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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 20-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/0102-469839220 

Artigos

GÊNERO NAS AULAS DE CIÊNCIAS: UMA ANÁLISE DA APRENDIZAGEM CONCEITUAL

GÉNERO EN LAS CLASES DE CIENCIAS: UN ANÁLISIS DEL APRENDIZAJE CONCEPTUAL

LUIZ GUSTAVO FRANCO1  , Análise Formal, Escrita, Primeira versão, Revisão e Edição, Investigação, Metodologia
http://orcid.org/0000-0002-1009-7788

DANUSA MUNFORD2  , Administração do Projeto, Análise Formal, Revisão e Edição, Investigação, Metodologia, Obtenção de Financiamento, Supervisão
http://orcid.org/0000-0001-7071-4904

1 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, MG, Brasil. luizgfs@ufmg.br

2 Universidade Federal do ABC (UFABC). Santo André, SP, Brasil. danusamun@gmail.com


RESUMO:

A temática do gênero assumiu um lugar central nas discussões no campo da educação. Neste artigo, discutimos relações de gênero no contexto específico do campo da Educação em Ciências da Natureza, uma área que tem se dedicado, de modo crescente, ao estudo de relações de gênero. Apesar de avanços no campo, ainda são escassos os estudos que relacionam gênero à aprendizagem de conceitos científicos no cotidiano da sala de aula. No presente estudo, exploramos interações discursivas em uma turma do 1° ano Ensino Fundamental com o objetivo de analisar o papel do gênero na construção de oportunidades de aprendizagem de ciências. Para isso, nos apoiamos em propostas teóricas de Judith Butler sobre gênero, e orientamos as análises a partir da Etnografia em Educação como lógica de pesquisa. As aulas analisadas indicam que conhecimentos conceituais de ciências estavam articulados a processos de reiteração/contestação da norma de gênero. Tais negociações exerceram um papel central na aprendizagem sobre a biologia de um inseto, em particular, sobre o conceito de dimorfismo sexual. O estudo se une a outras pesquisas que apontam a relevância das discussões sobre gênero na educação, incluindo a disciplina escolar Ciências e seus conceitos.

Palavras-chave: relações de gênero; aulas de ciências; aprendizagem conceitual

RESUMEN:

El género ha sido uno de los temas más discutidos cuando se habla de educación en Brasil en los últimos años. En este artículo discutimos las relaciones de género en el contexto del campo disciplinar de las Ciencias Naturales. Investigadores se han dedicado cada vez más al análisis de las relaciones de género en clases de ciencias. A pesar de los avances en el campo, aún existen pocos estudios que relacionen el género con el aprendizaje de conceptos científicos en el cotidiano del aula. En el presente estudio, exploramos las interacciones discursivas en una clase de 1° año de Educación Primaria con el objetivo de analizar el papel del género en la construcción de oportunidades de aprendizaje de las ciencias. Para ello, nos apoyamos en propuestas teóricas de Judith Butler sobre género, y orientamos el análisis desde la Etnografía en Educación como lógica de investigación. Las clases analizadas indican que el conocimiento conceptual de la ciencia estuvo vinculado a procesos de reiteración/desafío de la norma de género. Tales negociaciones jugaron un papel central en el aprendizaje sobre el concepto de dimorfismo sexual. El estudio se suma a otras investigaciones que apuntan a la relevancia de las discusiones sobre género en la educación, incluyendo la ciencia escolar y sus conceptos.

Palabras clave: relaciones de género; clases de ciencias; aprendizaje conceptual

ABSTRACT:

In the last years, gender has been one of the main issues in discussions in the educational field. In this article, we discuss gender relations in the specific context of science education field, an area that has been increasingly dedicated to studies regarding gender relations. Despite the progress in the field, studies that relate gender to learning scientific concepts in the classroom everyday life are still scarce. In this study, we explore discursive interactions in the 1st grade of Elementary School, aiming to analyze the role of gender in the construction of science learning opportunities. In order to do so, we leaned over theoretical proposals by Judith Butler regarding gender and guided the analyses from Ethnography in Education as a logic of research. The analyzed lessons indicate that conceptual science knowledge was articulated to reiterate/constrain the gender norm. These negotiations played a central role in learning the biology of an insect, more specifically, the concept of sexual dimorphism. This study is related to other research projects that point to the importance of gender discussions in education, including science education and its concepts.

Keywords: gender relations; science lessons; conceptual learning

INTRODUÇÃO

No presente artigo, analisamos como relações de gênero constituem processos de aprendizagem conceitual de ciências em sala de aula. O foco de investigação do estudo insere-se em uma discussão mais ampla, que integra o campo disciplinar de Ciências da Natureza, à instituição escolar e à sociedade. Gênero tem sido um dos assuntos mais abordados quando se fala em escola, currículo e educação atualmente (CALDEIRA; PARAÍSO, 2018). Essa maior expressividade do gênero no contexto escolar constitui, nas palavras de Guacira Louro, a “novidade” inevitável que invadiu o território da educação: escola, currículo, educadoras e educadores não conseguem se situar fora dessa história. Mostram-se, quase sempre, desafiados por questões para as quais pareciam ter, até pouco tempo atrás, respostas seguras e estáveis. Agora, as certezas escapam e não há como ignorar as “novas” práticas, os “novos” sujeitos, suas contestações ao estabelecido (LOURO, 2008, p. 28).

Nesse cenário, movimentos políticos divergem, projetos de lei controversos são discutidos e agentes de diferentes esferas sociais defendem seus interesses. Um exemplo dessa tensão foi a retirada de qualquer menção às palavras “gênero” e “orientação sexual” da última versão da BNCC, a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017). Tais conflitos, todavia, não se restringem ao âmbito do currículo prescrito. Os currículos vividos nas escolas também geram discussões. Constrangimentos de gênero, uso de linguagem sexista e o reforço de desigualdades ainda prevalecem no cotidiano escolar (CALDEIRA; PARAÍSO, 2018), incluindo as aulas de ciências (ALMEIDA et al., 2020). Tais problemas têm sido retratados e discutidos por meio de uma consistente literatura sobre relações de gênero na educação científica, ao longo das últimas décadas. Há cerca de quinze anos, Jennie Brotman e Felicia M. Moore apresentaram uma revisão dessa área, indicando alguns avanços e tendências, desde estudos mais antigos, da década de 1970, até pesquisas mais recentes. Nessa revisão, as autoras observaram que as pesquisas foram se transformando dentro da área de Educação em Ciências e se organizaram em torno de alguns focos de maior atenção.

