INTRODUÇÃO
A IES envolvida nesta pesquisa participou de todos os editais do PIBID e neles teve aprovação. O primeiro deles foi o Edital MEC/CAPES/FNDE PIBID (CAPES, 2007), com incentivo à docência nas áreas de Biologia, Física, Matemática e Química. Nos demais editais, todas as licenciaturas da IES puderam ser incluídas. O PIBID/IES foi organizado de acordo com as exigências dos editais, tendo um professor coordenador institucional, um professor coordenador de área por subprojeto, professores supervisores em exercício em escolas da educação básica e licenciandos. Nos cinco editais aprovados, o PIBID/IES foi desenvolvido em reuniões semanais dos subprojetos, uma na escola e outra na universidade, e reuniões mensais dos coordenadores. Em dois editais, o projeto teve um gestor de assuntos educacionais, também professor de uma das licenciaturas. Consta no site da CAPES (2020, p. 1) que
o PIBID é uma ação da Política Nacional de Formação de Professores do Ministério da Educação (MEC) que visa proporcionar aos discentes dos cursos de licenciatura uma aproximação prática com o cotidiano das escolas públicas de educação básica e com o contexto em que elas estão inseridas. O programa concede bolsas a alunos de licenciatura participantes de projetos de iniciação à docência desenvolvidos por instituições de educação superior (IES) em parceria com as redes de ensino. Os projetos devem promover a iniciação do licenciando no ambiente escolar ainda na primeira metade do curso, visando estimular, desde o início de sua formação, a observação e a reflexão sobre a prática profissional no cotidiano das escolas públicas de educação básica. Os discentes são acompanhados por um professor da escola e por um docente de uma das instituições de educação superior participantes do programa.
Em todos os editais aprovados no PIBID/IES, uma das atividades desenvolvidas foi a produção de portfólios em todos os subprojetos, e disso resultou um conjunto de mais de uma centena de portfólios. Neste artigo, denominam-se de apostas formativas os argumentos extraídos dos editais para o uso dos portfólios.
Com o objetivo de identificar proposições oriundas das pesquisas para o uso dos portfólios na formação de professores e relacioná-las com as apostas formativas assumidas em todos os editais aprovados pela CAPES no PIBID/IES, fez-se o mapeamento de pesquisa sobre a produção de portfólios na formação de professores. Inicialmente, descrevem-se as metodologias de busca e de constituição do corpus do mapeamento realizado, com base em Biembengut (2008). Destacam-se a distribuição dos artigos no Brasil e no mundo e a difusão dos portfólios como artefato formativo.
Na sequência, apresenta-se como o portfólio foi proposto e desenvolvido no projeto ao longo de dez anos. Depois, são abordadas as apostas formativas assumidas para o desenvolvimento dos portfólios no início do PIBID/IES. Por fim, é realizada a articulação entre essas apostas formativas e as categorias de análise resultantes do mapeamento.
METODOLOGIAS DE BUSCA E DE CONSTITUIÇÃO DO CORPUS
Para a constituição do corpus de análise, empregou-se a metodologia do mapeamento fundamentada por Biembengut (2008), utilizada em pesquisas de Antiqueira (2018), Cruz et al. (2019) e Maurell, Machado e Pereira (2019), entre outras. No escopo da pesquisa educacional, o mapeamento permite formar imagens da realidade e dar sentido às muitas informações, captando traços e características relevantes, representando-as e explicitando-as para quem tal construção possa interessar, até mesmo com vistas a agir e intervir nessa realidade (BIEMBENGUT, 2008).
O mapeamento tem seus procedimentos organizados em três etapas: identificação, classificação/organização e reconhecimento/análise (BIEMBENGUT, 2008). No que se refere ao processo de identificação dos artigos nacionais, inicialmente, foi realizada a busca das revistas nacionais por meio da Plataforma Sucupira, sendo selecionadas as opções: evento de classificação “classificações de periódicos quadriênio 2013-2016”, área de avaliação “Educação” e classificação A1, A2 e B1. Diante desses critérios, obteve-se uma listagem com 121 periódicos de Qualis A1, 380 periódicos de Qualis A2 e 542 periódicos de Qualis B1.
