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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 25-Jul-2023

https://doi.org/10.1590/0102-469839136 

Artigos

SÍNDROME DE BURNOUT, SATISFAÇÃO DE VIDA, AUTOESTIMA E OTIMISMO EM DOCENTES UNIVERSITÁRIOS DURANTE O ENSINO REMOTO

SÍNDROME DE BURNOUT, SATISFACCIÓN DE VIDA, AUTOESTIMA Y OPTIMISMO EN DOCENTES UNIVERSITARIOS DURANTE LA EDUCACIÓN A DISTANCIA

LETÍCIA CAMPOS DE TOLEDO1   , Elaboração do projeto, coleta de dados, análise de dados e escrita do texto
http://orcid.org/0000-0001-5609-8770

CAROLINA ROSA CAMPOS2  , Orientação do projeto, participação ativa na análise dos dados e revisão da escrita final
http://orcid.org/0000-0002-1713-3307

1Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Uberaba, Minas Gerais (MG) , Brasil.

2 Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Uberaba, Minas Gerais (MG), Brasil.


RESUMO:

Esta pesquisa buscou investigar características da Síndrome de Burnout, satisfação de vida, autoestima e otimismo em docentes universitários durante o ensino remoto estabelecido por contingência da pandemia provocada pela COVID-19. Participaram 98 professores com idades entre 31 e 64 anos (M=43,35; DP=7,98; 60,20% mulheres), que responderam ao questionário sociodemográfico e uso de tecnologias, Escala de Caracterização de Burnout, Escala de Satisfação de Vida e Escala de Autoestima de Rosenberg. Os resultados indicaram a prevalência de docentes em cursos ligados à área da saúde e que exerceram atividades além das aulas, utilizando-se de diferentes plataformas digitais. Foi observado um aumento de disciplinas ministradas entre os períodos letivos, acompanhado pela percepção de horas semanais de trabalho. Em relação aos instrumentos, observaram-se índices de autoestima abaixo da média, de otimismo dentro do valor médio, e de satisfação de vida acima da média. Quanto ao Burnout, observaram-se baixos níveis, com destaque para a falta de realização pessoal no trabalho e exaustão emocional. Quanto às análises de correlação, mulheres apresentaram médias superiores relacionadas à saúde mental, e os homens obtiveram média superior de Burnout, havendo ainda uma relação significativa entre idade e otimismo, embora não tenham sido encontradas diferenças significativas nos índices de saúde mental conforme o avanço do período remoto. Limitações quanto ao número de participantes e ao instrumento de Burnout utilizado sugerem que novos estudos sejam conduzidos a fim de se obter uma compreensão mais assertiva sobre saúde mental de docentes universitários.

Palavras-chave: professores universitários; adoecimento mental; coronavírus; saúde mental; psicologia positiva

RESUMEN:

Esta investigación buscó investigar características del Síndrome de Burnout, satisfacción de vida, autoestima y optimismo en docentes universitarios durante la educación a distancia instaurada por la contingencia de la pandemia del COVID-19. Participaron 98 docentes con edades entre 31 y 64 años (M=43,35; DT=7,98; 60,20% mujeres) que contestaron la encuesta sociodemográfica y uso de tecnologías, Escala de Caracterización de Burnout, Escala de Satisfacción de Vida y Escala de Autoestima de Rosenberg. Los resultados indicaron la prevalencia de profesores en el área de la salud, y que realizaban actividades más allá de las clases, utilizando diferentes plataformas digitales. Se observó un aumento de asignaturas ministradas entre los periodos escolares, acompañado de la percepción de la jornada laboral semanal. Acerca de los instrumentos, se observó los índices de autoestima abajo del promedio, de optimismo dentro del valor promedio y la satisfacción de vida por encima del promedio. Acerca del Burnout, se observaron niveles bajos, con énfasis en la falta de realización personal en el trabajo y el agotamiento emocional. Acerca de los análisis de correlación, las mujeres presentaron medias mayores relacionadas con la salud mental y los hombres medias mayor de Burnout, existiendo relación significativa entre edad y optimismo, aunque no se encontraron diferencias significativas en los índices de salud mental a medida que avanzaba el periodo. Las limitaciones en acerca de los participantes y el instrumento de Burnout sugieren que se realicen estudios para mejor comprensión de la salud mental de los profesores.

Palabras clave: profesores universitarios; enfermedad mental; coronavirus; salud mental; psicología positiva

ABSTRACT:

This research intended to investigate characteristics of Burnout Syndrome, life satisfaction, self-esteem and optimism of university professors during remote teaching, brought about the pandemic caused by COVID-19. 98 teachers took part in the research, with ages between 31 and 64 years old (M=43.35; SD=7.98; 60.20% women) who answered the sociodemographic and technology use questionnaire, Burnout Characterization Scale, Life Satisfaction Scale and Rosenberg Self-Esteem Scale. The results indicated the incidence of professors in courses related to the health field, and who carried out extra curricular activities, using different digital platforms. An increase in topics taught between school periods, followed by the perception of weekly hours of work, was observed. Regarding the instruments, self-esteem rates below average, optimism within the average rate, and life satisfaction above average were observed. As for Burnout, low levels were observed, with emphasis on the lack of personal gratification at work and emotional exhaustion. As for the correlation analyses, women had higher averages related to mental health and men had a higher average for Burnout, with a significant relationship between age and optimism, although no significant differences were found in mental health rates along the period of remote teaching. Limitations regarding the number of participants and the Burnout instrument used suggest that further studies must be carried out in order to provide a more accurate understanding of the mental health of university professors.