Entre os anos 1980 e início dos anos 1990, por exemplo, grande parte das pesquisas estava voltada para caracterização e análise de diferenças entre meninos e meninas. Apesar dos esforços no sentido da inclusão de meninas no ensino de ciências, as autoras argumentam que grande parte dessas pesquisas acabava gerando um movimento contrário, reforçando uma noção de déficit baseada em características das meninas (BROTMAN; MOORE, 2008). Ao longo dos anos 1990, observou-se um deslocamento para um segundo foco: a renovação curricular. O currículo passava a ser analisado e a literatura passou a apontá-lo como excludente e misógino. Ao final dos anos 1990, houve dois outros deslocamentos, gerando novos focos nos estudos. Um deles estava relacionado às análises da natureza da ciência e a cultura científica, sendo a ciência entendida como gendrada, isto é, um empreendimento constituído por relações de gênero. O outro, por sua vez, estava relacionado às pesquisas sobre identidade, explorando questões como a identificação de meninos e meninas com disciplinas e/ou carreiras científicas.

A partir de um levantamento de artigos posteriores à publicação de Brotman e Moore, buscamos mapear pesquisas mais recentes da área de Educação em Ciências sobre relações de gênero. Parte desses estudos está relacionada às tendências identificadas pelas autoras. Um exemplo é o expressivo campo de pesquisas sobre a identificação de meninos e meninas com disciplinas e carreiras científicas (e.g. CHRISTIDOU et al., 2016; CONNER; DANIELSON, 2016; LIMA JÚNIOR et al., 2011; SALMI et al., 2016; SÁINZ; MÜLLER, 2017). Mais recentemente, destaca-se o avanço desses estudos com relação à inclusão de meninas em certas carreiras, como engenharia e computação (e.g. CONVERTINO, 2020; KANG et al., 2021; LAMPLEY et al., 2022; SOUZA; LOGUERCIO, 2021). Outras pesquisas, em direção similar, têm buscado caracterizar distinções entre meninos e meninas, por exemplo, na participação nas aulas de ciências, habilidades investigativas, e desenvolvimento do pensamento científico (e.g. DAHER et al., 2021; GAFOOR; NARAYAN, 2012; GODEC, 2020; KARAKAYA, AVGIN; KÜMPERLI, 2016; ONG et al., 2015; WANG; YI-KUAN TSENG, 2014). Tais estudos diferem daqueles da década de 1980, relatados por Brotman e Moore (2008), uma vez que as distinções entre meninos e meninas são entendidas a partir de uma concepção sociocultural. Isto é, padrões de participação e habilidades são interpretados a partir de processos de socialização aos quais crianças e adolescentes são submetidos dentro e fora da escola, e que favorecem menor (ou maior) identificação e participação de meninas em ciências. Desse modo, os esforços de tais estudos também se concentram em analisar formas com as quais escola e professoras/es de ciências podem ampliar oportunidades de inclusão de meninas em ciências. Há, ainda, pesquisas mais voltadas para análise de currículos e a natureza da ciência, como aqueles que buscam analisar gênero em materiais didáticos, na formação de professores (e.g. BAZZUL; SYKES, 2011; CARDOSO, 2018; HEERDT; BATISTA, 2016; QUIRINO; ROCHA, 2013; SILVA; COUTINHO, 2016) ou avaliando o impacto de programas instrucionais na inclusão de meninas em ciências (e.g. ALMEIDA et al., 2020; CONNER, PERIN; PETTIT, 2018; NOGUEIRA et al., 2011; ROBERTSON, 2013).

Há dois aspectos desse conjunto de estudos que são centrais para a análise que apresentamos neste artigo. O primeiro está relacionado ao objeto de análise das relações de gênero e o segundo às metodologias comumente adotadas. Com relação ao objeto de análise, é proeminente que as relações de gênero exploradas nas pesquisas partem da desigualdade entre homens e mulheres observada na sociedade e na ciência, e que também está presente em aulas de ciências. Nesse sentido, a maior parte das pesquisas têm como objeto de análise as relações entre meninas ou meninos com ciências (e.g. padrões de participação, motivação, identificação, inclusão). Em nosso estudo, todavia, as análises não se voltaram diretamente para essas relações, mas para o modo como a desigualdade se manifesta também em outras dimensões da ciência escolar, inclusive nos próprios conceitos científicos.

Partindo de Londa Schiebinger (2001), entendemos que a desigualdade gerada pelo gênero na ciência não se reflete apenas na posição periférica que a mulher assumiu dentro da comunidade científica, mas nas próprias formas como o gênero moldou o conhecimento científico. Schiebinger e outros autores têm analisado uma série de casos, históricos e contemporâneos, que evidenciam o modo como conceitos, teorias e modelos da ciência podem ser gendrados. Exemplos desse processo incluem o caráter sexista da classificação do grupo dos mamíferos na taxonomia lineana (BADINTER, 1985), as descrições anatômicas gendradas de grupos de primatas não-humanos (SCHIENBINGER, 2001), o uso de fatores biológicos para explicar diferenças sociais e comportamentais de homens e mulheres (MIKKOLA, 2017), a influência do binarismo na categorização e análise dos hormônios sexuais (OUDSHOORN, 1990), as hipóteses para explicar a evolução humana, além desenhos de pesquisa atuais que partem de premissas misóginas (HEERDT; BATISTA, 2016).

Nessa direção, estudos têm buscado compreender como gênero constitui conceitos científicos também na ciência escolar. As pesquisas de Jesse Bazzul e Heather Sykes (2011) e de Francisco Coutinho e Fábio Silva (2016), por exemplo, analisam como conceitos científicos, da forma como apresentados em livros didáticos, reiteram e atualizam a desigualdade de gênero.

