão educacional, seguindo a pauta da eficiência, eficácia, flexibilidade e transparência (MATIAS-PEREIRA, 2008), corrobora a perspectiva de regulação orientada por resultados.
Portanto, a se considerar a accountability um mecanismo de gestão e a mobilização de medidas afins - avaliação, prestação de contas e responsabilização - uma estratégia de focalização de prioridades que, em geral, dizem respeito ao “controle da qualidade”, é devido reconhecer que esse é um dos requerimentos endereçado à gestão da educação básica brasileira na contemporaneidade. Sujeitado à obrigação por resultados, o referencial político-gestionário da escola é aquele que a concebe como um sistema de produção (MAROY; VOISIN, 2013).
Diante da franca ascensão da mencionada fórmula no domínio da política pública, para além dos graus de sua influência na determinação de opções políticas e de práticas no governo da educação, nossa indagação recai sobre possíveis repercussões desse fenômeno na vaga democrática. Nesse particular, referimo-nos aos referenciais sobressaídos no contexto dos movimentos pela redemocratização do Brasil, ocorridos na década de 1980, consoante os quais a gestão educacional guarda características próprias que suplantam a mera aplicação de um protocolo de princípios e técnicas administrativas, posto conceber a escola como instituição social, com “sua lógica organizativa e suas finalidades demarcadas pelos fins político-pedagógicos que extrapolam o horizonte custo-benefíciostricto sensu.” (DOURADO, 2007, p. 924).
Referenciados nesses, os planos da participação popular e da participação e controle social reportam o envolvimento na formulação e execução das políticas públicas. Na acepção que ganhou força na mencionada década, tal envolvimento se vinculou à ideia de controle sobre o Estado, exercido por setores organizados da sociedade civil, portanto, na perspectiva de controle social, a fim de que esses setores, ao participarem da formulação de planos, programas e projetos, procedam ao acompanhamento das execuções e atuem na definição da alocação de recursos, com vistas ao atendimento dos interesses da coletividade (CORREIA, 2008). Conforme Stotz (2008), uma definição de participação social requer considerar a multiplicidade de ações desenvolvidas por diferentes forças sociais com vistas a influenciar o desenho, a execução e a avaliação de políticas públicas.
Ao certo, uma perspectiva de controle social que não dependa apenas da existência formal de instâncias afins também passa por outros temas, a exemplo da questão da representação (GUIZARDI, 2009). Todavia, o que queremos ressaltar, no presente debate, é mesmo a circunstância em que um projeto de democratização, que visou à construção de uma sociedade mais justa e igualitária, disputa posição, na atualidade, com perspectivas que fomentam o apassivamento da própria democracia, com refuncionalização de seus instrumentos políticos, tornados pilares de novos consensos, aparentemente representativos de todos os segmentos sociais (SHIROMA, 2009).
Portanto, a indagação acerca das repercussões da mencionada fórmula na gestão democrática da educação pública, em face de possíveis reconfigurações em arranjos institucionais destinados à promoção da participação e do controle social, constitui a razão do presente estudo, com o qual também vislumbramos contribuir para o debate sobre “limites do alcance da luta pela democracia, dentro dos aparelhos do Estado capitalista.” (TEIXEIRA, 2007, p. 161).
A delimitação na esfera municipal visa considerar a tensão que se estabelece entre uma pluralidade de contextos e a circunstância do envolvimento dessa esfera em uma malha ampliada de políticas de regulação pelos resultados, bem como a sua recente projeção política e incumbência de organizar o sistema de ensino próprio e, no interior deste, a regulamentação da gestão democrática do ensino público. Assim, o objetivo do trabalho é analisar, no contexto de uma crescente implantação de medidas de accountability na educação básica identificadas com políticas de regulação por resultados, possíveis reconfigurações de arranjos institucionais destinados a responder pelo governo democrático da educação pública, em termos de participação e controle social. O campo empírico compreende duas capitais brasileiras: Fortaleza (CE) e Palmas (TO).2
O processo investigativo consistiu em pesquisa documental,3 compreendendo o documento como expressão e resultado “de uma combinação de intencionalidades, valores e discursos, [que] são constituídos e constituintes do momento histórico.” (EVANGELISTA, 2012, p. 63). Conforme explicitado na próxima seção do trabalho, os documentos-alvo foram: legislação; documentos técnicos; notícias; matérias; informes; e outras publicações.
Uma primeira etapa da pesquisa visou à consulta ao site dos governos das capitais, a fim de que fossem levantados documentos relacionados a diretrizes e condições para o governo democrático da educação e consentâneos a bases referenciais para medidas e/ou sistema de accountability na educação básica. Para o enfoque do governo democrático da educação básica pública, o período referencial foi a partir dos anos de 1990, haja vista a vigência da atual Constituição Federal, a aprovação das Leis Orgânicas municipais e das leis de institucionalização dos sistemas municipais de ensino. Relativamente às medidas e/ou sistema de accountability, foram considerados documentos datados a partir de 2000.
A segunda etapa da pesquisa serviu ao exame dos documentos coligidos, a fim de, por um lado, possibilitar a sistematização de diretrizes e condições para o governo democrático da educação básica pública no município, tendo por referência a participação e o controle social, e apontar características de mudanças introduzidas em arranjos institucionais formalmente identificados com o governo democrático; e, por outro, identificar características de medidas e/ou sistema de accountability na educação básica. A terceira e última etapa consistiu na análise crítico-compreensiva de aspectos da participação e do controle social, tendo em vista reconfigurações dos arranjos institucionais endereçados ao governo democrático da educação ao longo do período, em suas possíveis relações com a adoção de medidas de accountability identificadas com políticas de regulação por resultados.
Na próxima seção são apresentados os achados, considerando a averiguação de elementos indicativos de tensões sobre o governo democrático da educação, ante a repercussão de medidas de accountability educacional impulsionadas por políticas de regulação por resultados em voga no Brasil. Por fim, na última seção tecemos considerações sobre possíveis efeitos das reconfigurações nos arranjos institucionais destinados ao governo democrático da educação pública, em termos de condições de participação e controle social.
