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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 10-Jul-2023

https://doi.org/10.1590/0102-469841688 

Artigos

ALFABETIZAÇÃO MIDIÁTICA-VISUAL: UM DIREITO HUMANO NA ESCOLA

ALFABETIZACIÓN MEDIÁTICA-VISUAL: UN DERECHO HUMANO EN LA ESCUELA

ALISSOM ROBERTO BRUM1  , Ministrante da atividade empírica analisada no artigo, responsável pela coleta, escrita e análise dos dados
http://orcid.org/0000-0003-2098-4097

SARAÍ PATRÍCIA SCHMIDT2  , Orientadora do trabalho, Coordenadora do Grupo de Pesquisa Criança na Mídia e do Projeto Educação Antidiscriminatória, contribuição na análise dos dados e revisão da escrita final
http://orcid.org/0000-0001-8795-3100

VITÓRIA BRITO SANTOS3  , Integrante do Projeto Educação Antidiscriminatória, contribuição na análise do dados
http://orcid.org/0000-0001-7304-0482

1 Universidade Feevale. Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul (RS), Brasil.

2 Universidade Feevale. Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul (RS), Brasil.

3 Senac de Uruguaiana. Uruguaiana, Rio Grande do Sul (RS), Brasil.


RESUMO:

O estudo versa sobre a relação entre a cultura da mídia e o território escolar, colocando em debate as compreensões e aptidões que os/as docentes possuem em relação às didáticas voltadas para a Alfabetização Midiática-Visual dentro de seus contextos escolares de atuação. Em termos metodológicos, trata-se de uma abordagem quanti-qualitativa, que tem como estratégia central a pesquisa-ação (THIOLLENT, 1986). Para isso, articula-se teórico-metodologicamente através de alguns conceitos, tais como: Direitos Humanos (MARTIN-BARBERO, 2011), Alfabetismo Visual (KELLNER, 1995) e Educação Midiática (BACCEGA, 2001). Noções essas que nortearam a pesquisa empírica desenvolvida com um grupo de docentes da rede municipal de uma cidade no Rio Grande do Sul/Brasil. O trabalho é oriundo de um processo investigativo de sondagem introdutória, que seguiu com uma abordagem focal. Entre os resultados da pesquisa-ação, verificou-se nos/as professores/as uma ausência de amparo no que se refere ao trabalho com mecanismos e sistemas de imagens midiáticas, ocasionando inseguranças. Contudo, na intervenção realizada junto a um número reduzido de pedagogos/as, foi possível ressignificar alguns desses temores, apresentando outras perspectivas e proporcionando reflexões. Houve, ainda, a construção conjunta de saberes, viabilizando outros olhares quanto ao consumo crítico das manifestações midiáticas e à importância do uso consciente das tecnologias. Destaca-se particularmente a criação do Guia da Alfabetização Midiática-Visual, documento pautado no estudo e no uso da linguagem fotográfica na escola, o qual acredita-se, assim como esta pesquisa, que oportunize novas formas de se pensar e planejar os processos de ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: fotografia; mídia; educação; direitos humanos

RESUMEN:

El estudio trata de la relación entre la cultura de los medios y el territorio escolar, problematizando el papel del/de la maestro/a y de la escuela en la mediación de los contenidos mediáticamente consumidos por los/las estudiantes. La investigación pone en discusión las comprensiones y aptitudes que los/las docentes poseen en relación a las didácticas que se vuelven a la Alfabetización Mediática-Visual dentro de sus específicos contextos escolares de actuación. En términos metodológicos, tratase de un abordaje cuanti-cualitativo, que tiene como estrategia central la investigación-acción (THIOLLENT, 1986). Para eso, articulase teorico-metodologicamente a través de algunos conceptos, como: Derechos Humanos (MARTÍN-BARBERO, 2011), Alfabetismo Visual (KELLNER, 1995) y Educación Mediática (BACCEGA, 2001). Nociones esas que orientaron la investigación empírica desarrollada con un grupo de docentes de la red municipal de una ciudad en Rio Grande do Sul/Brasil. El trabajo parte de un proceso investigativo de encuesta introductoria, seguida por un abordaje focal. Entre los resultados de la investigación-acción, fue verificado en los/as maestros/as una ausencia de amparo en lo que se refiere al trabajo con mecanismos y sistemas de imágenes mediáticas, ocasionando inseguridades. A pesar de eso, en la intervención hecha junto a un número reducido de pedagogos/as, fue posible resignificar algunos de esos temores, presentando otras perspectivas y proporcionando reflexiones. Hubo, aún, la construcción conjunta de saberes, viabilizando otras miradas cuanto al consumo crítico de las manifestaciones mediáticas y la importancia de la utilización consciente de las tecnologías. Se destaca particularmente la creación del Guía de la Alfabetización Mediática-Visual, un documento orientado en el estudio y en el uso del lenguaje fotográfico en la escuela, lo cual se cree, así como esta investigación, que pueda dar oportunidad de nuevas maneras de pensar y planear los procesos de enseñanza-aprendizaje, además de propiciar a los/las educadores/as y a los educandos/as la construcción de saberes con los cuales se pueda ejercer más autonomía y responsabilidad en el uso de las tecnologías mediáticas como forma de lucha democrática y expresividad ciudadana.

Palabras clave: fotografía; medios; educación; derechos humanos

ABSTRACT:

This study is about the relation among media culture and school territory, problematizing the role of the teacher and the school in the mediation of contents mediatically consumed by the students. The investigation debates the understandings and skills that the teachers possess in relation to the didactics turned to Mediatic-Visual Literacy inside their specific school contexts. In methodological terms, has a quantitative-qualitative approach, which central strategy is the action-research (THIOLLENT, 1986). To achieve that, are theoretically-methodologically articulated some concepts, such as: Human Rights (MARTÍN-BARBERO, 2011); Visual Literacy (KELLNER, 1995) and Media Education (BACCEGA, 2001). These notions oriented the empiric research developed with a teachers’ group from the municipal network of teaching in a town of Rio Grande do Sul/Brazil. The work comes from an investigative process of introductory poll, followed by a focal approach. Among the results of the research-action, it was verified with the teachers the absence of a support for the work with media images mechanism and systems, generating insecurities. However, in the intervention accomplished among a small number of teachers, it was possible to give another meaning to some of these fears, presenting other perspectives and offering new thoughts. There was, yet, the joint construction of knowledges, making other looks possible for the critical consumption of media manifestations and the importance of the conscious use of technologies. It’s particularly highlighted the creation of the Guide to Mediatic-Visual Literacy, a document oriented on the study and in the use of photographic language at school, believing that, as this research, will be possible to give opportunity for new ways of thinking and planning the processes of teaching-learning, also making possible to the educators and students the construction of knowledge that enable a more conscious and critic consumption of communicational artifacts, as well as more autonomy and responsibility to use the media technologies as a way of democratic fight and citizen expression.

Keywords: photography; media; education; human rights

INTRODUÇÃO

A liberdade para agir e manifestar uma opinião, assim como a habilidade para interpretar e produzir formas de comunicação, são, e sempre serão, um direito humano que pode ser assegurado, também, pela educação. O Artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), por exemplo, afirma que “toda a pessoa tem direito à educação”, ratificando em seu enunciado uma formação voltada à “plena expansão da personalidade humana” e ao dever de atuar em favor dos “direitos do Homem e das liberdades fundamentais” da população (ONU, 1948). Entende-se, por tal perspectiva, que as funções operacionalizadas pela educação, que tem suas atribuições legitimadas e aferidas pelo Estado por meio das instituições escolares, precisam ser constantemente repensadas no mundo em contínua transformação, dado que a “prática educativa que, histórica, não pode estar alheia às condições concretas do tempo-espaço em que se dá” (FREIRE, 2016, p. 86), se assim quiser continuar proporcionando à sociedade as aptidões necessárias para que seus indivíduos conquistem a independência e a dignidade de existir.

Logo, uma escola direcionada à construção da cidadania é uma escola que precisa se fazer aberta e integrada ao novo “ecossistema informacional e comunicativo” (MARTIN-BARBERO, 2011, p. 133), compreendendo que a mídia e os novos códigos comunicacionais estão intrinsecamente ligados ao modo de existir e exercer os direitos de ser cidadão na contemporaneidade. Sendo assim, prover uma educação desconexa em relação às condições socioculturais sobre a qual se dá a realidade existencial dos sujeitos é ferir e negligenciar aquilo que está acordado na DUDH.

Nesse contexto, diferentes setores da sociedade ponderam sobre os desencadeamentos dessa cultura midiática em constante crescimento e evolução. Um exemplo é a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que alerta para a necessidade de refletir sobre a importância de incrementar práticas pedagógicas direcionadas ao estudo das mídias, identificando a urgência de adotar uma postura mais crítica e ativa perante os artefatos tecnológicos e comunicacionais que constituem a atualidade. Nesse sentido, já são inúmeras as orientações, manifestações oficiais e documentos que indagam os atuais desafios e compromissos da educação dentro desta nova realidade de vida (SOUSA, 2019).

Reflexos dessas movimentações já podem ser observados no Brasil, entre os quais destaca-se o remodelamento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para as exigências contemporâneas de ensino. Dessa forma, em 2017, foram realizadas significativas mudanças nas formas de se pensar e orientar a educação básica no Brasil, sendo que, no bojo destas alterações, encontram-se recomendações voltadas à Educação Midiática e ao Alfabetismo Visual. Nessa perspectiva, é possível identificar, entre as competências gerais expostas no documento, o entendimento de que as escolas de hoje precisam estar abertas às “diferentes linguagens” que constituem o cotidiano particular dos estudantes, para que eles possam “se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos” nas variadas dinâmicas de ensino, além de empreender exercícios que levem à utilização e à compreensão das “tecnologias digitais de informação e comunicação”, de modo a orientar para uma postura “crítica, significativa, reflexiva e ética” perante essas ferramentas comunicativas, para que, assim, possam exercer mais “protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva” (BRASIL, 2018, p. 9).