Apesar dos avanços gerados por essas pesquisas, ainda sabemos pouco sobre como a aprendizagem de conceitos científicos é constituída por relações de gênero no cotidiano da ciência escolar. Isso nos leva a um segundo aspecto das pesquisas sobre o tema, que se refere a questões metodológicas. A maioria dos estudos sobre gênero na Educação em Ciências adota metodologia baseada na aplicação de questionários e/ou entrevistas. Outros realizam a análise de documentos, como o caso das pesquisas com livros didáticos (BAZZUL; SYKES, 2011; COUTINHO; SILVA, 2016). Nesse sentido, ainda são escassas pesquisas que buscam entender as relações de gênero a partir da análise da linguagem em uso em aulas de ciências. Em nosso levantamento de artigos mais recentes, localizamos apenas um estudo que realizou este tipo de análise entre estudantes (LIMA JÚNIOR et al., 2010).

Um olhar sobre o que acontece no cotidiano da sala de aula pode oferecer contribuições significativas. É na interação cotidiana que práticas hegemônicas são reiteradas, atualizadas e/ou contestadas; “gestos, movimentos, sentidos são produzidos no espaço escolar e incorporados por meninos e meninas (...). Ali se aprende a olhar e a se olhar, se aprende a ouvir, a falar e a calar, se aprende a preferir” (LOURO, 2001, p. 61). As aulas de ciências não são exceção. As análises de Tiffany Tindall e Burnette Hamil (2004) oferecem um exemplo nesse sentido. Sua pesquisa indicou que professoras/es de ciências, em geral, interagem por mais tempo e de forma mais detalhada com meninos. Normalmente, as meninas recebem menos críticas, mas também menos elogios e menos incentivo à participação. Esse tratamento diferenciado ilustra uma das diversas práticas que geram consequências na relação entre as/os estudantes e o conhecimento científico. Em nosso estudo, buscamos compreender como tais consequências se manifestam na aprendizagem conceitual de ciências.

Visando contribuir com tais discussões, analisamos dados interacionais de aulas de ciências em uma turma do 1° ano do Ensino Fundamental. Para conduzir as análises, mobilizamos pressupostos teóricos de Judith Butler sobre gênero e nos orientamos por indicações metodológicas da Etnografia em Educação.

UM OLHAR SOBRE O GÊNERO

Formulações teóricas sobre gênero foram fundamentais ao longo da história no sentido de expor e desconstruir a relação hierárquica entre masculino e feminino (SCOTT, 1995). Os estudos feministas, pioneiros nesse processo, desenvolveram diferentes abordagens que, em geral, são organizadas em diferentes posições teóricas (LOURO, 1995; SCOTT, 1995). Neste artigo, exploramos construtos propostos por Judith Butler, autora que assume posições teóricas da chamada terceira onda do feminismo. O debate contemporâneo tem buscado discutir paradigmas estabelecidos por outras posições teóricas do feminismo, como a questão do binarismo de gênero e a associação sexo-natural e gênero-cultural.

Especificamente com relação à obra de Butler, encontramos um expressivo diálogo com diversos campos e perspectivas. Butler discute gênero na interlocução entre Filosofia, Psicologia, Teoria Literária e Antropologia. A apropriação de suas propostas pela pesquisa em Educação em Ciências no Brasil ainda é incipiente e, no presente artigo, utilizamos os construtos de performatividade e norma de gênero para a análise do cotidiano da sala de aula de ciências. Partindo de Foucault, Butler entende as sociedades utilizam demarcadores a fim de classificar os sujeitos pelas formas que se apresentam (corporalmente), pelos seus comportamentos, expressões e gestos. Os corpos são comparados, classificados como normais ou anormais, marcados e excluídos (FOUCAULT, 1979).

O parâmetro da normalidade é o “homem branco, heterossexual, de classe média urbana e cristão e essa passa a ser a referência que não precisa mais ser nomeada” (LOURO, 2000, p. 12). Os “outros” são classificados a partir desse parâmetro. A mulher, então, é representada como “o segundo sexo”, outras formas de orientação sexual e gênero - gays, lésbicas, bissexuais, pessoas trans - são entendidas como desviantes e, portanto, anormais. O padrão de normalidade estabelece uma matriz heterossexual compulsória, assumindo que todos os sujeitos possuem uma inclinação inata de desejar parceiros afetivos e sexuais do sexo oposto.

Nesse sentido, o gênero é uma norma, uma regulação específica que rege a inteligibilidade cultural ao estabelecer uma hierarquia entre masculino e feminino e uma heterossexualidade compulsória (BUTLER, 2003). Por meio da norma de gênero, uma forma específica de sexualidade é naturalizada e são estabelecidas linhas causais de conexão entre sexo biológico, gênero e sexualidade constituídos culturalmente (BUTLER, 2003).

Família, escola, mídia, igreja, lei e outras instâncias sociais reiteram práticas hegemônicas que negam possibilidades divergentes (LOURO, 2000). Dessa forma, “noções de masculino e feminino são produzidas e naturalizadas” (BULTER, 2014, p. 253), o que é sustentado pela aparente existência de dois sexos fixos, binários e opostos - macho e fêmea. O que mantém essa naturalização construída é a contínua repetição de gestos, atos, signos que reiteram a construção dos corpos (masculinos e femininos) como nós os vemos atualmente (BUTLER, 2003). Tais discussões são importantes para o tipo de análise que buscamos desenvolver. Isto é, uma análise voltada para o cotidiano da sala de aula, atenta aos contínuos processos de negociação decorrentes de nossas interações.

Ao iniciar o processo de escolarização, a criança já vem de um mundo desigual. Conforme indicado por Louro (2008), com a declaração “É uma menina!” ou “É um menino!” começa uma espécie de “viagem” que, supostamente, possui um rumo certo. Na escola, a repetição de gestos, atos, signos que reiteram a construção dos corpos se perpetua. Na infância, aquelas crianças consideradas desviantes têm sua vigilância redobrada (LOURO, 2000). Na adolescência, discursos que demandam um jovem “macho” e, quanto às garotas, uma jovem “difícil” são reiterados entre as/os próprias/os estudantes (SALES; PARAÍSO, 2013).

Essa necessidade de uma construção e reiteração ao longo do tempo está relacionada à performatividade. Gênero, a partir dessa noção, é definido como “a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de ser” (BUTLER, 2003, p. 59). Butler retoma noções da Filosofia da Linguagem (AUSTIN, 1962) para indicar que “é na repetição desses atos que se “cria” o gênero (BUTLER, 2003, p. 199).