(RE)ARRANJOS INSTITUCIONAIS EM DUAS CAPITAIS BRASILEIRAS: TENSÕES NO GOVERNO DEMOCRÁTICO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA?
Para a averiguação de elementos indicativos de tensões sobre o governo democrático da educação, considerando reconfigurações de arranjos em espaços institucionais de participação e controle social, repercutidas por medidas de accountability impulsionadas pelas políticas de regulação por resultados, foram definidas sete unidades de análise identificadas com o escopo desses dois planos, conforme a Figura 1:
As unidades de análise do plano arranjos institucionais de participação e controle social na perspectiva do governo democrático da educação pública dispõem, portanto, sobre: (1) diretrizes para o governo democrático da educação; (2) espaços e mecanismos de participação e controle social (representados pelo Conselho Municipal de Educação, eleição para diretores de escola, conselho escolar ou equivalente e Fórum Municipal de Educação); e (3) repercussões desses espaços e mecanismos. No primeiro caso, sobressai a consulta à legislação municipal, enquanto nos demais se incluem documentos técnicos, notícias, matérias e outras publicações.
No que concerne ao plano medidas de accountability identificadas com políticas de regulação educacional por resultados, quatro são as unidades de análise: (1) sistema de avaliação externa; (2) medidas de prestação de contas; (3) medidas de responsabilização; e (4) repercussões da existência de medidas de avaliação externa, prestação de contas e responsabilização.
Fortaleza (CE)
Em termos educacionais, dados do censo da Educação Básica de 2020 (BRASIL, 2021) indicam que Fortaleza, com uma população de 2,68 milhões de habitantes (BRASIL, 2020), possui 548,7 mil estudantes matriculados na Educação Básica. Desse universo, 229,6 mil estão na rede municipal, dos quais 52,4 mil na Educação Infantil (42,2% em creche e 57,8% em pré-escola); 166 mil no Ensino Fundamental (53,4% nos anos iniciais e 46,2% nos anos finais); e, aproximadamente, 11,1 mil na Educação de Jovens e Adultos. A rede possui 304 estabelecimentos de ensino, nos quais atuam 9 mil docentes que atendem a 8.822 turmas.
Relativamente aos arranjos institucionais para a participação e controle social na perspectiva do governo democrático da educação pública, a Lei Orgânica estabelece, dentre os princípios que orientam a promoção da educação no município, a “gestão democrática da educação pública” (inciso IX, do art. 270). No rol das garantias a serem asseguradas pelo município, constam do art. 271 da Lei Orgânica:
[...]
XII - seleção pública para direção escolar dentre os profissionais da rede pública de ensino, de nível superior, com experiência mínima de 2 (dois) anos de efetivo exercício no magistério;
a) O controle social da unidade escolar será conduzido pelos Conselhos Escolares, na forma da Lei.
XIII - criação de grupo gestor das escolas públicas municipais, integrando as funções administrativa, financeira, pedagógica e de secretariado, assegurado o critério técnico na seleção desses profissionais;
[...]
XX - Instituição e fortalecimento de mecanismos de participação das comunidades escolares e locais, através de conselhos escolares, grêmios estudantis, dentre outros, assegurada sua plena autonomia e a disponibilidade das instalações escolares para atividades das organizações de pais alunos e trabalhadores; [...] (FORTALEZA, 1990).
O conteúdo dos incisos XII e XIII corresponde à redação dada por emenda à Lei Orgânica (n. 10/2003). No caso da seleção pública para direção escolar, de que trata o inciso XII, a redação anterior estabelecia a “escolha democrática da direção escolar dentre os profissionais do quadro do magistério público municipal, com a exigência de nível superior e qualificação técnica, na forma da lei, assegurada a participação direta de professores, funcionários, alunos e pais de alunos.”
Outros espaços de participação também são apontados na Lei Orgânica, a saber: Conselho Municipal de Educação, devendo ser assegurada, em sua composição, a participação de representantes do Poder Público, trabalhadores da educação, alunos, sindicatos, “Conselhos de Direitos e Tutelares”, famílias e comunidade (art. 273); e Conferência Municipal de Educação, com ampla participação popular, destinada à construção e ao acompanhamento das políticas educacionais (art. 276).
A lei que dispõe sobre o sistema municipal de ensino, outro documento de referência para o apontamento de princípios e diretrizes de gestão democrática do ensino público, centra-se, basicamente, na reorganização do Conselho Municipal de Educação (competências, composição e outros aspectos), restando ausentes os referidos princípios e diretrizes. Temas como “autonomia e gestão democrática das escolas públicas municipais” constituem matéria de competência do próprio conselho (FORTALEZA, 2007b).
Em 2014, com a aprovação da Lei Complementar n. 169, de 12 de setembro, dispondo sobre a gestão democrática e participativa da rede municipal de ensino de Fortaleza, foram estabelecidos os seguintes princípios:
Art. 1º [...]
I - participação da comunidade na definição e na implementação de decisões pedagógicas, administrativas e financeiras, por meio de órgãos colegiados;
II - respeito à pluralidade, à diversidade, ao caráter laico da escola pública e aos direitos humanos em todas as instâncias da Rede Pública Municipal de Ensino de Fortaleza;
III - autonomia das unidades escolares, nos termos da legislação, nos aspectos pedagógicos, administrativos e de gestão financeira;
IV - transparência da gestão da escola pública de Fortaleza, nos aspectos pedagógicos, administrativos e financeiros;
V - garantia de qualidade, traduzida pela busca constante do pleno desenvolvimento da pessoa, do preparo para o exercício da cidadania e da elevação permanente do nível de aprendizagem dos alunos;
VI - democratização das relações pedagógicas e de trabalho e criação de ambiente seguro e propício ao aprendizado e à construção do conhecimento;
VII - valorização do profissional da educação;
VIII - escolha de Diretor Escolar, Vice-Diretor Escolar, Superintendente Escolar, Secretário Escolar e Coordenador Pedagógico através de Seleção Pública, garantida ampla publicidade.