Posteriormente, acessaram-se os sites desses periódicos, na parte denominada “Pesquisa”, quando disponível, buscando-se pela palavra “portfólio” para ser encontrada no escopo de busca “todos”, ou seja, em título, resumo, termos indexados e texto completo. Em alguns sites, constava apenas a opção “Busca”, ou o ícone de uma lupa, e foi feita a mesma busca pelo termo “portfólio” para ser encontrado no conteúdo do periódico. Esse levantamento resultou em 147 artigos, sendo 69 de Qualis B1, 11 de Qualis A1 e 67 artigos de Qualis A2. Os artigos internacionais tiveram outro procedimento de busca.
Na sequência, foram lidos os resumos, e, quando necessário, fez-se consulta ao texto integral. O objetivo foi selecionar artigos referentes ao uso de portfólios na formação de professores, excluindo-se aqueles em que, por exemplo, o termo “portfólio” constava apenas nas referências, ou ainda, no contexto de outra área de conhecimento. Concluída a etapa de identificação, foram selecionados 43 artigos nacionais, assim distribuídos: 25 artigos Qualis B1, quatro artigos Qualis A1 e 14 artigos Qualis A2.
Na Figura 1, apresenta-se a distribuição desses artigos de acordo com o ano de publicação e o Qualis; pode-se observar que a produção de conhecimento sobre o uso de portfólios na formação de professores em revistas de Qualis A1, A2 e B1 resultantes da busca apareceu no Brasil em 2001. Constata-se, também, que os anos com maior número de publicações foram 2012 e 2014, com sete produções em cada ano. Em 2004 e 2005, não houve publicações nos Qualis especificados.
Há variações no número de artigos produzidos; no entanto, nos anos de 2012 a 2019, essa produção teve maior crescimento em relação aos anos anteriores, o que sugere a permanência de interesse no tema por parte dos pesquisadores. É importante observar, tendo em conta as regiões geográficas brasileiras, a distribuição nos periódicos em que esses artigos foram publicados, conforme observado na Figura 2.
Conforme observado na Figura 2, a região Sudeste concentra a maioria dos artigos publicados sobre a temática em foco, totalizando 34 artigos, o que corresponde a 79% da produção. A distribuição dos artigos ocorre em periódicos de três estados: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Na região Sudeste, o estado com maior número de artigos publicados é São Paulo, com 29 artigos em 11 periódicos, dos quais fazem parte: a Revista Estudos em Avaliação Educacional, com sete publicações, ou seja, com quase 20% do total, a Revista Eletrônica de Educação e a Revista Química Nova na Escola. As duas últimas têm quatro publicações cada uma, equivalente a 9% do total. O Quadro 1 apresenta esses periódicos, o nome dos autores, o ano de publicação do artigo, a instituição à qual os autores são filiados, o local da instituição e o título de cada um dos artigos.
Também contribuíram para as produções no estado de São Paulo, a Revista Bolema e a Revista Comunicações, ambas com três artigos e o correspondente a 7% do total cada.
Ainda no estado de São Paulo, a Revista Psicologia Escolar e Educacional e a Revista Educação: Teoria e Prática tiveram duas publicações cada, totalizando 9% do total da produção. Também integraram a produção desse estado os artigos publicados na Revista Educação Temática Digital, Revista E-curriculum, Revista Interface e Revista Ibero Americana, o que resultou em quatro artigos e em 9% do total da produção. Essas informações podem ser observadas no Quadro 2, que também exibe os autores, a instituição à qual o autor está filiado e o título do artigo.
Na sequência, na região Sudeste, o estado do Rio de Janeiro teve quatro artigos publicados em dois periódicos: Revista Meta-Avaliação, com três artigos (7% do total da produção) e Revista Educação e Cultura Contemporânea, com um artigo (2% do total da produção).
Por último, no estado de Minas Gerais, a Revista Trabalho & Educação teve um artigo publicado, isto é, 2% do total da produção. As informações sobre autores, instituição à qual os autores estão filiados e título dos artigos publicados nesses dois estados são apresentadas no Quadro 3.
A região com a menor porcentagem de artigos é a região Norte, com apenas um artigo publicado, ou seja, 2%. O periódico em que consta a publicação é a Revista Cocar.