Assim, uma norma de gênero existe apenas enquanto for “atualizada na prática social” e reiterada “ao longo dos rituais sociais cotidianos da vida corporal” (BUTLER, 2014, p. 162). Isso indica que não há fundamento para uma base substancial do gênero. É nessa falta de fundamento que há possibilidades de desconstrução de noções como uma masculinidade ou feminilidade fixas e verdadeiras. Esse aspecto é relevante para nosso estudo. Se é necessário reiterar continuamente as práticas hegemônicas, também é possível transgredi-las, havendo um contínuo processo de negociação da norma de gênero, inclusive na ciência e em aulas de ciências. Nesse sentido, no presente artigo, analisamos interações cotidianas em aulas de ciências de uma turma do 1° ano do Ensino Fundamental, com o objetivo de responder às seguintes questões de pesquisa:

Como estudantes e professora agem e reagem diante de situações que constrangem a norma de gênero em aulas de ciências?

De que modo os processos de negociação da norma de gênero constituem a aprendizagem de um conceito científico?

ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Construção dos dados

Analisamos dados de um projeto mais amplo, no qual uma turma foi acompanhada ao longo dos três primeiros anos do Ensino Fundamental, entre 2012 e 2014. Nesse projeto, uma equipe multidisciplinar de pesquisadoras/es acompanhou o cotidiano de aulas de Língua Portuguesa e Ciências da Natureza visando construir conhecimentos sobre processos de aprendizagem, inserção na cultura escolar e formação de professoras/es (detalhes em NEVES et al., 2017).

No início do projeto, o grupo era composto por 25 crianças, 12 meninas e 13 meninos, com idade de 6 anos. Essas/es estudantes ingressaram na escola por meio de sorteio público, o que refletiu a diversidade da turma: estudantes de diferentes regiões, vindos de instituições de Educação Infantil diversas, além de uma heterogênea caracterização étnica e socioeconômica. A escola, pública federal, estava localizada em uma metrópole brasileira e é considerada referência em abordagens inovadoras de ensino e de aprendizagem. A professora participante, Karina3, ensinava Ciências da Natureza e Língua Portuguesa. A perspectiva de ensino que guiava as atividades foi o Ensino de Ciências por Investigação (e.g. PEDASTE et al., 2015), a partir de um trabalho conjunto entre a professora e a equipe de pesquisadoras/es.

A construção dos dados ocorreu por meio da observação participante das aulas (SPRADLEY, 1980), com registros em caderno de campo, gravações em áudio/vídeo, além da coleta de artefatos produzidos por estudantes durante as atividades em sala de aula (GREEN et al., 2005).

Processos de análise

Orientados pela Etnografia em Educação como lógica de pesquisa, construímos análises em duas dimensões: macroscópica e microscópica (CASTANHEIRA et al., 2001). Para a análise macroscópica, utilizamos nossos registros em caderno de campo para construir um Quadro de Aulas com o objetivo de organizar informações gerais sobre as aulas de ciências nos três anos do projeto (data, local, tema, atividades, artefatos produzidos, materiais utilizados). A partir dessa representação ampla da história da turma, elaboramos uma Linha do Tempo4. Nesta nova representação, demos enfoque às atividades de cada aula de ciências e à identificação de situações nas quais conflitos ou quebras de expectativa estivessem potencialmente relacionadas a questões de gênero ou outras questões socioculturais (e.g. religião, raça, classe).

A partir desse processo de análise, identificamos eventos específicos na história da turma nas quais questões de gênero apareciam de modo mais explícito nas discussões cotidianas. Então, selecionamos esse conjunto de situações e elaboramos quadros descritivos detalhando cada uma dessas aulas5. Por meio de um contraste entre tais eventos, selecionamos o conjunto aulas sobre a Biologia do bicho-pau, ocorridas no segundo semestre do 1° ano, tendo em vista suas potencialidades analíticas para o presente estudo. Nessas aulas, havia um conteúdo conceitual da ciência - dimorfismo sexual - que estava sendo discutido pela turma e parecia ser intersectado por relações de gênero. Outros eventos mapeados nos quadros descritivos, apesar de também nos parecerem relevantes, diziam respeito a questões como inclusão/exclusão ou interesse/participação de meninos e meninas nas aulas de ciências. Conforme indicamos, tais aspectos são amplamente documentados em estudos da área de Educação em Ciências. Nesse sentido, entendemos que a análise de aulas nas quais gênero estava relacionado à dimensão conceitual da ciência escolar traria contribuições mais originais.

Nas aulas sobre o bicho-pau, a professora desenvolveu um conjunto de nove aulas, explorando conhecimentos como: morfologia dos insetos, camuflagem, alimentação, processo de muda, reprodução e dimorfismo sexual. No Quadro 1, apresentamos as atividades-chave de cada aula.

Fonte: Autores

Quadro 1 Síntese das aulas sobre o bicho-pau. 

Na quarta aula desta sequência, a professora levou três bichos-pau para a sala e a turma permaneceu com os animais em sala até a aula 9, fazendo observações, experimentos, discussões e investigações com os insetos (Figuras 1 e 2).

O contato inicial entre as crianças e os três insetos, na aula 4, gerou dúvida sobre o sexo dos animais, devido às diferenças em seu tamanho. Um dos insetos era menor, outro de tamanho mediano e outro maior. A princípio, a maioria das/os estudantes considerou que o inseto maior seria o macho, o mediano seria a fêmea e o menor seria o filhote. Ao longo das aulas, um dos conceitos trabalhados pela professora foi o dimorfismo sexual6, o que gerou processos de negociação mais explícitos da norma de gênero nas interações da turma.

Figura 1 Terrário dos bichos-pau. 

Fonte: banco de dados.

Figura 2 Terrário passando entre os estudantes. 

Em nosso processo analítico, retomamos esse conjunto de aulas com o objetivo de identificar eventos interacionais nos quais negociações da norma de gênero constituíam a construção do conceito de dimorfismo sexual. Para análise microscópica, fizemos a transcrição das interações em unidades de mensagem de cada um desses eventos7 (Figura 3), com o objetivo de refletir o modo como as/os participantes do grupo construíam limites compartilhados das falas em suas interações (GREEN; WALLAT, 1981). Tais limites foram identificados por meio de pistas de contextualização da fala, isto é, sinais como mudanças de entonação, ênfase, velocidade, pausa, olhares, gestos, etc. (GUMPERZ, 1982).

