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Educação em Revista

Print version ISSN 0102-4698On-line version ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub Apr 05, 2023

https://doi.org/10.1590/0102-469836869 

Artigos

PLANEJAMENTO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INTEGRADORAS PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

PLANIFICACIÓN DE PRÁCTICAS PEDAGÓGICAS INTEGRADORAS PARA LA EDUCACIÓN PROFESIONAL Y TECNOLÓGICA

JAILTON RODRIGUES DE SOUSA1  , Orientando e responsável pela coleta dos dados, análise dos dados e escrita do texto
http://orcid.org/0000-0001-6313-7141

EMANOELA MOREIRA MACIEL1  , Orientadora da pesquisa, com participação ativa na análise dos dados e revisão da escrita final
http://orcid.org/0000-0003-2605-8027

1 Instituto Federal do Piauí (IFPI). Parnaíba, Piauí (PI), Brasil.


RESUMO:

Pensar a educação e seus processos não é tarefa simples, frente à grande quantidade de recursos envolvidos e, sobretudo, à complexidade do ser humano. Do universo de variáveis que compõem o processo educativo, o presente texto tem como objetivo discutir aspectos pertinentes ao planejamento e à organização das práticas pedagógicas na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), tomando como referência a perspectiva integradora e a formação omnilateral dos sujeitos. O percurso metodológico foi composto de um levantamento bibliográfico sobre o tema, uma pesquisa de campo, com docentes que atuam na EPT, e pela análise e discussão dos dados coletados, à luz da teoria previamente levantada, seguindo a técnica de análise de conteúdo de Bardin (1977). Em tese, no planejamento de práticas pedagógicas integradoras, é essencial que sejam contemplados os seguintes elementos: atuação docente de forma colaborativa e participativa, envolvendo os demais atores do processo educativo; vinculação das práticas pedagógicas, preferencialmente de modo contextualizado, à realidade de vida dos sujeitos aprendentes; superação da disciplinaridade; consideração dos aspectos conjunturais e materiais da escola e dos estudantes. Os resultados da análise dos dados indicam que as práticas pedagógicas planejadas pelos docentes entrevistados contemplam a contextualização e a conjuntura de onde são executadas, os recursos didáticos necessários, a relação entre a disciplina e a proposta formativa do curso. Porém, constatou-se que é preciso ampliar a percepção docente sobre o processo formativo, descentralizar o planejamento das práticas pedagógicas, avançar na superação da disciplinaridade e ampliar a finalidade da formação dos sujeitos para além da preparação profissional.

Palavras-chave: formação integral; planejamento; práticas pedagógicas integradoras; educação profissional e tecnológica

RESUMEN:

Pensar la educación y sus procesos no es tarea sencilla, dada la gran cantidad de recursos involucrados y la complejidad del ser humano. A partir del universo de variables que componen el proceso educativo, este texto objetiva discutir aspectos para la planificación y organización de las prácticas pedagógicas en la Educación Profesional y Tecnológica (EPT), tomando como referencia la perspectiva integradora y la formación omnilateral de los sujetos. La metodología consistió en levantamiento bibliográfico sobre el tema, investigación de campo, con docentes que trabajan en la EPT, y análisis y discusión de los datos, bajo la teoría planteada, siguiendo la técnica de análisis de contenido de Bardin (1977). Técnicamente, en la planificación de prácticas pedagógicas integradoras, es fundamental que se considere: trabajo docente de manera colaborativa y participativa, involucrando a los demás actores del proceso educativo; vinculación de las prácticas pedagógicas, preferiblemente contextualizada, a la realidad de los sujetos aprendices; superación de la disciplinariedad; consideración de los aspectos coyunturales y materiales de la escuela y los estudiantes. Los resultados del análisis de datos indican que las prácticas pedagógicas planificadas por los docentes entrevistados contemplan la contextualización y la conyuntura local, los recursos didácticos necesarios, la relación disciplina y propuesta formativa del curso. Pero, se encontró que es necesario ampliar la percepción docente sobre el proceso de formación, descentralizar la planificación de las prácticas pedagógicas, avanzar en la superación de la disciplinariedad y ampliar la finalidad de la formación de los sujetos para más allá de la preparación profesional.

Palabras clave: formación integral; planificación; prácticas pedagógicas integradoras; educación profesional y tecnológica

ABSTRACT:

Thinking about education and its processes is not a simple task, given the large number of resources involved and the complexity of the human being. From the universe of variables that produce the educational process, this text aims to discuss relevant aspects of the planning and organization of educational practices in Professional and Technological Education (EPT), having the integrative perspective and the omnilateral formation of the subjects as references. The methodological route was composed of bibliographical research on the theme, field research with teachers who work in EPT, and analysis and discussion of collected data, according to Bardin's content analysis technique (1977). In theory, during the planning of integrative teaching practices, it is necessary to consider the following elements: collaborative and participatory teaching, involving the other agents of the educational process; linking educational practices, preferably in a contextualized manner, to the reality of the life of the learning subjects; overcoming disciplinarity; taking into account the cyclical and material aspects of the school and students. The data analysis results suggest that the educational practices planned by the interviewed teachers encompass the contextualization and the scenario in which they are executed, the required educational resources, and the relationship between the subject and the course's educational proposal. However, it was found that it is necessary to expand the teachers' perception of the formation process, decentralize the planning of educational practices, advance in overcoming disciplinarity, and also to expand the purpose of the subjects' education beyond professional preparation.

Keywords: integral formation; planning; integrative educational practices; professional and technological education

INTRODUÇÃO

Compreender a educação escolar brasileira atual, bem como projetar novos rumos para ela, são atividades que exigem, em primeiro plano, a consciência de sua origem dual. Ramos (2014) e Moura (2007) destacam que o sistema educacional brasileiro, ainda no século XIX, oferecia formações diferenciadas, considerando a classe social da qual o sujeito fazia parte. Nesse contexto, a classe menos favorecida recebia uma educação de caráter assistencialista, enquanto a classe mais abastada tinha acesso a uma formação mais integral, ampla.

Além dessa origem dual, a complexidade do espaço escolar é outro fator relevante quando se fala de formação das pessoas. As escolas, enquanto lugares voltados para a apropriação e produção de conhecimento, possuem uma complexidade ímpar, pois envolvem uma enorme quantidade de recursos necessários para a efetivação do seu papel, tais como: infraestrutura física, recursos tecnológicos, organização curricular, recursos humanos, materiais, práticas didático-pedagógicas etc.

Nesse cenário, o tipo de formação das pessoas, efetivada nas escolas, depende diretamente da maneira como esses elementos são percebidos e gerenciados. Do conjunto de elementos supracitados, este artigo teve como objeto de estudo as práticas didático-pedagógicas, especificamente as etapas do planejamento e da organização, que dizem respeito ao fazer dos docentes no processo de ensino aprendizagem, a partir de suas percepções da realidade. Tais práticas são bastante diversificadas e variam de acordo com a finalidade do processo formativo.

Neste estudo, as práticas pedagógicas são tomadas na perspectiva integradora, ou seja, que visam a formação omnilateral dos educandos, por meio da qual eles possam desenvolver suas dimensões constitutivas relacionadas à vida em sociedade, à cultura, à cognição e à afetividade, em articulação com a preparação para a execução de uma determinada atividade produtiva.