Assim como são apresentados os princípios e diretrizes de gestão democrática do ensino público, em que vemos afirmada a participação e, em alguma medida, o controle social, a legislação local também dispõe sobre mecanismos institucionalizados de participação. O exame da legislação, tendo por referencial o conjunto de mecanismos enfocado no presente estudo, possibilitou que identificássemos os arranjos institucionais e as alterações ocorridas ao longo do tempo. Os dados levantados constam do Quadro 1.
De acordo com os dados, resta evidente que alterações ocorridas no período recaíram sobremaneira no Conselho Municipal de Educação. Ao longo de pouco mais de vinte anos, desde a criação do órgão, ocorreram três grandes modificações, indicadas como reestruturação, reformulação e reestruturação, respectivamente. Conforme apontado, as alterações incidiram na composição, mandato, função, caráter da atuação e atribuições do órgão.
Quanto à composição, parece terem sido empreendidos esforços para atualizar o quadro de representantes em face de diferentes momentos históricos e, provavelmente, da compreensão acerca do papel do Conselho enquanto mecanismo de gestão democrática, de controle social e de normatização. Já em relação aos mandatos, resta menos segura a atribuição dessas mesmas hipóteses, pois as alterações revelam exclusão de dispositivos que, em seguida, foram reintroduzidos. É bem verdade que na última edição das alterações, ocorrida em 2007, parece ter havido uma reformulação mais orgânica, seja em termos de observância ao princípio da gestão democrática, seja de condições para atuação técnico-administrativa do órgão. O art. 3º da Lei n. 9.317, de 14 de dezembro de 2007, sintetiza essa dupla caracterização: “Art. 3º - O Conselho Municipal de Educação de Fortaleza (CME), órgão normativo e representativo, de natureza técnico-pedagógica e de participação social, terá autonomia administrativa, sendo vinculado ao órgão executivo central.”
A ação do Conselho repercute no município, evidenciando a amplitude de sua atuação. Uma notícia publicada em 2020, por exemplo, informa sobre parecer aprovado pelo órgão, dispondo sobre o retorno às aulas de forma escalonada, diante do quadro da pandemia (RODRIGUES, 2020). A publicação traz, também, manifestação de representante do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Ceará (Sindiute), que se mostrou contrário ao parecer, o que sugere ser o Conselho um espaço permeável ao debate sobre questões de interesse coletivo.
Conforme revela a documentação examinada, Fortaleza não realiza eleição direta para diretores das escolas municipais. A via adotada para o provimento ao cargo em comissão é a seleção pública, prevista na Lei Orgânica, da qual podem participar “profissionais da rede pública de ensino, de nível superior, com experiência mínima de 2 (dois) anos de efetivo exercício no magistério.” (FORTALEZA, 1990).
Extensiva aos vice-diretores, a seleção é igualmente tratada na Lei Complementar n. 169/2014, art. 51, que acresce à lista de critérios para concorrer aos cargos: “ter disponibilidade para o cumprimento do regime de quarenta horas semanais” (inciso III); e “ser aprovado em seleção pública que vise assegurar a capacidade técnica desse profissional.” (inciso IV). A primeira seleção ocorreu em 2013, e, para a realização do processo, o município aderiu a um Edital da Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc), que regulamenta a Seleção Pública para Composição de Banco de Gestores Escolares para o Provimento dos Cargos em Comissão de Diretor (FORTALEZA, 2013b).
Os conselhos escolares, criados pela Lei n. 7.990/1996 (FORTALEZA, 1996), possuem natureza consultiva, deliberativa, normativa e avaliativa, acrescida, por meio da Lei Complementar n. 169/20144, da natureza fiscalizadora, mobilizadora e representativa da comunidade. A Lei Complementar estabelece que cada escola possua um conselho, do qual participem representantes dos segmentos que compõem a comunidade.
A menção aos conselhos escolares em diferentes documentos que dispõem sobre a gestão democrática do ensino público corrobora o destaque à presença desse órgão escolar e sua relevância para o processo de democratização da gestão. Uma evidência da dinamicidade do colegiado foi a criação, por meio do Decreto n. 12.302, de 28 de novembro de 2007 (FORTALEZA, 2007), do Fórum Municipal dos Conselhos Escolares de Fortaleza, “entidade de caráter representativo, consultivo e avaliativo [...] com a função de desenvolver ações que mobilizem pais e comunidade a participarem de discussões e experiências que contribuam na elaboração e implantação de políticas públicas de educação.” (art. 1º). Enquanto estratégia, o Fórum constitui espaço de planejamento integrado, diálogo e troca de experiências.
Por fim, sobre o Fórum Municipal de Educação, embora não tenha sido identificado ato legal de constituição desse espaço formal de participação e controle social, informações dão conta de que sua atuação data de 2006 (FORTALEZA, 2008), no contexto do processo de construção do Plano Municipal de Educação, cuja aprovação ocorreu em 2008, por meio da Lei n. 9. 441, de 30 de dezembro. Antes disso, em 2007, ocorreu a I Conferência Municipal de Educação, que foi instituída pela Lei n. 8.242, de 18 de janeiro de 1999, embora sua realização não tenha sido atribuída diretamente ao Fórum. Diferentemente, em 2013, quando da convocação, pelo Prefeito Municipal (FORTALEZA, 2013a), para a realização da III Conferência Municipal de Educação, o ato estabeleceu que a instalação do Fórum ocorreria durante a III Conferência, cuja definição acerca da composição, atribuições e competências coube à Secretaria Municipal da Educação. A instalação do Fórum também foi noticiada (EDUCAÇÃO..., 2013).