Key words: university professors; mental illness; coronavirus; mental health; positive psychology

INTRODUÇÃO

O papel do educador vem se modificando em consonância com a conjuntura econômica, social e política, de modo que a categoria docente está assumindo funções para além daquelas tradicionalmente designadas ao seu trabalho, deparando-se com a exigência de extensas jornadas de trabalho e a constante desvalorização de sua função social (Tostes et al., 2018). Nota-se ainda que os professores enfrentam desafios vinculados ao cumprimento de metas de produtividade, necessidade de constante atualização profissional, bem como lidam com turmas numerosas com distintas características e demandas, sendo ainda alvo de severas críticas sociais (Diehl & Marin, 2016). Esses fatores corroboram para que essa profissão seja uma das mais sujeitas às doenças ocupacionais, bem como se constitua como uma das mais estressantes de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1984; Oliveira et al., 2017).

A Síndrome de Burnout é uma das principais psicopatologias evidenciadas na literatura dentro da profissão docente (Diehl & Marin, 2016), caracterizando-se como fase final de um processo de esgotamento dos recursos emocionais usados no enfrentamento das demandas adversas. Na categoria docente, isso se manifesta pela exaustão emocional após interação intensiva com os alunos, despersonalização em atitudes frias em relação aos discentes e, por fim, falta de realização pessoal no trabalho, desvalorizando seu papel profissional (Moreno-Jimenez et al., 2002).

De acordo com o estudo de Massa et al. (2016), um quarto da amostra de professores universitários estudados apresentou esta sintomatologia, sendo o fator da desumanização da atividade laboral com maior percentual de alto nível o que evidenciou a necessidade de se compreenderem os fatores organizacionais e psicossociais associados ao adoecimento a fim de se manejarem intervenções voltadas ao bem-estar e à qualidade de vida dos docentes. Gomes e Quintão (2011) consideram ainda essa psicopatologia como uma das mais representativas sob o aspecto psicossocial, uma vez que impacta diretamente em variáveis individuais, sociais e organizacionais, além de representar, na experiência do professor, uma ameaça à satisfação com a vida e à autoestima. Tal fato pode, então, ocasionar o desenvolvimento de sentimentos negativos, tais como a desmotivação e a insatisfação com a vida de modo geral, além de prejudicar o otimismo em relação às perspectivas futuras, tanto no campo pessoal quanto profissional (Garcia & Benevides-Pereira, 2003; Montalvão et al., 2018).

Tendo em vista tais considerações, importante destaque deve ser dado ao bem-estar, à autoestima e ao otimismo dos docentes. De acordo com Hutz, Zanon e Bardagi (2014), a satisfação com a vida pode ser explicada pela genética e por traços da personalidade, em se tratando da percepção do nível de contentamento que alguém tem sobre sua própria vida ao refletir sobre os aspectos mais importantes que constituem sua história, de acordo com sua percepção do que seja satisfatório ou desprazeroso. Nessa vertente, a autoavaliação tende a variar não só entre os sujeitos, mas também a depender dos eventos de vida, humor, pensamentos e sentimentos, embora haja a tendência a uma estabilidade dos acontecimentos que cada indivíduo considera importante em sua trajetória. Estudos com professores do ensino universitário apontam ainda que, quanto maior a satisfação com a vida, maior a realização pessoal e a extroversão, e menor o Burnout (David, 2011; Moreira et al., 2009).

Por sua vez, a autoestima também pode se relacionar à sintomatologia do Burnout e à satisfação que os docentes têm com sua vida, uma vez que reúne os sentimentos gerais e comuns que o sujeito tem de si mesmo, sejam eles de conotação positiva, associada à saúde mental, habilidades sociais e bem-estar, ou negativa, envolvendo a percepção de incapacidade, depressão e ansiedade social (Hutz, Zanon & Vazquez, 2014). Tais autores também ressaltam que uma visão positiva de si mesmo é importante e necessária na medida em que sujeitos com essas características acreditam viver em um mundo onde são respeitados e valorizados, percepção esta que surge do reconhecimento positivo por pares e outros sujeitos considerados significativos. Nesse tocante, destacam-se ainda estudos que apontam para o fato de que educadores de universidades públicas têm uma tendência de apresentar autoestima elevada se comparados aos trabalhadores do ensino superior privado (Terra et al., 2013), embora outros mais recentes apontem para maior nível de Burnout e consequente desgaste psicológico dos professores de instituições públicas (Baptista et al., 2019)

No que concerne ao otimismo, pode-se dizer que esse conceito emergiu dentro dos estudos acerca das experiências subjetivas positivas e as potencialidades humanas no campo da psicologia positiva. O otimismo está relacionado a expectativas positivas generalizadas sobre eventos futuros, de modo que tal percepção dos sujeitos está intrinsecamente relacionada ao seu bem-estar físico e mental, bem como às suas expectativas sobre o futuro, ao esforço demandado para o alcance de metas e ao seu desempenho acadêmico e profissional, havendo estudos que apontam para uma correlação positiva entre autoestima e otimismo (Bastianello & Pacico, 2014; Bastianello et al., 2014).