Portanto, dentro do âmbito destas discussões, se faz necessário delimitar algumas noções. Salienta-se que esta pesquisa pressupõe o Alfabetismo Visual como uma dimensão de atuação da própria Educação Midiática, sendo uma etapa significativa que envolve esse processo formativo. Seu objetivo, portanto, não é outro ou aquém da Educação Midiática, apenas propõe perceber a mídia através de um olhar mais específico para as produções imagéticas que, igualmente, constituem esse universo comunicativo. Desse modo, um Alfabetismo Visual, na perspectiva da Educação Midiática, busca ensinar como produzir e interpretar aquilo que está exposto para além da palavra falada e escrita, como intenção de capacitar os sujeitos a se envolverem de forma mais consciente e efetiva com os discursos visuais que transitam pela mídia, portando habilidades para ler e decifrar as muitas intenções ideológicas que cotidianamente interpelam e afetam a vida (KELLNER, 1995; BACCEGA, 2001; SOARES, 2014).

Assim, uma vez que a Educação Midiática e o Alfabetismo Visual apresentam concepções teóricas que se complementam na definição de uma determinada forma de pensar e agir - visto que educar para as mídias envolve olhar e alfabetizar para as imagens -, este estudo opta por conduzir sua investigação sobre a temática partindo das duas conceituações, naquilo que se denominou de Alfabetização Midiática-Visual. Elegeu-se o termo alfabetização porque remete ao início de um sistema de aprendizagem que está “vinculado ao estado do indivíduo que não apenas domina os códigos”, mas que “também exerce práticas sociais a partir deles” (SOUSA, 2019, p. 47-48).

Posto isso, constata-se que a Alfabetização Midiática-Visual se posiciona agora como um conhecimento de caráter ainda emergente. Tal contexto manifesta-se e intensifica-se com as possibilidades advindas da era digital e com a ascensão da cultura audiovisual. É evidente que não mais somente a escola e a família ocupam a centralidade na formação de crianças e jovens. Ao lado destas duas, e com discursos ainda mais atraentes e adaptáveis, percebe-se que a mídia, em sua multiplicidade de imagens, tem se tornado outro espaço onde circulam pedagogias opressoras sobre as formas de ser e estar, hoje e agora, no mundo (GIROUX, 1995; FISCHER, 1997; FREIRE, 2016; MARTIN-BARBERO, 2011; SOUSA, 2016).

Este estudo1 exploratório/bibliográfico, de natureza básica, articulou as discussões que cercam as noções de fotografia, mídia, educação e direitos humanos, tendo como base conceitos teóricos que versam sobre Alfabetização Midiática-Visual (Educação Midiática e Alfabetismo Visual). O intuito da pesquisa foi problematizar o papel do/a professor/a e da escola na mediação dos conteúdos midiaticamente consumidos pelos/as estudantes, considerando os efeitos da cultura da mídia e das imagens na constituição da realidade e das identidades infantis/juvenis contemporâneas. Nesse sentido, o projeto desta investigação buscou apreender quais são as compreensões, aptidões e aflições que os/as docentes possuem em relação às didáticas voltadas à Alfabetização Midiática-Visual dentro de seus específicos contextos escolares de atuação.

Por conseguinte, o cerne da pesquisa foi metodologicamente concebido em duas etapas, sendo que ambas tiveram como foco o corpo docente de nove escolas municipais de ensino fundamental completo do município de Novo Hamburgo (NH), no Rio Grande do Sul (RS). A primeira etapa, de caráter quantitativa, objetivou diagnosticar a percepção dos/as docentes sobre o que significa alfabetizar e ser alfabetizado neste atual tempo, bem como as concepções que os/as educadores/as possuem sobre Alfabetização Midiática-Visual. Já a segunda etapa, de caráter qualitativo, visou uma ação dialógica junto a um grupo focal de professores/as com o intuito de construir um possível caminho prático-metodológico para o desenvolvimento de didáticas voltadas à construção de uma Alfabetização Midiática-Visual dentro da escola2. A ideia desta atividade consistiu em utilizar a linguagem fotográfica, a partir do estudo de suas especificidades, como forma dos/as docentes perceberem meios de se debater sobre as mídias e as tecnologias comunicacionais nos momentos de aula. Embora as duas fases tenham ocorrido em períodos distintos, reitera-se que ambas se complementaram no desenvolvimento investigativo do estudo - orquestrado por meio da pesquisa-ação (THIOLLENT, 1986).

Importante, ainda, situar essa investigação em seu cenário científico mais amplo. Sendo assim, os esforços dessa pesquisa e de seus pesquisadores ancoram-se, sobretudo, à luz de dois campos.

O primeiro campo é chamado Comunicação/Educação, área que, ao conjugar saberes de duas ciências especificas - a Comunicação e a Educação - problematiza a necessidade de uma formação crítica para os meios e instrumentos comunicacionais, tanto no espaço universitário, quanto no território escolar. Tem-se como referência nesse estudo, principalmente, a contribuição de dois pesquisadores importantes no cenário nacional, Baccega (2001) e Soares (2014), que se debruçaram sobre a urgência da temática. No segundo campo, de Estudos Culturais, citam-se, em especial, as provocativas e perspectivas epistemológicas lançadas por Kellner (1995) e Giroux (1995) como fundamentais para se pensar uma abordagem crítica, com base nas concepções de cultura para a Alfabetização Midiática-Visual.

Essa pesquisa busca contribuir, por meio do diálogo, com autores desses dois campos, com discussões e propostas que levem a pensar a substancialidade de se conduzir uma Alfabetização Midiática-Visual não apenas com uma ação educativa restrita aos/às educandos/as, mas também, e de forma ainda mais atenuada e preliminar, junto ao professorado, por meio das formações continuadas. Afinal, é no contexto de um exercício da docência que essas questões ou essa prática tornam-se esperançadas nas salas de aula.

Sinaliza-se que este artigo está organizado em quatro seções: na primeira, denominada “Percurso Metodológico”, elucidam-se os principais procedimentos e decisões que contornaram a aplicação da pesquisa-ação no contexto particular deste estudo, além de deslindar as técnicas de coleta de dados e o posterior trabalho analítico operacionalizado para a leitura e interpretação das informações apuradas; já na segunda parte desta explanação, intitulada “Alfabetização Midiática-Visual: um Direito Humano na Escola?”, regatam-se alguns pressupostos teóricos que indagam a cultura da mídia e das imagens a partir das especificidades do território escolar, de modo a refletir sobre o papel e a função das instituições educativas e de seus profissionais frente ao atual compromisso/desafio de ensinar; a terceira divisão desta redação propõe “Caminhos para Planejar uma Alfabetização Midiática-Visual por Meio do Estudo e do Uso da Linguagem Fotográfica na Escola”, uma ideia elaborada a partir de um processo educativo composto por três etapas, que, juntas, levam ao treinamento e ao empoderamento do olhar nos momentos habituais de aula; finalmente, o último componente desta investigação chama-se “Discutindo a Alfabetização Midiática-Visual na Formação Docente: uma Prática Formativa e Investigativa Desenvolvida por meio da Pesquisa-Ação”, no qual se apresenta um relato etnográfico da trajetória percorrida pelo pesquisador em campo.

PERCURSO METODOLÓGICO

Thiollent (1986, p. 26), sociólogo especialista em metodologias de pesquisas qualitativas e participativas, entende a pesquisa-ação como “uma pesquisa social de finalidade prática”, seguindo “exigências próprias da ação e da participação dos atores da situação observada”. Nessa lógica, ele aborda a pesquisa-ação a partir de um composto de sistematizações, que chama de “princípios de cientificidade”, auxiliando o pesquisador no desmembramento e no ordenamento do estudo (THIOLLENT, 1986, p. 26). É nessa acepção que Sousa (2019, p. 16) elucida a pesquisa-ação como uma estrutura investigativa que se regulamenta em quatro etapas distintas: “exploratória, planejamento, ação e avaliação”.

O período exploratório ou de mapeamento é o passo inicial que antecede as intervenções que serão desenvolvidas com os sujeitos da ação (SOUSA, 2019). Por conseguinte, a etapa de planejamento, que resulta das noções apreendidas pelo pesquisador por meio dos dados coletados na fase anterior, é um momento no qual formula-se um planejamento de ações voltadas para o enfrentamento das fragilidades expostas pela população-alvo (SOUSA, 2019). Já a execução da ação, que deve acatar o diálogo como ferramenta principal para o bom andamento das dinâmicas, propõe que o problema investigado seja coletivamente ponderado e refletido (SOUSA, 2019). Por fim, a última etapa da pesquisa-ação, que consiste na avaliação, é um exame que deve ocorrer não somente no final do percurso investigativo, mas durante toda a trajetória do pesquisador em campo, podendo os sujeitos do estudo deliberarem a respeito das atividades à medida em que são desenvolvidas (SOUSA, 2019).

Contudo, é fundamental atentar para o processo linear constituído pelas referidas fases da pesquisa-ação, e também para o conjunto de operações técnicas que viabilizam a coleta de dados durante o trabalho de campo. Thiollent (1986), nesse sentido, sugere uma variedade de ferramentas e sistematizações que devem ser refletidas de forma individual, de modo a entender quais são as mais apropriadas dentro de uma condição singular de estudo. Portanto, esclarece-se que esta investigação aderiu pelas definições a seguir.