Considerando que uma determinada prática pedagógica não é integradora ou fragmentadora em si mesma, mas que depende de aspectos estruturais e conjunturais, este estudo tem como questão norteadora: quais elementos devem ser considerados no planejamento de uma prática pedagógica que visa a formação integral? Assim, o presente texto tem como objetivo discutir aspectos pertinentes ao planejamento e à organização das práticas pedagógicas na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), tomando como referência a perspectiva integradora e a formação omnilateral dos sujeitos.

O caminho percorrido para a resposta do questionamento acima constituiu-se de um levantamento bibliográfico em escritos de Ramos (2010), Moura (2013), Ciavatta (2005), Araújo e Frigotto (2015), entre outros, bem como numa pesquisa de campo realizada com docentes que atuam na EPT de uma instituição federal de ensino, localizada na cidade de Teresina (PI). Os dados coletados foram analisados à luz da teoria, utilizado a técnica de análise de conteúdo de Bardin (1977).

O texto está organizado da seguinte forma: na primeira seção, apresenta-se a EPT como uma possibilidade de formação integral dos sujeitos, e não apenas uma preparação para o mercado produtivo; na segunda, evidenciam-se as práticas pedagógicas na perspectiva integradora; em seguida, constam a metodologia e os resultados e discussões dos dados analisados; por fim, são apresentadas as considerações finais.

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA COMO POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO OMNILATERAL

Diante dos variados e complexos obstáculos para se efetivar a formação omnilateral no contexto brasileiro, na sociedade atual, entende-se que a superação dessa conjuntura deve se constituir num processo, formado por etapas bem definidas e executáveis, que guardem coerência com as condições de implementação e efetividade. Seguindo esta perspectiva, entende-se que a EPT possui características que a qualificam para servir de base na construção de um projeto contra-hegemônico.

Relativo ao arcabouço legal e normativo da educação brasileira, as formações básica e profissional sempre estiveram previstas, mas quase sempre de modo desarticulado, como é possível constatar ao se analisarem as leis e normas educacionais brasileiras, que antecederam o Decreto 5.154/2004. Foi esse decreto que permitiu a articulação entre formação propedêutica e formação técnica profissional, alinhando-se com o Art. 2º da Lei 9.394/1996, o qual declara que a educação nacional “[...] tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando [...]” e com o Art. 205 da Constituição Federal de 1988, pelo qual a educação visa “[...] seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Na mesma direção, a Lei 11.741/2008alterou os textos dos artigos 37, 39, 41 e 42 da Lei 9.394/96. Dentre as alterações, destaca-se a substituição da expressão “Educação Profissional” por “Educação Profissional e Tecnológica”. Essa modificação não é meramente formal ou de nomenclatura. Sobre isto, Guimarães (2016, p. 210) destaca que, na expressão Educação Profissional e Tecnológica, “educação profissional” se refere à formação técnica profissionalizante, voltada para atender as demandas do mercado produtivo, enquanto “educação tecnológica” se refere a uma formação ampliada, voltada para a formação e o desenvolvimento de um sujeito reflexivo, consciente e crítico.

Moura (2013) e Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) apresentam, com bastante ênfase, a Educação Profissional Técnica Integrada ao Ensino Médio (EPTNM), mais conhecida como Ensino Médio Integrado (EMI), como uma possibilidade de formação integral. No mesmo sentido, este estudo propõe que essa perspectiva de formação integral esteja presente em toda a EPT e não apenas no EMI, mas deve ser desenvolvida desde a formação inicial até a superior (CIAVATTA, 2005; ARAÚJO; FRIGOTTO, 2015).

Ainda sobre a Lei 11.741/2008, destaca-se o Art. 39, cujo texto declara que “[...] a educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia” (grifo nosso). Para além dessas garantias formais ou legais de integração, Ramos (2010) destaca que a formação integral deve ir muito além da sobreposição de currículos e cargas horárias, de modo a proporcionar uma formação que desenvolva as múltiplas dimensões dos sujeitos aprendentes.

No mesmo sentido, relativo à educação em espaços formais, Ramos (2010, p. 44) defende uma educação que seja capaz de integrar “[...] ciência e cultura, humanismo e tecnologia, visando ao desenvolvimento de todas as potencialidades humanas”. De modo complementar, Frigotto (2001) defende a integração entre a formação geral, que permita ao sujeito o aprendizado das bases científicas necessárias para a compreensão da realidade e suas dinâmicas, e formação profissional, voltada para a atuação produtiva consciente e responsável.

Frente ao exposto, nota-se que a proposta da EPT, de integrar educação, trabalho, ciência e tecnologia, se aproxima da proposta de formação omnilateral, “[...] cuja gênese está na obra de Marx e Engels, como na escola unitária, de Gramsci” (MOURA, 2013, p. 707). No mesmo sentido, Nosella (2007) afirma que a proposta formativa marxiana vislumbra os sujeitos como um todo, de modo que a expressão “omnilateral” conota o conjunto de elementos que constituem o ser humano. Nesse contexto, esta pesquisa compreende que a EPT possui sólidos elementos sobre os quais é possível desenvolver uma formação ampla e integral dos estudantes.

De modo complementar, Moura, Lima Filho e Silva (2015, p. 1060) declaram que, “Ao tratar de educação intelectual, física e tecnológica, Marx está claramente sinalizando para a formação integral do ser humano, ou seja, uma formação onilateral” (grifo nosso), pela qual o sujeito deve se desenvolver integralmente, tanto para a produção material quanto para as dimensões social, cultural, afetiva e cognitiva, que também constituem os sujeitos. Ou seja, não se trata de substituir uma formação voltada para a produção material por uma formação contemplativa, mas de oportunizar o desenvolvimento dos sujeitos em sua totalidade.

Contudo, a efetivação da EPT, na perspectiva de formação omnilateral, enfrenta uma série de obstáculos de cunho material, estrutural, normativo, político, didático-pedagógico etc. Sobre as práticas didático-pedagógicas, objeto de discussão deste estudo, destaca-se a lógica linear e fragmentada da disciplinaridade como um grande desafio a ser vencido. Isto porque, se a dinâmica do processo formativo segue a disciplinaridade e a fragmentação, como formará sujeitos integrais ou omnilaterais? Assim, a superação da lógica disciplinar consiste em uma etapa indispensável rumo à efetivação da EPT.

Entretanto, a disciplinaridade didático-pedagógica, que descontextualiza e desconecta os conhecimentos da realidade dos sujeitos aprendentes, fomenta neles a busca por uma formação mais específica, cujos resultados sejam mais palpáveis e rápidos, sobretudo para aqueles que se encontram em situação de insegurança material (MOURA, 2013). Somados, ainda, ao individualismo e à competitividade exacerbados, típicos da ideologia capitalista, esses aspectos figuram como grandes desafios para a efetivação de uma educação omnilateral no contexto brasileiro.

Outro motivo para a superação da disciplinaridade é que ela favorece a formação unilateral. Sobre isto, Araújo e Rodrigues (2010, p. 55) afirmam que as didáticas que formam de modo unilateral se baseiam “[...] na decomposição dos processos de aprendizagem em micro procedimentos intermediários cuja soma se supõe contribuir para o todo”. Esta forma de sistematização dos conhecimentos em áreas e subáreas, também conhecidas como disciplinas, conduzindo cada vez mais à especialização, ampliou-se fortemente com a lógica clássica de fazer ciência (BICALHO; OLIVEIRA, 2011). Logo, para que ocorra a superação da disciplinaridade, devem ser desenvolvidas práticas pedagógicas que promovam a integração entre os saberes, os sujeitos e o meio, em todos os seus aspectos.