A presença de medidas de accountability educacional, consoante políticas de regulação por resultados, constituiu o momento seguinte da pesquisa. A primeira marca verificada foi a adoção de sistemas ou práticas de avaliação externa em larga escala, vigentes em tempo coincidente às reconfigurações em arranjos institucionais endereçados à gestão democrática do ensino público. Os dados possibilitam constatar a presença de dois sistemas na rede municipal de ensino: o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica (Spaece); e o Sistema de Avaliação do Ensino Fundamental (SAEF). Além deles, é claro, figura o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), com a divulgação bienal do IDEB.
O Spaece foi criado em 1992 pela Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc), tendo sido aplicado pela primeira vez em 1994 e institucionalizado oficialmente em 2000 (MAGALHÃES JUNIOR; FARIAS, 2016). O Programa foi desenvolvido em parceria com os municípios do estado e trilhou os caminhos do SAEB. No caso das avaliações dirigidas aos alunos do 2º ano do Ensino Fundamental, em processo de alfabetização, o sistema é denominado Spaece-Alfa. As avaliações são realizadas de forma censitária, abrangendo escolas estaduais e municipais, guiadas por matrizes de referência que se encontram alinhadas às do SAEB. Também são aplicados questionários visando colher dados socioeconômicos, sobre hábitos de estudo dos alunos e perfil e prática dos professores e diretores das escolas.
O SAEF foi implantado em 2010 e compreende um sistema on-line, mediante o qual são inseridos os dados das avaliações diagnósticas. A produção das provas é de responsabilidade do setor de avaliação dos Distritos de Educação, que as distribuiu às escolas nos meses de fevereiro, abril, junho, agosto, setembro, outubro e novembro (LOPES; VIEIRA; RAMOS, 2017). Trata-se de um sistema destinado ao cadastramento de avaliações de alunos, com vistas à obtenção de relatórios de desempenho, seja dos alunos ou das escolas (DANTAS, 2018).
Magalhães Junior e Farias (2016) indicam que a primeira participação de redes municipais no processo de avaliação do Spaece ocorreu em 2000. Todavia, não foram identificados atos legais dispondo sobre a cooperação entre o governo do estado do Ceará e o de Fortaleza, relativamente ao desenvolvimento do Spaece no município. Ainda assim, é evidente a consolidação desse sistema de avaliação na rede municipal, como ocorre em todo o estado do Ceará. Repercussões do sistema e, principalmente, dos resultados advindos dele corroboram essa afirmação.
Uma notícia divulgada em 2014, por exemplo, assinalou que a capital possuía o pior índice em educação do estado. Embora dispondo, principalmente, sobre resultados do Spaece-Alfa de escolas da rede estadual, o desempenho dos estudantes de Fortaleza também foi comentado pelo então prefeito municipal, que reconheceu o problema e destacou que investimentos estavam em curso e que, em breve, os resultados seriam percebidos. Além de equipamentos e capacitação dos professores, o prefeito destacou medidas direcionadas à gestão escolar por merecimento (CAPITAL..., 2014). Em 2017, quando da divulgação de resultados do Spaece 2016, uma matéria publicada no jornal O Povo assinalou:
Mesmo com somente uma instituição entre as 265 escolas públicas do Ceará que alcançaram os melhores resultados de aprendizagem em 2016, gestores da rede municipal comemoram avanço e se mostram otimistas para seguir os ensinamentos de municípios que, no interior, já consagraram boas experiências no programa. (FORTALEZA APARECE..., 2017, n.p.).
No contexto de uma cultura de avaliação externa arraigada no município, a repercussão da divulgação dos resultados obtidos pelos estudantes nas avaliações é extensiva ao IDEB. Notícias recentes, que consideram os resultados do IDEB de 2019, divulgados em 2020, dão mostras do significado desse indicador para a rede municipal de ensino. O Diário do Nordeste, por exemplo, traz matéria que destaca terem sido 93,5% as escolas da rede municipal que bateram suas metas no IDEB e que somente 4,9% ficaram abaixo da nota 5.2, previamente estipulada (IDEB, 2020). Já em outra matéria, o destaque foi de que os resultados representavam um salto de 13 posições em relação ao IDEB de 2015, ressaltando que, de acordo com a Prefeitura Municipal, a jornada de tempo integral e as mudanças na contratação dos diretores das escolas constituem pontos importantes para explicar a evolução no ranking (MAIA, 2020).
A superação das metas da rede municipal, estabelecidas para 2019 e 2021, foi o destaque dado pelo Portal G1 CE, que apontou o 4º melhor desempenho nos anos finais do Ensino Fundamental das escolas, entre as capitais (ESCOLAS, 2020). O resultado do IDEB foi comentado pelo Prefeito Municipal, Roberto Cláudio, que justificou:
Toda essa transformação aconteceu ao longo dos últimos oito anos, graças ao (sic) um grande pacto que foi feito em entender que a educação deva ser a maior prioridade, principalmente em uma cidade desigual. É o banco da escola pública garantindo aula, aprendizagem, alimentação, apoio a essas crianças, que vai fazer com que a nossa cidade mude. (VASCONCELOS, 2020, n.p.).
Além da ampla divulgação dos resultados das avaliações e dos índices correspondentes, ocorrida por meio dos órgãos oficiais e da mídia em geral, resta evidente que práticas congruentes com medidas de responsabilização fazem parte do quadro repercussivo dos sistemas de avaliação externa incidentes na rede. A premiação às escolas que obtêm melhores resultados é a mais expressiva. A esse respeito, merece menção o fato de a mesma lei que dispôs sobre a gestão democrática e participativa da rede municipal de ensino de Fortaleza (Lei Complementar n. 169/2014) também trazer dispositivo que abre caminho para a prática de premiação de escolas que se sobressaem em indicadores educacionais. Trata-se da criação do Programa Escola com Excelência em Desempenho, conforme dispõe o art. 75, que visa
Parágrafo Único - [...] atribuir premiação através de recursos financeiros ou bens móveis, às escolas públicas municipais de Fortaleza que, ao participarem de projetos específicos criados pela Secretaria Municipal da Educação, atinjam metas que deverão ser aferidas através da avaliação de indicadores devidamente especificados no referido projeto, conforme regulamentação própria. (FORTALEZA, 2014).