De acordo com a Figura 2, mostrada anteriormente, observa-se que as regiões Nordeste e Sul têm a mesma porcentagem de produção, ou seja, ambas com 7% do total. Na região Nordeste, foram publicados três artigos, distribuídos em estados distintos (Sergipe e Pernambuco). Os periódicos relacionados são Revista Tempos e Espaço em Educação (com dois artigos) e Revista da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM), com um artigo publicado.
Na região Sul, houve uma publicação em cada estado (Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina). Contribuíram para essa produção a Revista Diálogo Educacional, Cadernos de Educação e Atos de Pesquisa em Educação.
A região Centro-Oeste contribuiu com duas publicações no Distrito Federal, resultando em 5% do total. Os periódicos relacionados foram Linhas Críticas e Retratos da Escola. O nome dos autores, o título de cada artigo das regiões Norte, Nordeste, Sul e Centro-Oeste e a instituição à qual o autor está filiado podem ser visualizados no Quadro 4, assim como o percentual da produção de cada região.
As informações discutidas não surpreendem, em razão de as revistas serem vinculadas a organizações, programas de pós-graduação e sociedades situadas em maior quantidade na região Sudeste do país, com maior tradição em cursos de pós-graduação. Ao atentar para as instituições às quais os autores dos artigos estão filiados ou onde fazem pós-graduação, percebe-se que a temática se espalha nos estados, mais intensamente nas regiões Sul e Sudeste, como mostrado no Quadro 5, mas está presente em todas as regiões geográficas brasileiras.
No que se refere ao processo de identificação dos periódicos internacionais, com o objetivo de ampliar a compreensão sobre os contextos em que o portfólio na formação de professores tem sido pesquisado, usou-se a ferramenta de busca dos Periódicos da CAPES. A busca sem filtro foi feita com o termo “portfólio” em qualquer parte do texto em diferentes intervalos de tempo.
Considerando o número elevado de artigos, foram feitos dois recortes e selecionados artigos com a expressão “portfólio” no título e no tópico “Teacher Education”. Optou-se pelo levantamento de artigos publicados em qualquer ano para compreender o uso dos portfólios ao longo do tempo. Assim, foram selecionados 137 artigos, sendo que, na busca pelos artigos completos, não foi possível acessar três deles. O conjunto de artigos internacionais completos foi de 134, em busca realizada em dezembro de 2019. O Quadro 6 mostra a distribuição dos periódicos e sua classificação.
Analisando-se as temáticas a que se referem os periódicos, nota-se a diversidade de áreas em que o portfólio na formação de professores tem sido pesquisado. Percebe-se também que a maioria dos artigos foi publicada em periódicos cuja avaliação corresponde a Q1 e Q2.
A distribuição dos artigos nacionais e internacionais, por ano de publicação, pode ser observada no gráfico representado na Figura 3.
A distribuição por ano de publicação mostra que a produção nacional sobre portfólios na formação de professores é posterior ao aparecimento da produção internacional.
Com os dois conjuntos de artigos, 43 nacionais e 134 internacionais, e a constituição do corpus de 177 artigos, foi dado prosseguimento ao mapeamento, com a realização da etapa de classificação/organização. Para Biembengut (2008, p. 93), nesta etapa, “não se trata apenas de levantar as pesquisas existentes e relatá-las como parte de sequência histórica linearmente trabalhada”. A autora complementa que se trata de “identificar os pontos relevantes ou significativos que nos valham como guia para compreender os segmentos já pesquisados e expressos de forma a nos permitir elaborar um sistema de explicação ou de interpretação” (BIEMBENGUT, 2008, p. 93). Ao encontro disso, construiu-se um mapa das pesquisas, como menciona Biembengut (2008), que é um exercício para compreender os fatos, ponderá-los, compará-los, rejeitar alguns, conservar outros, reunindo elementos que possam vir a constituir-se em embasamento para o pesquisador.
Inicialmente, procedeu-se à leitura dos resumos, com foco em identificar: objetivos da pesquisa apresentada no artigo; objetivos do uso de portfólios analisados e seus contextos; as metodologias de pesquisa e os resultados alcançados.