Nesta conjuntura, é necessário destacar que as disciplinas não são o problema em si, mas a disciplinaridade didático-pedagógica, ou seja, a limitação ao contexto disciplinar, que impede os saberes e métodos das disciplinas de interagirem e se integrarem. Ciavatta (2005, p. 9) destaca que “[...] a aprendizagem significativa e a construção de novos conhecimentos exigem que os conceitos científicos sejam apreendidos nas suas raízes epistemológicas”. Ora, este aprendizado ocorre no seio das disciplinas, fazendo delas elementos essenciais para o avanço da ciência e da sociedade como um todo. Logo, a superação da disciplinaridade, rumo à integração, não significa extinguir as disciplinas, mas desenvolver práticas que possibilitem a interação dos saberes disciplinares para a produção de saberes ‘supradisciplinares’.

Neste sentido, as práticas pedagógicas integradoras são necessárias para a retomada da perspectiva de totalidade ou complexidade, que contemple os saberes especializados e as relações destes com o todo, possibilitando, assim, a superação da disciplinaridade. No mesmo sentido, Bicalho e Oliveira (2011) expressam que a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade buscam disponibilizar outras opções ao pensamento analítico-reducionista, peculiar ao modo disciplinar e clássico de fazer ciência, fomentando outras formas de investigação científica, capazes de atender os fatos e fenômenos em toda a sua complexidade.

Nicolescu (2000, p. 13) afirma ainda que “[...] a disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são as quatro flechas de um único e mesmo arco: o do conhecimento”, de modo que não são antagônicas, mas complementares entre si. Na mesma direção, Bicalho e Oliveira (2011) destacam uma espécie de escala na produção do conhecimento, cuja sequência de complexidade partiria da disciplinaridade, seguida da multi ou pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

Pelo exposto, compreende-se que a superação da disciplinaridade, em qualquer um dos níveis apresentados, é essencial para concretizar a EPT, no sentido de formação integral dos sujeitos, e deve guiar todas as etapas do processo. Entretanto, considerando toda a complexidade envolvida, sobretudo no contexto brasileiro atual, reitera-se que a efetivação dessa proposta só pode ocorrer de forma gradativa, através da compreensão e do compromisso dos sujeitos do processo em todos os níveis, rumo à consolidação de condições conjunturais futuras, que permitam que a EPT efetive a formação integral dos sujeitos, como argumentado ao longo desta seção.

Frente ao exposto, para que as práticas didático-pedagógicas possam contribuir com a proposta da EPT supracitada, este estudo defende que elas também sejam desenvolvidas e executadas na perspectiva integradora, ou seja, que oportunizem aos sujeitos o desenvolvimento de suas múltiplas dimensões, conforme está apresentado na seção seguinte.

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INTEGRADORAS

O processo formativo de um sujeito é complexo, visto que envolve uma grande quantidade de fatores objetivos, como as condições materiais e normativas da escola, e subjetivos, como a percepção e o envolvimento dos educadores, bem como a própria vontade ou desejo do sujeito aprendente. Neste complexo contexto, as práticas pedagógicas dos docentes assumem destaque, sobretudo quando o desejo é aumentar os índices quantitativos e qualitativos do processo formativo.

Neste estudo, as práticas pedagógicas são consideradas sob a perspectiva integradora, ou seja, como recurso possível e essencial para a efetivação da EPT enquanto formação integral ou omnilateral dos sujeitos. Para tanto, foram analisados os principais aspectos envolvidos neste processo, bem como os elementos basilares de uma prática pedagógica que objetive a integração. Assim, doravante será utilizada a expressão “práticas pedagógicas integradoras” para se referir à perspectiva supracitada.

O primeiro aspecto a ser analisado diz respeito à compreensão daquilo que é objeto da pretensa integração: afinal, o que deve ser integrado? A integração aqui proposta busca a totalidade, o desenvolvimento do sujeito como um todo. Nesse sentido, entende-se que a integração deve ocorrer entre os elementos do processo formativo, entre as múltiplas dimensões do sujeito, bem como entre o sujeito e o meio do qual faz parte. Ciavatta (2005) afirma que essa integração objetiva uma formação que permita ao sujeito produzir, mas também compreender, as dinâmicas da sociedade da qual faz parte.

Assim, os sujeitos não são vistos como meros agentes da estrutura produtiva, mas como indivíduos com múltiplas dimensões, integrantes de uma realidade plural. Uma pessoa não é exclusivamente profissional, mas desempenha outros papéis na sociedade. Quem se forma numa dada profissão também atua como pai, vizinho, consumidor, eleitor, desempenhando outros papéis de interesse da coletividade. Logo, não é razoável que sua formação ocorra unilateralmente, mas de modo integral, visando à totalidade do sujeito, e integrador, vinculando este sujeito à sua realidade.

Apresentada a integração pretendida, faz-se necessário destacar alguns pressupostos (CIAVATTA, 2005; ARAÚJO; FRIGOTTO, 2015) que permeiam o processo formativo integrador, sobretudo no contexto brasileiro, a saber: condições ético-políticas da proposta educacional; condições legais para o desenvolvimento de uma educação integrada e integradora; condições materiais tanto da escola quanto dos sujeitos envolvidos; falta de compreensão da proposta de ensino integrado; atitude transformadora ou vontade daqueles que integram a equipe educacional; gestão educacional participativa; integração com a comunidade externa da escola; soluções didático-pedagógicas.

Sobre as soluções didático-pedagógicas, destacam-se dois aspectos igualmente importantes: a formação docente e as práticas pedagógicas. Sobre o primeiro aspecto, Machado (2008, p. 11) declara que “[...] a falta de concepções teóricas consistentes e de políticas públicas amplas e contínuas tem caracterizado, historicamente, as iniciativas de formação de docentes especificamente para a educação profissional, no Brasil.” Este processo aleatório e inconstante sofreu interferências econômicas e políticas, materializando-se em programas aligeirados, especiais e emergenciais, desvinculados da realidade de atuação dos professores e subordinados aos interesses imediatos do mercado produtivo.

Em contraponto à perspectiva de formação docente que ocorreu no Brasil, Costa (2012, p. 65-66) destaca que “Compreender, refletir, questionar e analisar as relações sociais e produtivas [...] deveria ser um dos eixos estruturantes da formação de docentes para a EPT, pois possibilitaria maior conscientização dos sujeitos sociais sob seu lugar neste sistema produtivo.” No mesmo sentido, Kuenzer (2008, p. 33) defende que, “Entre outras dimensões, este professor deverá estudar o trabalho na dimensão ontológica [...]”, ou seja, como atividade constitutiva da humanidade do homem e não apenas como uma forma de produção material e de sobrevivência. Notam-se incoerência e contradição entre o processo de formação docente, efetivado no Brasil, e os objetivos legais previstos para a EPT.