Dentre os indicadores “devidamente especificados”, figuram, sobremaneira, os relacionados ao Spaece, conforme podemos identificar em portarias da Secretaria Municipal da Educação que regulamentam a atribuição das premiações, ou seja, a definição de valores do repasse do Programa às escolas que atingirem os melhores desempenhos no Spaece e Spaece-Alfa. As premiações consistem no repasse de recursos financeiros, placas de homenagem, certificação a professores e elogios publicados no Diário Oficial (FORTALEZA, 2019, 2020).
Em 2016, uma matéria publicada no Diário do Nordeste noticiou que 146 escolas de Fortaleza estavam sendo reconhecidas pela excelência em desempenho (no Spaece e Space-Alfa) (PEIXOTO, 2016). O mesmo ocorreu em 2019, quando o mesmo veículo divulgou: “Mais de 270 unidades de ensino fundamental receberam premiação [...] No entanto, estudantes reclamam da falta de itens básicos nas instituições.” (ESCOLAS..., 2019). Reclamações como essa, dentre poucas identificadas em notícias que abordam o tema das avaliações externas e das premiações no município, compõem um quadro diminuto de posicionamentos contrários aos objetivos educacionais alimentados pela lógica meritocrática das avaliações. De forma pontual, foi identificada uma crítica tecida pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Ceará (Sindiute), em 2017, quando da defesa por melhores salários, por entender que as premiações são uma enganação e que todos devem dizer não à farsa da meritocracia (SINDIUTE, 2017).
Em suma, considerando-se as alterações incidentes no quadro de arranjos institucionais destinado à realização do governo democrático da educação pública, constatamos não haver elementos que apontem para consequências incidentes nos mecanismos de participação e controle social examinados, em face da adoção, pela capital, de medidas de accountability identificadas com políticas de regulação por resultados. Todavia, resta sugerido que o aparato institucional formalmente endereçado à materialização da gestão democrática, assim como o peso político que ele possui, se encontra conformado no contexto de grande valorização da lógica de resultados, desempenhada pelas políticas públicas locais.
Palmas (TO)
A capital do Tocantins, a mais jovem das capitais brasileiras, tem população estimada em 306,3 mil habitantes (BRASIL, 2020). De acordo com dados do Inep, relativos ao censo educacional de 2020 (BRASIL, 2021), o município possui 75,2 mil estudantes na Educação Básica. Desse contingente, 41,6 mil encontram-se matriculados na rede municipal, dos quais 12 mil na Educação Infantil (41,7% em creche e 58,3% em pré-escola); 28,6 mil no Ensino Fundamental (59,8% nos anos iniciais e 41% nos anos finais); e cerca de mil na Educação de Jovens e Adultos. Ao todo, a rede conta com 75 estabelecimentos de ensino, nos quais atuam 1,8 mil docentes, respondendo pelo atendimento de 1.329 turmas.
No que concerne aos arranjos institucionais para a participação e controle social na perspectiva do governo democrático da educação pública, a pesquisa possibilitou identificar um conjunto de diretrizes para a gestão democrática da educação. Embora tenhamos focalizado a Lei Orgânica Municipal (PALMAS, 1990) e a lei que institui o Sistema Municipal de Ensino (Lei n. 1.350, de 9 de dezembro de 2004), por considerá-las referenciais ao tema, nenhum princípio ou dispositivo versando sobre gestão democrática do ensino público participa do conteúdo da Lei Orgânica. É na Lei n. 1.350/2004 que o tema é tratado, mais precisamente no art. 1º, inciso VIII - “gestão democrática do ensino público na forma da lei”, como finalidade, tendo em vista a educação fundamentada nos princípios de liberdade, solidariedade humana, igualdade e justiça social. Uma última menção direta à gestão democrática pode ser identificada no art. 5º da lei: “As ações da Secretaria Municipal de Educação pautar-se-ão pelos princípios de gestão democrática, produtividade, racionalidade sistêmica e autonomia das unidades de ensino, priorizando a descentralização das decisões pedagógicas, administrativas e financeiras.” (PALMAS, 2004).
De acordo com o conteúdo examinado, a lei mantém aberto o alcance do princípio da gestão democrática do ensino público, uma vez que não avança em especificações que confiram forma e maior precisão da matéria. Algo diferente, embora pontual, incide no campo das ações do órgão executivo do sistema de ensino, em conformidade com o art. 5º da Lei n. 1.350/2004, razão pela qual concluímos que possibilidades de participar e exercer controle social em matéria educacional restem dependentes de outros atos legais e, principalmente, da configuração de espaços e mecanismos institucionais de participação.
Acerca desses espaços e mecanismos, o exame da legislação educacional vigente oportunizou que identificássemos um conjunto deles, com base na delimitação definida neste estudo. Possibilitou-nos, ainda, apontar as alterações ocorridas ao longo do tempo. Os dados e as informações constam do Quadro 2.
Acerca dos mecanismos identificados no Quadro 2 e, especialmente, do conteúdo das alterações processadas ao longo do tempo, é possível destacar duas características gerais do conjunto. A primeira é que os mecanismos enfocados na pesquisa e que compõem os arranjos institucionais municipais visando à participação e ao controle social foram preservados ao longo do tempo. Do quadro representativo de quatro mecanismos, Palmas oficializou três deles (não foram criados os conselhos escolares), cujas criações estão datadas de 1990, 2006 e 2012, embora restem pendências em relação a um deles - eleição para diretores de escola -, conforme trataremos adiante.