A primeira decisão diz respeito à coleta de dados da população-alvo na etapa exploratória (fase 1 da pesquisa-ação). Em conformidade com Prodanov e Freitas (2013, p. 98), reitera-se que esta pesquisa pretendeu trabalhar não com a totalidade de sujeitos que originam o universo do estudo, ou seja, grupo de pessoas “que possuem as mesmas características”, mas com “um subconjunto de indivíduos da população-alvo”. Tendo em vista que o enfoque desta investigação são os/as professores/as de nove escolas municipais de ensino fundamental completo do município de Novo Hamburgo/RS, constatou-se que 270 docentes atuam na educação básica dessas instituições, formando, deste modo, a integralidade do ambiente amostral.

Por sua vez, esta etapa de mapeamento objetivou que, dentre esses 270 professores/as contabilizados/as, no mínimo 105 docentes constituiriam a sondagem introdutória, que ocorreu por meio de questionário eletrônico no modelo survey. Para esta equação, foi considerado um nível de confiança para a amostra de 95%, contra uma margem de erro de 6%, além de optar por um perfil homogêneo na distribuição da população-alvo. Por conseguinte, esses/as professores/as tiveram suas percepções averiguadas na composição de um cenário probabilístico que corroborou para evidenciar o contexto da Alfabetização Midiática-Visual nas escolas de ensino fundamental completo do município de Novo Hamburgo/RS.

A segunda resolução envolveu a execução das ações práticas da investigação (fase 3 da pesquisa-ação). Nesse sentido, esclarece-se que a formação desse grupo focal surgiu de uma seleção intencional, isto é, um “pequeno número de pessoas [...] escolhidas intencionalmente em função da relevância que elas apresentam em relação a um determinado assunto” (THIOLLENT, 1986, p. 63). Esta turma foi composta ideando uma amostragem de 18 professores/as, sendo dois/duas docentes representantes de cada uma das nove escolas que constituem o universo amostral já discriminado. Para isso, foi solicitado à coordenação pedagógica de cada uma das instituições que indicassem profissionais que tivessem interesse em discussões que cercam a temática deste estudo para compor as dinâmicas da pesquisa-ação. Ademais, pediu-se para que, nesta designação, fosse considerado um/a professor/a dos anos iniciais e outro/a dos anos finais, a fim de termos um grupo de educadores/as diverso em relação ao nível de atuação escolar.

Tendo, sucintamente, elucidado o caminho metodológico percorrido através da pesquisa-ação, explicita-se a seguir de que forma este estudo organizou e interpretou seus achados.

De antemão, é importante ressaltar que a etapa quantitativa desta pesquisa não objetivou um exame individual em relação às informações coletadas, uma vez que esta apuração se constituiu como um diagnóstico situacional (THIOLLENT, 1986) a respeito da problemática indagada, que deriva do período exploratório inicial da pesquisa-ação. A abordagem quantitativa apresenta, em meio às 110 respostas obtidas, dados significativos que já habilitam uma construção interpretativa relevante para a investigação. Neste estudo, porém, ela se integra como um conjunto de elementos que está imbricado a uma coleção de bases referenciais maiores a respeito da problemática (aqui nos referindo a outros aspectos e noções que emergiram das demais fases da pesquisa-ação e que, igualmente, complementaram e afetaram as análises).

Sendo assim, deixa-se claro que o corpus de dados central, sobre o qual se debruça o esforço analítico deste trabalho, refere-se ao conjunto de registros que foram originados deste trabalho mais próximo com os sujeitos do estudo (anotações no diário de campo, gravações de vídeos e áudios, registros fotográficos e aplicação de entrevistas). Esses mecanismos, além de auxiliarem na documentação das informações, contribuem, segundo Patias e Hohendorff (2019), para o controle da subjetividade, característica que resulta dessa relação mais estreita entre o pesquisador e os indivíduos implicados na pesquisa.

Sendo assim, a complexidade presente nos dados provenientes das fases da pesquisa-ação foram interpretados e confrontados teoricamente levando em consideração duas perspectivas analíticas: “a cultura escolar” e a “cultura da escola” (OLIVEIRA, 2020, p. 8). Para Oliveira (2020, p. 8), a cultura escolar indica “um modo de operacionalizar o conhecimento dentro de instituições específicas nas sociedades modernas”, ou seja, pensa o território escolar e suas dinâmicas internas de atuação em uma perspectiva ampla e culturalmente alinhada. Por outro lado, a cultura da escola, segundo o mesmo teórico “releva a heterogeneidade que se escamoteia na aparente homogeneidade dos sistemas de ensino”, isto é, aquilo que singulariza cada instituição em seu compromisso e atividade própria, levando em consideração a particularidade de seus sujeitos e a comunidade que a contorna (OLIVEIRA, 2020, p. 8). Portanto, tratou-se de analisar a Alfabetização Midiática-Visual a partir de questões que envolvem o macro e microambiente educativo, a partir de concepções que universalizam (visão acadêmica) e outras que singularizam (visão do nativo) essa conduta pedagógica nas escolas.

Por último, é importante assinalar que, apesar de não ser intenção deste trabalho discutir de modo aprofundado os resultados do período exploratório, serão apresentadas algumas concepções e estatísticas desta etapa durante a explanação teórica da pesquisa (que ocorrerá nas próximas seções), a fim de compreender algumas das problemáticas que levaram este estudo a projetar as dinâmicas que envolvem as intervenções decorrentes da pesquisa-ação.

ALFABETIZAÇÃO MIDIÁTICA-VISUAL: UM DIREITO HUMANO NA ESCOLA?

Kellner (1995, p. 106) reflete sobre a concepção de “uma nova pedagogia crítica que tente ampliar a noção de alfabetismo”. Para o autor, há uma expansão daquilo que se denomina cultura, na qual se nota um afastamento de ideias que, por muito tempo, subjugaram certas manifestações culturais como superiores e inferiores, dignas e indignas de serem concebidas como produtos do conhecimento humano. Por sua vez, o sistema educativo, muitas vezes aferrado em tais premissas, passou a delimitar sua metodologia de aprendizagem na construção de certas linguagens e artefatos da cultura, vindo algumas vezes a desconsiderar, ao longo do tempo, o surgimento de outros saberes que igualmente se materializaram como relevantes expressões da erudição humana (PEREIRA; FILLOL; MOURA, 2019). É neste sentido que se evidencia, por vezes, um constructo pedagógico que, via de regra, vem a considerar o “saber” e a “experiência” adquirida pelos indivíduos fora do perímetro escolar como irrelevantes e como sendo um “saber do senso comum” e que, portanto, “não merece respeito” (FREIRE, 2014, p. 16).

O fato é que existimos em meio a uma sociedade multicultural, mediada por “diferentes tecnologias da escrita e da leitura”, isto é, uma sociedade que expressa o mundo de jeitos distintos, o que vem a implicar, por sua vez, na necessidade de conceberem-se múltiplos letramentos que capacitem os indivíduos para lerem e interpretarem essas variadas significações que são produzidas neste mesmo espaço coletivo de vida (SOUSA, 2019, p. 50). O mundo pode ser visto, escrito e interpretado sob concepções diversas, sendo capaz de ser redigido, fotografado, esculpido, pintado, sonorizado, filmado, publicizado, cantado etc. Enfim, sendo capaz de existir e se recriar sob óticas singulares da manifestação humana.

Muitos desses discursos, por sua vez, são cuidadosamente produzidos e permeados de intenções, provocando ação e conscientização, ou seja, uma aprendizagem. Contribuem, assim, para formação de “comportamentos e valores vigentes em toda a sociedade” (SOUSA, 2016, p. 175). Nesse contexto, torna-se inviável e, de certa forma, uma atitude irresponsável da escola, ignorar a presença da mídia e de suas imagens na constituição do ser, uma vez que diferentes instrumentos tecnológicos medeiam consciências e realidades por meio das representações que tecem sobre os indivíduos e seus cotidianos (KELLNER, 1995; GIROUX, 1995; FISCHER, 1997; BACCEGA, 2001; MARTIN-BARBERO, 2011; SOARES, 2014; ALBINO, 2015; RADDATZ, 2015; SOUSA, 2016; SOUSA, 2019; PEREIRA; FILLOL; MOURA, 2019).

Por esse ângulo, quando foi perguntado aos/às professores/as participantes do diagnóstico inicial desta pesquisa se a Alfabetização Midiática-Visual é um direito humano na atualidade, pode-se observar, dentre as percepções expostas, que 93,6% consideram que sim, dado que tudo “o que fazemos atualmente envolve a mídia, se torna algo do cotidiano, objeto de comunicação e todos devem estar inseridos e com capacidade de discernir. É um direito enquanto comunicação e expressão de linguagem e de pensamento” (Docente dos Anos Finais, com mais de 20 anos de magistério). Por outro lado, 6,4% dos respondentes não consideram ser um direito humano, dado que “existem outras demandas que são mais essenciais” na escola (Docente dos Anos Finais, com mais de 20 anos de magistério) ou que “é uma opção, mas que não chega a ser fundamental, pelo menos nos Anos Iniciais” (Docente da Educação Infantil, com mais de 20 anos de magistério).

Ademais, ainda dentro das negativas dessa mesma questão, averiguou-se que 3% dos participantes relataram uma falta de conhecimento sobre a temática, expondo “dúvida no conceito de direito humano e a relação com a Alfabetização Midiática-Visual” (Docente dos Anos Finais, com mais de 10 anos de magistério). Já entre as respostas afirmativas, também é interessante observar o reconhecimento dos/as professores/as, sendo 23% deles/as que destacam o fator onipresente da mídia em nosso cotidiano e do papel pedagógico exercido pelos meios comunicacionais: “a mídia é responsável por influenciar nossos gostos, gestos e atitudes, estamos em contato com ela muitas horas por dia. Sendo assim, podemos ser manipulados se não soubermos entender o objetivo das falas, propagandas, imagens etc.” (Docente dos Anos Finais, com mais de 20 anos de magistério).

