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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 01-Mayo-2023

https://doi.org/10.1590/0102-469837704 

Artigos

LEITURA COMO INTERAÇÃO DO LEITOR COM O TEXTO: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS NOS CADERNOS DO PNAIC

LECTURA COMO INTERPRETACIÓN DEL LECTOR CON EL TEXTO: CONCEPCIONES Y PRÁCTICAS EN LOS CUADERNOS DEL PNAIC

MARTA NÖRNBERG1  , Coordenadora do projeto, análise dos dados, escrita e revisão final do texto
http://orcid.org/0000-0002-9865-7056

MAURÍCIO CARDOSO DIAS1  , Seleção, organização e análise dos dados, escrita do texto, Análise dos dados, escrita do texto
http://orcid.org/0000-0003-4109-8676

JOSIANE JARLINE JÄGER1 
http://orcid.org/0000-0003-1320-8292

1 Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, RS, Brasil.


RESUMO:

O artigo tem como objetivo apresentar e discutir as concepções e práticas de leitura exploradas nos cadernos de formação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). O processo de análise do conteúdo dos cadernos foi conduzido com base na seguinte questão: qual a concepção de leitura e quais práticas de ensino são trazidas pela coleção de cadernos do PNAIC? A discussão das concepções e práticas de leitura foi feita com base em estudos teóricos que a entendem como ato cognitivo que se estabelece na interação texto-leitor. Os resultados da análise mostram que os textos dos cadernos de formação concebem a leitura a partir de elementos do modelo interativo de leitura. Em relação às suas práticas, priorizam-se as atividades de extração de sentidos do texto para o desenvolvimento da compreensão textual. Nos relatos, preponderam registros de atividades de leitura compartilhada, em que a formulação de perguntas é a principal estratégia utilizada para auxiliar o estudante a localizar informações e inferir sentidos. Já os exercícios que visam ativar conhecimentos prévios do leitor ou atividades de sistematização da leitura, como escrita de resumo, têm uma menor frequência. Por fim, destaca-se a importância de analisar pressupostos teóricos e metodológicos de programas de formação continuada, para entender como estes auxiliam as professoras a refletirem sobre suas práticas e a repensá-las de acordo com as necessidades dos estudantes.

Palavras-chave: leitura; alfabetização; formação de professores; PNAIC

RESUMEN:

El articulo tiene como objetivo presentar y discutir las concepciones y practicas de lectura explotadas en los cuadernos de formación del Pacto Nacional por la Alfabetización en la Edad Cierta (PNAIC). El proceso de análisis del contenido de los cuadernos fue conducido con base en la siguiente cuestión: ¿ Cual es la concepción de lectura y cuales practicas de enseñanza son traídas por la colección de cuadernos del PNAIC? La discusión de las concepciones y practicas de lectura fue hecha con base en los estudios teóricos que entienden la lectura como acto cognitivo que se establece en la interacción lector-texto. Los resultados del análisis muestran que los textos de los cuadernos de formación concibe la lectura a partir de elementos del modelo interactivo de lectura. En relación en las prácticas de lectura se prioriza las actividades de extracción de sentido del texto para el desarrollo de la comprensión textual. En los relatos, dominaron registros de actividades de lectura compartidas, en que la formulación de preguntas es la principal estrategia utilizada para ayudar el estudiante a ubicar información y inducir sentidos. Ya los ejercicios que visan activar conocimientos previos del lector o actividades de sistematización de lecturas, como escrita de resumen, tiene una menor frecuencia. Por fin, se destaca la importancia de analizar presupuestos teóricos y metodológicos de programas de formación continuada, para entender como estés ayudan los maestros a analizar sus practicas y repensar de acuerdo con las necesidades de los estudiantes.

Palabras clave: lecturas; alfabetización; formación de maestros; PNAIC

ABSTRACT:

The article aims at presenting and discussing the conceptions and practices of reading explored in the training notebooks of the National Pact for Literacy at the Right Age (PNAIC). The analysis process of the content of the notebooks was conducted based on the following question: what conception of reading and what teaching practices are brought in the collection of notebooks of PNAIC? The discussion on the conceptions and practices of reading was carried out based on theoretical studies that see reading as a cognitive act set in the interaction between text-reader. The results of the analysis show that the texts of the training notebooks conceive the reading from elements of the interactive model of reading. Concerning the reading practices, the activities of extraction of meanings from the text for the development of textual understanding are prioritized. In the reports, there is a predominance of records of shared reading activity, in which the formulation of questions is the main strategy to help the student to find information and infer meanings. Yet the exercises that aim at activating previous knowledge of the reader or activities of reading systematization, such as essay writing, are less frequently used. Finally, we highlight the importance of analyzing theoretical and methodological assumptions of continuous training programs in order to understand how these help the teachers to analyze their practices and rethink them according to the student’s needs.

Keywords: reading; literacy; teacher education; PNAIC

INTRODUÇÃO

No campo da pesquisa em educação, diversas áreas de conhecimento estudam a leitura: a psicolinguística, a neurociência, a pedagogia, entre outras, o que produz uma diversidade de perspectivas teóricas acerca da leitura e dos seus processos de ensino e aprendizagem. São estudos que abrem espaço para uma variedade de concepções sobre o que vem a ser a leitura e, consequentemente, ampliam as possibilidades de organização das práticas de ensino.

A posição defendida neste artigo é a de que refletir sobre a concepção de leitura que guia o trabalho pedagógico do professor é extremamente importante, visto que a forma como esse profissional compreende a atividade leitora e a relação dos alunos com ela são o que sustenta suas escolhas e as condutas didáticas no decorrer da sua prática pedagógica. Nesse sentido, no contexto de programas e práticas de formação continuada de professores, conhecer e pensar sobre as concepções e as práticas de leitura são atividades necessárias porque oferecem ao professor subsídios para o reconhecimento das teorias implícitas presentes em sua prática pedagógica. Em razão disso, também se amplia sua formação conceitual, o que cria condições para realizar um trabalho mais consciente e consistente no âmbito do ensino e da prática de leitura.

Este texto tem como corpus de análise os cadernos de formação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) estudados nos encontros de formação realizados com professoras orientadoras de estudo e alfabetizadoras das redes públicas de ensino básico. A indagação central que conduz o estudo é: qual a concepção de leitura e quais práticas de ensino são trazidas pela coleção de cadernos de formação do PNAIC? A reflexão proposta está vinculada a um projeto de pesquisa1 que analisa os materiais de formação e os documentos pedagógicos produzidos em decorrência da formação continuada do PNAIC, coordenado por uma universidade pública da Região Sul.

A abordagem teórico-metodológica do estudo estrutura-se em princípios da pesquisa qualitativa, tomando como método a análise temática de conteúdo (GOMES, 1994; SEVERINO, 2013). Para isso, foi assumida a posição de que a análise - entendida como processo de descrição dos dados - e a interpretação - atividade de articulação dessa descrição com conhecimentos mais amplos - conformam o movimento “de olhar atentamente para os dados da pesquisa” (GOMES, 1994, p. 68). Com base nessa visão, o processo de leitura e análise temática do conteúdo dos cadernos foi guiado por posições teóricas prévias decorrentes do estudo de três obras (SMITH, 1989; SOLÉ, 1998; SOARES, 2018).