Relativo às práticas pedagógicas, no contexto da EPT de formação omnilateral, é necessário que elas oportunizem o amplo desenvolvimento dos sujeitos. Araújo e Frigotto (2015) afirmam que mais importante que as práticas pedagógicas em si é a conjuntura na qual elas são desenvolvidas, composta pelos aspectos supracitados, bem como a atitude humana transformadora dos sujeitos do processo educativo.

Assim, é essencial destacar que uma dada técnica de ensino ou prática pedagógica pode vir a ser emancipadora ou alienadora, dependendo da conjuntura ético-política e epistemológica em que é desenvolvida e executada, bem como da concepção de educação dos sujeitos que a utilizam (ARAÚJO, 1991). Essa compreensão é vital para o avanço rumo à formação integral dos sujeitos, pois permite rejeitar a ideia de prescrição didático-metodológica, haja vista que não existe uma técnica ou prática pedagógica que seja eficaz por si mesma. Na percepção de Araújo e Frigotto (2015), é um erro limitar-se à ideia de práticas pedagógicas universais, válidas para todos os contextos, frente à multiplicidade de variáveis e especificidades envolvidas no processo formativo, bem como de possibilidades metodológicas existentes.

Assim, é necessário entender que as práticas pedagógicas integradoras não estão prontas e acabadas, capazes de efetivar o desenvolvimento omnilateral dos sujeitos de modo simples ou objetivo, em todo e em qualquer contexto. Elas devem ser desenvolvidas pelos partícipes do processo educativo, numa dinâmica colaborativa e contextualizada. Araújo (1991) concebe as técnicas de ensino como um “meio”, ou seja, um recurso por intermédio do qual os sujeitos podem atingir os objetivos estabelecidos. De modo complementar, Araújo e Frigotto (2015) destacam que a avaliação e a validação de uma técnica de ensino estão relacionadas com os seus fins e a sua prática, e não com sua concepção prévia.

Logo, para que uma técnica de ensino ou prática pedagógica se torne emancipadora ou integradora, ela deve estar vinculada a um projeto educativo que vise à superação da dualidade formativa - tanto em termos ideológicos quanto em termos curriculares e didáticos - e à transformação da realidade social concreta. Considerando o exposto, a seguir destacam-se alguns princípios orientadores do processo de desenvolvimento de práticas pedagógicas integradoras.

O compromisso com a formação ampla e duradoura dos homens, em suas amplas capacidades; A ideia de práxis como referência às ações formativas; Que a teoria e a prática educativa constituam o núcleo articulador da formação profissional; A teoria sendo sempre revigorada pela prática educativa; A prática educacional sendo o ponto de partida e de chegada; A ação docente se revelando na prática concreta e na realidade social. (ARAÚJO; FRIGOTTO, 2015, p. 71-72).

Assim, os sujeitos envolvidos no processo educativo devem evitar a mera importação de práticas pedagógicas de outros contextos, sem que sejam feitas as devidas adequações para a realidade na qual elas serão aplicadas. Seja para a adequação, combinação ou mesmo o desenvolvimento de uma nova prática pedagógica, que vise a formação integral, faz-se necessário considerar, nos princípios supracitados bem como nos aspectos a seguir:

  1. ) a problematização da realidade e dos conteúdos curriculares. Exige dos sujeitos a busca por soluções, “suscitando a busca por ferramentas, teóricas e práticas, capazes de auxiliar os indivíduos no enfrentamento de suas tarefas cotidianas e históricas” (ARAÚJO; FRIGOTTO, 2015, p. 74). Busca também a utilização de conhecimentos e métodos, que auxiliam no desenvolvimento de capacidades essenciais para a atuação crítica e consciente na realidade;

  2. ) a contextualização do conhecimento e das práticas didático-pedagógicas. A própria concepção de desenvolvimento omnilateral traz em si a integração do sujeito à sua realidade. Nesse processo, é essencial que os conteúdos e as práticas pedagógicas mantenham íntima relação com a realidade dos sujeitos aprendentes, desenvolvendo neles a capacidade de compreendê-la, bem como de nela atuar de modo consciente e responsável. Assim, deve-se aproveitar as experiências práticas do sujeito aprendente, proporcionando uma aprendizagem significativa (MOREIRA, 1999) e evitar o “ensino enciclopédico” como sendo aquele “[...] que não permite aos estudantes estabelecer relações concretas entre a ciência que aprende e a realidade que vive” (RAMOS, 2010, p. 55). Logo, a realidade social deve ser o ponto de partida, e a realidade transformada, o ponto de chegada no processo formativo emancipador (PISTRAK, 2009);

  3. ) valorização de práticas pedagógicas ativas. A passividade não é fator que ajuda no desenvolvimento pleno dos sujeitos, de modo que o processo formativo integrador deve valorizar a atividade dos estudantes. Sobre isto, Pistrak (2009, p. 131) destaca que “somente na atividade pode a criança formar-se para ser ativa, somente na ação aprende a agir, somente na realidade [...] aprende a participar conscientemente [...]”. Entretanto, é necessário destacar que nem toda prática pedagógica ativa é em si emancipadora. Para tal, ela precisa estar comprometida com a transformação social do sujeito aprendente;

  4. ) a autonomia dos sujeitos envolvidos. De modo complementar à valorização da atividade, a autonomia é um elemento essencial ao processo de formação omnilateral (ARAÚJO; FRIGOTTO, 2015), visto que, assim como a passividade, a dependência não é benéfica para o processo formativo em tela. Logo, na execução das práticas pedagógicas integradoras, é essencial estimular nos aprendentes a capacidade de auto-organização, que passa necessariamente pelo conhecimento das habilidades e potencialidades de cada indivíduo. Assim, destaca-se que um sujeito autônomo não é, necessariamente, um sujeito individualista. Para Pistrak (2009), a autonomia pode ser identificada pelo trabalho coletivo, organização das atividades e capacidade criativa;

  5. ) capacidade criativa. Vinculada à problematização da realidade e do currículo escolar, é muito importante que a criatividade esteja presente nas ações de professores e estudantes. A esse respeito, Ciavatta (2005) destaca que a criatividade exige que os atores do processo educativo estejam abertos à inovação, utilizando-a a favor da integração. Por meio da criatividade, deve-se estimular os sujeitos a compreenderem o mundo para além das rotinas escolares, bem como estabelecerem relações entre teoria e prática, que não sejam aquelas formalmente definidas;

  6. ) trabalho coletivo e colaborativo. Nas práticas pedagógicas integradoras, é essencial privilegiar as atividades que oportunizam aos sujeitos o trabalho coletivo, visto que essa é uma das habilidades mais exigidas pela dinâmica social da atualidade. Sobre isto, Araújo e Frigotto (2015) alertam que o trabalho coletivo não deve ser entendido como a negação da individualidade do sujeito, mas das práticas individualistas. Nesse mesmo sentido, Pistrak (2009) faz uma crítica severa às teorias pedagógicas liberais, pelas quais cada sujeito responde por si, num contexto educativo egocêntrico. O trabalho colaborativo figura ainda como uma oportunidade de combate à competitividade exacerbada, tão danosa ao processo de ensino-aprendizagem e ao convívio social;

  7. ) emancipação dos sujeitos aprendentes. No contexto do processo educativo, a emancipação de um sujeito ocorre de modos e intensidades diferentes. Entretanto, independentemente das particularidades dos indivíduos, é necessário que, pelas práticas pedagógicas integradoras, sejam oportunizados os meios necessários para que todos tenham condições de construir esta emancipação, seja cognitiva, social, política etc. Ciavatta (2005, p. 2) declara que “a emancipação humana se faz na totalidade das relações sociais onde a vida é produzida”, e não apenas da dimensão da vida produtiva, como ocorre no contexto fragmentador das pedagogias liberais.