É nesta acepção que Martin-Barbero (2011) compara a influência dos meios comunicativos em nossa sociedade com a mesma significância e o mesmo valor imprescindível do meio ambiente para o mundo. Para o autor, a vital importância assumida por um “ecossistema verde” se correlaciona ao que ele denomina de “ecossistema comunicativo” (MARTIN-BARBERO, 2011, p. 125). Kellner (1995, p. 108) também faz uma comparação de semelhante valoração, aludindo a um mundo tomado por “uma flora e uma fauna constituídas de espécies variadas de imagens”, referindo-se especialmente àquelas que se configuram em um modo midiático de ser. Assim como Santaella (2012, p. 11), que pensa a sociedade moderna como uma “verdadeira floresta de signos”. Os/As autores/as, ao fazerem essas e outras relações, aludem não apenas ao expressivo espaço conquistado pela mídia no cotidiano e nas relações sociais, mas também ao aspecto dominante e ao caráter imperativo dos discursos comunicacionais na estruturação da realidade e na manutenção da vida. Sem dúvidas, a mídia é hoje um eixo basilar sobre o qual se pauta a existência humana e a própria forma de se existir no mundo (SOUSA, 2016).

Diante disso, é necessário refletir porque a escola, ainda hoje, não é eficaz em incorporar outras formas de ler e interpretar a realidade, trazendo, por exemplo, o próprio repertório da mídia como uma temática de discussão e de reflexão em sala de aula (COSTA, 2013). Para Albino (2015), nesses espaços, a fonte do saber, dentro daquilo que importa ser conhecido sobre o mundo, ainda continua sendo as palavras - sejam aquelas que compõem os livros didáticos das diversas disciplinas ou das que são redigidas na lousa pelo/a professor/a e mecanicamente copiadas pelos/as alunos/as em seus cadernos caligráficos.

Essa desarmonia, entre o que os adolescentes compreendem em sua cotidianidade - principalmente por meio da relação íntima estabelecida através dos meios de comunicação com aquilo que assimilam como sendo um conteúdo tipicamente escolar -, não é uma situação exclusiva da contemporaneidade, dado que a escola tem se mostrado, ao longo do tempo, como uma instituição incapaz de se adequar às transformações que a sociedade e seus indivíduos vêm sofrendo (PEREIRA; FILLOL; MOURA, 2019). O fato é que agora, em um mundo que se revela de muitos modos tecnológico e midiatizado, tais desacordos se tornam mais evidentes, nos levando a ponderar sobre quais premissas a escola vem se firmando e modelando suas formas de ensinar ou, em outras palavras, o que ela vem concebendo como um conhecimento significativo a ser empreendido junto aos/às alunos/as. Para Pereira, Fillol e Moura (2019, p. 41, tradução nossa), o sistema educativo continua enraizado em uma “visão excessivamente escolarizada da aprendizagem, que parece marginalizar o conhecimento que os jovens desenvolvem com e através dos meios de comunicação e plataformas digitais”.

Essa ineficácia se dá, segundo 16% dos/as professores/as participantes desta investigação, por falta de conhecimento sobre como trabalhar a linguagem visual e os recursos técnicos de produção midiática no ambiente educativo, na qual muitos/as docentes relatam “uma necessidade de ampliar o conhecimento em relação aos elementos visuais” (Docente dos Anos Finais, com mais de 10 anos de magistério), evidenciando que “falta embasamento” sobre a temática (Docente da Educação Infantil, com mais de 15 anos de magistério), além de indicarem “que uma formação seria de muita ajuda” para a inclusão desses outros letramentos na prática pedagógica diária (Docente dos Anos Iniciais, com mais de 5 anos de magistério).

Não obstante, quando abordaram-se os/as educadores/as, no mesmo período exploratório, sobre ser um compromisso da escola e do/a professor/a alfabetizar os/as estudantes para as mídias e as tecnologias comunicacionais, averiguou-se nas respostas concedidas que 20,9% não julgam que seja uma responsabilidade das instituições e de seus/suas profissionais, dado que, segundo eles/as, “nem tudo é compromisso da escola, se atribuímos tudo à escola, ela não dará conta em apenas 4h por dia” (Docente da Educação Infantil, com mais de 10 anos de magistério). Conforme exposto pelos/as professores/as, “na atualidade, o professor educa para formar o caráter da criança, ensina os conteúdos pertinentes ao currículo” (Docente da Educação Infantil, com mais de 3 anos de magistério), sendo que “a demanda dos próprios conteúdos absorve todo o período de aula [...] disponível” (Docente dos Anos Iniciais, com mais de 20 anos de magistério).

Acerca disso, Baccega (2001) aponta que o principal compromisso educacional hoje deveria ser justamente refletir o contexto democrático a partir dessas representações que a mídia fabrica do mundo. Para a autora, é necessário aprender a ler esses textos visuais advindos dos meios comunicacionais e questionar quais são as intenções e as verdades que pautam o teor criativo dessas produções em circulação. Ademais, é comum a percepção de crianças e jovens, em relação ao conhecimento adquirido com os/e dos meios de comunicação, de que eles funcionam “como um elixir” rápido e instantâneo para as resoluções das dificuldades que norteiam a vida, como uma espécie de manual prático, constantemente atualizado, de como se viver em um mundo que, a todo tempo, se reinventa e se transforma em um novo existir (PEREIRA; FILLOL; MOURA, 2019, p. 43, tradução nossa). Tem-se, portanto, que seja justamente sobre o teor destes “discursos utópicos da aprendizagem informal” que resida o atual compromisso pedagógico da educação formal, ou seja, promover uma postura de maior sensatez e discernimento no consumo dessas lições midiáticas-visuais (PEREIRA; FILLOL; MOURA, 2019, p. 43, tradução nossa).

Quando os/as professores/as foram questionados/as se as visualidades carecem de uma educação a respeito de sua linguagem e de sua forma específica de se comunicar, 86,4% afirmaram que sim, registrando que “as imagens são muito utilizadas como complemento referencial, mas que podem ser utilizadas de forma muito mais aplicada” (Docente dos Anos Finais, com mais de 5 anos de magistério), considerando que a visualidade “não fez parte da formação de muitos profissionais que atuam na educação, além de ser um recurso bastante utilizado pela mídia, e rico a ser explorado” (Docente dos Anos Iniciais, com mais de 20 anos de magistério). Ainda assim, 13,6% dos partícipes relataram não haver a necessidade de uma alfabetização midiática-visual, apontando, entre outras questões, que “a imagem é universal, e por isso raramente precisa de explicações” (Docente dos Anos Finais, com mais de 3 anos de magistério) ou como “algo já intuitivo, [...] para essa geração” de crianças e jovens (Docente dos Anos Finais, com mais de 20 anos de magistério).

Neste ínterim, o intuito é mostrar neste trabalho, em meio à convergência destas diferentes percepções, o quão impreterível é a necessidade da escola tomar as imagens, principalmente aquelas que se forjam como produções midiáticas, como “um terreno de luta pedagógica e ideológica” sobre o qual a sociedade e seus indivíduos passam a se formatarem e a se estabelecerem enquanto organização e gente (GIROUX, 1995, p. 137). Educar para a mídia e para as imagens, nesse sentido, vem a “emancipar” os indivíduos “de formas contemporâneas de dominação, levando-os a serem “cidadãos mais ativos, competentes e motivados para se envolverem em processos de transformação social” (KELLNER, 1995, p. 107).

Não reconhecer a Alfabetização Midiática-Visual como um direito humano na atualidade é o mesmo que “repetir o processo hegemônico das classes dominantes, que sempre determinaram o que é que as classes dominadas devem saber e podem saber” (FREIRE, 1994, p. 80). Afinal, conforme apontou Martin-Barbero (2011, p. 134), “gente livre é gente capaz de saber ler a publicidade e entender para que ela serve, e não gente que deixa massagear o próprio cérebro”. Por isso, na busca por cooperar com estas novas incumbências da educação, formulou-se um processo prático-metodológico para o desenvolvimento de uma Alfabetização Midiática-Visual a partir do estudo da linguagem fotográfica na escola, podendo ser um plano didático ressignificado e adaptado aos mais variados objetivos e contextos de ensino.

CAMINHOS PARA PLANEJAR UMA ALFABETIZAÇÃO MIDIÁTICA-VISUAL POR MEIO DO ESTUDO DA LINGUAGEM FOTOGRÁFICA NA ESCOLA

A Alfabetização Midiática-Visual, conforme já elucidada, é uma ação formativa essencial no contexto das relações imagéticas do mundo contemporâneo. É nesse sentido que Santaella (2012), ao refletir sobre a credulidade do nosso olhar frente às diferentes formas de ver e de conceber o mundo contemporâneo, aponta para a urgência e a necessidade da escola se apropriar da responsabilidade de educar para esse aglomerado de imagens que cercam a vida cotidiana, de modo a alfabetizar não apenas verbalmente, mas também visualmente seus/suas estudantes. Conforme a autora, a educação visual consiste em desenvolver o olhar para a leitura crítica de imagens, aprimorando a percepção dos/as alunos/as em relação aos sentidos que permeiam a estrutura textual própria desta comunicação, de modo que identifiquem o que se origina e se manifesta no organismo interno das representações.

Dondis (2015, p. 3), por sua vez, refletindo sobre o conceito de alfabetização, pondera que sua noção implica levar um grupo de pessoas a partilhar do “significado atribuído a um corpo comum de informações”, sendo que na educação imagética, portanto, também deve ser operacionalizada esta mesma intenção: “construir um sistema básico para a aprendizagem, a identificação, a criação e a compreensão de mensagens visuais que sejam acessíveis a todas as pessoas”, e não somente para indivíduos que foram particularmente instruídos para esse idioma, como fotógrafos e outros tantos profissionais de comunicação.