Procedimentalmente, fez-se a leitura e análise temática dos 36 cadernos de formação do PNAIC relativos à coleção de 2012, que teve como enfoque principal o trabalho com a Língua Portuguesa no ciclo de alfabetização. Durante a leitura, foram destacados excertos contendo definições e orientações didáticas ou relatos de práticas de leitura. Na sequência, esses excertos foram compilados em fichas de documentação temática (SEVERINO, 2013), identificados com o nome da autora do relato e das elaboradoras do texto, e a indicação da unidade, do ano e da página do caderno de formação. Cada caderno de formação do PNAIC contém textos elaborados em coautoria por docentes do ensino superior e da rede básica de ensino público. Os relatos escritos por professoras alfabetizadoras foram trazidos pelos elaboradores do texto para exemplificar dimensões conceituais ou metodológicas em torno do assunto abordado. A organização dos excertos em fichas também permitiu reunir elementos demonstrativos dos argumentos e raciocínios dos elaboradores acerca dos relatos das professoras, trazidos para exemplificar conceitos e orientações didáticas expostas.

Assim, o processo de interpretação visou localizar as teorias explícitas ou implícitas tomadas para embasar o processo de formação dos professores acerca da leitura e seu ensino no ciclo de alfabetização. A mesma organização em fichas de documentação foi igualmente utilizada para registrar o processo de leitura e a análise temática das obras selecionadas para a condução e fundamentação deste estudo. Por isso, o ato de interpretar foi assumido como tomada de posição própria a respeito das ideias, superando a exata localização da mensagem explícita do texto (SEVERINO, 2013), buscando, isto sim, a leitura nas entrelinhas como atividade cognitiva capaz de oferecer insumos para um diálogo articulador das ideias dos teóricos com as evidências destacadas dos cadernos de formação do PNAIC.

Concluída a etapa de leitura, seleção e organização dos dados dos cadernos de formação, fez-se o agrupamento do conteúdo das fichas em duas grandes categorias de análise: i) concepções acerca da leitura; ii) práticas de leitura. As evidências reunidas em torno dessas duas categorias foram discutidas e problematizadas de forma articulada em tópico específico deste artigo. Para a discussão, foram trazidas evidências dos relatos fichados, tanto em termos de detalhamento e ilustração didática como de exemplificação típica da presença de elementos teóricos adotados para se compreender a leitura. Na sequência, foram apresentadas as posições conceituais dos autores que fundamentam este estudo e a organização do programa e dos cadernos de formação do PNAIC.

AQUISIÇÃO DA LEITURA

No âmbito da pesquisa sobre aquisição da leitura (SMITH, 1989; SOARES, 2018), tem sido consenso a ideia de que é de extrema importância entender o processo percorrido pela criança para alcançar a compreensão leitora. Nesse sentido, a questão fundamental refere-se à trajetória inicial da criança no desenvolvimento de sua compreensão leitora, ou seja, como ela começa a compreender os sinais gráficos e a formação de palavras para assim conseguir trabalhar aspectos mais complexos da leitura.

A resposta para essa questão é encontrada no modelo de dupla rota, proposto por Magda Soares (2018). Segundo esse modelo, a criança percorre duas rotas para desenvolver a compreensão leitora. A primeira é a “rota sublexical”: nela a criança ainda está realizando os processos de decodificação grafofonêmica para identificar palavras, ou seja, ainda está convertendo mentalmente os grafemas (unidades mentais representadas pela escrita) em fonemas (unidades mentais representadas pelo som da fala) para reconhecer uma determinada palavra e o seu significado. Nesta rota, o principal foco da criança é a palavra e o seu significado. Todavia, à medida que a criança vai realizando esse processo com diversas palavras, o seu acervo léxico vai aumentando, fazendo com que ela comece a utilizar a segunda rota, chamada de “rota lexical”. Quando passa a atualizar a rota lexical, a criança já demonstra consciência do significado das palavras e começa a se utilizar apenas de sua memória de longo prazo para recordá-los e, assim, extrair o sentido do que está escrito em um contexto maior. Conforme a criança vai tendo acesso à segunda rota, torna-se possível a realização de processos mais complexos para o desenvolvimento de uma leitura de qualidade, ou seja, a decodificação grafofonêmica torna-se secundária, e o processo automatizado de extração do sentido das palavras gera uma maior compreensão leitora.

No contexto deste trabalho, pensar sobre essa perspectiva de aquisição da leitura é importante, pois revela um posicionamento acerca do fenômeno da leitura, que se contrapõe a explicações ainda presentes no campo, caracterizadas pelos pesquisadores como modelos hierárquicos: o modelo ascendente e descendente (SOLÉ, 1998). No modelo ascendente, o leitor, perante um escrito, começa pelas menores unidades de um texto (letras, palavras, frases etc.) e vai ampliando para as unidades maiores. Essa perspectiva centra a leitura nas habilidades de decodificação e, consequentemente, propõe essa mesma centralidade no processo de ensino. Porém, o que essa concepção de leitura não consegue explicar é a forma como os leitores conseguem entender um texto ainda que não compreendam todos os seus elementos.

No modelo descendente, a leitura passa a ser centralizada nos conhecimentos prévios do leitor. A utilização deles para a antecipação dos sentidos do texto passa a ser a responsável pela realização da atividade leitora, secundarizando o processo de decodificação e a utilização dos elementos do texto para a compreensão leitora. Esta é uma nova forma de perceber a leitura, que, embora ignore a “rota sublexical” anteriormente citada, continua a enxergar a atividade leitora como “sequencial e hierárquica” (SOLÉ, 1998, p. 24) porque enfatiza o reconhecimento global das palavras em detrimento das habilidades de identificação das suas unidades menores.

Esses dois modos de compreender a aquisição da leitura implicam duas formas diferentes de trabalhar com o seu ensino, pois alguns elementos serão mais enfatizados na prática pedagógica em detrimento de outros. Ao conceber a leitura através do modelo ascendente, o professor realizará atividades em que o foco é a decodificação de palavras. Já ao reconhecer o modelo descendente como a forma que a leitura vai se desenvolver, as atividades pedagógicas enfocam a ativação dos conhecimentos prévios do leitor, deixando de lado o processo de decodificação e a utilização dos elementos do texto para a compreensão leitora.

Em contraposição a esses dois modelos, Isabel Solé (1998, p. 24) apresenta o “modelo interativo”, que descentraliza tanto a decodificação grafofonêmica, quanto o conhecimento prévio do leitor. Entendendo a leitura como um processamento de informações em diferentes níveis, os movimentos ascendente e descendente vão acontecer simultaneamente no ato de ler.

Dessa forma, o texto vai gerar expectativas sobre o leitor tanto na identificação de palavras quanto dos sentidos nele expressos, e, ao mesmo tempo, o sujeito utilizará o seu conhecimento prévio para estabelecer uma compreensão textual (SOLÉ, 1998). Vale ressaltar que essa perspectiva se alinha com o modelo de dupla rota proposto por Soares (2018), pois, através dos diversos níveis de interação do leitor com o texto, tanto a rota lexical quanto a rota sublexical estarão presentes na aquisição da leitura e nas suas práticas de ensino.