Araújo e Frigotto (2015, p. 75) afirmam que o desenvolvimento e a execução de práticas pedagógicas integradoras não dependem da prática em si, “[...] aulas expositivas, estudo do meio, jogos didáticos, visitas técnicas integradas, seminários, estudo dirigido, oficinas [...]”, mas da compreensão e do envolvimento dos sujeitos do processo educativo sobre o assunto, das condições materiais e legais que assegurem a continuidade do processo, da vinculação dessas práticas a um projeto ético-político de transformação social, bem como do compromisso com a formação omnilateral dos sujeitos aprendentes.

Pelo exposto, destaca-se que o processo formativo omnilateral é complexo e necessário. Sobre isto, Mészaros (2005, p. 25) declara: “[...] no âmbito educacional as soluções não podem ser formais; elas devem ser essenciais. Em outras palavras, elas devem abarcar a totalidade das práticas educacionais da sociedade estabelecida”. Assim, sozinhas, as práticas pedagógicas integradoras, que visam a superação da disciplinaridade, não são capazes de garantir a efetividade da formação omnilateral. Porém, sem elas, todos os esforços serão insuficientes, visto que o fazer docente fragmentado não é um caminho que conduz à formação integrada e integradora dos sujeitos.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa realizada no âmbito do Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT), Campus Parnaíba do Instituto Federal do Piauí (IFPI). Acerca dos procedimentos metodológicos, esta pesquisa está classificada como: aplicada, quanto à sua natureza; descritiva, quanto aos seus objetivos; pesquisa de campo, quanto aos procedimentos técnicos; qualitativa quanto à abordagem da análise dos dados.

No tocante à Ética na Pesquisa, considerando as Resoluções CNS 466/2012e 510/2016, o estudo: manteve o anonimato dos partícipes; assegurou o sigilo das informações coletadas nas entrevistas; fez as devidas referências aos textos consultados para a fundamentação teórica da pesquisa; formalizou o consentimento dos partícipes, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); recebeu a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP/IFPI), em 29 de setembro de 2020, por meio do parecer consubstanciado do CEP número 4291029.

A pesquisa em tela foi realizada numa instituição federal de ensino, em um dos seus Campi, localizado na cidade de Teresina (PI). O setor foco desta pesquisa foi um dos departamentos de ensino, responsável por gerenciar a oferta de três cursos técnicos integrados ao médio, de três cursos técnicos concomitante-subsequentes e de dois cursos de tecnologia. Neste departamento de ensino estão lotados 41 docentes com formações variadas.

Do total de professores lotados no departamento de ensino pesquisado, foram entrevistados cinco docentes, doravante denominados “Docente 01”, “Docente 02”, “Docente 03”, “Docente 04” e “Docente 05”. Por se tratar de uma pesquisa com abordagem qualitativa, que analisa o fenômeno pela sua natureza social, entende-se que este número de entrevistados é compatível com os objetivos, visto que não se buscou quantificar as práticas pedagógicas utilizadas pelos participantes da pesquisa, mas sim identificá-las e compreendê-las, a partir dos relatos dos docentes entrevistados.

Para realizar a definição dos(as) partícipes, foram considerados os seguintes critérios de inclusão no estudo: a adesão voluntária à pesquisa; docentes efetivos vinculados ao departamento de ensino pesquisado; experiência com EPT. Como critério de exclusão, definiu-se que docentes substitutos ou temporários não deveriam participar, pois a vigência de seus contratos poderia findar antes da conclusão do estudo.

Aplicados os critérios de exclusão, cinco docentes ficaram impedidos de participar por serem substitutos, restando 36 docentes efetivos, que participaram da etapa de recrutamento, através de um e-mail convite com informações relacionadas à pesquisa e à dinâmica da coleta dos dados. Destes, 15 docentes demonstraram interessem em participar voluntariamente da pesquisa e passaram para a etapa de seleção, que foi guiada pelos seguintes critérios: ter atuação nos três tipos de cursos ofertados pelo departamento (médio integrado, concomitante-subsequente e superior), considerados os semestres letivos 2019.1, 2019.2 e 2020.1; possuir maior média de carga horária de aulas, considerados os semestres supracitados; como critério de desempate, foi adotado o maior tempo de magistério na instituição de ensino pesquisada.

O resultado da seleção indicou que nove docentes tinham atuado nos três tipos de curso. Em seguida, fez-se o ranqueamento desses nove docentes por meio de dois outros critérios, de modo que os cinco mais bem colocados passaram para as etapas de assinatura do TCLE e da realização da entrevista para coleta de dados, que se efetivou por meio de entrevista semiestruturada, composta por questões norteadoras e complementares, que emergiram pela própria dinâmica da conversa. A escolha desta técnica se deu por permitir a estes pesquisadores uma maior flexibilidade na coleta dos dados, bem como uma melhor qualidade das formulações dos(as) entrevistados(as).

Em razão do contexto da Pandemia de Covid-19, as entrevistas ocorreram remotamente, através da plataforma de videoconferência Google Meet, com agendamento prévio. Com o consentimento dos(as) entrevistados(as), as entrevistas foram gravadas, com registro de áudio e vídeo, e arquivadas no Drive virtual das contas de e-mails institucionais destes pesquisadores, onde permanecerão arquivadas por um período mínimo de cinco anos. Destaca-se que o acesso aos vídeos é restrito, de modo que cada participante tem acesso apenas ao vídeo da sua entrevista, e os pesquisadores têm acesso a todo o material.

Seguindo a técnica de análise de conteúdo de Bardin (1977), as cinco entrevistas foram transcritas, utilizando-se o software Microsoft Word, e revisadas com o propósito de evitar, ao máximo, eventuais distorções nas informações fornecidas pelos participantes. Em seguida, realizou-se a etapa de “Pré-Análise” do material transcrito. Destaca-se que todas as cinco entrevistas foram selecionadas, visto que não ocorreu nenhuma falha no processo de gravação e transcrição das informações. Em seguida, realizou-se a primeira leitura, de caráter mais exploratório ou flutuante, de modo a perceber o texto em sua totalidade.

Na etapa de “Exploração do Material”, foi efetuada uma nova leitura, mais detalhada e criteriosa, por meio da qual foi possível fazer a codificação das transcrições das entrevistas. Nessa leitura, foram identificadas e agrupadas as unidades de registro, representadas por fragmentos de texto, que tratavam de assuntos similares. A partir do agrupamento das unidades de registro, emergiram as categorias e subcategorias de análise, conforme quadroa seguir:

Fonte: Elaborado pelos autores.

Quadro 1 Categorias e subcategorias de análise dos dados da pesquisa. 