Fonte: Autores

Figura 3 Linha do Tempo com eventos selecionados. 

Neste artigo, apresentamos análises de três eventos que ocorreram nas aulas 5, 7 e 8. Esses eventos foram identificados como pontos ricos para análise (ÁGAR, 1994), devido às quebras de expectativa identificadas em cada um deles. Nesses eventos, situações que desafiaram a norma de gênero foram sucedidas por reações dos participantes evidenciando modos como a turma negociava a norma.

A partir da perspectiva etnográfica, entendemos que as reações diante de quebras do fluxo cotidiano de um grupo social são reveladoras daquilo que é importante para o grupo, das práticas e conhecimentos compartilhados e das formas como o grupo se organiza e interage. Desse modo, consideramos que tais eventos têm potencial analítico para a construção de respostas às nossas questões de pesquisa. Para análise, nos ancoramos nas propostas de perfomatividade e norma de gênero de Butler.

RESULTADOS E ANÁLISES

O primeiro evento de análise se insere na Aula 5, quando a turma fazia o experimento com diferentes tipos de folhas para investigar a alimentação dos insetos. Ao final da aula, houve um momento em que a estagiária que acompanhava a turma, Luana, fazia a troca de insetos de um terrário para outro que continha outros tipos de folhas, para dar continuidade ao experimento (Figura 4). A professora estava próxima e dava algumas orientações para a turma. Alguns estudantes, todos meninos, se posicionaram ao redor do terrário e começaram a conversar (Quadro 2 ).

Fonte: banco de dados

Figura 4 Frame do evento de análise 1. 

Fonte: Autores.

Quadro 2 Evento de análise 18  

Neste evento, uma situação que constrangeu a norma: a estagiária que, com tranquilidade, pegou o animal macho sem ser “medrosa” (L11). A reação dos meninos diante daquela quebra de expectativa foi atualizar a norma, alertando sobre os riscos de pegar no inseto (L15) se surpreendendo ao perceberem que Luana era capaz (L9-11) de fazer algo que exigia coragem. Outra reação também é observada diante da facilidade com a qual Luana manuseou o bicho-pau “macho”. Para Ricardo e Jonas, “o pai gostou da Luana” (L32-33), gerando uma reação do colega Maurício: “Hummm” (L34). A expressão e a entonação indicam o significado sexual da relação entre Luana e o suposto macho. A reação dos meninos, portanto, tentava resolver o desajuste da norma - mulher corajosa - por meio de uma nova interpretação: ela conseguiu porque o pai gostou dela.

Não há uma discussão explícita sobre o dimorfismo sexual dos animais, conforme ocorreu nos outros eventos (2 e 3), pois se trata de uma conversa informal que ocorreu nos minutos finais da aula 5. Todavia, o evento é relevante para compreendermos aspectos importantes relacionados a como o grupo estava construindo esse conceito.

As menções dos estudantes ao “pai” (L1-2, 5, 21, 24, 27-30) faziam referência ao animal de tamanho maior. O grupo reiterava expressões naturalizadas de gênero para categorizar os insetos: uma família nuclear que seguia o modelo do casal heterossexual reprodutor. O animal maior seria o pai; e o animal mediano, a mãe; e o menor, o filhote. Noções de masculinidade e feminilidade naturalizadas pela norma de gênero foram mobilizadas para definição de sexo. Essas noções já estavam sendo mobilizadas na aula anterior (aula 4), quando a turma teve seu primeiro contato com os insetos. A professora havia pedido que a turma observasse os animais no terrário e fizessem registros em forma de desenhos dos insetos. Nesses primeiros registros, a maioria das/os estudantes categoriza o animal maior como o pai, conforme ilustrado pelo desenho do estudante Evandro (Figura 5).

Essa posição, indicada na aula 4, era compartilhada entre os meninos no evento 1. Na linha 31, a professora, ao ouvir a conversa do pequeno grupo, perguntou se o macho era o grande. Ninguém a respondeu. Para os meninos, a questão já estava respondida. Essa forma de lidar com as discussões sobre o dimorfismo sexual foi assumida pela professora desde o início das observações dos insetos. Ela sabia que o animal maior era a fêmea. No entanto, não corrigiu as/os estudantes, a princípio. Ao longo das aulas, essa discussão foi sendo retomada em diferentes momentos, conforme analisamos a seguir.

Apesar da posição consensual dos meninos em sua interação com Luana, havia discordâncias desde a primeira observação dos insetos. Conforme as indicações de Butler acerca da performatividade, se a norma precisa ser continuamente reiterada, ela também pode ser constrangida. Na aula 4, quando os grupos observavam os animais e produziam seus desenhos, uma única estudante, Lívia, discordou dos colegas ao argumentar que o pai não estava no terrário. Quando abordada pela professora, Lívia respondeu que era uma família formada apenas pela mãe (inseto maior) e seus filhotes (dois insetos menores). Karina chamou a atenção da turma para a proposta de Lívia, porém, naquele momento, não houve adesão entre as/os colegas (Figura 6).

Figura 5 Desenho de Evandro. 

Fonte: banco de dados.

Figura 6 Desenho de Lívia. 

Ao longo das aulas, a ideia de que o animal maior poderia ser a fêmea ganhou visibilidade, gerando uma série de discussões na turma. Uma dessas discussões é particularmente relevante e ocorreu na aula 7, quando a professora propôs um debate sobre identificação sexual (Quadro 3):

Fonte: Autores.

Quadro 3 Evento de análise 29  

Neste evento, Maurício reiterava a norma de gênero (L170, L197), ao mobilizar argumentos que carregavam uma noção de masculinidade que assumia o status de característica biológica. O macho, gastador de energia intrínseco, “naturalmente”, come mais, por isso é maior. O macho é aquele que protege a família e, por isso, deve ser maior e mais forte. Breno, porém, quebrou as expectativas de Maurício. Ele inverteu a lógica do argumento do colega: a fêmea é que deveria comer mais e, por isso, seria maior (L196-199).