E o que seria, então, a compreensão leitora? O significado desse conceito pode ser encontrado na obra de Frank Smith (1989). Nela, o autor apresenta a leitura como um processo interativo entre o sujeito que está lendo e o conjunto de significados expressos através dos sinais escritos. Segundo o autor, para que a compreensão leitora aconteça, é necessário que o leitor tenha questionamentos a serem feitos para o material escrito e assim ele encontrará as respostas para essas questões através do cruzamento entre os seus conhecimentos prévios - informação não visual - e os sentidos expressos pelo texto. No momento em que estas questões são respondidas, total ou parcialmente, os sentidos do texto são extraídos e a compreensão leitora já terá acontecido.

Smith (1989) aborda sobre a compreensão leitora como um processo de “redução das incertezas”, o que acontece por meio da extração dos sentidos do texto de forma a responder as questões feitas pelo leitor para o material escrito. Ao fazer questionamentos para o texto, o leitor percebe que existe um conjunto limitado de respostas para as questões feitas. Isso acontece porque o conhecimento prévio do sujeito vai filtrar quais informações do texto são capazes de sanar essas dúvidas e quais poderiam ser ignoradas naquele momento. Sendo o conhecimento prévio formado pelas informações não visuais do leitor no ato de ler, à medida que sua compreensão textual acontece, o leitor vai integrando novas informações a esse conjunto de conhecimentos prévios - ou seja, “a informação não-visual pode ser empregada para reduzir a incerteza do leitor com antecedência, e para limitar a quantidade de informação visual que deve ser processada” (SMITH, 1989, p. 188).

Ao fazer esse movimento e ampliar o seu conhecimento prévio, a escolha por informações que respondam os questionamentos e reduzam as incertezas será mais refinada para o leitor, permitindo-lhe dedicar um tempo maior para uma reflexão mais profunda sobre o material que está sendo lido. Logo, o tempo dedicado a escolher, no conjunto de respostas, qual é a que fará mais sentido para a compreensão textual será menor. Essa redução na quantidade de possíveis respostas para um questionamento oferece oportunidade para uma reflexão maior e menos dependente da significação isolada de pequenos trechos do texto, ampliando, desse modo, a construção de sentidos. Sobre esse aspecto, explica o autor:

Uma palavra pode ser identificada com menos características distintivas quando vem de uma centena de alternativas do que de mil. Finalmente, é impossível dizer quantos significados alternativos poderia haver para uma passagem do texto, porque isto depende inteiramente do que um leitor individual está procurando, mas é óbvio que a leitura é mais fácil quando o leitor considera o material significativo do que quando a compreensão é uma batalha a ser travada (SMITH, 1989, p. 188).

Considerar o material significativo vai exigir que o leitor utilize o seu conhecimento prévio, que é ampliado à medida que a compreensão textual acontece. Dessa forma, quanto maior for a informação não visual, mais fácil se torna a seleção desse material significativo. Logo, à proporção que a compreensão textual acontece, mais produtivos são os próximos exercícios de leitura.

Com base no que Smith aponta, pensar sobre esse processo requer trabalhar exaustivamente com exercícios de compreensão leitora na prática pedagógica. Por meio da leitura, as crianças desenvolvem os seus conhecimentos sobre o mundo e também sobre o próprio ato de ler. E, à medida que aprendem a ler e leem com maior frequência, as crianças também se tornam mais capazes de entender um texto e de compreender sua relação em práticas sociais, o que lhes permite realizar leituras interpretativas do mundo, formando assim um ciclo de desenvolvimento intelectual.

Smith (1989, p. 212) afirma que “a experiência na leitura leva a mais conhecimento sobre a própria leitura”, ou seja, é realizando exercícios de leitura que a compreensão leitora se desenvolve. Isso significa não restringir, nas práticas pedagógicas, a leitura apenas como uma ferramenta para a aprendizagem de conhecimentos ou para a realização de tarefas escolares, em geral. Equacionar estas dimensões na prática pedagógica é uma tarefa necessária para que se possa ampliar a capacidade de compreensão leitora.

Nessa direção, para desenhar os processos de ensino da leitura, busca-se embasamento teórico em Solé (1998). Tal como Smith (1989), a autora também compreende a leitura como um processo interativo entre o leitor e o texto. Solé (1998) ainda acrescenta que o ato de ler é permeado por objetivos diversos, e pensar sobre eles é importante no processo de definição das práticas de ensino, tendo em vista que são os objetivos de leitura que guiarão as ações do leitor diante de um texto.

Essas ações, ou procedimentos, de um leitor diante de um texto são denominadas de estratégias de leitura. Os objetivos do leitor diante de um material escrito vão resultar em uma ação de planejamento e avaliação da própria leitura, e, a partir dos seus resultados, o sujeito vai readequar a sua forma de ler, de modo a alcançar uma maior capacidade de compreensão leitora ao longo do processo interativo com o material escrito. A autora ainda explica que o desenvolvimento da compreensão leitora por meio das estratégias de leitura oferece às crianças condições para uma maior capacidade de compreensão, especialmente porque elas serão envolvidas em múltiplas e variadas situações de leitura. Nessa perspectiva, um novo ciclo se forma, pois, conforme as crianças dominam a ferramenta de compreensão leitora, melhores leitores serão, e quanto maior for a sua capacidade de compreender um texto, melhor vão controlar a sua forma de realizar esses processos.

Entendendo que as estratégias de leitura “devem permitir que o aluno planeje a tarefa geral de leitura e sua própria localização [...] diante dela” (SOLÉ, 1998, p. 73), na sequência, a forma como essas estratégias podem ser organizadas na prática pedagógica são expostas. Para isso, é importante ressaltar que as estratégias não são uma lista de exercícios prontos em que o professor tem somente a tarefa de aplicá-los sem realizar nenhum esforço intelectual. Pelo contrário, o docente precisa ter a consciência de que, devido à multiplicidade e à variedade das situações de leitura, as estratégias empregadas também terão de ser múltiplas e variadas (SOLÉ, 1998). Logo, trabalhar com estratégias de leitura significa percebê-las como uma orientação para o ensino e não como uma técnica ou um método pronto a ser aplicado mecanicamente.

Nesse sentido, existem princípios metodológicos que podem guiar as atividades leitoras nos diversos momentos do ato de ler, isto é, antes, durante e depois da leitura. Conforme Solé (1998), o primeiro momento acontece antes mesmo da interação propriamente dita entre o leitor e o material a ser lido. Esse é um momento em que o leitor aciona a sua memória de longo prazo, reativando conhecimentos prévios do tema abordado no texto. Essa é uma etapa importante do processo, visto que, através da ativação desses conhecimentos, as crianças percebem que já possuem uma base intelectual para o que vai ser lido, fazendo com que consigam formular os questionamentos necessários para reduzir suas incertezas e assim ampliar os seus conhecimentos por meio da leitura (SMITH, 1989). Para esse primeiro momento de leitura, Solé (1998) explica que os exercícios de ativação do conhecimento prévio podem ser feitos por meio de questionamentos que revelem aos alunos que eles não precisam ter domínio total do conteúdo do texto que será lido; porém, eles precisam ser encorajados a perceber que são capazes e que sabem o suficiente para conseguir ampliar o seu conhecimento através da leitura.