Na próxima seção, constam os resultados da análise e discussão dos dados coletados à luz da teoria indicada no referencial teórico desta pesquisa, correspondente à terceira etapa da análise de conteúdo (BARDIN, 1977). O texto foi elaborado de modo a articular trechos das referências que fundamentaram o estudo, fala dos entrevistados e considerações destes pesquisadores. Destaca-se que as informações a seguir correspondem à subcategoria “PLANEJAMENTO E ORGANIZAÇÃO: aspectos envolvidos concepção e estruturação de práticas pedagógicas integradoras”.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

No tocante às práticas pedagógicas, alinhadas com a EPT como uma formação ampla e integral, defende-se que as essas devem ser planejadas e organizadas de modo a oportunizar aos sujeitos o aprimoramento de suas múltiplas dimensões, visando desenvolver neles a consciência crítica para a atuação responsável sobre a realidade que integram. Lukács (1978, p. 5) destaca que o desenvolvimento da consciência humana é “[...] o momento essencialmente separatório [...]” entre o homem natural e o homem social, ou seja, a humanidade do homem está diretamente ligada à consciência que ele possui de si, da realidade da qual faz parte e das intervenções que nela pratica. Assim, no contexto da EPT, o desenvolvimento da consciência humana deve permear as etapas de planejamento, organização e execução das atividades que compõem o processo formativo.

Referente às etapas do planejamento e organização de práticas pedagógicas, compreender o papel da consciência é essencial. A partir do aporte teórico deste estudo, destaca-se que a tomada de consciência está diretamente relacionada com a compreensão da realidade, assim entendida como uma totalidade de partes que se interrelacionam (MOURA, 2007), e que deve evitar a fragmentação ou hiperespecialização de suas partes constituintes (MORIN, 2011). Nessa direção, Araújo e Frigotto (2015) enfatizam que a efetivação de uma formação integral está diretamente relacionada com práticas pedagógicas que oportunizem ao sujeito perceber e compreender a realidade como um todo.

É neste contexto que as práticas pedagógicas da EPT devem ser planejadas e organizadas, exigindo dos docentes a consciência dos aspectos do processo educativo em que atuam. É fundamental que as práticas pedagógicas se conectem à realidade concreta dos sujeitos, buscando transpor os limites das disciplinas às quais estão vinculadas e o caráter essencialmente teórico. Assim, na etapa de planejamento e organização das práticas pedagógicas, destaca-se a necessidade de elas serem concebidas considerando o contexto onde serão executadas, e não como ações isoladas, desconectadas da realidade. Logo, é relevante que no processo de planejamento e organização das atividades didáticas os docentes busquem informações sobre o nível do curso, a modalidade de educação e ensino, o contexto social dos estudantes, conforme é possível notar nos relatos a seguir.

Dessa forma, eu acabo dando um link para os alunos, eu procuro saber do curso, o que é o curso, com o que eles vão trabalhar, e eu adequo. Por exemplo, a contabilidade geral, que eu ministro no curso de contabilidade, quando eu vou passar para o curso de administração, o foco já é diferente, porque é focado para o administrador (Docente 03).

Então, todas as vezes quando eu preparo disciplinas, eu tenho uma preocupação muito grande - porque a minha área é extremamente teórica - de trazer para aquele curso específico - que eu estou dando aquela aula teórica - um entendimento, que seja relacionado à parte prática da profissão, daquele determinado curso (Docente 05).

As falas dos participantes permitem perceber dois pontos: o primeiro revela o cuidado do professor em contextualizar a disciplina para a realidade dos sujeitos, de aproximar as atividades propostas às vivências dos estudantes. Sobre isto, destaca-se que considerar as especificidades envolvidas no processo é muito importante para o êxito formativo dos sujeitos envolvidos, haja vista que as práticas pedagógicas não são infalíveis em si próprias (ARAÚJO, 1991). O segundo ponto refere-se à centralização do planejamento no professor, fato que contraria a dinâmica participativa indicada para o processo educativo que visa a formação integral. Assim, é necessário que os docentes descentralizem o planejamento e a organização dessas práticas, de modo a envolver os estudantes e demais profissionais da escola.

Ainda na etapa de planejamento e organização, também é necessário que os docentes compreendam o conteúdo programático objeto das práticas pedagógicas, considerando os objetivos propostos para a disciplina, bem como sua relevância para a proposta formativa como um todo, prevista no Projeto Político Pedagógico de cada curso. Sobre este ponto, seguem as falas dos entrevistados:

Lembrando então, peguei a disciplina, o que eu vou fazer? Vou olhar qual a ementa da disciplina. Então, tem uma ementa básica proposta no PPC, até aí tranquilo! (Docente 01).

Bom, no início - quando eu recebo uma disciplina no início do modulo, de cada semestre - o primeiro planejamento que eu faço é o plano de disciplina, que aí eu vou olhar ementa, vou desenvolver o conteúdo programático (Docente 04).

Comportar o conteúdo daquele ementário, daquela disciplina dentro do que a gente, efetivamente, tem como dias letivos. Bem, esse daí é o primeiro trabalho, que eu tenho que estruturar (Docente 05).

Em geral, a organização curricular dos cursos ainda segue a lógica disciplinar, pela qual os conteúdos programáticos são organizados por áreas do conhecimento e disciplinas, fato que não representa um problema em si. Entretanto, para que essa organização disciplinar não implique barreiras à formação integral dos sujeitos, faz-se necessário que os docentes busquem ampliar sua percepção sobre o processo formativo discente, em sua totalidade, por meio de atividades que transponham os limites das disciplinas e permitam aos estudantes a integração entre os conhecimentos.

Nas falas dos entrevistados, nota-se o cuidado que eles têm com o aspecto estrutural das disciplinas que ministram, referente ao conteúdo programático. Este ponto é bastante importante, porém não é o único a ser observado pelos docentes. Além da ementa, é essencial que sejam observados outros aspectos, como os objetivos da disciplina, o perfil do egresso, a natureza da disciplina, a carga horária destinada a ela, o público a quem se destina, a metodologia, bem como a finalidade à qual está vinculada. Nos relatos a seguir, é possível observar alguns desses aspectos sendo contemplados:

Eu pego a ementa, vejo o objetivo geral e tento adequar a prática da disciplina ao mercado de trabalho, tento trazer a realidade do mercado pra sala de aula. Ser prático, bem prático! (Docente 03).

Eu ministro geralmente noções! Assim, eu vou procurar no primeiro momento o que é principal, o que é importante dentro daquele assunto para ser dito, o que não pode deixar de ser dito de cada assunto (Docente 02).

Depois, eu planejo o que eu vou fazer em cada aula: se conteúdo, se atividade, se dinâmica, se texto e, baseado no que eu vou fazer naquela aula, eu faço a minha programação. Aí, vejo mais ou menos a questão da quantidade de tempo que eu vou ter (Docente 04).

Segundo trabalho, que eu tenho que estruturar, é verificar qual é o nível daquele aluno. Então, eu vou verificar se é aluno do nível médio, aluno do superior, aluno do tecnólogo, para poder direcionar as aulas (Docente 05).

Nos relatos acima, é possível perceber que alguns dos aspectos indicados foram contemplados. Porém, notam-se a necessidade e a possibilidade de se avançar nos processos de concepção das disciplinas, sobretudo no que se refere ao envolvimento dos estudantes nas etapas de planejamento, e na ampliação da finalidade do processo formativo, a qual se encontra restrita à formação para o mercado de trabalho. Assim, pela compreensão dos aspectos supracitados e das especificidades do processo, os docentes podem planejar e organizar com mais propriedade a condução das práticas pedagógicas executadas nas disciplinas que ministram.