A etapa de reconhecimento/análise, de acordo com Biembengut (2008, p. 96), deve possibilitar ao pesquisador “respostas essenciais para formular preceitos, desvelar suas causas ou seus efeitos de modo plausível, apreciar os méritos de cada pesquisa. E uma análise mais criteriosa propicia conceber novas experiências e novas ideias para fundamentar a pesquisa”. Os dados foram examinados segundo a ATD, metodologia de cunho fenomenológico e hermenêutico, desenvolvida especialmente em três movimentos: a unitarização, a categorização e a produção de metatextos (MORAES; GALIAZZI, 2016).
A unitarização dos textos foi realizada segundo os focos escolhidos (objetivos da pesquisa, objetivos do uso de portfólios, metodologia e resultados). Seguiu-se com a categorização em processos recursivos e inclusivos. O processo recursivo de categorização, a partir das 237 unidades de significado, deu origem a 57 categorias iniciais, que, por aproximação de sentidos, resultaram em 17 categorias intermediárias. Estas categorias, em nova aproximação de sentidos, originaram as sete categorias finais: olhar sobre o portfólio em si; o portfólio para avaliação do professor; o portfólio como reflexão do estudante; o portfólio como rede de formação; o portfólio como artefato institucional para certificação, o discurso dos participantes sobre os portfólios; e o discurso bibliográfico sobre os portfólios.
Chegando-se ao conjunto de categorias finais para a análise, destacam-se a seguir algumas constatações respaldadas pelo quantitativo de unidades de significado distribuídas em artigos nacionais e internacionais. Foram 57 unidades de significado em artigos nacionais e 180 em artigos internacionais, ou seja, o corpus teve a contribuição de 24% em artigos nacionais e 76% em artigos internacionais, como indicado na Tabela 1.
Categorias Finais | Unidades de Significado | ||||
---|---|---|---|---|---|
Nac. | Inter. | Total | Nac. (%) | Inter. (%) | |
Portfólio como avaliação do professor | 7 | 18 | 25 | 28 | 72 |
Portfólio como reflexão | 7 | 23 | 30 | 23 | 77 |
Portfólio como rede de formação | 25 | 38 | 63 | 40 | 60 |
Olhar sobre o portfólio em si | - | 23 | 23 | - | 100 |
Discurso teórico e bibliográfico sobre os portfólios | 4 | 9 | 13 | 31 | 69 |
Discurso dos participantes sobre portfólios | 14 | 39 | 53 | 26 | 74 |
Portfólio como artefato institucional | - | 30 | 30 | - | 100 |
Total | 57 | 180 | 237 | 24 | 76 |
Fonte: Elaborado pelas autoras
Observando-se a Tabela 1 e levando-se em conta o foco nos aspectos pedagógicos revelados nas três categorias - o portfólio para avaliação do professor, o portfólio como reflexão do estudante e o portfólio como registro da rede de formação -, destaca-se a importância dada aos portfólios como expressão da rede de formação, perfazendo, assim, 40% das unidades de significado nos artigos nacionais. Ainda, salienta-se essa importância nos artigos internacionais, totalizando 60% das unidades de significado.
A categoria “Olhar sobre o portfólio em si” expressou aspectos sobre metodologias para construção e pesquisa de portfólios, desafios e avaliação de portfólios. Foi constituída somente por unidades de significados em artigos internacionais.
Observou-se, ainda, um conjunto de artigos que analisaram o discurso sobre os portfólios, não tendo informações empíricas. Esta categoria final recebeu o nome de “Discurso bibliográfico sobre os portfólios”. Do conjunto de unidades de significado, 31% dos artigos nacionais e 69% de artigos internacionais atentaram para a produção bibliográfica de conhecimento sobre os portfólios.
Outra constatação é sobre o conjunto expressivo de pesquisas realizadas a partir da produção de informações por questionários, entrevistas individuais, grupos focais sobre o uso dos portfólios e outros procedimentos produzidos a partir de questionamentos de quem desenvolveu os portfólios, geralmente, estudantes de licenciatura. A distribuição das unidades de significado entre artigos nacionais e internacionais foi de 26% e 74%, respectivamente, compondo a categoria final “Discurso dos participantes sobre portfólios”.