O segundo momento proposto por Solé (1998) é chamado de “leitura compartilhada”. Esta é a etapa em que o docente realiza atividades com o objetivo de instrumentalizar os estudantes para que eles leiam e empreguem as estratégias de leitura de forma autônoma, alcançando a compreensão leitora com independência. É importante ressaltar que as intervenções pedagógicas do professor não são dispensáveis. O docente não pode se abster delas em sua prática educativa; pelo contrário, precisa investir em atividades que façam os discentes serem capazes de construir as suas interpretações do texto através da elaboração e verificação de hipóteses.

Por fim, o terceiro momento acontece após o ato de ler, envolvendo dois tipos de atividades. O primeiro diz respeito ao tema e às ideias principais do texto. Segundo a autora, todo material escrito possui um tema geral e diversas ideias - que têm ligação com o tema geral - no seu interior. Nessa etapa, a tarefa docente consiste em realizar exercícios que tornem possível ao leitor identificar o tema geral, como também ser capaz de fazer a ligação das ideias principais com ele. Para isso, propõe-se um segundo tipo de atividades: a produção de resumos. Segundo Solé (1998), de acordo com as suas possibilidades, as crianças podem produzir resumos de diversas formas: texto, frases, esquema, exposição oral, desenho, diagrama, quadro etc. No entanto, é fundamental que o resumo seja feito, visto que, por meio dele, as crianças poderão reconhecer quais das ideias expressas são essenciais para o sentido do texto e quais ideias são secundárias.

Os dois tipos de atividades são extremamente importantes para o desenvolvimento da compreensão leitora. É por meio deste momento de encerramento da leitura que se propicia o exercício metacognitivo que promoverá aos discentes a conscientização acerca das mudanças ocorridas no conhecimento prévio ativado anteriormente ao ato de ler - ou seja, as crianças poderão perceber o que sabiam e o que passaram a saber com a leitura realizada. Dessa forma, a atividade leitora não será feita superficialmente; pelo contrário, será permeada por uma profundidade que revela aos educandos os benefícios cognitivos do ato de ler.

Pensar sobre a leitura com base nos aspectos trazidos implica uma modificação na forma como é trabalhada, seja em contextos de formação inicial e continuada de professores, seja em sala de aula com as crianças dos anos iniciais. Nesse sentido, as reflexões referidas asseveram a intenção de identificar a concepção de leitura exposta e trabalhada pelos cadernos de formação do PNAIC; afinal, a forma como a leitura é concebida e entendida traz implicações distintas para o modo como é trabalhada no contexto pedagógico.

O PROGRAMA E OS CADERNOS DE FORMAÇÃO DO PNAIC

O PNAIC foi um programa de formação de professores proposto pelo governo federal e realizado em parceria com as universidades e as redes públicas de ensino básico. Foi criado com a finalidade de contribuir para o aperfeiçoamento da formação de professores alfabetizadores através de uma base teórica que os instrumentalizasse para alfabetizar as crianças até os 8 anos de idade, visando, também, a elevação dos índices de alfabetização. A organização da formação proposta pelo PNAIC foi feita em formato multiplicativo. Para isso, diferentes agentes educativos foram envolvidos, recebendo atribuições e responsabilidades conforme o tipo de vínculo institucional. No âmbito da universidade pública, atuavam os coordenadores, supervisores e formadores; na esfera das redes de ensino básico, estavam os coordenadores locais, orientadores de estudo e professoras alfabetizadoras. As atribuições dos profissionais vinculados à universidade envolviam a gestão geral do programa e o desenvolvimento das ações de formação com os coordenadores locais e os orientadores de estudo; estes, por sua vez, orientavam os encontros de estudo com as professoras alfabetizadoras das redes de ensino.

A formação do PNAIC foi pensada com uma possibilidade de promover espaços em que o ensinamento de técnicas a serem reproduzidas em sala de aula fosse substituído por momentos de reflexão acerca do trabalho pedagógico visando a transformação do seu planejamento. Para isso, foi estabelecido um compromisso entre os professores em formação e os organizadores do processo formativo. Os primeiros deveriam estar dispostos a se desafiarem e a traçarem novos caminhos na sua vida profissional a partir da formação. De acordo com o caderno Formação de Professores (BRASIL, 2012a), os organizadores deveriam promover a formação considerando as demandas dos participantes e seguindo uma série de princípios formativos sistematizados com base nos estudos de Imbernón (2010): potencialização da autoestima e habilidades sociais, favorecimento da aprendizagem coletiva, reflexão crítica sobre a prática, compartilhamento de boas práticas, execução de estratégias formativas que assegurem a discussão de exemplos, valorização de diferentes experiências e escolha de materiais que ajudem a compreensão dos temas estudados. Para contemplar esses princípios, foi definido o uso de uma série de estratégias formativas, entre elas: leitura deleite, tarefas de casa e de escola, estudos dirigidos de textos, planejamento de atividades, escrita e análise de práticas de ensino, entre outras.

A coleção de cadernos de formação do PNAIC permeava essas atividades, visto que os professores alfabetizadores estudavam seus textos para ampliar conhecimentos acerca da alfabetização e para problematizar e transformar suas práticas de ensino. Também os encontros formativos eram conduzidos com base nos textos e nas sugestões didáticas apresentadas pelo material. Assim, destaca-se a importância e a centralidade dos cadernos para o desenvolvimento conceitual dos sujeitos envolvidos na formação do PNAIC e como base para o estabelecimento das discussões sobre as práticas de ensino realizadas pelos alfabetizadores em suas salas de aula.

A primeira coleção de cadernos de formação do PNAIC tem como enfoque temático a Língua Portuguesa e contempla textos escritos por professores universitários e alfabetizadores pesquisadores, da área dos estudos da linguagem e da formação de professores, de diversas universidades públicas. De acordo com o caderno Formação de professores no PNAIC, "todos trabalharam juntos para inserir nos textos sugestões de atividades e reflexões sobre o que pode ser feito em uma sala de aula de alfabetização para que os alunos aprendam a ler e escrever dentro de uma perspectiva social de inclusão e participação" (BRASIL, 2012a, p. 34). Logo, o principal propósito desse material era promover reflexões acerca dos processos de alfabetização dentro de um contexto de práticas pedagógicas.

Os 36 cadernos de formação analisados neste trabalho tinham a seguinte configuração temática: 2 faziam uma apresentação do programa; 1 tinha como tema central a avaliação; 1 tratava da Educação Inclusiva; 8 abordavam a alfabetização no contexto da educação do campo; e 24 abordavam a alfabetização no ciclo de alfabetização (sendo 8 para o 1º ano, 8 para o 2º ano e 8 para o 3º ano). Com exceção dos primeiros cadernos citados, todos possuíam a mesma organização interna, com quatro seções assim denominadas: Iniciando a conversa (introdução geral das temáticas do caderno; apresentação dos objetivos da unidade e do foco central das discussões); Aprofundando o tema (discussões teóricas sobre os temas da unidade e sua articulação com relatos de práticas pedagógicas); Compartilhando (seção destinada à apresentação dos direitos de aprendizagem, de materiais didáticos distribuídos pelo MEC, de relatos de experiência dos professores, sugestões de atividades e de instrumentos de registro de avaliação, entre outros); Aprendendo mais (sugestões de resenhas de livros relacionados com a temática da unidade e de atividades formativas para os encontros de formação).