Nessa vertente, diante do atual momento pandêmico causado pela COVID-19 e das consequentes medidas de isolamento social regulamentadas pelo Ministério da Saúde, o Ministério da Educação aderiu, em caráter excepcional, à modalidade remota, havendo a necessidade do uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs) para suprir as necessidades escolares e o ano letivo. Diante disso, foi necessária a execução de novos planejamentos pedagógicos por parte dos docentes, assim como a compreensão do funcionamento e da utilidade das diferentes plataformas digitais para continuar estimulando os alunos a construir e buscar conhecimento, processo que envolveu o desafio de conciliar atividades pessoais e profissionais no ambiente doméstico e transferir métodos e práticas pedagógicas presenciais para o designado ensino remoto em curto período de tempo (Gusso et al., 2020; Silva et al., 2020).

Considerando que a integração das TICs nas práticas escolares cotidianas tenha sido pouco explorada pelo próprio sistema educacional no decorrer dos anos, torná-las a única opção pedagógica consistiu, mesmo que em caráter de excepcionalidade, em mudanças no fluxo e na quantidade de trabalho. Essas alterações, por consequência, podem influenciar ou desencadear a consolidação de alguns transtornos ocupacionais nos docentes (Oliveira et al., 2020), assim como favorecer o adoecimento mental pelos impactos dessa nova configuração de trabalho (Araujo et al., 2020; Bittencourt, 2021; Morosini, 2020; Pereira et al., 2020; Santos et al., 2021).

Tendo em vista que a saúde do professor é um tema que adquire relevância e tem sido alvo de preocupação por parte de gestores institucionais, entidades sindicais e governamentais, e pesquisadores da área (Diehl & Marin, 2016), bem como que as inovações constantes das tecnologias digitais proporcionam mudanças significativas na prática docente na atual situação pandêmica provocada pela COVID-19 (Moreira et at., 2020), a presente pesquisa teve como objetivo investigar o nível de Burnout, otimismo, autoestima e satisfação de vida no contexto de pandemia em professores universitários diante da necessidade de cumprimento das atividades acadêmicas em formato remoto.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa descritiva, transversal e quantitativa.

Participantes

Colaboraram com esta pesquisa 98 professores pertencentes ao quadro funcional de uma universidade pública do interior de Minas Gerais, que foram convidados a participar das duas fases deste estudo. Responderam à primeira fase da pesquisa 91 professores; na segunda fase, 59 docentes universitários responderam aos instrumentos, sendo que 52 já haviam participado da primeira coleta. A Tabela 1 apresenta as características descritivas da amostra.

Tabela 1 Descrição da amostra 

Estudo 1 Estudo 2
Docentes % Docentes %
Idade*
25 a 39 anos 32 35,16 19 32,20
40 a 59 anos 56 61,54 35 59,32
60 anos ou mais 3 3,30 5 8,48
Total 91 100,00 59 100,00
Sexo
Feminino 54 59,30 40 67,80
Masculino 36 39,60 19 32,20
Não binário 1 1,10 0 0,00
Total 91 100,00 59 100,00
Escolaridade
Especialização 1 1,10 0 0,00
Mestrado 2 2,20 1 1,70
Doutorado 57 62,60 39 66,10
Pós-Doutorado 31 34,10 19 32,20
Total 91 100,00 59 100,00

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Legenda: *Grupos de idade, segundo o IBGE: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/5918

Instrumentos

Questionário sociodemográfico e sobre uso das tecnologias, contendo questões acerca de informações sociodemográficas do participante e itens sobre o tempo de uso das TICs, finalidade, programas utilizados, facilidade de manuseio, entre outras.

Escala de Satisfação de Vida (ESV), que avalia a percepção sobre o quão satisfeitas as pessoas se encontram com suas vidas. Foi elaborada por Diener et al. (1985), adaptada e validada para adultos e adolescentes brasileiros por Hutz et al. (2014). É composta por cinco itens de autorrelato e chave de resposta de sete pontos, que segue a aderência de “Discordo plenamente” até “Concordo plenamente” (Zanon & Hutz, 2013). A versão final da adaptação brasileira apresentou bom índice de consistência interna (α=0,91).

Escala de Autoestima de Rosenberg, que avalia o nível de percepção da autoestima. Foi elaborada pelo sociólogo Morris Rosenberg e adaptada e validada para estudantes e adultos por Hutz e Zanon (2011). A versão final da escala é composta por dez itens com respostas em escala Likert, constituída de quatro pontos que vão desde “Discordo totalmente” até “Concordo totalmente”. Vale ressaltar ainda que a escala apresenta bom índice de consistência interna (α=0,90).