A segunda característica é identificadora de que as alterações ocorridas ao longo do tempo, processadas unicamente sobre o Conselho Municipal de Educação, focalizaram a composição do órgão em um movimento de enxugamento seguido de outro orientado para ampliação, neste último, com evidente alargamento do quadro de atribuições. As alterações em questão ocorreram entre os anos de 2001 e 2007, com maior expressividade neste último.
Recorrendo aos detalhes dessas alterações, conforme consta do Quadro 2, uma primeira evidência, relativamente à composição do Conselho Municipal de Educação, diz respeito a uma sensível diminuição do quadro de representantes de segmentos da comunidade escolar: em 2001, excluíram-se os representantes de pais de alunos e diminuiu-se o número de representantes do sindicato dos professores. Além disso, dentre outras alterações, excluíram-se representantes de entidades representativas da comunidade, porém abrindo vaga para representante dos diretores escolares. Em 2007, ocorreu o aumento significativo do número de membros (de nove para 19), em virtude da criação de uma câmara específica que passou a substituir o Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb. Tal medida implicou o retorno de representantes de pais de alunos (duas vagas), assim como dos próprios estudantes (duas vagas). De acordo com a legislação federal vigente à época5, do mínimo de oito vagas para a nova Câmara, o município optou por compô-la com dez, tendo sido acrescida uma para a Secretaria Municipal de Educação e Cultura (que passou a ter duas vagas) e uma para o Conselho Tutelar.
Foi, também, em 2007 que ocorreram alterações expressivas em relação às atribuições do Conselho, ao qual também foi conferido caráter deliberativo, mobilizador, propositivo, de controle social (devido, especialmente, à função que o órgão passou a exercer em relação ao Fundeb) e assessoramento. No caso específico das atribuições, de um conjunto de três a quatro vigentes até 2007 (de dimensão notadamente técnica), elas passaram para mais de 20 com as alterações introduzidas pela Lei n. 1.461/2007. Essa nova versão extrapolou a especificidade do acompanhamento e controle social do Fundeb, então incorporados ao Conselho, assim como o perfil de atribuições inerentes ao papel de órgão normativo do sistema de ensino (PALMAS, 2007). Referimo-nos, mais precisamente, ao caráter político de determinadas atribuições, dentre as quais se destacam: promoção da participação da sociedade civil no planejamento, acompanhamento e na avaliação da educação municipal; zelo pela qualidade pedagógica e social da educação; acompanhamento da execução e avaliação do plano municipal de educação; discussões de temas relevantes da educação; elaboração e acompanhamento da execução da política educacional do município; e acompanhamento da execução administrativo-financeira da educação municipal.
No que diz respeito à eleição para diretor de escola, o instrumento legal que dispõe sobre o tema - Decreto n. 249, de 31 de outubro de 2006 - não sofreu alterações desde sua publicação. Cabe destacar que a via eleitoral, de que trata o instrumento legal, constitui parte de um processo misto de escolha dos diretores da rede municipal de ensino, composto de quatro etapas: avaliação da experiência profissional, com base no currículo do candidato e na avaliação do plano de gestão (etapa eliminatória); prova escrita (eliminatória); prova oral (eliminatória e classificatória); eleição (eliminatória e classificatória), sendo previsto aos eleitos o mandato de dois anos, permitida uma única recondução. Trata-se, segundo o art. 2º do Decreto, de “instrumento democrático que valoriza a participação da comunidade escolar nos processos decisórios, dentro do princípio da gestão democrática da escola pública.” (PALMAS, 2006).
A lei que instituiu o Fórum Municipal de Educação, identificado como Fórum Permanente de Educação, datada de 2012, também não sofreu alterações até 2020. A finalidade do Fórum é “Art. 1º [...] participar da elaboração do Plano Municipal da Educação - PME e realizar o acompanhamento e avaliação de sua implementação” (PALMAS, 2012b), cuja representação envolve um conjunto amplo de órgãos e instituições e de organizações da sociedade.
Matérias publicadas no período, por órgão público, imprensa ou organizações da sociedade civil, confirmaram a materialização dos mencionados mecanismos de participação, assim como apontaram repercussões quanto ao papel que desempenham. Publicada no site da Prefeitura Municipal, uma matéria datada de 2010, por exemplo, divulgou a realização de encontro dos conselheiros municipais de educação e outros profissionais da área, a fim de discutir a aplicação e o controle social dos recursos educacionais, notadamente os vinculados ao Fundeb (PALMAS, 2010a). Em 2019, uma notícia divulgou a realização de assembleia para escolha de representantes dos segmentos de pais, alunos, conselheiros escolares e diretores para assumirem a função de conselheiros para o biênio 2019/2021 (SEMED..., 2019). Na sequência, em 10 de junho do mesmo ano, matérias publicadas em diferentes veículos de comunicação noticiaram a posse de novos conselheiros (COSTA, 2019; PALMAS, 2019).
A respeito do processo de escolha de diretores escolares, uma notícia veiculada pela Secretaria Municipal da Educação, em janeiro de 2012, divulgou a posse de novos diretores das unidades educacionais da capital. Destacou, também, que se tratava de “Processo Misto de Escolha de Diretores, realizado pela Secretaria Municipal da Educação (Semed), [que] contou com avaliações de qualificação técnica, conhecimentos e eleição [em 4 de dezembro de 2011], da qual participaram todos os integrantes das comunidades escolares afins.” (PALMAS, 2012a, n.p.).