Em eventos anteriores, Breno também havia defendido que o macho seria maior. Porém, na aula 7, minutos antes da discussão entre Breno e Maurício, a ideia de que a fêmea seria maior foi levantada por um colega, Marcelo (Quadro 4).

Fonte: Autores

Quadro 4 Interação ocorrida na aula 7, momentos antes do evento de análise 2. 

Marcelo usou a ideia de que a fêmea “tem que botar ovos” (L47-48), por isso seria maior. No evento de análise 2, Breno usou as ideias de Marcelo e inverteu a proposta de Maurício: se a fêmea é quem bota os ovos, é ela quem deve comer mais e, portanto, ser maior. A reação de Maurício diante do constrangimento da norma indicam indignação (L52-53). Maurício voltou-se diretamente para o colega Marcelo, que estava sentado atrás dele, e gesticulou em sinal de questionamento (Figura 7). Quando Maurício disse “Mas por que? Eu não estou entendendo isso!” (L52-53), expressou indignação diante da posição distinta que estava sendo levantada no debate.

Fonte: banco de dados.

Figura 7 Frames de Maurício (triângulo azul) quando se volta para Marcelo (triângulo vermelho) 

Breno, até a aula 7, considerava que o macho seria maior. Todavia, diante do argumento de Marcelo, mudou de ideia. Em uma atividade realizada ao final da aula 6, dia 19/11, uma aula antes do debate, é possível observar o posicionamento de ambos. Marcelo já estava usando o argumento exposto na aula 7, enquanto Breno ainda considerava o contrário (Figura 8). Em interações posteriores, Marcelo revelou que viu as informações sobre os ovos do bicho-pau em um livro que o colega Jonas havia levado para a escola. O livro era sobre bichos10 e havia sido levado por Jonas no dia 14/11, quando não houve aula de ciências. Alguns colegas viram o livro e Marcelo leu algumas páginas sobre o bicho-pau.

Fonte: banco de dados

Figura 8 Atividades de Marcelo (à esquerda) e Breno (à direita) realizadas ao final da aula 6. 

Mesmo diante dos argumentos dos colegas, Maurício não estava aberto a considerar que a mãe seria maior que o pai. Ao final da discussão na aula 7, Breno reafirmou sua justificativa (L274-281) e a reação de Maurício foi enfática (Figura 9). Ele olhou diretamente para o colega, que estava na carteira de trás, para reafirmar que eles discordavam e que ele estava “falando uma coisa be+m importante” (L290-291) (Quadro 5).

Fonte: Autores

Quadro 5 Interação ocorrida na aula 7, momentos depois do evento de análise 2. 

Os argumentos usados por Maurício e suas reações ao longo das interações indicam dificuldades de considerar a possibilidade de a fêmea ser maior que o macho. Esse aspecto é particularmente relevante para a aprendizagem daquele conteúdo conceitual. Não há um padrão universal de dimorfismo sexual entre animais. No dimorfismo sexual do bicho-pau, a fêmea é maior que o macho e a Ecologia Evolutiva explica esse fenômeno com base na maior demanda de energia que a produção de ovos exige das fêmeas, o que se manifesta na diferença de tamanho (FAIRBAIRN, 2013). Nesse sentido, aprender sobre o conceito de dimorfismo sexual exige abertura à ideia de que diferenças entre os sexos não ocorrem necessariamente de uma única forma, ou seja, não há uma norma única. Fêmeas podem ser maiores que machos, machos podem ser pequenos e parasitários, ornamentos e colorações também são diversos. Desconsiderar tais possibilidades gera implicações para aprendizagem conceitual. Aprender sobre dimorfismo sexual, portanto, demandaria constranger, em certa medida, a norma de gênero hegemônica.

Fonte: banco de dados.

Figura 9 Frames de Maurício (triângulo azul) quando se volta para o colega Breno (triângulo vermelho). 

Por fim, o terceiro evento analisado ocorreu na Aula 8, durante a correção de um “para-casa”. Em aula anterior, a professora havia solicitado que as/os estudantes fizessem pesquisas sobre outros casos de dimorfismo sexual, além do bicho-pau. No fluxo dessas interações, temos uma discussão sobre o sexo da lagartixa (Quadro 6).

Fonte: autores.

Quadro 6 Evento de análise 3. 

O exemplo da lagartixa surpreendeu a professora, que pediu que o estudante repetisse a ideia para que todos ouvissem. Ao dizer que a lagartixa poderia ser macho, quando pequena, e depois tornar-se fêmea, Breno desafiou a norma de gênero ao quebrar com a fixidez do sexo biológico, constantemente reiterada nos rituais sociais cotidianos. A adaptação, presente na natureza e indicada no livro de Biologia, dá visibilidade a possibilidades que constrangem a norma de gênero. Diferentemente do que observamos nos dois eventos anteriores, quando a norma foi contestada, neste evento, a reação foi no sentido de dar destaque à proposta. Karina chamou a atenção para a fala de Breno, apontando a importância da informação (L2), indicando que não é algo que se sabe em geral (L3), e pedindo que fosse repetida (L4).

Com relação à aprendizagem de ciências, este evento oferece elementos importantes, a partir das lentes da performatividade de Butler. Nas primeiras aulas sobre o bicho-pau, houve um expressivo movimento de reiteração da norma. A partir da aula 7, a maioria das/os estudantes passou a considerar que a fêmea seria o animal maior. A turma se apoiava nas discussões anteriores e na correção do para-casa, ocorrida momentos antes do evento 3. Durante a correção, professora discutia a diversidade de possibilidades de dimorfismo existentes na natureza e dava ênfase às diferenças entre os exemplos trazidos de casa pelas crianças: caso em que machos e fêmeas não exibiam dimorfismo (arara), casos em que fêmea seria maior que macho (abelha, hiena), casos em que o tamanho era o mesmo, e o dimorfismo era gerado por outras características (pavão, leão) (Figura 10).

Fonte: banco de dados.

Figura 10 Momento em que a professora discutia o para-casa na aula 8. 