Revised Life Orientation Test (LOT-R), que avalia o otimismo, relacionando mais fortemente as expectativas positivas e negativas. Foi elaborada por Scheier, Carver e Bridges (1994), adaptada e validada para o Brasil para adolescentes, universitários e adultos no Brasil por meio de dois estudos. A versão final da escala é constituída por dez itens, sendo três sentenças sobre otimismo, três sobre pessimismo e quatro itens-filtro, cujos escores não são computados, tendo-se a escala de resposta tipo Likert de cinco pontos variando de “Discordo plenamente” até “Concordo plenamente” (Bastianello & Pacico, 2014). O estudo realizado com universitários e adultos apresentou índice de consistência interna de 0,80, e o estudo com adolescentes, de 0,76.

Escala de Caracterização de Burnout (ECB), que avalia a Síndrome de Burnout a partir da estrutura tri-fatorial de exaustão emocional, desumanização e decepção no trabalho. Foi elaborada por Tamayo e Tróccoli (2009) e validada no Brasil para adultos por meio de dois estudos com trabalhadores de enfermagem e membros da polícia civil. A versão final da escala é constituída por 35 itens divididos entre os fatores Exaustão Emocional (α=0,93), Desumanização (α=0,84) e Decepção no Trabalho (α=0,90), estando o fator Realização Pessoal incorporado a este último. Tem-se como chave de resposta a escala tipo Likert de cinco pontos variando entre “Nunca” e “Sempre”, com valores intermediários que representam diferentes níveis de frequência em relação aos comportamentos expostos nas sentenças.

Procedimentos de Coleta de Dados

Os sujeitos que preencheram os critérios de inclusão foram convidados a participar da pesquisa de forma voluntária não remunerada, de modo que o estudo, em todas as etapas, atendeu aos requisitos propostos pela Resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), a qual dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, de modo que o projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da universidade. A coleta de dados realizou-se por meio da plataforma Google Forms, cujo link de acesso foi disponibilizado nas mídias sociais dos próprios pesquisadores, por meio do envio de e-mails aos docentes e da divulgação em grupos dos quais participavam. Ademais, solicitou-se aos respondentes que compartilhassem a pesquisa, formando, assim, uma rede de comunicação entre eles.

Ressalta-se ainda que as coletas seguiram as datas dos respectivos calendários acadêmicos do campus sede e o do campus universitário 2, sendo Estudo 1: Final da “Retomada do Calendário 2020.1” e Estudo 2: Final da “Retomada do Calendário 2020.2”, o que foi cumprido entre os meses de março a agosto de 2021.

Procedimentos de análise de dados

A análise de dados foi feita por meio de estatística descritiva e análises de comparação de médias e de correlação entre os dados obtidos pelo questionário e pelos demais instrumentos citados.

Na intenção de verificar se as diferenças de médias encontradas foram significativas, as análises consistiram na realização do Teste t de Student, o qual é usado para analisar as diferenças nas médias de variáveis qualitativas de duas categorias; da Anova, para a comparação de médias entre três ou mais grupos; e, por fim, dos testes não paramétricos Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. A escolha pelos testes não paramétricos justifica-se pelo fato de os dados serem assimétricos e pelo baixo número amostral.

RESULTADOS

No que tange aos dados coletados durante o estudo 1, denota-se por meio da Tabela 2 que as respostas ao questionário demonstram que, em relação à área de atuação profissional, 42,70% dos docentes atuam em cursos das Ciências da Saúde; 32,45% em Engenharias; e 16,21% nas Ciências Humanas e Sociais, de modo que as demais áreas de atuação computam apenas 8,64% dos respondentes. Ressalta-se que a soma das respostas é superior ao número de docentes, uma vez que o mesmo professor pode atuar em cursos de diferentes áreas na universidade. Já em relação ao estudo 2, 39,50% dos respondentes atuam em cursos das Ciências da Saúde; 36,84% em Engenharias; e 11,40% nas Ciências Humanas e Sociais, com as demais áreas somando apenas 12,26% das respostas.

Quanto ao número de disciplinas ministradas durante o ensino remoto, apenas 6,60% ministram uma única matéria, sendo que as demais porcentagens se mostram equilibradas, pois 23,10% ministram duas disciplinas; 28,60% ministram três; 24,20% são responsáveis por quatro disciplinas; e 17,50% por cinco ou mais matérias. Com relação ao estudo 2, 30,50% dos docentes ministram três disciplinas; 23,72% da amostra ministram até duas matérias; e 45,78% ministram quatro ou mais matérias, o que denota o aumento do número de disciplinas entre os professores dos dois estudos.

Já em relação aos tipos de atividades profissionais realizadas, constatou-se que, além de dar aulas (28,75% para o estudo 1; e 29,06% para o estudo 2), os docentes fazem videoconferências (estudo 1 com 24,50%; estudo 2 com 23,64%), dão supervisão de pesquisa/estágio (estudo 1 com 22,90%; estudo 2 com 22,66%), coordenam ligas (estudo 1 com 4,90%; estudo 2 com 3,44%), entre outras funções (estudo 1 com 18,95%; estudo 2 com 21,20%), porcentagens que novamente não se referem ao número de docentes, pois cada um deles exerce uma ou mais atividades. Por sua vez, as plataformas mais utilizadas são as de videoconferência (estudo 1 com 26,25%; estudo 2 com 24,90%), ao passo que as de pesquisa representam a menor porcentagem (estudo 1 com 17,99%; estudo 2 com 19,65%), dentre os tipos designados pelo questionário.