Em 2015, sob nova administração municipal, uma notícia assinada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado do Tocantins (Sintet), sobre greve deflagrada pela categoria em 30 de setembro do mesmo ano, referiu que um dos itens de pauta do movimento grevista recaía sobre o tema da eleição de diretores, constando tratar-se de proposta não atendida pelo executivo municipal. Segundo constava da matéria,
o encaminhamento do processo que versa sobre a eleição de diretores/as elaborado em 2013, que só semana passada voltou a ser debatido pela comissão do PCCR [Comissão Permanente de Gestão do Plano de Cargos, Carreira e Remuneração], mostra que o tema eleição de diretores e diretoras estava em alguma gaveta da SEMED, o que prova que a culpa da não realização do edital não é da comissão do PCCR, nem do CME [Conselho Municipal de Educação], muito menos do SINTET. O único impedimento para não realização do processo é a vontade da SEMED. (SINTET, 2015, n.p.).
O tema da eleição foi novamente apontado em matéria publicada pelo Sintet em 2021, em que se divulgou uma reunião com a Secretária de Educação de Palmas para discutir demandas da educação municipal (SINTET, 2021). Nesse caso, a eleição foi situada no patamar das mencionadas demandas.
As evidências da concretização do Fórum Permanente da Educação de Palmas, criado em 2012, são inúmeras. Nesse mesmo ano, o lançamento do Fórum foi divulgado, com destaque aos desafios desse espaço de participação no contexto do planejamento e da gestão da política educacional (PALMAS, 2012b). Esse foi o tema de palestra proferida e que, igualmente, guiou a manifestação das autoridades. Outras matérias publicadas entre 2012 e 2018 divulgaram a realização das conferências municipais de educação, cujos trabalhos foram coordenados pelo Fórum (UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS, 2012; ETAPA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2018).
Um balanço das informações sobre arranjos institucionais para a participação e controle social na perspectiva do governo democrático da educação pública possibilita-nos, em linhas gerais, apontar que a repercussão da concretização de parte deles ocorre sob o discurso da gestão local, porque majoritariamente veiculado pelo órgão municipal de comunicação ou reproduzido, nesse mesmo formato, por outros canais de imprensa. Diferentemente, o mecanismo de eleição de diretores deixou de ser referido pela gestão municipal a partir de 2013, o que ocorreu também em relação a outros canais, ficando restrito a manifestações de segmentos organizados da sociedade civil, mais especificamente o Sintrat, que seguiu reivindicando a implantação do mecanismo.
Assim posto, quanto a essas questões estarem implicadas com medidas de accountability educacional na gestão da educação de Palmas, nossa leitura acerca de políticas convergentes à regulação por resultados possibilitou constatar que o município implantou, em 2012, o Sistema de Avaliação Educacional de Palmas (SAEP), caracterizado pela Secretaria Municipal de Educação como “uma avaliação externa que visa fornecer indicadores consistentes, periódicos e comparáveis da Rede Municipal de Ensino de Palmas, que possam orientar os agentes envolvidos no sistema educacional na busca da melhoria da qualidade do ensino.” (PALMAS, [2012], n.p.). Em termos institucionais, não foram identificados documentos que tratem da criação do SAEP, embora o Sistema seja frequentemente mencionado em documentos relacionados ao orçamento público6 e pela mídia local.
Em notícia publicada em abril de 2013, por exemplo, foi destacada a divulgação dos resultados da segunda etapa da avaliação, apontando as médias obtidas pelos alunos do 5º e do 9º ano, em Língua Portuguesa e Matemática, comemoradas pela Secretaria de Educação sob a justificativa de que se tratava de um trabalho articulado entre escola, profissionais e secretaria, havendo indicativos de que o processo avaliativo era realizado em etapas anuais. De acordo com a matéria publicada, em depoimento da então diretora de avaliação e estatística da Semed, Marta Pacheco, “a primeira avaliação serviu para diagnosticar o nível de proficiência dos alunos [...] e a partir daí fazer interferências pedagógicas necessárias ao desenvolvimento escolar [...] [A] segunda serviu para verificar as habilidades e competências adquiridas pelo aluno no primeiro bimestre [...]” (VITRINE, 2013, n.p.). A elaboração dos itens de avaliação caberia a uma equipe de professores, por área do conhecimento. À equipe também caberia realizar a correção e apresentar os resultados, por meio de relatórios pedagógicos direcionados às escolas (PALMAS, 2020).
Conforme consta de matéria publicada em 2014, o Sistema assumiu caráter diagnóstico, formativo e, também, de rendimento (CONEXÃO TOCANTINS, 2014). A perspectiva diagnóstica do SAEP encontra-se igualmente apontada em notícia veiculada em 2012, primeiro ano da aplicação dos exames. Ao mencionar a previsão de data para divulgação dos resultados da primeira aplicação (nível de proficiência dos alunos), a notícia complementou que “Será elaborado um relatório técnico pedagógico com os resultados do Saep, que será encaminhado a todas as escolas, o que permitirá a elas um diagnóstico de suas realidades, facilitando a fundamentação do trabalho [...]” (SISTEMA DE AVALIAÇÃO, 2012, n.p.). Todavia, uma perspectiva de prestação de contas enlaçada a resultados do sistema de avaliação externa, relativamente aos índices calculados como indicadores de qualidade, também ficou evidente em algumas manifestações do governo municipal. Como exemplo, consta a manifestação do diretor de Avaliação, Estatística e Formação da Semed, apresentada em fevereiro de 2020:
As avaliações do Saep são fundamentais para avaliar o sistema escolar e apresentar resultados à comunidade. Elas permitem compreender os avanços e dificuldades dos alunos, e estes parâmetros servirão para embasar um redirecionamento de ações para a melhoria dos índices de aprendizagem de forma significativa. (PALMAS, 2020, n.p.).
Em geral, as notícias relacionadas ao SAEP assumiram um tom predominantemente positivo, havendo realce frequente ao apoio que prestavam ao acompanhamento do desempenho dos alunos e como via para subsidiar a definição de práticas educativas e de políticas para o setor. Além da quase ausência de circulação de posicionamentos dissonantes em relação ao papel do SAEP, é possível identificar alguns elementos que conectam o sistema com os objetivos do modelo de avaliação externa praticado em nível nacional. A afirmação de que os resultados do SAEP são estratégicos para os professores das turmas a serem submetidas à Prova Brasil (CONEXÃO TOCANTINS, 2013) constitui mostra da mencionada conexão.