Do conjunto de unidades de significado provenientes de artigos internacionais, constatou-se que houve, especialmente nos Estados Unidos da América (EUA), mas não exclusivamente, o uso de portfólios como documentos para a aprovação e certificação dos estudantes pela instituição formadora. Desse conjunto, as unidades de significado apontaram para a indicação de modelos e guias para a produção e desenvolvimento de portfólio e também o portfólio como documento de apresentação na busca de emprego. Essas unidades de significado compuseram a categoria final “Portfólio como artefato institucional para certificação”. A seguir, descrevem-se a proposição do portfólio no PIBID/IES e suas apostas formativas.
O PORTFÓLIO NO PIBID/IES E AS APOSTAS FORMATIVAS
Desde o primeiro edital em 2007, a produção de portfólios nos diferentes subprojetos do PIBID/IES sustenta-se no princípio epistêmico de produção de conhecimento da escrita (MARQUES, 1997; WELLS, 1999; 2001; GALIAZZI, 2003) em que por ser um artefato cultural, ao ser praticada, desenvolve quem a exercita. Relacionada à ênfase epistêmica, também estava a roda de formação como modo de produção de conhecimento (WARSCHAUER, 1993; 2001).
Na época, a intenção de produção de portfólios teve fundamento em Sá-Chaves (2005), Villas-Boas (2005), Warschauer (2001) e Dias (2005), e a orientação foi de uma escrita semanal realizada por um dos participantes do subprojeto, com registro sobre as atividades desenvolvidas nas escolas e na reunião semanal na IES. Os portfólios circularam semanalmente entre os participantes de um mesmo subprojeto. A proposta pautou-se no registro das atividades realizadas, na escrita e na leitura no grupo, considerando que, deste escrever e desta escrita, poderiam resultar aprendizagens sobre a docência. O conteúdo da escrita não era avaliado, mas esta era considerada atividade no subprojeto e, portanto, obrigatória.
Inicialmente, os portfólios foram recolhidos mensalmente pela coordenação institucional, que leu as informações neles contidas e escreveu aos bolsistas. A partir do segundo edital aprovado, a orientação da escrita nos portfólios ficou sob responsabilidade dos professores coordenadores de área. Os portfólios foram entregues à coordenação institucional na realização dos Seminários Institucionais do PIBID/IES, ao final de cada ano do projeto. Do período de 2009 a 2018, resultou mais de uma centena de portfólios.
A primeira aposta formativa foi a potência epistêmica da escrita, ou seja, desenvolver, inextricavelmente, o sujeito que produz e usa o artefato cultural da escrita. Galiazzi (2003), amparada por Marques (1997), argumenta sobre a importância do escrever para pensar. Da mesma forma, Wells (1999) propõe processos formativos de escrita e de leitura entre pares na sala de aula como estratégia para o desenvolvimento de professores.
A segunda aposta formativa foi a rede de formação, em que a todos é possível e todos se beneficiam em participar da escrita em portfólios, com seus modos de escrever em suas diferentes linguagens. Firme (2011), ao pesquisar os portfólios deste PIBID, sustentou a escrita em portfólios especialmente em Villas-Boas (2005), Sá-Chaves (2005), Dias (2005) e Araújo (2007). Villas-Boas (2005) sustenta que todos os alunos podem beneficiar-se do uso de portfólios porque conseguem apresentar suas produções de diferentes formas. A utilização de outras formas de linguagem favorece a participação dos alunos e também sua constituição como professores, ao mesmo tempo em que eles assumem sua responsabilidade pela execução do portfólio.
A exposição dos desafios da sala de aula foi a terceira aposta, pautada na escrita para os estudantes lidarem, especialmente, com as adversidades da sala de aula. Os portfólios foram escritos majoritariamente por estudantes no processo de sua formação. De acordo com Sá-Chaves (2005), a elaboração de um portfólio possibilita a formação de professores que se tornam capazes de responder às situações de incerteza e de imprevisibilidade presentes nos contextos de atuação da docência contemporânea. Warschauer (2001) propôs registros nas rodas de formação como a possibilidade de enfrentamento dos desafios que a sala de aula apresenta.
A mediação pelo professor formador foi a quarta aposta formativa nos portfólios. A elaboração de um portfólio é uma estratégia para evidenciar o fluir dos processos subjacentes ao modo pessoal como cada qual se apropria singularmente da informação, reconstruindo o seu conhecimento pessoal prévio. Isso permite ao professor/formador compreender e intervir atentamente nesses mesmos processos (FIRME, 2011; SÁ-CHAVES, 2005).