Logo, ao refletir sobre uma proposta de Alfabetização Midiática-Visual na escola, com suas possíveis vertentes de ação e construção do conhecimento, buscou-se por metodologias de trabalho que cercam o universo das imagens com a intenção de aplicá-las tanto ao campo da significação, processo de elaboração desses discursos, quanto da interpretação, sistema de leitura e decodificação dessas mensagens. Além disso, procurou-se por ferramentas e dinâmicas propícias às especificidades do local de ensino e de seus/suas sujeitos/sujeitas (escolas, alunos/as e professores/as), levando em consideração, também, que a linguagem visual objetivada para conduzir a formação era a fotográfica.

A escolha da fotografia como instrumento pedagógico se dá justamente por reconhecer que as imagens são uma das principais ferramentas comunicativas da atualidade - e aqui pensando não só no produto imagético, mas também nos mecanismos que viabilizam estas produções. Sem dúvidas, é nessa extensa quantidade de imagens, que nos confrontam todos os dias, que observa-se a relevância e a potência dessa linguagem e de suas tecnologias nas formas de se comunicar, se relacionar e fabricar sentidos na contemporaneidade. Produzir e consumir imagens é produzir e consumir existências em um mundo cada vez mais visual (KELLNER, 1995; FISCHER, 1997; SOUSA, 2016).

Para pensar a aplicação da fotografia no contexto dessa alfabetização, foi questionado aos/às professores/as, na sondagem introdutória desta investigação, se consideram a fotografia e seus mecanismos de criação ferramentas pedagógicas importantes dentro da escola, tanto quanto o papel e o lápis. Em relação a este entendimento, 95,5% dos/as educadores/as disseram que sim, indicando ser um “auxílio visual” relevante “para compor cenários e mudanças sociais” (Docente dos Anos Finais, com mais de 10 anos de magistério), de modo a oportunizar “aos estudantes um espaço para se expressarem por meio de fotografias” (Docente dos Anos Finais, com mais de 15 anos de magistério). Por outro lado, 59,1% dos respondentes disseram que, embora tenham interesse em trabalhar com a fotografia em sala de aula, não saberiam como desenvolver uma estratégia didática a partir da linguagem, 55,4% informando não possuírem domínio técnico para isso.

Sendo assim, no esforço em contribuir para que o estudo da mídia e das imagens seja compreendido pelos/as docentes como uma conduta pedagógica possível na realidade diária da sala de aula, elaborou-se um procedimento metodológico calcado sob as perspectivas de três associações, que se relacionam a distintos “momentos do processo cognitivo, envolvendo os órgãos da visão e processos visuais mentais e linguísticos”, que são “a imagem/visão, a imagem/pensamento e a imagem/texto” (COSTA, 2013, p. 39). Segundo Costa (2013), essas divisões, por representarem etapas cognitivas específicas do intelecto humano, quando são articuladas em práticas de ensino, como as escolares, instigam novas habilidades e aptidões dos educandos. Nesse sentido, tomaremos essas três categorias definidas pela autora como etapas de um processo de Alfabetização Midiática-Visual baseado na linguagem fotográfica, seguindo uma ordem metodológica que julgamos como pertinente para a assimilação dos conceitos e práticas pelos estudantes.

A primeira etapa, denominada “imagem/texto” (COSTA, 2013), objetiva levar os/as alunos/as a compreenderem como se comunicar e como produzir sentidos por meio dos fundamentos que dão origem ao idioma fotográfico - com a intenção de demonstrar que, assim como a escrita verbal, as imagens (e aqui, em especial, as fotográficas) também abarcam uma ideia, expressando um conceito, podendo ser desnaturalizada, assim, a ideia dessas expressões como registros orgânicos e factuais do cotidiano. Já a fase seguinte, nomeada de “imagem/visão” (COSTA, 2013), sugere colocar em prática, por meio de exercícios de observação e captação, os elementos da linguagem fotográfica que foram anteriormente elucidados, de modo a romper com a noção de uma ação passiva ingênua do olhar sobre o aparato técnico de produção (a câmera fotográfica, no caso deste estudo). Por sua vez, a “imagem/pensamento” (COSTA, 2013), terceiro e último estágio desse processo formativo, propõe empreender um sistema de leitura do conjunto de textos fotográficos produzidos pelos/as alunos/as durante as atividades de observação e criação visual, de modo a refletir sobre as diferentes visões que cultivamos da realidade e de como o olhar é constantemente ensinado a significar o mundo dentro de um determinado conjunto de preceitos e padrões.

Fonte: elaborado pelos autores.

Figura 1 Guia de Alfabetismo Midiático-Visual 

Por fim, pensando nas ações que seriam desenvolvidas com o grupo focal de professores/as na etapa qualitativa desta pesquisa (explanação que virá a seguir), confeccionou-se um Guia da Alfabetização Midiática-Visual na escola, um documento que reúne, de forma didática e ilustrativa, as três etapas que foram, de forma sucinta, apresentadas aqui, além de incluir sugestões de atividades e materiais de apoio para cada fase do processo. Ademais, esse roteiro foi igualmente estruturado pensando na disseminação dessa prática para outros profissionais e suas escolas, não sendo um material restrito aos/às docentes e às instituições desta investigação. Desse modo, informa-se que o conteúdo está disponível para download3.

DISCUTINDO ALFABETIZAÇÃO MIDIÁTICA-VISUAL NA FORMAÇÃO DOCENTE: UMA PRÁTICA FORMATIVA E INVESTIGATIVA DESENVOLVIDA POR MEIO DA PESQUISA-AÇÃO

Com a etapa de diagnóstico concluída (fase 1 da pesquisa-ação, de abrangência quantitativa), foi possível ter uma visão mais explícita a partir da análise do conjunto de respostas fornecidas pelos/as professores/as participantes deste mapeamento (conforme descrito na seção metodológica). Compreenderam-se entendimentos e desconhecimentos, além de dificuldades e discordâncias que cercam a Alfabetização Midiática-Visual dentro das escolas de ensino fundamental completo do município de Novo Hamburgo/RS. A partir de então, foi desenvolvido o planejamento das ações que permitiriam discutir essas questões junto ao grupo de docentes que constituem a etapa qualitativa deste trabalho, como forma de elucidação e enfrentamento dos problemas expostos.

Nesse sentido, é fundamental explicar, de antemão, que as dinâmicas que compuseram as intervenções desta investigação em campo foram concebidas e promovidas dentro de um programa formativo intitulado “Educação Antidiscriminatória”, convênio entre a Secretaria Municipal de Educação de Novo Hamburgo (SMED/NH) e a Universidade Feevale (Feevale), desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Criança na Mídia: Núcleo de Estudos em Comunicação, Educação e Cultura da Feevale. A proposta desta atividade foi criar espaços de conscientização e sensibilização junto aos/às docentes atuantes da rede pública de ensino do município, por meio de discussões que pautam as diferentes relações entre os Direitos Humanos e o exercício pedagógico desses/as profissionais.

Fonte: Criança na Mídia (2021).

Figura 2 Card da Formação/Atividade com os/as docentes 

Desse modo, tendo em vista o alinhamento dos objetivos deste estudo com a intenção do referido Programa, organizaram-se três ações formativas e investigativas vinculadas às dinâmicas desse projeto, nomeadas Enquadrar, Compor e Revelar. Por conseguinte, para convidar as instituições participantes desta pesquisa a se inscreverem4 nesses três encontros, produziu-se um card detalhando o propósito geral desta realização e os desígnios que orientavam cada frente específica, além de pontuar o público-alvo (que seguiu a regra de composição amostral já elucidada na seção metodológica deste estudo), bem como o dia, horário e local dos encontros, que se deram de forma on-line, dado o contexto pandêmico5 que se vivia na época, sempre às quintas-feiras pela manhã, das 9h30min às 11h30min, totalizando 2 horas de duração por sessão.

Fonte: elaborado pelos autores.

Figura 3 Encontros Formativos 

Posto isso, no encontro introdutório, denominado Enquadrar, ocorrido no dia 2 de setembro de 2021, a proposta foi demarcar algumas questões que contornam os tópicos primários desta investigação. Para tanto, discutiu-se, inicialmente, com o grupo de docentes sobre o atual cenário da Alfabetização Midiática-Visual nas escolas de ensino fundamental completo do município de Novo Hamburgo/RS, por meio dos dados apreendidos na pesquisa-diagnóstico local sobre a temática, pois conforme Thiollent (1986, p. 65) adverte, “na pesquisa-ação o questionário não é suficiente em si mesmo. Ele traz informações sobre o universo considerado” que precisam ser, posteriormente, trabalhadas com um grupo representativo da amostragem.

Além disso, ainda nesse contato inaugural, procurou-se elucidar as noções que envolvem uma conduta educomunicativa (SOARES, 2014) do/a professor/a na escola, tanto por meio de uma perspectiva teórica, dialogando a partir de autores que delimitam discussões importantes nesse campo de estudo, quanto por meio de exemplos práticos com ações de Alfabetização Midiática-Visual já orquestradas na própria localidade. O efeito dessa primeira conversa com os/as educadores/as fica nítido no relato de um/a dos/as professores/as6 participantes da reunião:

Devo dizer que eu tenho uma preocupação com aquela minoria, que é uma minoria, né... Mas que a gente viu ali [nos dados apresentados da etapa exploratória] de colegas que acreditam que o trabalho com a mídia na escola ou que o trabalho com a imagem na escola não está associado ao que é fundamental trabalhar, né? Eu não vejo uma separação entre a gente trabalhar e estudar a mídia e alfabetizar ou letrar, ou como apareceu ali. [...] Vamos dizer assim, eu não vejo que o trabalho com a mídia, ele é outra coisa: “ah, ele é outro capítulo do que é essencial trabalhar na escola”. Eu acho que as coisas se atravessam, né? As coisas se multiplicam assim. (Docente-participante, informação oral).