Assim, em um espaço no qual as relações de causalidade entre norma de gênero e características de dois sexos fixos e opostos constituíam a compreensão do comportamento e da biologia dos animais, a turma construiu uma mudança de posição, reconhecendo que fêmeas podem ser maiores que machos, e que outras configurações são igualmente legítimas, ao ponto de um estudante ter liberdade de mencionar que seria possível machos tornarem-se fêmeas (L7, L19-22). Isso não significa que esse espaço interacional se tornou “imune” às contínuas práticas de reiteração da norma de gênero. Eventos futuros na história dessa turma, ao longo do 2° e 3° ano, indicam que práticas que reiteravam ou desafiavam a norma estavam em constante negociação entre as/os participantes (ver FRANCO, 2018).

CONCLUSÕES DO ESTUDO E DIÁLOGO COM OUTRAS PESQUISAS

Como os participantes reagem diante de situações que constrangem a norma de gênero?

Nossos resultados reiteram o que outros estudos têm indicado sobre como crianças atuam em situações que constrangem a norma de gênero na escola. De modo geral, as ações mais comuns são no sentido de proteger a norma (RINGROSE, 2010). O primeiro evento de análise desta pesquisa indica que alguns meninos, diante de uma situação que contrariava a norma, reiteravam noções naturalizadas de masculinidade e feminilidade pautadas na coragem e no medo, respectivamente. No segundo evento, por sua vez, situações que constrangiam a norma de gênero levaram a reações enérgicas. As pistas contextuais nas falas de Maurício indicam a certeza e obviedade de que o animal maior seria macho e evidenciam sinais de indignação diante da possibilidade de considerar outra resposta.

A pesquisa de Marios Kostas (2016) apresenta resultados similares no campo disciplinar de Literatura, ao evidenciar como os meninos tendem a se preocupar mais em expressar características como coragem e heroísmo. Seus resultados estão relacionados às ações das crianças quando suas professoras trabalharam a leitura de um livro que contrariava a norma de gênero, pois trazia uma versão alternativa da história da Branca de Neve. A história destacava um papel mais decisivo e heroico da protagonista, que se tornou uma libertadora das vítimas de uma rainha cruel. Diante da nova versão, muitas crianças discordaram, especialmente os meninos, que defenderam a coragem e o heroísmo como atributos próprios da masculinidade. Jane Felipe (2000) oferece apontamentos importantes para a compreensão desse tipo de reação. Para a autora, esses atributos são resultado de uma construção histórica do espaço escolar onde expectativas de comportamento para meninos e meninas são continuamente reforçados em documentos e em práticas. Elementos importantes na construção do “menino ideal” seriam a coragem, a energia, a ousadia e a virilidade. À menina, caberia a discrição e modéstia como virtudes (FELIPE, 2000).

Todavia, à luz da performatividade proposta por Butler, movimentos de reiteração da norma de gênero não foram os únicos ao longo das aulas. O desenho de Lívia, por exemplo, apontava a possibilidade de alterar uma resposta que era aparentemente compartilhada pela maioria, mesmo que isso representasse quebrar uma expectativa social e noções naturalizadas de família. Nessa direção, no evento de análise 3, observamos uma reação distinta do que ocorreu nos eventos 1 e 2. Nas interações sobre a mudança de sexo da lagartixa, um estudante compartilhou um fenômeno que contrariava a norma, o que ganhou visibilidade e foi valorizado na turma.

Alguns estudos têm indicado resultados similares e apontam que, apesar da aparente linearidade nas relações de gênero na escola, há reações como: a elaboração de noções alternativas sobre os papéis de homem e mulher na sociedade e diferentes modelos de família (GUERREIRO et al., 2014); a presença de discursos alternativos ao do “jovem macho” e da “jovem difícil” (SALES; PARAÍSO, 2013), práticas do brincar que transgrediam a norma (NEVES, 2008), bem como o uso de materiais instrucionais que quebram com a expectativa social que sustenta a norma (KOSTAS, 2016).

De que modo a negociação da norma de gênero constitui a aprendizagem de um conceito científico?

Na turma que analisamos, aprender sobre o que determina o sexo de um animal, algo aparentemente regulado por aquilo que é natural/biológico, estava sendo construído por meio de movimentos de reiteração/contestação da norma de gênero. Isto é, a norma de gênero exerceu um papel central nos processos de aprendizagem naquela turma. O alinhamento à norma de gênero gerou dificuldades de aprendizagem. As interações que analisamos destacam o caso de Maurício que, ao não reconhecer a possibilidade de a fêmea ser maior que o macho, enfrentou problemas para argumentar conforme a expectativa instrucional em ciências e compreender o dimorfismo sexual como fenômeno diverso.

O estudo de Alandeom Oliveira, Valarie Akerson e Martha Oldfield (2012) apresenta um caso similar. As/os estudantes discutiam questões ambientais e se depararam com uma discussão sobre o que fazer se encontrassem um animal silvestre - um veado - em uma estrada. Esse dilema gerou uma reação inesperada: um dos estudantes comentou que optaria por levar o animal para casa e os colegas passaram a fazer insinuações de caráter homofóbico. Nessa situação, foi gerado um clima de insegurança entre as/os outras/os colegas. A turma, então, concordou com uma solução rápida para aquela conversa. As análises indicam que essa discussão foi muito distinta de outras questões ambientais nas quais esse clima de insegurança não emergiu. Em outras situações, as/os estudantes tiveram oportunidades de aprofundar as discussões, buscar dados para sustentar seus posicionamentos, discordar das/os colegas e tentar negociar um acordo. Na discussão sobre o veado, porém, o alinhamento à norma de gênero dificultou o engajamento em práticas argumentativas mais complexas.

Esse resultado está alinhado às nossas análises ao destacar como o gênero pode gerar impactos nas oportunidades de aprendizagem de ciências. À luz da noção de performatividade, nossos resultados avançam ao indicar que não foi apenas a reiteração a norma de gênero que gerou consequências significativas. O tensionamento constante da norma também exerceu um papel relevante na aprendizagem de ciências. Ao longo das aulas analisadas neste estudo, a ideia de que a fêmea poderia ser maior que o macho já estava presente desde os primeiros contatos das/os estudantes com os insetos. No entanto, houve uma incerteza crescente em torno dessa questão, o que expôs o enfraquecimento da ideia predominante, isto é, de que o macho seria maior que a fêmea. Assim, negociar o gênero gerou um movimento nessa sala de aula: uma certeza, aparentemente consolidada, foi desestabilizada e a incerteza levou a discussões sobre que critérios deveriam ser adotados para a definição de sexo dos insetos. Este movimento foi relevante, do ponto de vista da aprendizagem sobre dimorfismo sexual, considerando que este fenômeno envolve compreender a diversidade nas diferenças sexuais entre animais.