Ainda sobre a primeira fase, dos 91 participantes, 69,20% realizaram curso de aprimoramento referente ao uso de TICs e 30,80% não o fizeram. Com relação ao número de horas trabalhadas, 41,80% percebem trabalhar de oito a dez horas por dia; e 32,90%, mais de dez horas diárias, sendo que 59,30% dos docentes responderam estarem satisfeitos com o desempenho profissional durante o ensino remoto e apenas 4,40% relataram estarem muito insatisfeitos com sua atuação neste modelo de ensino. Já em relação à segunda fase, dos 59 docentes, 49,15% realizaram o curso de aprimoramento e 50,85% não o fizeram. Nessa etapa, 44,07% dos docentes percebem trabalhar de oito a dez horas por dia e 35,59% percebem trabalhar mais de dez horas por dia. Quanto ao nível de satisfação com o desempenho profissional, 47,45% relataram estarem satisfeitos e 30,51% estão de pouco a muito insatisfeitos, embora apenas 5,10% tenham relatado estarem muito insatisfeitos.

Tabela 2 Descrição da atuação no ensino remoto 

Estudo 1 Estudo 2
Docentes (n=91) % Docentes (n=59) %
Área de Atuação
Ciências Biológicas 4 2,16 6 5,26
Ciências Exatas 5 2,70 4 3,50
Ciências da Saúde 79 42,70 45 39,50
Ciências agrárias 3 1,62 4 3,50
Engenharias 60 32,45 42 36,84
Ciências Humanas e Sociais 30 16,21 13 11,40
Outros 4 2,16 0 0,00
Total 185 100,00 114 100
Tipos de plataformas utilizadas
Plataformas de videoconferência 89 26,25 57 24,90
Plataformas de mensagens 85 25,10 53 23,14
Plataformas de escrita 74 21,82 53 23,14
Plataformas de pesquisa 61 17,99 45 19,65
Outras 30 8,84 21 9,17
Total 339 100,00 229 100
Percepção da média de horas diárias de trabalho remoto
Menos de 3 horas 5 5,50 0 0,00
De 4 a 7 horas 18 19,80 12 20,34
De 8 a 10 horas 38 41,80 26 44,07
De 10 a 12 23 25,30 12 20,34
Mais de 12 7 7,60 9 15,25
Total 91 100,00 59 100
Percepção da satisfação com o desempenho profissional remoto
Muito insatisfeito 4 4,40 3 5,10
Insatisfeito 8 8,80 4 6,77
Pouco insatisfeito 7 7,70 11 18,64
Satisfeito 54 59,30 28 47,45
Pouco satisfeito 10 11,00 3 5,10
Muito satisfeito 8 8,80 10 16,94
Total 91 100,00 59 100

Fonte: Adaptado pelas autoras de Áreas do conhecimento, segundo a plataforma CAPES: http://fisio.icb.usp.br:4882/posgraduacao/bolsas/capesproex_bolsas/tabela_areas.html

Já em relação aos resultados das escalas, observa-se por meio da Tabela 3 que a maior porcentagem se refere ao índice de autoestima abaixo da média, representando 35,16% dos respondentes no estudo 1 e 37,30% no estudo 2. Por sua vez, 38,49% dos docentes do estudo 1 e 37,30% do estudo 2 indicaram otimismo dentro do valor médio para a amostra, embora 31,86% do estudo 1 e 30,50% do estudo 2 tenham apresentado níveis abaixo da média. No que se refere à satisfação com a vida, 39,56% do estudo 1 e 42,37% do estudo 2 obtiveram índices acima da média, apesar de ser necessário destacar que 26,38% do estudo 1 e 37,28% dos docentes do estudo 2 apresentaram escores ligeiramente abaixo da média ou de fato abaixo da média, de acordo com a divisão de percentis dos manuais de correção das escalas estabelecidos pelos autores.

Considerando os níveis da sintomatologia de Burnout, as divisões foram feitas a partir do escore bruto obtido pelos participantes, tendo como resultado que a maioria dos docentes (estudo 1 com 84,62%; estudo 2 com 74,57%) está ligeiramente abaixo da média; apenas 1,1% da amostra do primeiro estudo e 3,38% do segundo estudo indicam alto índice da patologia, embora 13,18% dos professores do estudo 1 e 22,05% do estudo 2 já estejam ligeiramente acima da média. Denota-se ainda que, dentre as manifestações comuns de Burnout, os docentes do estudo 1 apresentaram maiores índices de falta de realização pessoal no trabalho, ao passo que o estudo 2 obteve índice superior de exaustão emocional.