Em relação ao tema deste texto, uma rápida análise dos títulos dos cadernos mostra que a leitura não está referida textualmente como unidade temática e não há um caderno específico dedicado exclusivamente para a sua discussão. Todavia, o material não é omisso ao tema em termos de discussão conceitual e implicações didáticas. A análise dos cadernos permite afirmar que o tema leitura permeia os textos de todas as temáticas abordadas, mostrando que o programa discute a leitura não como habilidade específica, mas como uma prática social cuja aprendizagem acontece por meio do ato de ler e de seus usos em situações de interação entre leitor e textos.

Na sequência, aspectos decorrentes da análise temática dos 36 cadernos de formação são apresentados considerando-se os dois eixos definidos - i) a concepção de leitura explicitada em textos dos cadernos de formação que compõem a coleção de 2012; ii) as práticas de leitura trazidas em relatos de experiência docente -, os quais são problematizados e debatidos de forma conjunta à luz do referencial teórico exposto. Assim, na análise interpretativa foram articulados aspectos da fundamentação teórica e ilustrações dos textos e relatos fichados. Os excertos citados foram definidos em razão de sua maior qualidade em termos de exemplificação de elementos presentes, tanto em termos de concepção teórica como de encaminhamento didático das práticas de leitura.

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE LEITURA NOS CADERNOS DO PNAIC

Em linhas gerais, o processo de análise dos textos dos cadernos de formação do PNAIC mostra que a leitura é concebida como um processo interativo entre o leitor e o texto, além de evidenciar a identificação dos sentidos expressos no texto como um fator importante para o desenvolvimento da compreensão leitora. Essa noção refere que, quando o aluno realiza o processo de identificação dos sentidos do texto, ele necessita interagir com o texto lido para compreendê-lo textualmente e assim acessar as mensagens que estão sendo transmitidas. A concepção trazida pelos diferentes textos dos cadernos de formação está de acordo com a posição de leitura como processo de interação leitor-texto, pois, conforme Solé (1998, p. 22), o leitor tenta “satisfazer [obter uma informação pertinente para] os objetivos que guiam sua leitura”; logo, obter essas informações pertinentes significa identificar os sentidos do texto.

Smith (1989, p. 186) aborda sobre a identificação dos sentidos do texto de uma outra forma, isto é, como “redução das incertezas”, pois “o significado que os leitores compreendem, a partir do texto, é sempre relativo àquilo que já sabem e àquilo que desejam saber” porque “a compreensão envolve a redução da incerteza do leitor, que faz perguntas e obtém respostas”. Observe-se que o autor menciona os sentidos do texto quando fala sobre significado, visto que, assim como os sentidos mencionados acima, os significados são uma mensagem expressa no texto, que precisa ser compreendida pelos alunos. Implicitamente o autor também menciona um movimento interativo entre os leitores com o texto quando fala sobre o fazer perguntas e obter respostas do texto, o que requer a interação leitor-texto.

Conforme referido, as teorizações de Smith e Solé mostram que a interação leitor-texto e a identificação dos sentidos através da compreensão textual estão interligadas. Essa dimensão, presente nessas duas teorias revisadas, foi localizada em textos dos cadernos de formação que, embora tomem como referência outros autores, também sustentam sua exposição no âmbito dessa compreensão. A título de ilustração, na Unidade 5, no caderno de educação do campo, cujo foco temático é o trabalho com gêneros textuais em turmas multisseriadas, Tavares e Pessoa (2012), autores do texto “Trabalhando com diversidade e (con)textos”, trazem uma definição de Cafiero para explicar o que é leitura: “ler é atribuir sentidos. E, ao compreender o texto como um todo coerente, o leitor pode ser capaz de refletir sobre ele” (CAFIERO, 2010, p. 86 apud TAVARES; PESSOA, 2012, p. 36).

A posição trazida pelos autores do texto sobre a noção do ato de ler como atribuir sentidos aproxima-se da ideia de leitura como identificação dos sentidos, o que coaduna a visão de Solé (1998, p. 22) quando assim expõe: “[...] o significado que um escrito tem para o leitor não é uma tradução ou réplica do significado que o autor quis lhe dar, mas uma construção que envolve o texto, os conhecimentos prévios do leitor que o aborda e seus objetivos”. Ou seja, os sentidos extraídos através da compreensão textual vão depender de três variáveis: uma delas envolve o texto propriamente dito, e as outras duas envolvem o leitor (conhecimento prévio e objetivos de leitura). Portanto, de certa forma, ao mesmo tempo que se identifica um sentido, também se atribui um sentido, visto que na leitura não se está apenas recebendo informações, mas há uma interação com elas através dos conhecimentos prévios e objetivos leitores. Esse aspecto pode ser observado no texto de Tavares e Pessoa, quando descrevem e refletem sobre o relato de uma prática de ensino feita pela alfabetizadora Rielda Karyna Albuquerque. Veja-se:

No relato da professora Rielda vimos como foram explorados textos de diferentes gêneros: texto expositivo; texto científico; contos; história em quadrinhos, textos instrucionais, legendas, texto não-verbal e cartazes educativos. E vimos também como o trabalho com a leitura foi utilizado como meio para o entendimento de conceitos relativos ao estudo da Língua Portuguesa, das Ciências, da Geografia e da História, trabalhando essas áreas do conhecimento de forma integrada. A professora Rielda tinha uma situação de heterogeneidade na turma, no tocante ao domínio do sistema de escrita alfabética/SEA e da leitura, o que a levou [a professora] a adaptar seu planejamento, introduzindo pausas para que os estudantes pudessem compreender o sentido do texto lido e para discutir os conceitos que iam aparecendo no texto, retomando a leitura quando a temática discutida havia sido entendida. (TAVARES; PESSOA, 2012, p. 36).

Os dois autores desse texto do caderno de formação ainda afirmam que a leitura resulta no e do desenvolvimento intelectual do aluno e que a compreensão do que ele lê está vinculada às suas experiências e conhecimentos prévios. Ao colocarem a identificação de sentidos como um fator importante, Tavares e Pessoa assumem o entendimento de que o discente é capaz de fazer algo que não estava completamente ao seu alcance anteriormente, isto é, refletir sobre o texto lido. E isso acontece em razão do desenvolvimento da capacidade de compreensão leitora, adquirida através da extração de sentidos do texto. Na continuidade do texto citado, e também em outros escritos dos cadernos de formação, afirma-se a identificação de sentidos como um fator importante para a leitura e, esta, como processo de interação leitor-texto.

No contexto das políticas curriculares, o programa PNAIC e os cadernos de formação desempenharam um papel indutor e difusor de conteúdos e objetivos que foram em parte consubstanciados, recentemente, na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2019). Esse processo de indução e difusão ocorreu especialmente por meio da apresentação dos quadros “Direitos de aprendizagem no ciclo de alfabetização - Língua Portuguesa” (BRASIL, 2012b), que instituíram os direitos gerais de aprendizagem para cada área de conhecimento e um conjunto de objetivos e capacidades a serem desenvolvidos dentro de cada uma delas (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Artes e Educação Física). No âmbito da Língua Portuguesa, foram definidos seis direitos gerais de aprendizagem. São eles:

Compreender e produzir textos orais e escritos de diferentes gêneros, veiculados em suportes textuais diversos, e para atender a diferentes propósitos comunicativos, considerando as condições em que os discursos são criados e recebidos.