O papel da professora tem destaque nesse processo. Desde as primeiras observações, a professora não “contou” às/aos estudantes a resposta correta. Ao longo das aulas, ela mantinha um clima de incerteza e favorecia discussões que foram ajudando as crianças a mudarem de posição. Foi ao longo de um processo de negociação que as crianças aprenderam a identificar o sexo de um inseto e que não existe um padrão único para tal identificação. Esses conhecimentos foram mobilizados pelas/os estudantes em eventos futuros, quando se depararam com situações similares, no 2° e 3° ano (ver FRANCO, 2018).

CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA E IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS

Uma primeira contribuição deste estudo refere-se ao modo como o gênero constitui os processos de aprendizagem conceitual de ciências. Para teóricas como Butler, gênero está em todas as dimensões da nossa existência. Em sala de aula, gênero faz parte do cotidiano e constitui a ciência escolar, incluindo seus conceitos. Porém, faltam-nos sensibilidade e ferramentas adequadas para enxergá-lo e analisá-lo em contextos aparentemente “imunes” à norma de gênero. A pesquisa em Educação em Ciências pode se beneficiar de aportes teóricos de gênero para o aprofundamento na compreensão de questões centrais para a área. Uma implicação nesse sentido é o uso desses construtos para análise de interações em aulas de ciências. Concordamos com o argumento defendido por Paulo Lima Júnior, Fernanda Ostermann e Flavia Resende (2010) de que é necessário compreender o gênero analisando a linguagem em uso na sala de aula. Nas interações cotidianas da sala de aula, a norma é continuamente legitimada, reiterada, desafiada ou revisada. Conforme os eventos analisados neste estudo, foi em meio às conversas com os colegas, correções de para-casa, comentários informais, discussões de atividades e argumentações que o gênero era negociado nas aulas de ciências. É relevante para a pesquisa olhar a vida que acontece no cotidiano das aulas de ciências.

Outra contribuição deste estudo é a descrição e interpretação dos currículos de ciências e o papel dos professores. Há uma tendência entre professoras/es de ciências e pesquisadoras/es a dar pouca atenção a relações de gênero construídas nas interações em sala de aula (QUIRINO; ROCHA, 2013). Currículos de ciências também apresentam essa tendência. Em 1997, Alberto Rodriguez analisou propostas curriculares consideradas inovadoras à época. O autor indica que eram propostas com reformas expressivas para a educação em ciências, mas que utilizaram um discurso de invisibilidade. Mesmo inseridas em uma proposta de ciências para todos, não exploravam diretamente as questões de gênero, raciais e socioeconômicas que influenciam o ensino e a aprendizagem da ciência nas escolas. Atualmente, cerca de vinte anos depois, mesmo com avanços, as políticas curriculares de ciências ainda dão pouca visibilidade a tais questões (CARDOSO, 2018).

Assim, ainda está bem presente o argumento de que questões de gênero não deveriam ser misturadas com o ensino e a aprendizagem de ciências, porque não têm relações diretas com esse campo disciplinar. O conhecimento científico seria mais “objetivo” com um foco bem delimitado e que, trazer gênero para a disciplina escolar, poderia comprometer os objetivos de ensino. Porém, mesmo quando não se aborda abertamente o gênero, o que acontece na sala de aula é permeado por relações de gênero.

Nossas análises indicam a relevância de uma visão mais complexa sobre as interações em sala de aula, sob o viés do gênero, para compreender melhor como as pessoas aprendem ciências. Isto significa que o gênero não é algo que pode ser negligenciado, mesmo quando não se fala explicitamente sobre isso. As aulas analisadas não foram elaboradas com o objetivo de promover esse tipo de discussão. No entanto, quebras de expectativa que constrangiam a norma de gênero deram visibilidade às negociações entre as/os participantes e geraram implicações na aprendizagem.

Esse aspecto do estudo nos parece particularmente relevante para o contexto educacional brasileiro atual. Propostas que visam proibir discussões que falem explicitamente sobre gênero em sala de aula parecem tentar impedir que as/os estudantes falem da própria vida, de quem elas/es são, de suas percepções de mundo. Portanto, o presente estudo se alinha a outras pesquisas do campo educacional ao indicar que falar de gênero para entender uma sala de aula é necessário e urgente. Nossos resultados destacam como crianças pequenas já possuíam noções naturalizadas de masculinidade e feminilidade que legitimam processos de hierarquização entre homem e mulher e como tais noções tiveram influência em sua aprendizagem. Precisamos avançar em nossas propostas curriculares e de ensino, e não retroceder.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao CNPq e à CAPES pelo financiamento que permitiu a realização desta pesquisa. Também agradecemos à professora Shirlei Sales, pelas contribuições decisivas nos rumos tomados na construção desta pesquisa.

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3Pseudônimos foram utilizados para identificar professora, pesquisadoras/es e estudantes. O projeto passou por aprovação do Conselho de Ética da instituição competente, prezando pelos princípios éticos da pesquisa com seres humanos.

4Esta linha do tempo pode ser consultada em: https://bit.ly/3CKtj1D

5O conjunto dos quadros descritivos pode ser visto em: https://bit.ly/3u3eZNJ

6No dimorfismo sexual do bicho-pau, a fêmea é maior que o macho.

7No presente artigo, analisamos três desses eventos. O conjunto completo de eventos transcritos pode ser consultado em: https://bit.ly/3JlToX6

8Símbolos utilizados na transcrição: ↑ (aumento da entonação no final da fala); XXXX (fala indecifrável); ênfase; vogal+ (vogal alongada); Comportamento não verbal em itálico; I (pausa).

9A transcrição completa deste evento pode ser consultada em: https://bit.ly/3JlToX6

10Os bichos (1970), São Paulo, Abril Cultural, 4 volumes, 228p.

Recebido: 11 de Abril de 2022; Aceito: 29 de Julho de 2022

Os autores declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo.

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