É necessário destacar que, no planejamento e na organização das disciplinas, os docentes dispõem de variadas possibilidades metodológicas. Sobre isto, Araújo e Frigotto (2015, p. 67) dizem que “Diferentes são as formas de se pensar os conteúdos necessários à formação de crianças, jovens e adultos capazes de desenvolver a sua capacidade de, autonomamente, interpretar e agir sobre a realidade”. Nesse sentido, entende-se que, desde o planejamento e a organização das disciplinas, se faz necessário que os docentes considerem as diferentes possibilidades existentes. As falas a seguir ilustram bem essa necessidade:

[...] alguns docentes entendem que as turmas são todas iguais. E não são, são todas diferentes! Cada período tem suas peculiaridades, cada turma tem suas peculiaridades (Docente 01).

Da mesma forma, a disciplina ‘rotinas trabalhistas’, no curso de contabilidade é uma coisa e lá no curso de administração é outra coisa. Apesar da minha carga horária ser a mesma, mas o foco é diferente, pois o administrador não vai escriturar, já o técnico em contabilidade vai! (Docente 03).

Os relatos dos entrevistados demonstram a importância de pensar as práticas pedagógicas de acordo com o contexto e seus elementos, evitando a ideia de que uma mesma metodologia é válida para toda e qualquer situação. De modo complementar a estas especificidades de cada disciplina ou curso, há também aspectos conjunturais, que devem ser considerados pelos docentes no planejamento e na organização das disciplinas, a saber: tempo disponível para cada aula, o turno e o horário de execução da aula, o tamanho da turma, a maturidade e o nível de interatividade dos estudantes, os quais podem ser constatados nas falas a seguir:

Aí, vejo mais ou menos a questão da quantidade de tempo que eu vou ter: se é uma aula de cinquenta minutos (Docente 04).

Tem uma variação, até mesmo o horário. Se o horário presencialmente são os dois primeiros, é diferente dos dois últimos horários. Então, a gente tem que pensar em toda essa dinâmica da disciplina, não é pensar que vai ser igual (Docente 01).

Há turmas muito grandes que torna isso inviável, sobretudo quando tenho apenas uma aula de cinquenta minutos por semana. Mas, nas turmas menores, com quatro aulas semanais, eu consigo manter um contato mais próximo (Docente 05).

Porém, dependendo da maturidade da turma isso pode até gerar alguma complicação! [...] dependendo da turma, eu posso fazer esse jogo como se fosse uma competição (Docente 04).

Você sabe que existem turmas apáticas, aquela turma que ninguém participa. E existem turmas que já participam demais (Docente 05).

É possível perceber como esses aspectos supracitados interferem no modo como os docentes definem suas práticas, visando encontrar a forma mais efetiva para realizá-las. A fala do “Docente 01” traz a ênfase da necessidade de se considerar que situações conjunturais diferentes exigem atuações docentes diferentes, com vistas à construção de um processo de ensino e aprendizagem exitoso. Nota-se ainda que as percepções dos docentes sobre as turmas, de modo geral, e dos estudantes, de modo específico, podem balizar a forma como as disciplinas são organizadas e estruturadas, o que denota a influência e importância da experiência docente na sua atuação profissional.

Além dos aspectos conjunturais supracitados, que via de regra estão presentes no contexto escolar, há ainda aqueles que surgem esporadicamente, como é o caso da pandemia do novo Coronavírus. Esta situação excepcional impactou sobremaneira na forma como os professores planejaram e organizaram suas disciplinas. Isto porque o formato de aulas remotas, imposto pela pandemia, agravou significativamente deficiências do processo de ensino-aprendizagem, a saber: limitação de acesso aos recursos materiais necessários, como equipamentos digitais e internet, para parte significativa dos estudantes, com implicações diretas na permanência e no êxito; falta de habilidade dos docentes na utilização dos recursos necessários para a produção e execução das aulas em formato remoto; falta de um espaço adequado para o processo de ensino e aprendizagem.

Nesse sentido, o contexto da pandemia evidenciou ainda mais como é desafiador e dinâmico planejar e organizar o processo formativo, exigindo de todos os sujeitos, sobretudo dos docentes, capacidades de adaptação e flexibilidade, necessárias para conseguir superar as barreiras impostas, de modo inesperado. Todavia, também possibilitou, pelo desafio, novos aprendizados e vivências para todos os envolvidos no processo, conforme relatos a seguir:

Essa pandemia, hoje, está nos ensinando muitas coisas, até o nosso modo de ensinar (Docente 03).

Achei muitíssimo interessante essa nossa experiência agora na Educação Remota, porque ela obriga a cada professor fazer uma sequência didática. Então, o que é a sequência didática? Seria o planejamento de aula, um plano de aula, que antes não era obrigatório (Docente 01).

Ainda sobre a etapa de planejamento e organização das práticas pedagógicas, considerando as especificidades da disciplina ou curso e os aspectos conjunturais do contexto, os docentes devem definir quais recursos ou materiais serão utilizados. A este respeito, Araújo e Frigotto (2015) afirmam que essas definições envolvem variáveis como a formação e a maturidade profissional do professor, o perfil da turma, o tempo e as condições materiais disponíveis e a postura requerida dos estudantes.

Primeiro o conteúdo, que está previamente estabelecido. Depois, a quantidade de aulas ou de horas da aula e aí no caso, também, fazer o material necessário, que pode ser tanto os slides, que é um recurso bem interessante, ou as dinâmicas que iremos trabalhar: leituras, interpretações, discursões (Docente 01).

Em resumo, eu faço o meu material em Word, Excel, etc. Os livros, também, eu tento fazer e fica padrão em todas as aulas e eu coloco para os alunos (Docente 03).

Vejo o que eu preciso preparar: se eu vou precisar de slide; se eu vou precisar de algum texto - caso eu utilize texto, eu já deixo impresso pra tirar as cópias no dia ou um dia antes da minha aula; se eu vou fazer alguma dinâmica, alguma atividade prática, eu já preparo, separo o que eu vou utilizar de material; se eu vou precisar imprimir alguma coisa (Docente 04).

Quando eu faço aula para o pessoal do médio, médio integrado, eu sempre preparo a aula através de uma apostila, onde eu desenvolvo aquela aula. [...] Eu crio a apostila porque desde que eu entrei no instituto eu verifico que, por minhas disciplinas não terem curso no Instituto, há uma deficiência na biblioteca (Docente 05).

As falas acima retratam, novamente, como o professor ainda ocupa papel centralizador, quando não exclusivo, na etapa de planejamento e organização das disciplinas e práticas pedagógicas. Trazer os estudantes e demais profissionais da educação para este processo é uma necessidade que precisa ser vencida. Outro ponto que merece destaque se relaciona à fragilidade institucional na oferta dos recursos didáticos necessários para o desenvolvimento das disciplinas, como bem destacou o docente 05. A falta dos recursos necessários impacta diretamente na forma e nas possibilidades de que os docentes dispõem para planejar e organizar suas práticas pedagógicas.