Apreciar e compreender textos do universo literário (contos, fábulas, crônicas, poemas, dentre outros), levando-se em conta os fenômenos de fruição estética, de imaginação e de lirismo, assim como os múltiplos sentidos que o leitor pode produzir durante a leitura.

Apreciar e usar em situações significativas os gêneros literários do patrimônio cultural da infância, como parlendas, cantigas, trava línguas.

Compreender e produzir textos destinados à organização e socialização do saber escolar/científico (textos didáticos, notas de enciclopédia, verbetes, resumos, resenhas, dentre outros) e à organização do cotidiano escolar e não escolar (agendas, cronogramas, calendários, cadernos de notas...).

Participar de situações de leitura/escuta e produção oral e escrita de textos destinados à reflexão e discussão acerca de temas sociais relevantes (notícias, reportagens, artigos de opinião, cartas de leitores, debates, documentários...).

Produzir e compreender textos orais e escritos com finalidades voltadas para a reflexão sobre valores e comportamentos sociais, planejando e participando de situações de combate aos preconceitos e atitudes discriminatórias (preconceito racial, de gênero, preconceito a grupos sexuais, preconceito linguístico, dentre outros). (BRASIL, 2012b, p. 32).

Também foram elaborados quadros com os descritores dos objetivos e capacidades para cada um dos quatro eixos de ensino: leitura; produção de textos escritos; oralidade; análise linguística (discursividade, textualidade e normatividade); e análise linguística (apropriação do sistema de escrita alfabética). Nos quadros também é indicado em que ano devem ser introduzidos (I), ampliados (A) ou consolidados (C) cada um dos objetivos e capacidades. Entendendo que uma base curricular contém um caráter prescritivo, os descritores do eixo “Leitura” foram analisados visando observar se a interação leitor-texto e o processo de identificação dos significados estão presentes nos objetivos e nas capacidades definidos como conteúdos de ensino.

Os objetivos do eixo leitura são:

Ler textos não verbais, em diferentes suportes; Ler textos [...] com autonomia; Compreender textos lidos por outras pessoas, de diferentes gêneros e com diferentes propósitos; Antecipar sentidos e ativar conhecimentos prévios relativos aos textos a serem lidos [...]; Reconhecer as finalidades dos textos lidos [...]; Ler em voz alta, com fluência, em diferentes situações; Localizar informações explícitas em textos de diferentes gêneros e temáticas [...]; Realizar inferências em textos de diferentes gêneros e temáticas [...]; Estabelecer relações lógicas entre partes de textos de diferentes gêneros e temáticas [...]; Aprender assuntos/temas tratados em textos de diferentes gêneros [...]; Interpretar frases e expressões em textos de diferentes gêneros e temáticas [...]; Estabelecer relação de intertextualidade na compreensão de textos diversos; Relacionar textos verbais e não verbais, construindo sentidos; Saber procurar no dicionário os significados básicos das palavras e a acepção mais adequada ao contexto de uso. (BRASIL, 2012b, p. 33).

Em vários dos descritores relativos à leitura, observa-se a relação entre identificação dos sentidos e interação leitor-texto, sendo que, especificamente em dois deles, essa relação é mais transparente. Em “Antecipar sentidos e ativar conhecimentos prévios relativos aos textos a serem lidos”, é possível perceber que os sentidos abordados não estão necessariamente no texto a ser lido, mas no próprio conhecimento do aluno. E esses conhecimentos são importantes para a compreensão textual porque, através deles, o leitor consegue interagir com o texto e, assim, construir significados.

Smith (1989, p. 188) afirma que “a informação não-visual pode ser empregada para reduzir a incerteza do leitor com antecedência, e para limitar a quantidade de informação visual que deve ser processada”. Para o autor, a informação não visual equivale ao conhecimento prévio do aluno. Portanto, ao afirmar que ela potencializa a redução das incertezas - e entendendo a redução de incertezas como a extração de sentidos, conforme problematizado anteriormente -, percebe-se outra vez o aspecto interativo entre o leitor e o texto atuando na identificação de sentidos e na compreensão textual.

No descritor “Interpretar frases e expressões em textos de diferentes gêneros, lidos com autonomia”, fica nítido que o sentido está localizado no texto propriamente dito, reforçando sua importância no processo interativo, o que gerará a identificação de sentidos, visto que os conhecimentos prévios do aluno não podem se desenvolver sem a presença de informações novas, assim como a leitura de um texto, sem nenhum conhecimento prévio do aluno, também pode gerar a incompreensão. Logo, o resultado esperado da leitura, expresso no descritor “Apreender assuntos/temas tratados em diferentes gêneros, lidos com autonomia”, decorrerá da interação entre esses dois componentes.

Os cadernos de formação do PNAIC trazem relatos de experiências em que docentes alfabetizadoras descrevem as formas e os modos como concebem e encaminham as práticas de leitura em sala de aula. A fim de obter uma visão sobre quais estratégias de leitura são mais referidas, foram analisados 72 relatos, e feita uma classificação das atividades de leitura descritas seguindo a proposição de Solé (1998): ativação do conhecimento prévio; leitura compartilhada; atividades de identificação e relação entre tema geral e ideias principais e a produção de resumos.

Fonte: Elaboração dos autores.

Quadro 1 Classificação dos relatos com base nas estratégias de leitura 

No conjunto de 72 relatos analisados, observa-se o predomínio de registros que abordam aspectos ou encaminhamentos realizados acerca da leitura compartilhada em comparação às demais estratégias, caracterizadas como atividades de ativação do conhecimento prévio ou de compreensão e sistematização da leitura, que, juntas, somam 52 estratégias. A título de informação, foram classificados como atividades de ativação do conhecimento prévio trechos como: “a professora fez a exploração das ilustrações da capa e do título, por meio dos seguintes questionamentos”; “mostrei na capa onde estava escrito o nome do autor e do ilustrador”. Dentro do bloco “leitura compartilhada”, foram incluídas menções como: “à medida que ia lendo, continuava a fazer alguns questionamentos”; “enquanto fazia a leitura no livro, as crianças acompanhavam com o dedo o trecho que era lido no texto recebido”. Por último, nas atividades de tema geral, ideia principal e resumo, foram incluídas citações como: “decidi retomar o que tinha sido discutido e registrar no quadro o que os alunos foram dizendo”; “fizemos uma lista de palavras sobre o que cada personagem gostava de fazer”.

Entre as 126 estratégias classificadas como leitura compartilhada, encontram-se referências a dinâmicas, exercícios, manipulação e uso de objetos ou recursos, comandos dados pela docente, entre outras táticas propostas durante a realização da leitura. Em decorrência da análise dos excertos relativos à leitura compartilhada, é possível problematizar e estabelecer uma crítica à coleção de cadernos de formação do PNAIC em duas dimensões. Por um lado, é notável o acento na ação leitora propriamente dita, a qual é dirigida por um propósito de compreensão leitora capaz de levar os discentes a produzirem sentidos na análise de significados ou na análise da estrutura do texto. Em razão disso, essa preferência parece colocar os momentos anteriores e posteriores à leitura num patamar de menor enfoque. Por outro lado, destacam-se as atividades voltadas para a leitura autônoma, a ser feita pela própria criança, ou para a prática de leitura guiada pelo professor. Sobre essa segunda dimensão, cabe indagar se esse acento não seria decorrência da própria necessidade de afirmação da importância da presença do professor como ledor ou como orientador das práticas de leitura, isto é, o responsável por criar condições de mobilização para a leitura autônoma por parte das crianças. Nessa problematização, considera-se que foram objeto de análise relatos de docentes compilados em cadernos de formação, os quais, via de regra, possuem intencionalidade direcionada para a oferta de repertório didático capaz de incidir na melhoria das práticas de ensino. Contudo, mesmo em se tratando de material orientador para processos de formação continuada, a posição defendida é a de coadunar elementos conceituais e ilustrativos contemplando aspectos teóricos e práticos em torno do conteúdo enfocado, pois, por meio da formação conceitual, o professor pode desenvolver um conjunto de elementos de sustentação da prática de ensino, tornando-se, inclusive, capaz de explicitar de forma mais consciente e consistente as razões pedagógicas mobilizadas quando propõe, por exemplo, determinadas atividades de leitura.