Vivendo em uma sociedade que se coloca em torno dos meios comunicacionais, se faz imperativo pôr “em pauta discussões que remetem ao direito à comunicação como um direito humano fundamental” (SOUSA, 2019, p. 42), ou seja, como sendo um bem básico e essencial para os desdobramentos da existência contemporânea. Logo, a Alfabetização Midiática-Visual, uma vez incorporada na essência da prática escolar, conforme o entendimento expresso pelo/a professor/a, vem a ser um meio para que esse direito se torne um benefício cada vez mais tangível na realidade diária das pessoas (MARTIN-BARBERO, 2011). Contudo, tais práticas a serem inseridas na escola, embora sejam percebidas pela maioria dos/as docentes (conforme os dados expostos na etapa exploratória) como condutas pedagógicas relevantes e fundamentais, ainda se mostram, por vezes, incompreendidas e inviáveis aos olhos de alguns profissionais:

Eu sempre me achei muito incompetente nessa área, mas ouvindo tudo que o Alissom trouxe pra nós, dá pra sentir o quanto isso tá na nossa essência e no nosso dia a dia, conseguir olhar pra isso, né? É muito mais do que a tecnologia, é outra lógica, né? Eu não preciso dominar a tecnologia pra trabalhar essas questões. (Docente-Participante, informação oral).

Ao intervir em uma racionalidade pedagógica solidificada em anos de magistério, é comum perceber o receio e, muitas vezes, o despreparo dos/as docentes frente a esse novo compromisso educacional, sobretudo em relação à intenção e ao uso das tecnologias na Alfabetização Midiática-Visual. Nessa acepção, é pertinente reiterar que a intenção não é que os/as professores/as atuem como facilitadores entre as tecnologias e os/as estudantes, mas como mediadores/as no uso desses diferentes aparatos, no sentido de articular espaços de aula que discutam essa relação de consumo e produção de sentidos por meio dos dispositivos tecnocomunicacionais (RADDATZ, 2015). Tendo em vista isso, Soares (2014, p. 19), adverte que “uma adequada formação de professores/as para o século XXI demanda sua transformação em gestores de processos comunicativos, em que o diálogo se converte em suporte para a articulação pedagógica”.

Deste modo, para finalizar este primeiro momento de socialização, propusemos um exercício junto ao grupo de docentes com a intenção de sensibilizar para as possibilidades e sentidos que emergem a partir do trabalho com o idioma visual, mas especificamente por meio da fotografia e suas tecnologias, buscando demonstrar suas potencialidades na promoção de um olhar mais empático, consciente e crítico perante as diferentes realidades de vida. Para tanto, os/as professores/as foram convidados/as a visitarem a Exposição Fotográfica Criança na Mídia: Tempos de Discriminação e Direitos Humanos, com a ideia de que redescobrissem este pacto internacional em prol da vida por meio da relação exercida entre os direitos humanos, a fotografia e a infância. Após navegarem pela Exposição, que possui uma versão Virtual7, os/as participantes foram desafiados/as a selecionarem um Artigo da Declaração para comporem uma releitura fotográfica, de modo a contextualizar e ressignificar o Artigo escolhido a partir de componentes e vivências de seus próprios cotidianos.

Com as fotografias elaboradas8, compartilhamos as composições com o grupo e, juntos, buscamos desvendar qual Artigo da Declaração o/a autor/a da imagem buscou imprimir na sua produção. Inicialmente, durante a condução da dinâmica, o/a compositor/a da fotografia não apresentava os sentidos buscados com sua construção visual, possibilitando, deste modo, que o grupo desenvolvesse um olhar interpretativo e subjetivo sobre as diversas criações. Estas múltiplas percepções, por sua vez, permitiram enxergar diferentes Direitos para cada imagem, vistos e entendidos sobre diferentes enfoques da condição existencial humana. Após algumas reflexões sobre o conjunto de fotografias produzidas, o/a autor/a da imagem se pronunciava a respeito do Artigo que buscou representar. Abaixo, uma das imagens concebidas e analisadas pela turma de professores/as:

Fonte: Docente-Participante.

Figura 4 Fotografia e Direitos Humanos. 

Esta fotografia, segundo seu/sua autor/a, buscou representar o Artigo três da Declaração, que, em síntese, afere que todas as pessoas têm o direito à vida e a viver em liberdade e segurança. A imagem teve como proposta expor a existência do povo cigano e foi capturada pelo/a docente dentro do carro, pois, conforme ele/a, é uma realidade comum e que lhe chama à atenção nesse caminho percorrido todos os dias entre sua casa e a escola em que leciona. A associação com o Artigo se dá pelo/a docente perceber o desrespeito e a falta de dignidade experenciada por essa comunidade todos os dias:

Eles sofrem muito preconceito, eles não têm direito a segurança. Relacionei também com o povo indígena, porque ali perto desse lugar tem um mercado e quando eles vão no mercado eles são mal vistos pela forma como eles vivem. O que acontece é que muitas pessoas acham que, na realidade, assim como os indígenas, eles deveriam evoluir, não veem como uma forma de cultura deles. Foi proposital essa situação assim de movimento, porque eu queria dizer assim que eu passo né, e como todo mundo passa, de repente a gente passa ali várias vezes e nem percebe [...]. (Docente-Participante, informação oral).

Embora as fotografias tenham sido compostas a partir de um Artigo específico e a dinâmica tenha se pautado em descobrir qual Direito Humano que compunha a criação do/a colega, o objetivo da atividade não foi que os/as professores/as tivessem êxito na leitura interpretativa da imagem, isto é, de acertar o que de fato o/a autor/a da imagem se propôs a transmitir enquanto conceito criativo. Deste modo, quisemos, por meio deste exercício, ponderar junto aos/às professores/as que é impossível olhar para a vida sem olhar para a integralidade dos Direitos Humanos, dado que eles manifestam a essência da nossa dignidade de existir. Portanto, na busca por descobrir o Artigo estabelecido na imagem, os/as professores/as se deram conta de que é difícil determinar apenas um, dado que todos são importantes e vitais para se viver plenamente no mundo.

A partir disto, foi possível demonstrar aos/às docentes que, ao promover a Alfabetização Midiática-Visual na sala de aula, os Direitos Humanos sempre estarão contornando as discussões que envolvem essa ação educativa, dado que o compromisso sobre a noção desses Direitos “é, simultaneamente, meio e fim” (MAIA, 2007, p. 99) de qualquer atividade pedagógica voltada a uma visão crítica. É neste sentido que autores como Candau (2007), Maia (2007) e Raddatz (2015), afirmam a importância de pensar em uma educação para os Direitos Humanos que vá além do papel, dos livros e das teorias, sendo a fotografia uma ótima ferramenta para isso, porque habilita pensar esses Direitos pelo fator da subjetividade, ou seja, como os/as estudantes se relacionam com esses Direitos e o que eles dizem sobre seus modos de vida. A Alfabetização Midiática-Visual, portanto, vai além de saber lidar com tecnologias, e/ou, no caso específico deste estudo, de saber ler e produzir fotografias: é uma ação educativa que, por meio do olhar e do (re)olhar para a vida, emancipa e promove cidadania. Conforme Genevois (2007, p. 10), “não basta reconhecer e afirmar os Direitos no plano político e jurídico. É preciso realizar, acima de tudo, um trabalho de formação, que atinja corações e mentes”.

Por sua vez, foi no teor dessas discussões que o segundo encontro, denominado Compor, ocorrido no dia 23 de setembro de 2021, buscou tecer junto aos/às professores/as alguns procedimentos de produção e leitura de imagens, por meio de exercícios teóricos e práticos envolvendo o uso da linguagem fotográfica e de seus mecanismos de expressão (proposta metodológica que, brevemente, foi apresentada na quarta seção deste artigo e que compõe o Guia da Alfabetização Midiática-Visual). Em suma, o objetivo desse encontro foi romper com a ideia de uma alfabetização visual restrita ao “uso de obras de artes consagradas ou à erudição em termos culturais e artísticos”, apresentando aos/às docentes novas possibilidades e necessidades de ensino frente à atual realidade comunicativa da humanidade e da amplitude visual que cerca esse intercâmbio de informações cada vez mais diverso e prolífero (COSTA, 2013, p. 51). O teor dessas discussões fica perceptível na reflexão conduzida pelo/a professor/a:

A gente falava de todo aquele repertório, um repertório de pintores, né? E lá pelas tantas, depois de muito tempo trabalhando, eu pensei: mas gente, eu só tenho aqui cânones europeus e alguns americanos. Só imagens de pintores homens e brancos. E aí, depois de muitos anos só trabalhando com a imagem, eu passei a trabalhar sobre a oferta de imagens, né? Claro, a gente tem que mostrar, mas eu também passei a sentir a necessidade de problematizar com os meus alunos o que era que tinha disponível enquanto mídia. (Docente-Participante, informação oral).