Diante da complexidade que envolve o planejamento e a organização de práticas pedagógicas, é necessário destacar que a busca por técnicas ou práticas que prometam êxito por si mesmas, válidas para todas e quaisquer situações, não são compatíveis com a proposta de formação integral da EPT. Assim, entende-se como pertinente que o desenvolvimento dessas práticas ocorra de modo integrado, colaborativo e participativo, sob a coordenação dos docentes. Com base em Araújo (1991), que apresenta as práticas pedagógicas como um meio pelo qual o processo de ensino e aprendizagem pode se efetivar, Araújo e Frigotto (2015, p. 72) asseveram que, “‘como meio’, a técnica sempre serve a um fim e é nessa perspectiva que são tratadas aqui as estratégias de ensino, em articulação com um projeto educacional integrador e emancipador.” Dessa forma, uma mesma prática pedagógica pode conduzir a resultados diferentes, até mesmo opostos, dependendo da finalidade a que está vinculada.

No contexto da EPT, as práticas pedagógicas possuem a finalidade de “[...] possibilitar ao estudante a compreensão do contexto no qual está inserido, para que possa intervir nele, em função dos interesses coletivos” (MOURA, 2007, p. 23). É a partir desse norte que os docentes devem realizar seu trabalho, dando aos sujeitos as condições para desenvolverem suas múltiplas capacidades e não apenas aquelas voltadas para a produção material.

A análise das falas dos participantes, à luz do referencial teórico sobre o tema em questão, indicou que, ao planejarem e organizarem suas práticas pedagógicas, os docentes entrevistados contemplam os seguintes aspectos: contextualização das práticas com a realidade dos estudantes, por meio do contexto social, do nível do curso e dos estudantes, da modalidade de ensino e educação e das especificidades do processo educativo; compreensão da ementa e de sua relação com a proposta formativa do curso; os recursos necessários para cada tipo de prática proposta; a conjuntura para execução das práticas, como tempo disponível, tamanho e maturidade da turma, nível de interatividade dos estudantes.

A análise revelou ainda que: é preciso ampliar a percepção docente sobre o processo formativo, de modo a compreendê-lo em sua totalidade; no planejamento das práticas pedagógicas, os entrevistados centralizam o trabalho em si, de modo que praticamente todas as definições partem deles, configurando um processo pouco participativo; é necessário avançar na superação da disciplinaridade, condição essencial para a formação integral; a finalidade das práticas pedagógicas planejadas encontra-se restrita, priorizando a formação para a inserção no mercado de trabalho, em detrimento do desenvolvimento amplo e integral, como se defende que seja a formação efetivada pela EPT.

Logo, destaca-se que no planejamento e organização das práticas pedagógicas, desenvolvidas pelos docentes que atuam na EPT, faz-se necessário considerar os aspectos supracitados, como forma de criar as condições oportunas - respeitadas as devidas especificidades de cada contexto - para uma formação ampla e integral dos sujeitos, que objetive não apenas sua inserção no mercado de trabalho, mas também seu desenvolvimento humano e cidadão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente texto, buscou-se discutir aspectos pertinentes ao planejamento e à organização das práticas pedagógicas na EPT, tomando como referência a perspectiva integradora e a formação omnilateral dos sujeitos. Para tanto, apresentou-se a EPT na perspectiva de formação ampla, através de um processo formativo que contempla o sujeito como um todo, oportunizando-lhe as condições didático-pedagógicas para uma formação integral e integradora. Caracterizaram-se as práticas pedagógicas integradoras, que se alinham com a EPT enquanto formação integral. Analisaram-se dados de uma pesquisa de campo relacionados à etapa de planejamento e organização de práticas pedagógicas integradoras, à luz da teoria sobre este tema, com o propósito de identificar os elementos que devem ser considerados neste processo.

É necessário destacar que, no planejamento e na organização de práticas pedagógicas, que visam a formação integral dos sujeitos, o desenvolvimento da consciência crítica humana deve permear todo o processo, pois é a consciência, de si e da realidade que integram, que permite aos seres humanos se afastarem da sua condição natural e se aproximarem da sua condição social. Logo, qualquer prática pedagógica integradora precisa ter como referência ou objetivo oportunizar aos sujeitos aprendentes o desenvolvimento de sua consciência crítica.

Para esta tomada de consciência, é muito importante que as práticas pedagógicas integradoras estejam diretamente conectadas às situações concretas da realidade, criando condições para que os sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem consigam realizar a transposição dos saberes teóricos para sua aplicação na vida real. Essa conexão com a realidade concreta pode ocorrer, por exemplo, por meio da contextualização das práticas pedagógicas, ou seja, pela utilização das experiências de vida dos sujeitos aprendentes. Isto contribui para aproximar a teoria da vida concreta dos sujeitos, além de envolvê-los no processo, criando condições favoráveis para a aprendizagem significativa.

Outro aspecto que precisa ser considerado é a superação das barreiras da disciplinaridade, que fragmenta os conteúdos em partes ou disciplinas. Superar a disciplinaridade não significa eliminar as disciplinas, mas criar condições, por meio das práticas pedagógicas integradoras, para que os sujeitos consigam perceber e compreender as interações entres as partes que formam o todo. Para tanto, indica-se que os docentes envolvam os estudantes e outros atores da escola no planejamento de suas práticas pedagógicas, aproveitando, ao máximo, as experiências e vivências de cada um.

Também é necessário considerar os aspectos conjunturais e materiais peculiares ao lugar e às pessoas para quem as práticas pedagógicas estão sendo planejadas e organizadas. Isto porque se deve evitar a ideia de prática pedagógica válida e infalível para toda e qualquer situação. Antes, destaca-se que o docente tem à sua disposição uma grande variedade de possibilidades metodológicas, sobre as quais pode realizar modificações ou adaptações, para torná-las mais eficazes na conjuntura onde serão executadas.

Os resultados da análise dos dados revelaram que, no planejamento de suas práticas pedagógicas, no contexto da EPT, os docentes entrevistados contemplam parcialmente os aspectos indicados pelo arcabouço teórico, a saber: contextualização das práticas pedagógicas com a realidade dos estudantes; compreensão da ementa da disciplina e de sua relação com a proposta formativa do curso; os recursos necessários para cada tipo de prática pedagógica proposta; a conjuntura para execução das práticas pedagógicas.

Entretanto, também foi possível constatar que: é preciso ampliar a percepção docente sobre o processo formativo, de modo a compreendê-lo em sua totalidade; os docentes entrevistados centralizam o trabalho de planejamento, configurando um processo pouco participativo; é necessário avançar na superação da disciplinaridade; a finalidade das práticas pedagógicas planejadas prioriza a formação para a inserção no mercado de trabalho, em detrimento do desenvolvimento amplo e integral, como se defende que seja a formação efetivada pela EPT.

Frente ao exposto e em reposta ao problema de pesquisa, entende-se que, em tese, no planejamento e na organização de práticas pedagógicas integradoras, é essencial que sejam contemplados os seguintes elementos: atuação docente de forma colaborativa e participativa, envolvendo os demais atores do processo educativo; vinculação das práticas pedagógicas, preferencialmente de modo contextualizado, à realidade de vida dos sujeitos aprendentes; superação da disciplinaridade; consideração dos aspectos conjunturais e materiais da escola e dos estudantes. Por fim, destaca-se que, frente à complexidade do processo formativo do ser humano, o planejamento e organização de práticas pedagógicas não é um processo pronto e acabado, antes é dinâmico e mutável, formado por múltiplas possibilidades que podem ser exploradas.

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Recebido: 24 de Outubro de 2021; Aceito: 11 de Outubro de 2022

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<emanoela@ifpi.edu.br >

Os autores declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo.

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