Ainda em termos de análise das estratégias de leitura compartilhada, nessa classificação foram incluídas atividades de análise profunda assim como atividades de análise da estrutura aparente. A análise da estrutura aparente “parte da linguagem acessível ao cérebro através dos ouvidos e olhos” (SMITH, 1989, p. 42) é composta por atividades de análise linguística que visam, por exemplo, a identificação de sílabas, palavras e rimas através da leitura. No caderno de formação do ano 1, unidade 3, na seção Compartilhando, encontra-se um exemplo típico em que a análise da estrutura aparente é explorada com uma parlenda, atividade realizada e relatada pela professora Suzani dos Santos Rodrigues:

No primeiro momento, lemos para a turma um cartaz com a parlenda e a ilustração iguais às do livro. Destacamos a palavra TATU. Perguntamos à turma se alguém sabia o que era um tatu. A maioria disse que sabia:

- Sim, tia, já vi na televisão, respondeu Kaillan, todo entusiasmado.

- Já, tia, mas nunca vi um de verdade, disse Artur.

Indaguei se alguém sabia onde estava escrita a palavra “TATU”. 50% da turma acertou, apontando com o dedo para a palavra no cartaz. Em seguida, perguntei sobre o que essas palavras tinham em comum: “COCHICHA e ESPICHA” e “ESCUTA e ENCURTA”. Um deles me respondeu pensativo:

- O...“CHA”?? O “CHA” DE “COCHICHA” é o mesmo de “ESPICHA”. Vê, tia: COCHI-CHA, ES-PI-CHA (falando mais alto a última sílaba das duas palavras).

- Muito bem! - respondi, sorrindo. E “ESCUTA e ENCURTA”? - indaguei.

Muitos ficaram repetindo silabando, uns baixinho e outros mais alto:

- ES-CU-TA, EN-CUR-TA. Já sei tia, já sei tia, o “TA”.

- Isso mesmo, o som final - respondi.

Perguntei se tinham outras palavras com esse som final, que não estavam no texto. Tainá disse:

- ENXUTA, CHUTA.

Através do cartaz, perguntei:

- E TU e TATU?

Todos em coro, rindo e tentando responder primeiro, falaram:

- O TU, tia, o TU... O TU, tia, o TU... (BRASIL, 2012c, p. 29-30).

Já as atividades de análise da estrutura profunda são aquelas que privilegiam a extração de significados presentes num texto. A atividade mais realizada durante o ato de ler envolve questionamentos feitos pela professora aos alunos visando que estes exponham sua interpretação sobre o que está sendo lido. Os questionamentos procuram auxiliar as crianças a estabelecerem previsões e a verificá-las para, dessa forma, exercerem um controle da compreensão textual. Já a segunda atividade mais proposta requer das crianças a capacidade de avaliar e explicitar sua compreensão sobre as ideias trazidas pelo texto, o que envolve principalmente atividades de localização, seleção, agrupamento e sequenciamento de informações.

Esses tipos de atividades classificadas como pertencentes à leitura compartilhada, que têm como foco a exploração dos sentidos do texto, frequentemente, são mediadas por perguntas estabelecidas pela professora, pois geralmente é ela quem guia o diálogo com as crianças e define o curso ou enfoque da abordagem interpretativa. Exemplo desse movimento envolvendo atividades de análise da estrutura profunda de um texto pode ser observado na prática da professora Rielda Karyna Albuquerque, trazido em relato do caderno do ano 2, unidade 5:

A professora iniciou o segundo momento retomando a leitura do livro “Muitas maneiras de viver”. Questionou os alunos sobre o que tinha sido visto no livro e registrou no quadro o que eles falaram: Professora - Sobre o que o livro está falando? Crianças - As muitas maneiras de viver. P - De que maneiras o livro fala? Crianças - Moradias (iglu, oca), tipos de casamentos, as roupas (as vestimentas), as maneiras diferentes de brincar e os brinquedos (gangorra, amarelinha, boneca de palha de milho, jogos, boneca de madeira); P - Esses brinquedos, eles contam a história de quem? Por quem são construídas essas bonecas de pano? Crianças - Índios. P - Para vocês essas maneiras de viver (as moradias, as roupas, os hábitos alimentares e os brinquedos) podem contar a história de um povo? C - Sim. P - Por quê? (DUBEUX; CARVALHO; TEIXEIRA, 2012, p. 15).

Além de as professoras se valerem de perguntas para conduzir as atividades de leitura compartilhada, elas também são utilizadas nas atividades voltadas para extração do tema geral e das ideias principais de um texto com o propósito de mobilizar as crianças a explicitarem suas percepções, que depois podem ser sistematizadas em tabelas ou cartazes.

Entre os relatos trazidos pelos cadernos de formação, alguns deles mostram como a interação do leitor com o texto por meio da identificação dos sentidos e o desenvolvimento da compreensão textual são explorados com as crianças em sala de aula. Para apresentar e discutir esse aspecto, destaca-se um texto do caderno do ano 1, unidade 2, intitulado “As rotinas da escola e da sala de aula: referências para a organização do trabalho do professor alfabetizador”, elaborado por Andréa Tereza Brito Ferreira e Eliana Borges Correia de Albuquerque (2012). O texto aborda as diferentes concepções acerca do processo de planejamento e organização das rotinas pedagógicas no trabalho com a leitura e a escrita. Inicialmente, as autoras falam sobre a concepção de organização do trabalho pedagógico antes do surgimento das ideias construtivistas. Em seguida, relatam o impacto que as más interpretações das ideias construtivistas trouxeram para a organização do trabalho pedagógico. E, por fim, trazem uma proposta de planejamento em que a prática realizada favorece o desenvolvimento das capacidades de leitura e escrita dos alunos. Para isso, as autoras analisam o relato de experiência da professora Ana Cristina Bezerra da Silva, destacando alguns pontos que também ilustram aspectos discutidos neste artigo. As autoras do texto, com base no relato feito pela professora Ana Cristina, referem que “o estabelecimento de uma rotina no cotidiano da sala de aula favorece a interação dos alunos, sobretudo com os objetos do conhecimento” (FERREIRA; ALBUQUERQUE, 2012, p. 21), o que demonstra a presença de uma concepção interativa nos processos mais gerais de ensino-aprendizagem.