O ponto de vista exposto pelo/a educador/a conflui com as abordagens teóricas que subsidiam as argumentações e as dedutivas deste estudo, ao apontar que as instituições de ensino precisam integrar outras expressões do conhecimento humano (KELLNER, 1995; MARTIN-BARBERO, 2011; SOUSA, 2019), se valendo de tecnologias e linguagens que cercam a realidade dos sujeitos, o que vem a significar uma busca pela “construção de ecossistemas comunicativos abertos e criativos nos espaços educativos” (SOARES, 2014, p. 19). Nessa lógica, torna-se importante perceber os sistemas comunicacionais, em seus diferentes modelos e formatos, não como adversários do/a professor/a, mas como aliados importantes na promoção de uma educação emancipatória, contribuindo com a efetivação da função escolar de desenvolver indivíduos que reflitam sobre as problemáticas sociais e que sejam transformadores de suas próprias condições existenciais (FREIRE, 2014; GIROUX, 1997).

Para isso, a escola precisa se manter aberta para “o diálogo sobre o cotidiano das pessoas, sobre seus relacionamentos com o sistema midiático no contexto da sociedade da informação, de forma a educar para cidadania” (ALBINO, 2015, p. 339).

Foi atentando para essas considerações que objetivamos apresentar a linguagem fotográfica como um suporte potente e atraente para o desenvolvimento dessa alfabetização junto aos/às estudantes, uma vez que a fotografia, assim como outras imagens, é uma mídia comum na realidade diária dessa geração e com a qual as crianças e os jovens estão cotidianamente se relacionando e trocando significados. Estudos sobre práticas de formação midiática no ambiente educativo apontam resultados positivos nesta aproximação entre ensino, tecnologias e as diferentes linguagens de expressão (DELIBERADOR; ALVES; LOPES, 2013; SOUSA, 2019). Portanto, ao refletir junto aos/às docentes sobre um processo de ensino baseado na fotografia, os/as professores/as puderam expandir o olhar sobre como trabalhar com os meios de comunicação em seus próprios contextos escolares de atuação. Tal tópico fica notório no relato do/a seguinte professor/a:

A partir do nosso último encontro, eu resolvi fazer um trabalho com o nono ano com fotografia, no qual eles tiveram de escolher algum espaço da escola, pra refletir a escola, mas por meio de alguma vivência deles. E foi muito legal porque é bem o que a gente estava vendo, eles olham, mas eles não enxergam. Eles olham todo dia aquele lugar, param, só que eles não paravam pra pensar o porquê, eles escolhiam aquele espacinho na escola pra ficar, né? Até me chamou atenção que um dos meninos, que é bem introvertido, tirou a foto de um reflexo. Quando ele me mostrou, de imediato não conheci o lugar. É que ele tirou uma foto do reflexo de uma poça d'água e virou ao contrário, e ele me mostrou a imagem ao contrário. Ficou um trabalho abstrato, ficou lindo, daí ele me explicou o porquê daquela imagem. (Docente-Participante, informação oral).

Por meio do uso de equipamentos e linguagens comuns à realidade dos estudantes, torna-se possível desenvolver habilidades ligadas “à autonomia e liberdade de pensamento”, sendo possível, a partir de atividades de ensino (como a que foi descrita pela professora), promover uma postura mais crítica dos/as alunos/as sobre esses aparatos e o teor comunicativo dessas produções (RADDATZ, 2015, p. 395). É nesse sentido que a fotografia, uma vez inserida na essência da atividade escolar, permite a manifestação de “opiniões e pontos de vista” diversos, além de ser uma ferramenta comunicativa importante para que os educandos se sintam “seguros para reconhecer e garantir seus direitos”, para enxergarem e valorizarem o seu próprio espaço de convivência e morada (RADDATZ, 2015, p. 395). Sendo assim, a questão central, quando se pensa em uma nova lógica pedagógica que oportunize outros modos de alfabetizar e refletir a partir dos meios, é que “no caso das tecnologias midiáticas, não basta o domínio sobre seu uso, mas também a postura do cidadão diante delas” (SOUSA, 2019, p. 114). Ademais, também é de substancial importância ampliar estas percepções para as relações e as convocações que emanam de outras agencias e artefatos de socialização, como o ambiente midiático e os produtos culturais que surgem a partir dos meios de comunicação:

Que a gente possa levar esse exercício de olhar o enquadramento e a composição - a forma como está pensada a composição e o enquadramento - nas imagens que têm consumido nossa rotina no dia a dia. As crianças assistem muito YouTube, assistem muitas coisas no celular, os adolescentes usam bastante as redes sociais. Eu levaria essa proposta adiante, no sentido de poder perceber as imagens que mais estão naquela mídia que a gente mais consome, de poder refletir um pouquinho sobre isso, para estabelecer assim essa discussão sobre a intenção daquele que produz a imagem e coloca ela na mídia, muitas vezes a gente não para muito pra pensar no porquê a gente tá consumindo ou porque isso está aparecendo ou não para a gente. (Docente-Participante, informação oral).

Embora a fotografia possua uma característica própria de comunicação e estruturação da mensagem em relação a outros tipos de imagens, seus sistemas produtivos e interpretativos permitem estabelecer relações com as demais concepções desta natureza. Por sua vez, ao entender os procedimentos técnicos para a elaboração de uma fotografia, assimilando o conjunto de componentes que codificam e significam essas mensagens visuais, é possível ampliar o olhar dos/as estudantes sobre essas e outras construções que permeiam a mídia, refletindo criticamente, assim, sobre a origem e o funcionamento ideológico de tais artefatos comunicacionais. Os elementos da linguagem fotográfica - como “ângulo, plano, perspectiva, iluminação, foco”, dentre outros - constituem-se como um caminho de possibilidades para a conceituação e o exame destas produções simbólicas (DELIBERADOR; ALVES; LOPES, 2013, p. 21). Essas constituintes são informações pictóricas formuladas pelo/a fotógrafo/a ou emissor/a no momento da captura, deixando um traço conceitual no interior da imagem que, por sua vez, assina autoria da obra e ajuda a revelar a intenção de seu/sua criador/a. Por conseguinte, ao entendermos esses processos técnicos de produção e leitura crítica de imagens, habilitando um olhar mais questionador sobre essas produções, passamos a entender que as representações fotográficas, assim como outras tantas manifestações visuais, não reproduzem o “real”, mas o reconstroem estrategicamente a partir do arranjo de determinados significantes (JOLY, 2012).

Para Kellner (1995, p. 127), um estudo acerca de objetos “culturais familiares” dos/as estudantes, tende a revelar o jogo de intenções e de interesses que permeiam este campo da produção humana, esclarecendo como se dá e quais são esses modos de subjetivação. Neste sentido, compreender como essas construções afetam a si e como afligem o próprio local de existência, significa apreender “como a sociedade constrói algumas atividades como tendo valor e como sendo benéficas, enquanto desvaloriza outras” (KELLNER, 1995, p.127). Portanto, a intenção principal quando a Alfabetização Midiática-Visual é defendida como um direito humano na escola é justamente essa: desnaturalizar estas produções que afirmam padrões para o próprio Eu, como “papéis e modelos de gênero e de comportamento sexista e racista” (KELLNER, 1995, p. 127).

Por fim, após serem vislumbradas pelos/as professores/as as possibilidades que envolvem a aproximação entre a fotografia e a escola, se apropriando dos códigos próprios dessa linguagem e entendendo como aplicá-la nos processos formativos que contornam o sistema de educação, a última ação, chamada Revelar, ocorreu no dia 21 de outubro de 2021. Essa ação buscou, por meio de uma produção fotográfica dinamizada pelos/as próprios/as docentes, levar o grupo a se expressar e a interpretar seus/suas colegas por meio do idioma visual, como modo de promover formas afetivas e subjetivas de comunicação e percepção pelas imagens. Abaixo, uma das fotografias produzidas que foi interpretada pelo grupo de docentes.

Fonte: Docente-Participante

Figura 5 Um olhar sobre a vida 

Essa atividade iniciou a partir das reflexões do último encontro (Compor), no qual os/as professores/as tiveram que colocar em prática os elementos que haviam compreendido da linguagem fotográfica, com a intenção de revelar o modo particular como olham para o mundo. O/A autor/a da fotografia acima (figura 4) expôs que sua forma de ver a vida se dá na

[...] textura da forma, nas luzes que se refletem nas cores, através da perspectiva imposta pela flor, compondo um ponto de vista delicado e suave que se descortina na inocência do movimento. Olhar a vida tendo o foco na profundidade de campo, tecendo planos através do desenho representando a beleza de modo sutil, intuitivo que desperta a sensibilidade e a emoção. (Docente-Participante, informação oral).

O componente do idioma visual que predomina na criação conceitual desta fotografia é a profundidade de campo. Aplicando o foco seletivo, o/a autor/a da fotografia opta por desfocar o primeiro plano, focalizando na camada adjacente da imagem, simbolizando, assim, sua busca por um ponto de vista mais compenetrado perante as múltiplas camadas que constituem o cotidiano. É neste sentido que a visão pode ser compreendida como uma “função organizadora, estruturadora e hierarquizadora” do real (COSTA, 2013, p. 42), afinal, o olhar é convocado, a todo instante, a configurar um certo modo de visão. Isso se dá na definição de perspectivas e ângulos, nas escolhas do que vamos focar ou ocultar das possibilidades de contemplação. Consequentemente, as leituras das imagens produzidas propiciaram “o exercício da humildade e da tolerância”, visto que levou os/as docentes a tomarem “consciência das diferentes visões de mundo que uma mesma realidade desencadeia” (COSTA, 2013, p. 43), oportunizando, deste modo, localizar a Alfabetização Midiática-Visual dentro de uma prática pedagógica sensível, que busca reconhecer a singularidade que habita em cada contexto de existência (ALBINO, 2015).

Quando a gente fala em revelar é também olhar para a vida, né?! As formações nos fazem olhar para a vida. Além de trazerem situações para que a gente possa pensar na escola e nos alunos, elas também nos fazem olhar para as nossas vidas. E isso é muito importante, acho que a gente tem que ter esses momentos também para parar, conversar e compartilhar, porque isso também nos constitui enquanto professores/as, como profissionais. Porque nossos alunos, que estão lá nas salas de aula, também têm uma vida e a gente tem que conseguir olhar para ela. (Docente-Participante, informação oral).