O portfólio como artefato de reflexão do estudante foi a quinta aposta formativa. Sá-Chaves (2005) argumenta que o portfólio reflexivo favorece perceber os preconceitos, as convicções, os conhecimentos de quem o produz, podendo, assim, ser instrumento de ampliação de compreensão contextualizada. O portfólio reflexivo, embora sendo um processo de intensa reflexão individual, necessita de interação com os outros. Importante contribuição para a compreensão da produção dos portfólios no PIBID/IES, em seu início, alicerçou-se em Dias (2005), por apostar no registro das reflexões para poderem ser pensadas e reinventadas em processos recursivos de reflexão.
O portfólio permite o acesso aos significados que os estudantes atribuem ao que decidem registrar. Dessa forma, o licenciando, ao elaborar um portfólio, terá condições de observar e analisar seus percursos de formação, pois a reflexão está entre o pensar e o fazer, entre o conhecer e o agir.
A apropriação de referenciais teóricos sobre a docência foi a sexta aposta formativa. Segundo Sá-Chaves (2005), é importante que o licenciando se aproprie de referenciais teóricos das realidades em questão, de metodologias de ação e de procedimentos no trabalho docente de sala de aula. Ao apropriar-se de referenciais teóricos, o professor tem a possibilidade de refletir sobre os problemas da prática, contextualizados com o meio social, cultural, político e ideológico, e compreender melhor seu trabalho docente.
O portfólio coletivo foi a sétima aposta formativa. A escrita no portfólio coletivo possibilita o desenvolvimento do trabalho em grupo, a partilha de ideias e a construção da responsabilidade de cada participante na elaboração desse portfólio, favorecendo a autoformação e a transformação dos envolvidos. O portfólio, como uma possibilidade de formação em grupo, depende do compromisso de cada participante que nele escreve, lê e reescreve, propiciando a discussão das experiências vivenciadas na escola e nos encontros presenciais na IES, durante o processo de formação inicial e continuada, na articulação entre a universidade e a escola básica. As palavras de Warschauer (2001, p. 190) são elucidativas a esse respeito: “A escrita da experiência, quando é lida por outros, leva-nos a sair de nós mesmos para sermos capazes de partilhar os pensamentos, provocando a passagem do implícito para o explícito [...]. É um movimento formador porque distanciador: nosso olhar recebe um outro reflexo”.
MAPEAMENTO E APOSTAS FORMATIVAS
Apresentam-se, neste item, as aproximações e os distanciamentos entre as proposições para o uso de portfólios na formação de professores oriundas das pesquisas levantadas no mapeamento e as apostas formativas. Como o objetivo do artigo é articular resultados de pesquisas com as apostas formativas em um processo de formação, não foi analisada a categoria “Discurso dos participantes sobre os portfólios”.
A segunda aposta formativa articula-se com a categoria “Portfólios como registro da rede de formação”, pois os portfólios registram a colaboração entre os participantes, estabelecendo-se, assim, um processo coletivo em que todos se beneficiam com a escrita. Esta mesma categoria aproxima-se da terceira aposta formativa, em que se registram as incertezas dos estudantes e suas decisões frente às imprevisibilidades e às dinâmicas da sala de aula.
Percebe-se, ainda, aproximação entre esta categoria, em que se reuniram artigos abordando pesquisas sobre portfólios como registro do processo de ensino e aprendizagem, no que se inclui a mediação do colega e do professor, e a quarta aposta formativa. Considerando que, pelo desenvolvimento de portfólios coletivos, se aprende a trabalhar em grupo, a prestar mais atenção no colega e a ser responsável pela própria formação e também pela formação do colega, esta categoria aproxima-se da sétima aposta formativa. Nesta categoria, entretanto, de todos os trabalhos analisados, apenas um apostou em portfólio coletivo e em somente um houve interação entre os portfólios, aspectos que se apresentam como potência na rede de formação e merecem maior atenção.
Foram percebidas aproximações entre a categoria “Portfólio como reflexão do estudante” e a quinta aposta formativa, pois se sustentou o uso dos portfólios por documentarem compreensões dos alunos sobre sua atividade na sala de aula, o que promoveu diálogos sobre essas compreensões. Muito embora esta aposta tenha sido referendada por pesquisas científicas, há muitas críticas ao modo como a reflexão tem sido encaminhada nos portfólios e na formação de professores (ZEICHNER; WRAY, 2001; PIMENTA, 2002; LIBÂNEO, 2002).