No que se refere à temática em discussão, a concepção de leitura como interação leitor-texto é apresentada de forma mais transparente. Na análise que fazem do relato da professora Ana, as autoras destacam que “todos os dias os alunos são levados a refletir sobre as unidades menores das palavras por meio de atividades que envolvem a leitura de poemas ou outros gêneros textuais” (FERREIRA; ALBUQUERQUE, 2012, p. 27). Essa abordagem evidencia o modelo ascendente e descendente acontecendo de forma simultânea por meio de atividades de interação dos alunos com textos e, ao mesmo tempo, de análise acerca das unidades menores da língua, o que auxilia no processo de decodificação grafofonêmica.

As autoras ainda discutem um outro trecho do relato da professora Ana Cristina: “[...] Desenvolvo, por exemplo, a leitura de livros de literatura diariamente em classe no início da aula. [...] Em outros momentos, proponho a leitura dos textos trabalhados e expostos em sala [...]” (FERREIRA; ALBUQUERQUE, 2012, p. 22). Em relação a esse registro, as autoras chamam a atenção para as práticas leitoras como atividades permanentes do processo de planejamento e organização do trabalho pedagógico da professora Ana Cristina, o que está de acordo com a perspectiva de Smith (1989), que valoriza o trabalho exaustivo com práticas de leitura para o desenvolvimento da compreensão textual.

As reflexões que Ferreira e Albuquerque fazem sobre a prática da professora Ana Cristina mostram a presença de dois pontos importantes explorados ao longo deste artigo: a interação leitor-texto nas atividades de leitura e o trabalho sistemático voltado para a compreensão textual. Além disso, na prática relatada pela professora Ana Cristina, os três direitos de aprendizagem acima abordados são trabalhados, visto que, ao se fazerem questões precedentes à leitura, se está trabalhando a ativação dos conhecimentos prévios; ao se propor a leitura de textos trabalhados em sala de aula, se está trabalhando a interpretação textual; e, juntas, essas duas ações geram novos conhecimentos aos alunos por meio da leitura.

Ao trazer vários relatos em que se expõe sobre atividades voltadas para a ativação do conhecimento prévio, os autores dos textos dos cadernos de formação demonstram que esses conhecimentos são importantes para a compreensão textual, o que descentraliza o entendimento da decodificação como atividade central do ato de ler. Da mesma forma, ao trazerem diferentes tipos de atividades de leitura compartilhada, os textos dos cadernos mostram que somente a ativação dos conhecimentos prévios não será suficiente para a extração de sentidos do texto, o que requer, portanto, explorar os diferentes elementos que compõem o texto (letras, palavras, significados, entre outros). Para isso, é preciso propor atividades que ajudem a criança a pensar sobre o que lê, o que pode envolver a realização de exercícios em que ela analisa, faz inferências, estabelece relações e sistematiza ideias e informações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos textos dos cadernos de formação do PNAIC mostra que há presença de vários elementos teóricos e práticos alinhados à perspectiva interativa de leitura. Esse alinhamento pôde ser observado tanto nos textos que apresentam aspectos teóricos sobre a leitura quanto nos relatos de experiência que versavam sobre práticas de leitura realizadas com as crianças. Entretanto, nem sempre os elementos de fundamentação estavam explicitamente indicados, especialmente nos relatos de experiências que versam sobre práticas de leitura realizadas no ciclo de alfabetização.

Conforme exposto e discutido, reitera-se que a atribuição de sentido tem relação com a interação leitor-texto e, para que esse processo aconteça, o leitor necessita interagir com o texto por meio da ativação e exposição de seus conhecimentos prévios. Esse processo é ampliado por meio de atividades que visam à extração dos sentidos do texto. Nessas atividades, o leitor é estimulado a relacionar seus conhecimentos prévios com as mensagens expressas no material escrito e, em razão dessa interação, novos conhecimentos são elaborados.

Ainda com base nas análises feitas, é possível afirmar que os cadernos do PNAIC apresentam a leitura como interação do leitor com o texto por meio da promoção e do desenvolvimento de estratégias cognitivas, tendo como principal base os estudos de Solé (1998). Essa dimensão também foi observada por Cruz e Martiniak (2018) em pesquisa que envolveu a análise de teses e dissertações que tiveram como objeto de estudo o tema da leitura no âmbito dos cadernos e das práticas de formação do PNAIC.

Do ponto de vista formativo, observa-se que os textos dos cadernos de formação priorizam relatos de experiências em que se localizam boas práticas de orientação da leitura. Pode-se levantar como hipótese que tais escolhas pretendem, obviamente, apresentar modelos que possuem adequação aos estudos sobre leitura tanto em termos conceituais como didáticos, oferecendo, desse modo, recursos e exemplos qualificados de práticas de leitura para que alfabetizadoras possam planejar a sua prática pedagógica.

No entanto, a partir da análise dos textos e relatos que compõem os cadernos de formação do PNAIC, é preciso levantar algumas questões sobre o processo de formação de professores, sobretudo em relação à centralidade ocupada pelos relatos de experiência - colocados como exemplos -, pois estes trouxeram poucos registros sobre momentos de ativação do conhecimento prévio ou de fechamento das ideias trabalhadas no texto, o que pode ter limitado a reflexão das participantes do programa sobre aspectos que as fariam pensar teoricamente sobre a complexidade do ensino sistemático da leitura.

Ainda em termos de crítica, é preciso destacar circunscrições típicas de material produzido para processos instrucionais ou de formação. No caso da exploração da temática leitura nos cadernos de formação, observou-se um desequilíbrio entre as dimensões teóricas e práticas (didáticas) e, inclusive, entre as próprias dimensões práticas, como demonstrado na classificação dos relatos com base nas estratégias de leitura. Nos textos e relatos analisados, os elementos didáticos preponderam sobre os conceituais que, em geral, estão implícitos. Em várias situações discursivas, somente o leitor informado poderia nomear as bases teóricas subjacentes, que fundamentam os encaminhamentos didáticos propostos.

Finalmente, destaca-se a importância de investigar e discutir concepções e pressupostos teóricos e metodológicos que embasam a leitura e o seu ensino em cadernos e materiais utilizados em programas de formação continuada de professores. O que se advoga é que os profissionais em processo de formação possam ter acesso a pressupostos teóricos e didáticos que os auxiliem a analisar suas práticas e a ampliar a sua capacidade de planejamento, ação e reflexão pedagógicas de forma cada vez mais autônoma e adequada às necessidades dos seus estudantes. Para uma alfabetização bem-sucedida, conforme defende Magda Soares (2018, p. 334), é preciso que ela seja construída pelas professoras alfabetizadoras que, “[...] compreendendo os processos cognitivos e linguísticos do processo de alfabetização, e com base neles desenvolvem atividades que estimulem e orientem a aprendizagem da criança, identificam e interpretam dificuldades em que terão condições de intervir de forma adequada [...]”. Nessa direção, processos de alfabetização e de formação docente precisam considerar e debater práticas realizadas, buscando evidenciar e problematizar as teorias que as sustentam, seja de forma implícita ou explícita, a fim de auxiliar os professores a pensarem e realizarem, com autonomia intelectual, o trabalho pedagógico.

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1O projeto Pensamento Pedagógico e Desenvolvimento Profissional Docente é coordenado pela primeira autora e desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisa GEALE. Conta com financiamento da CAPES e do CNPq.

Recebido: 07 de Abril de 2021; Aceito: 17 de Agosto de 2022

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Os autores declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo.

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