Realizar um trabalho crítico e reflexivo que paute a realidade de vida do/a aluno/a dentro da sala de aula é a essência que solidifica a proposta desta ação alfabetizante: deter a “noção de que os estudantes têm histórias diferentes e incorporam experiências, práticas linguísticas, culturas e talentos diferentes” (GIROUX, 1997, p. 161) e, como tais, precisam ser vistos e ouvidos em suas particularidades e compreendidos em suas formas específicas de se expressarem. Trata-se, neste sentido, de possibilitar aos/às educandos/as a socialização do seu próprio campo de experiências, de modo a tornar as experiências do seu ser em uma própria experiência de ensino, de transformação e formação democrática (FREIRE, 2016). Logo, a “alfabetização crítica na linguagem fotográfica” mostra-se um caminho possível para a edificação desses princípios em sala de aula (DELIBERADOR; ALVES; LOPES, 2013, p. 32).

Eu acho que é muito importante trabalhar esse tipo de coisa, porque eles vendo o que tem ao redor deles, eles reconhecem o lugar deles. Porque, muitas vezes, eles vão para a escola, ver aquele cotidiano, a rotina, e acabam esquecendo de ver o que está acontecendo ao redor. Vira aquela coisa assim, o exercício sem pensar, o automático, né? A pessoa começa a entrar no automático. Eu acho que eles precisam parar de vez em quando, parar pra pensar, parar pra olhar. Eu sempre digo pra eles: “não adianta olhar, tem que enxergar”. [...] E eu acho que a fotografia é perfeita para isso. (Docente-Participante, informação oral).

Almejou-se, portanto, nas diferentes discussões e ações operacionalizadas junto aos/às docentes desta pesquisa, mostrar a Alfabetização Midiática-Visual como uma didática que se relaciona com as práticas de uma educação emancipatória (FREIRE, 2016), um modelo de ensino que busca não apenas instruir, mas transformar por meio do conhecimento construído. Conforme Freire (1994, p. 79), a promoção de uma “leitura de mundo”, com uma ótica crítica e interpretativa sobre as circunstâncias que regem a vida, deveria ser sempre um dos principais compromissos pedagógicos das instituições educativas, de modo a proporcionar, na sala de aula, “um discurso que una a linguagem da crítica e a linguagem da possibilidade” (GIROUX, 1997, p. 163). Para isso, é fundamental, nas palavras da/o docente participante do estudo, entender que “não é só o professor trazendo conhecimentos, mas os alunos com suas vivências enriquecendo” e ressignificando o “saber” escolar (Docente-participante, informação oral).

A Alfabetização Midiática-Visual, como um projeto pedagógico crítico na escola, só será efetivada se conduzida por meio de uma ação dialógica, na qual os/as docentes precisam se opor a uma postura autoritária e opressora, isto é, reconhecendo que é preciso construir o conhecimento com os/as alunos/as e não somente para os/as alunos/as, dado que para muitos/as lecionar ainda “é transferir ao aprendiz o pacote de conhecimentos imobilizados para que o aprendiz mecanicamente memorize o pacote” (FREIRE, 2014, p. 14). Conforme Freire (2014, p. 17), “o professor bom é o que, levando o aluno do seu aqui, não se contenta com o seu aqui de professor e busca ultrapassar o seu aqui, como aluno”. Neste sentido, em concordância com Martin-Barbero (2011, p. 123), para que isso ocorra, o passo básico inicial, antes de se realizar qualquer ação concreta na escola, é se perguntar qual o “modelo comunicativo-pedagógico” que impera no espaço educativo, sendo essencial “partir dos problemas de comunicação antes de falar sobre os meios”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora alguns apontamentos de autores, sobre os quais este estudo se alicerça, sejam concepções de um determinado tempo-histórico, é possível perceber, por meio de investigações mais recentes sobre a temática (como esta que foi desenvolvida), que, mesmo na atualidade, frente às novas formas visuais dos sujeitos se comunicarem e produzirem sentidos sociais, as imagens continuam sendo uma realidade cultural muitas vezes colocada em segundo plano quando se pensam as lógicas de ensino no espaço escolar. Ademais, ao comparar bibliografias clássicas do campo da educação, como de Freire (1994), Kellner (1995) e Giroux (1997), com literaturas mais contemporâneas que igualmente pensam a área a partir das imposições do universo da comunicação, como Martin-Barbero (2011), Albino (2015) e Sousa (2019), é possível perceber o quanto os pressupostos convergem, indicando um percurso educacional linear e de poucas ressignificações (ponderação que compreende apenas as delimitações que tangenciam esta pesquisa).

Como fator de tais consequências, observam-se, dentre outras questões, as fragilidades que muitos/as docentes apresentam diante desta nova realidade educacional, na qual é possível identificar professores/as que ainda não reconhecem a mídia e as tecnologias comunicacionais como um outro espaço pedagógico que compartilha a função de ensinar, relacionando, por exemplo, o conceito de Alfabetização Midiática-Visual apenas com o uso e a manipulação de instrumentos eletrônicos pelos/as estudantes, desconsiderando, nessa perspectiva, a busca pela autonomia e pela criticidade diante dessas criações que constituem nosso modo visual de se expressar e consumir informação na atual sociedade midiática. Outrossim, embora os/as docentes, em sua maioria, reconheçam a Alfabetização Midiática-Visual como sendo um importante compromisso escolar contemporâneo (conforme os dados expostos da sondagem introdutória desta investigação), constatou-se (no trabalho mais focal com os/as professores/as) que muitos não se encontram amparados por processos e métodos que lhes permitiriam trabalhar com os mecanismos produtivos e os sistemas interpretativos de imagens midiáticas, manifestando, deste modo, uma certa insegurança para conduzir e mediar estas discussões em sala de aula.

É nesse sentido que os resultados deste trabalho, levando em consideração sua abordagem quanti-qualitativa, desenvolvida por meio da pesquisa-ação, permitiram estabelecer um pouco do cenário da Alfabetização Midiática-Visual nas escolas de ensino fundamental completo do município de Novo Hamburgo/RS, um diagnóstico que, embora não tenha sido discutido integralmente no escopo deste artigo, permite reflexões e produções futuras. Não obstante, a intervenção realizada no território escolar, a partir do trabalho promovido com alguns/mas professores/as por meio do estudo da linguagem fotográfica, oportunizou novas formas de pensar e planejar os processos de ensino-aprendizagem, além de propiciar aos/às educadores/as e aos/às educandos/as a construção de saberes que viabilizam um consumo mais consciente e crítico dos artefatos comunicacionais, assim como possibilitam mais autonomia e responsabilidade no uso das tecnologias midiáticas como forma de luta democrática e expressão cidadã. Conforme a avaliação de um/a professor/a participante: “Uma formação de extrema sensibilidade que, além de propiciar momentos de reflexão sobre a vida, forneceu material de apoio para os/as professores/as desenvolverem esse trabalho nas escolas” (Docente-participante, informação verbal).

Diante do exposto, a pesquisa aponta que as escolas poderão exercer efetivamente seu papel de instituições educativas da sociedade, atuando como um espaço democrático e de formação cidadã, quando de fato realocarem seu papel frente a este ciclo de transformações pelo qual o mundo passou e que ainda irá percorrer. Isto é, quando desenvolver um compromisso educativo mais alinhado às necessidades do/a cidadão/ã e de um mundo em transição. Hoje, sem dúvidas, isso só será possível quando a escola reconhecer e assumir “a tecnicidade midiática como dimensão estratégica da cultura”, dialogando com estes outros “campos de experiência em que se processam essas mudanças” (MARTIN-BARBERO, 2011, p. 132).

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1 Uma versão deste artigo foi aceita pelo Grupo Temático Comunicação e Educação para apresentação no XVI Congresso da Associação Latino-Americana de Investigadores da Comunicação (ALAIC), realizado em Buenos Aires de 26 a 30 de setembro de 2022.

2Esclarecemos que essa etapa da pesquisa analisada neste texto foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade Feevale e aprovado na Plataforma Brasil sob o número 33671820.0.0000.5348 como etapa da pesquisa institucional do Grupo Criança, Mídia e Educação: Ampliando o Debate sobre Empatia e Direitos Humanos, coordenada pela Profa. Dra. Saraí Patrícia Schmidt.

3https://criancanamidia.com.br/acoes-e-campanhas/guia-da-alfabetizacao-midiatica-visual/

4Informa-se que, embora o compromisso metodológico inicial deste trabalho previsse que cada escola indicasse dois/duas participantes para integrar as ações decorrentes da etapa qualitativa da pesquisa, o período de inscrições culminou em 17 docentes inscritos/as para as atividades.

5COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2) que assolou o mundo a partir de 2019, e que, até o fechamento desta pesquisa, em 2021, seguia causando sofrimento na população. Em vista à superação/controle dessa anomalia, a humanidade foi levada a vivenciar uma nova realidade social: o isolamento.

6As fontes serão preservadas, sendo identificadas apenas como Docente-participante em todas as suas aparições.

7https://criancanamidia.com.br/exposicao-virtual-1/

8Como as atividades se deram de forma virtual, estipulamos um tempo específico para que os/as docentes compusessem suas imagens. O tempo médio para execução dos trabalhos práticos eram de sete dias, sendo eles apresentados no próximo encontro da formação.

Recebido: 03 de Novembro de 2022; Aceito: 04 de Maio de 2023

<alissombrum@feevale.br>

<saraischmidt@feevale.br>

<vibsantos@senacrs.com.br>

Os autores declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo

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