Tabela 3 Descrição dos Resultados das Escalas 

Estudo 1 Estudo 2
Intervalo de Valor do Percentil* Docentes (n=91) % Docentes (n=59) %
Nível de Autoestima
Abaixo da média 5-25 32 35,16 22 37,30
Ligeiramente abaixo da média 30-45 17 18,70 9 15,26
Ligeiramente acima da média 50-65 22 24,17 14 23,72
Acima da média 70-95 20 21,97 14 23,72
Total 5-95 91 100,00 59 100,00
Nível de Otimismo
Abaixo da média 5-20 29 31,86 18 30,50
Na média 25-55 35 38,47 22 37,30
Acima da média 65-95 27 29,67 19 32,20
Total 5-95 91 100,00 59 100,00
Nível de Satisfação com a Vida
Abaixo da média 1-20 14 15,40 9 15,25
Ligeiramente abaixo da média 25-45 10 10,98 13 22,03
Ligeiramente acima da média 50-70 31 34,06 12 20,35
Acima da média 75-95 36 39,56 25 42,37
Total 1-95 91 100,00 59 100,00
Nível de Burnout
Abaixo da média 0-50 1 1,10 0 0,00
Ligeiramente abaixo da média 51-100 77 84,62 44 74,57
Ligeiramente acima da média 101-130 12 13,18 13 22,05
Acima da média 131-175 1 1,10 2 3,38
Total 0-175 91 100,00 59 100

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Legenda: *Valores considerados pelos autores dos respectivos instrumentos.

NO que se refere aos resultados do Teste t, constata-se por meio da Tabela 4 que as diferenças entre os sexos em relação aos construtos pesquisados são estatisticamente significativas (p ≤ 0,05). Vale destacar que também foram encontradas diferenças significativas em relação ao sexo, sendo que as mulheres apresentaram médias superiores quanto às variáveis ligadas a melhores índices de saúde mental, tais como satisfação de vida, otimismo e autoestima, ao passo que o sexo masculino apresentou média superior para a síndrome de Burnout o que denota maior suscetibilidade deste sexo ao adoecimento no trabalho.

Tabela 4 Análises de correlação 

Sexo Média Desvio padrão Teste t Significância
Satisfação de vida F 24,90 6,568 33,762 0,001
M 23,67 6,984 44,625 0,001
Autoestima F 32,35 5,616 66,746 0,001
M 30,80 6,148
Otimismo F 23,04 4,761 52,248 0,001
M 20,95 5,756
Síndrome de Burnout F 85,68 17,996 56,412 0,001
M 86,04 20,003

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Já em relação às diferenças das médias dos construtos em comparação com os grupos de idade estabelecidos, a Anova demonstrou que houve uma diferença estatisticamente significativa apenas entre idade e otimismo (p = 0,025). Por fim, foram feitas as análises de média e desvio padrão com os resultados dos docentes que responderam ambas as fases, não sendo encontradas diferenças significativas nos índices de saúde mental conforme o avanço do período remoto.

DISCUSSÃO

De acordo com Tostes et al. (2018), a profissão docente é marcada por extensas jornadas de trabalho, tal como se observou em ambas as fases do estudo, em que a maioria dos professores percebeu trabalhar mais de oito horas por dia, ou seja, mais do que as 40 horas semanais para as quais eles foram contratados. Tal quadro parece ainda ter se intensificado no contexto de trabalho remoto, em que os desafios de conciliar atividades pessoais e profissionais, bem como tornar o uso das TICs a única opção pedagógica, acarretaram mudanças no fluxo e na quantidade de trabalho desses profissionais, levando a problemas de sobrecarga e maior suscetibilidade ao adoecimento mental (Araujo et al., 2020; Bittencourt, 2021; Gusso et al., 2020; Morosini, 2020; Pereira et al., 2020; Santos et al., 2021). Nesse sentido, a alta carga horária de trabalho denota a dificuldade de os docentes conseguirem realizar todas as atividades a eles designadas, as quais vão muito além da ministração de aulas dentro do espaço de tempo regular de trabalho. Acresça-se a isto o fato de uma porcentagem considerável desses profissionais não ter realizado o curso de aprimoramento às TICs oferecido pela universidade, o que tende a aumentar as dificuldades no teletrabalho.

Assim como a carga horária de trabalho docente é extrapolada para além da sala de aula, Dallacosta e Castro (2021) destacam ainda que estudantes universitários também possuem tarefas extracurriculares que ultrapassam as horas que normalmente as atividades de ensino demandam. No contexto da pandemia, constata-se ainda uma porcentagem de alunos que, devido a questões econômicas e familiares, precisaram se inserir no mundo do trabalho e lidar com uma rotina semanal intensa de estudos e atividade laboral. Nesse sentido, visando abranger as dificuldades enfrentadas por toda a comunidade acadêmica, Manica (2022) ressalta que os estudantes universitários, assim como os docentes, passaram por um período de adaptação às aulas remotas, enfrentando questões como o isolamento social, o aumento de horas em tela e a frustração diante da realidade acadêmica à distância, além de carências econômicas e sociais que impactaram diretamente aspectos preocupantes da saúde mental desses indivíduos.

Todavia, a literatura observa que fatores de proteção, como a autoestima, o otimismo e a satisfação com a vida alteram a reação dos sujeitos diante de situações de risco. Assim, observa-se que um repertório de habilidades sociais bem elaborado, assim como a forma como o sujeito se percebe e compreende os eventos de sua vida, foram instrumentos de relevância para o desempenho acadêmico e o bem-estar psicológico durante o período de aulas remotas. No entanto, vale ressaltar que, embora entrelaçado com a prática docente, o objetivo deste estudo foi observar o perfil do professor universitário, tendo como um objetivo futuro o estudo dos construtos para discentes.