Por último, outra aproximação percebida foi entre a categoria “Discurso bibliográfico sobre os portfólios” e a sexta aposta formativa, em que era importante a apropriação teórica referente às questões levantadas nos registros para que os licenciandos ampliassem e fundamentassem os argumentos sobre a profissão e as atividades que ela envolve.
Concluindo, das sete apostas formativas, a literatura fundamentou seis delas. Da experiência das autoras deste artigo, desde a implementação do primeiro edital aprovado - como estudante de uma das licenciaturas, acompanhando posteriormente a coordenadora de subprojeto como voluntária, como coordenadora de área disciplinar e interdisciplinar e como coordenadora institucional -, a primeira aposta formativa, da potência epistêmica da escrita, era intensamente desenvolvida no PIBID, não somente no portfólio, mas também em outras atividades. Tendo em vista as categorias do mapeamento, não houve pesquisas em que a escrita dos estudantes tenha sido proposta como artefato epistêmico inerente à formação de professores. Esse aspecto foi reforçado em Antiqueira (2018) ao realizae pesquisa em um dos subprojetos, com foco na escrita.
Em relação aos distanciamentos, uma das categorias que não tiveram ressonância nas apostas formativas foi a denominada “Portfólio como artefato institucional para certificação”, pois nesta categoria estão um conjunto de pesquisas que atentaram para a produção de portfólios como modo de certificação institucional para a docência. As pesquisas nesta categoria pretenderam fornecer modelos, guias de orientação e cursos sobre como trabalhar com portfólios. Ainda, os portfólios apareceram como documento na busca de emprego, afastando-se esta categoria das apostas discutidas.
Mais distante das apostas formativas também foi a categoria denominada “Portfólio para avaliação do professor”. O portfólio não foi usado para avaliação dos alunos ou professores supervisores participantes em nenhuma das edições no PIBID/IES.
A categoria “Olhar sobre o Portfólio em si”, que reuniu pesquisas referentes a metodologias para a construção de portfólios, desafios apresentados no desenvolvimento de portfólios, avaliação sobre os portfólios e metodologias de pesquisa em portfólios, também não teve semelhança com as apostas formativas, isso porque, nos editais aprovados do PIBID, não houve o detalhamento da orientação das escritas a serem solicitadas aos estudantes, nem avaliação dos portfólios ou de pesquisas sobre os portfólios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentou-se em detalhe o mapeamento referente a pesquisas sobre portfólios na formação de professores, que mostrou sua profusão ao redor do mundo. O mapeamento permitiu estabelecer também a articulação de um conjunto expressivo de categorias advindas do mapeamento com as apostas formativas presentes no PIBID/IES para o uso de portfólios. Seis das apostas formativas mostraram-se fundamentadas em três das categorias do mapeamento. Recomenda-se, em relação à aposta formativa da reflexão, que os proponentes tenham clareza conceitual sobre a reflexão solicitada.
De outro modo, observou-se ausência de pesquisas no mapeamento que tenham tido foco na função epistêmica da escrita, considerada organizadora do PIBID/IES, abrindo-se, assim, um aspecto importante e urgente de pesquisa.
Houve também o distanciamento das apostas formativas em relação a categorias com foco em certificação e avaliação. Quanto à certificação, considerou-se que exigir o portfólio como documento de certificação instrumentaliza o processo de formação. No que se refere aos portfólios para avaliação do professor, aponta-se a necessidade de clareza conceitual em relação à avaliação.
Por outro lado, a partir das proposições advindas dos artigos científicos, quem assumir os portfólios na formação de professores deverá considerar a pesquisa sobre os portfólios em si durante o processo de produção, para que a análise realizada concomitantemente com a produção forneça informações sustentadas teórica e empiricamente na sua implementação.
Por último e importante, embora se possa considerar que a pesquisa científica mostrou que os portfólios registram a rede de formação, os portfólios solicitados e analisados, em sua grande maioria, foram individuais. Assim, sugerem-se portfólios coletivos como artefatos da formação de professores.