É com base nessa linha que interpretamos uma série de manifestações do poder público, ainda que não exclusivamente, acerca do alcance antecipado de metas do IDEB, da qualidade educacional que representa e da posição do município em relação a outras capitais - também, a respeito de premiações conferidas pelo governo municipal em virtude dos avanços de escolas no índice.
Sobre o alcance antecipado de metas, no ano de 2010, quando divulgados os resultados da Prova Brasil de 2009, de acordo com os quais a capital superou a meta prevista para 2021, o então prefeito comentou sobre promessa feita a professores, em 2005, de que “Palmas exportaria tecnologia em educação, o que já está sendo alcançado, ao informar que o MEC costuma indicar a Capital como referência em práticas inovadoras na educação.” (PALMAS, 2010b, n.p.). A respeito da edição de 2015, uma matéria publicada em 2016 estampou a leitura da prefeitura sobre o sucesso de algumas escolas municipais que foram destaque no ranking do IDEB, interpretando-o como resultado de educadores motivados e de pais envolvidos com a vida escolar dos filhos (PREFEITURA DE PALMAS FALA..., 2016).
A atribuição de premiações, uma das marcas mais emblemáticas da relação entre o modelo hegemônico de accountability e as políticas de regulação por resultados, é tema que circula no meio educacional da rede municipal. Alguns exemplos: em 2010, no contexto da divulgação dos resultados do IDEB de 2009, o prefeito anunciou o pagamento do 14º salário aos profissionais das escolas que haviam alcançado a meta de 6.0 (PALMAS, 2010b); e em 2015, para celebrar os “resultados de excelência” alcançados pela rede municipal no IDEB de 2015, foram premiados educadores, educandos e escolas que obtiveram destaque no IDEB 2015 (PALMAS, 2016).
Por fim, importa destacar que o foco nos resultados constitui política municipal desde 2015, quando foram formalizados, por meio da Lei Complementar n. 315, de 25 de março de 2015, o acordo de resultados e o prêmio por produtividade no âmbito do poder executivo municipal. Conforme dispõe o art. 1º, inciso I, o acordo de resultados é “o instrumento de contratualização de resultados, celebrado entre dirigentes de órgãos e entidades do Poder Executivo e as autoridades que sobre eles tenham poder hierárquico ou de supervisão, bem como a avaliação de desempenho de cada servidor integrante do órgão acordado.” O prêmio corresponde a uma bonificação, em caráter indenizatório, dirigido aos servidores em efetivo exercício no órgão ou entidade signatária do acordo de resultados, que são submetidos à avaliação de produtividade dos indicadores globais da secretaria e dos indicadores individuais sob sua responsabilidade, bem como da avaliação do desempenho individual (PALMAS, 2015). A prática da bonificação não obtém aprovação do Sintet, por este entender que, como programa de meritocracia, “coloca trabalhador/a contra trabalhador/a e cria supostos ‘centros de excelência’ em algumas regiões da cidade e precariza várias outras.” (SINTET, 2015).
Em síntese, considerando as alterações praticadas no quadro de arranjos institucionais endereçado à realização do governo democrático da educação pública, também neste caso constatamos não haver medidas específicas que tenham incidido nos mecanismos de participação e controle social examinados, em virtude da circulação das medidas de accountability identificadas com a regulação por resultados. Porém, fica mais evidente que essas medidas, com forte inclinação para o avanço na prática de premiações/bonificações referenciados em resultados, vêm tomando a dianteira do processo de gestão da rede municipal da capital, cabendo considerar, nesse contexto, a presença dos mecanismos de participação e controle social, tendo em conta as prioridades da ordem política vigente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O exame do material empírico relativo ao plano dos arranjos institucionais para a participação e controle social na perspectiva do governo democrático da educação pública, considerando-se quatro mecanismos institucionais examinados, possibilitou-nos verificar um conjunto de alterações processadas ao longo do tempo em cada capital, cuja maior parte possibilita reunir indícios de algum favorecimento das condições institucionais de participação e controle social. Todavia, quando situadas em um quadro político-institucional que sobreleva medidas identificadas com políticas de regulação por resultados, o sugerido potencial das alterações parece perder expressividade, haja vista sua diluição em modelos de gestão congruentes com a lógica da produção de resultados. À medida que esses modelos tendem a se servir da centralização do poder, é provável sua colisão com a participação social, entendida como dinâmica influente no desenho, na execução e na avaliação de políticas públicas (STOTZ, 2008).
Do plano das medidas de accountability identificadas com políticas de regulação educacional por resultados, os achados indicam expressivas convergências, especialmente em nível de avaliação e prestação de contas, estas que, sabidamente, também pavimentam caminho para medidas de responsabilização, especialmente por meio do expediente das premiações. Postos em marcha os sistemas próprios de avaliação externa, cuja lógica organizativa ressoa sobre aspectos administrativos, políticos e pedagógicos das escolas, tudo indica que a resultante seja o robustecimento do controle educacional exercido via sistema nacional de avaliação, sistema esse notadamente afirmado pelos governos locais, a despeito das reservas formuladas por alguns segmentos da sociedade. Embora distintos, são ângulos de visão que realçam a centralidade da avaliação externa na política educacional das capitais pesquisadas, configurando-se em mecanismo de regulação e controle que tem nos resultados um fim em si mesmos.
Por fim, a considerarmos que o fluxo de mudanças relacionadas ao primeiro plano ocorreu em período relativamente coincidente com a emergência da avaliação externa, inclusive mediante sistemas próprios, resta possível hipotetizar que a movimentação de diretrizes e condições institucionais de participação e controle social não tem sido óbice à intensificação instrumental característica do modelo corrente de avaliação externa, sabidamente sobrepujantes no quadro das atuais políticas educacionais.