No que se refere aos construtos relacionados aos índices de saúde mental, o presente estudo observou índices similares de autoestima, otimismo e satisfação com a vida em ambas as fases, com apenas a autoestima apresentando porcentagens consideráveis abaixo e ligeiramente abaixo da média. Tal constatação pode ser explicada pelo fato de, segundo Hutz et al. (2014), a percepção de autoestima estar associada ao reconhecimento que o indivíduo recebe de seu meio social, o qual precisa lhe dar respeito e valorização, elementos que são pouco observados em instituições de ensino. Nesses espaços, a desvalorização, segundo os relatos dos docentes, é proveniente tanto dos alunos quanto da própria universidade, construindo-se um ambiente propício para que os professores se percebam como incapazes. Somando-se a isso, Baptista et al. (2019) destacam que professores de instituições públicas são mais sujeitos ao desgaste psicológico do que os pertencentes a universidades privadas, o que abre espaço para novos estudos que avaliem essa questão, observando, principalmente, a interlocução dos problemas de autoestima com questões estruturais e administrativas da universidade.

Com relação aos índices de satisfação com a vida, os dados coletados foram majoritariamente positivos, o que aponta para a estabilidade da autoavaliação do sujeito sobre seus eventos de vida. Tal fato se explica na medida em que, de acordo com Hutz et al. (2014), a satisfação de vida envolve não só os eventos da vida, mas também como a genética e os traços de personalidade influenciam para que o indivíduo selecione os acontecimentos mais importantes que constituem sua história. Dessa forma, lança-se a hipótese de que os docentes consideraram em suas respostas majoritariamente as conquistas de sua trajetória profissional para chegar à docência em uma universidade pública, tendo em vista que a grande maioria dos respondentes possui doutorado, e uma porcentagem significativa chegou a realizar o pós-doutorado. Entretanto, faz-se importante considerar que houve um crescimento significativo com relação à porcentagem de docentes que apresentaram satisfação com a vida ligeiramente abaixo da média da primeira para a segunda fase do estudo, assim como o aumento de respondentes que se percebem de pouco a muito insatisfeitos com o desempenho profissional remoto, o que aponta para possíveis influências que o teletrabalho tem exercido sobre os níveis de satisfação dos professores acerca do seu exercício profissional.

No que tange a perspectivas futuras, ambas as fases do estudo apontaram para níveis semelhantes e equilibrados de otimismo, o que pode ser entendido como positivo ao se observar que, por mais que a segunda fase do estudo tenha acumulado os estresses de dois semestres em aulas remotas, a expectativa generalizada sobre eventos futuros se manteve semelhante em ambos os momentos. Todavia, os índices significativos de otimismo na média e abaixo da média se tornam preocupantes, considerando que tal resultado, segundo Bastianello e Pacico (2014), diz respeito também ao esforço demandado para o alcance de metas e ao desempenho profissional dos docentes, fatores que podem ter sido prejudicados pelas incertezas futuras intrínsecas ao contexto de pandemia, o que se complementa pelo índice médio de satisfação dos docentes com o seu desempenho remoto.

Já em relação às especificidades do adoecimento ocupacional representado pelo Burnout, o fato de a maior parte dos docentes ter apresentado índices ligeiramente abaixo da média se complementa com os índices significativamente positivos dos construtos representantes de saúde mental, uma vez que a literatura observa que essa psicopatologia constitui uma ameaça à satisfação com a vida e a autoestima, além de prejudicar o otimismo em relação às perspectivas futuras nos campos pessoais e profissionais (Garcia & Benevides-Pereira, 2003; Gomes & Quintão, 2011; Montalvão et al., 2018). Tendo em vista as dimensões do Burnout estabelecidas pela literatura (Moreno-Jimenez et al., 2002), observou-se que, apesar de a sintomatologia não aparecer de forma brusca nessa categoria profissional, os maiores índices de Burnout apontam para uma valorização negativa do professor sobre seu papel, podendo revelar sentimentos de ineficácia no desenvolvimento de seu trabalho, assim como denotam exaustão emocional, o que converge para a falta de dedicação docente por ele não conseguir se empenhar melhor no quesito da afetividade. A desumanização da atividade laboral, por seu turno, não foi o fator preponderante em nenhuma das fases do estudo, ao contrário do que aponta a pesquisa de Massa et al. (2016).

Entretanto, para fins de comparação, ao se observar a literatura produzida acerca da saúde mental de discentes e docentes ao longo do período pandêmico, Dallacosta e Castro (2021) destacam que a desumanização das atividades laborais também não foi um fator preponderante para ambos, mas, sim, a exaustão emocional e o sentimento de descrença do seu potencial, embora haja uma inter-relação entre todos esses fatores. Somando-se aos aspectos comparativos, Becker et al. (2021) realizaram uma revisão de literatura em que, por meio da análise de 14 estudos, se constatou uma associação entre o ensino remoto e uma maior prevalência de ansiedade, estresse e Burnout em estudantes universitários, se comparado ao período de aulas presenciais. Todavia, assim como constatado pela presente pesquisa na perspectiva docente, embora os estudantes possuam satisfatória capacidade de enfrentamento e adaptação, o desgaste emocional e físico não foi majoritariamente devido à relação com os professores, mas, sim, com outros colegas.

No que se refere às variáveis coletadas pelo questionário sociodemográfico, observa-se que o maior índice de respondentes em ambas as fases do estudo pertence ao sexo feminino (estudo 1 com 59,30%; estudo 2 com 67,80%), o que condiz com o panorama geral de outros estudos na área da docência universitária, sinalizando que essa profissão é majoritariamente exercida por mulheres (Massa et al., 2016; Silva et al., 2020). O estudo em questão observou maiores índices de saúde mental representados pelos construtos da psicologia positiva no sexo feminino, ao passo que o sexo masculino obteve índice superior da sintomatologia de Burnout, embora a literatura apresente as mulheres como mais vulneráveis ao adoecimento mental devido a fatores como sobrecarga do trabalho doméstico, as regras culturais que lhes são impostas e diferenças hormonais às quais estão sujeitas (Tostes et al., 2018).

Assim, no estudo de Tostes et al. (2018), observou-se maior prevalência dos sintomas de distúrbios psíquicos menores, depressão e ansiedade em professores do sexo feminino do ensino público, bem como Baasch et al. (2017) encontraram diferenças significativas na prevalência de Transtornos Mentais e do Comportamento de mulheres que trabalham como servidoras públicas. Somando-se a esses estudos, Neme e Limongi (2019) fizeram uma pesquisa com 351 docentes de uma universidade mineira, sendo que os respondentes possuíam titulação variável de mestre, doutor e pós-doutor e realizavam atividades de pesquisa, ensino, extensão e gestão. Nessa pesquisa, embora a amostra fosse predominantemente masculina, constatou-se maior prevalência de Transtornos Mentais Comuns em docentes do sexo feminino. Já em relação aos construtos positivos, Gomes et al. (2017) compararam índices de qualidade de vida e qualidade de vida no trabalho entre os sexos e concluíram que homens obtiveram valores superiores em todas as comparações com significâncias estatísticas.

Por sua vez, a relação significativa entre idade e otimismo pode ser explicada pela literatura trazida por Silva et al. (2020), em que se associa o adoecimento mental pelo trabalho com profissionais predominantemente jovens mediante o despreparo da formação universitária para com as adversidades do ambiente de trabalho. Ademais, os autores destacam a relação entre idade e bem-estar em pessoas com idades mais avançadas, que frequentemente possuem maior habilidade para lidar com problemas afetivos e profissionais. Entretanto, Luís (2018) ressalta que, de modo geral, não há um consenso na literatura sobre a relação entre idade e bem-estar, destacando que o otimismo está associado não só ao bem-estar, mas também ao fato de os indivíduos conseguirem ter uma melhor qualidade de vida em situações em que se encontram com problemas de saúde, uma vez que os recursos psicológicos estão interligados; assim, a presença de um aumenta a probabilidade de outros emergirem, havendo uma intrínseca relação entre os afetos positivos e a saúde.

Por fim, o fato de não terem sido encontradas diferenças significativas nos índices de saúde mental no decorrer do ensino remoto pode indicar que, embora a adequação das práticas pedagógicas presenciais para o designado ensino remoto bem como a necessidade de compreender o funcionamento das diferentes plataformas digitais em um curto período de tempo tenham se tornado um desafio para os professores (Gusso et al., 2020; Silva et al., 2020), estes se adaptaram à complexidade do processo. Dessa forma, não houve o aumento gradativo do impacto sobre a saúde mental dos docentes ao longo dos semestres pesquisados, tal como se esperava pelos apontamentos da literatura (Araujo et al., 2020; Bittencourt, 2021; Morosini, 2020; Pereira et al., 2020; Santos et al., 2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados e discussões apresentados, depreende-se que a pesquisa cumpriu seu propósito de avaliação da saúde mental de docentes universitários no que se refere à efetivação das atividades acadêmicas em formato remoto em ambos os semestres pesquisados. Entretanto, destaca-se como limitação do estudo o baixo número de participantes em relação ao quadro de docentes da universidade, o que prejudica a generalização dos dados obtidos. Ademais, faz-se importante observar que a Escala de Caracterização de Burnout, utilizada no presente estudo para a mensuração da síndrome, enfoca aspectos relacionados às nuances entre os docentes e seus alunos, não abarcando demandas burocráticas e administrativas da universidade, as quais também envolvem questões estressantes e adoecedoras do trabalho docente.

Tal conclusão pôde ser obtida a partir de relatos dos professores em um campo aberto da pesquisa adicionado na segunda fase, em que os docentes relataram dificuldades para além da falta de interação com os alunos, tais como falhas na comunicação com a instituição, excesso de reuniões extracurriculares, falta de preocupação da universidade com o acolhimento dos trabalhadores e precariedade dos sistemas acadêmicos utilizados. Dessa forma, sugere-se que novos estudos sejam feitos com amostras maiores e com instrumentos que explorem as questões administrativas de trabalho e que envolvam a retomada das aulas presenciais, além de investigações que explorem, de forma mais aprofundada, aspectos referentes à saúde mental dos estudantes, a fim de se obterem dados descritivos e comparativos mais assertivos e abrangentes sobre o entendimento do panorama de saúde mental dos docentes e discentes que compõem a comunidade acadêmica.

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Recebido: 05 de Abril de 2022; Aceito: 28 de Fevereiro de 2023

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