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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 10-Jun-2023

https://doi.org/10.1590/0102-469841031 

Artigos

CÓDIGO DE ÉTICA PARA A PROFISSÃO DOCENTE: PERCEPÇÕES E OPINIÕES DE EDUCADORES 1

CÓDIGO DE ÉTICA DE LA PROFESIÓN DOCENTE: PERCEPCIONES Y OPINIONES DE LOS EDUCADORES

PAULO FRAGA DA SILVA1  , Coordenador do projeto, coleta de dados, participação ativa na análise dos dados e revisão da escrita final
http://orcid.org/0000-0003-1446-6824

IONE ISHII2  , Coordenadora do projeto, coleta de dados
http://orcid.org/0000-0002-2304-5872

MYRIAM KRASILCHIK3  , Coordenadora do projeto, análise dos dados e revisão da escrita final do texto
http://orcid.org/0000-0002-5277-840X

1 Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, SP, Brasil

2Secretaria de Educação do Estado de S.Paulo. São Paulo, SP, Brasil

3 Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil


RESUMO:

A presente pesquisa teve como objetivo analisar as percepções e opiniões sobre a existência de um código de ética para a profissão docente entre os seguintes grupos: formadores de professores, professores da Educação Básica e licenciandos. Os dados foram obtidos a partir de um formulário digital, o qual foi preenchido pelos grupos mencionados. A análise dos dados indicou a necessidade da existência de um instrumento que oriente as ações dos professores frente a situações espinhosas, as quais não são discutidas nos cursos de formação, mas fazem parte do cotidiano escolar. Por outro lado, houve uma preocupação sobre quem elaboraria esse instrumento e como este seria utilizado pelas instituições. Os resultados apontam para a demanda dos licenciandos, professores e formadores de professores por processos formativos que privilegiem aspectos da orientação, reflexão e tomada de decisões em situações do dia a dia da escola. A inclusão desses temas nos cursos de formação de professores faz-se essencial para que estes possam participar ativa e criticamente da contínua construção de um possível código de ética, ou de práticas de reflexão sobre os princípios e valores que norteiam sua profissão. Defende-se que é fundamental a presença do tema “código de ética” nos currículos de formação de professores, pois os formandos precisam ser prevenidos de que as suas futuras atribuições, no cotidiano laboral, não se limitam apenas ao ensino mas envolvem também responsabilidades decorrentes das questões que surgem nesse contexto e do impacto de suas decisões sobre estudantes, docentes e instituições.

Palavras-chave: Ética; Formação Docente; Códigos de Ética; Valores

RESUMEN:

La presente investigación ha pretendido analizar las percepciones a partir de las opiniones recolectadas sobre la existencia de un código de ética para la profesión docente entre formadores de docentes, docentes de la Educación Primaria y secundaria, y estudiantes universitarios. Los datos han sido recolectados a través de un formulario digital, difundido entre los grupos mencionados. El análisis indicó la carencia de un instrumento que oriente la actuación de profesores en situaciones delicadas, generalmente no discutidas en los cursos de formación y que están en el cotidiano escolar. Por otro lado, hay también una preocupación sobre quién desarrollaría este instrumento y cómo sería utilizado por las instituciones. Los resultados también indicaron la demanda de universitarios, docentes y formadores de docentes por procesos de formación que privilegien aspectos de orientación, reflexión y toma de decisiones en situaciones escolares cotidianas. La inclusión de estos temas en los cursos de formación docente es fundamental para que uno pueda participar activamente en la construcción contínua de un posible código de ética, o de prácticas de reflexión sobre los principios y valores que direccionan su profesión. La incorporación del tema “código de ética” en los currículos de formación docente es fundamental, ya que es necesario advertir a los universitarios que sus futuras atribuciones no se limitan a enseñar, sino que también implican responsabilidades derivadas de cuestiones que surgen a partir de ese contexto y del impacto de sus decisiones en los estudiantes, profesores e instituciones.

Palabras clave: Ética; Formación Docente; Códigos de Ética; Valores

ABSTRACT:

The present research aimed to analyze the perceptions and opinions about the existence of a code of ethics for the teaching profession among the following groups: teacher educators, Basic Education teachers, and undergraduate students. The data were collected through a digital form filled out by the groups. The analysis indicated the need for an instrument that guides the actions of teachers when facing thorny situations, which are not discussed during study but are often part of everyday school life. Conversely, a concern was raised over who would develop this instrument and how it would be used by institutions. The results point to the demand of undergraduates, teachers, and teacher educators for educational processes that emphasize aspects of guidance, reflection, and decision-making in day-to-day school situations. The inclusion of these topics in teacher education courses is essential so that they can actively and critically participate in the continuous construction of a possible code of ethics or reflective practices regarding the principles and values that guide their profession. It is argued that the presence of the subject “code of ethics” in teacher education curricula is fundamental, as trainees need to be warned that future attributions in their daily work are not only limited to teaching, but also involve responsibilities arising from issues that emerge in this context and from the impact of their decisions on students, teachers, and institutions.

Keywords: Ethics; Teacher Education; Code of Ethics; Values

INTRODUÇÃO

Frequentemente, os professores enfrentam dilemas éticos em seu cotidiano laboral. Além de um conjunto de atividades que lhe são próprias, várias situações do contexto educacional podem causar incertezas, divergências e controvérsias, sem que sejam suficientemente ponderadas, exigindo posicionamentos rápidos e levando a decisões que podem ter consequências injustas.

A identificação de alguns problemas que comumente ocorrem na sala de aula, no ambiente escolar e no acadêmico, para os quais não há respostas e percursos claros, resultaria em um esforço preventivo na preparação docente, permitindo ao professor pôr em prática seus valores e agir de acordo com eles, mesmo considerando a dificuldade na identificação de um dilema ético.

Segundo Ferreira (2010), a autonomia, ou seja, a possibilidade de decidir por si só, não garante uma tomada de decisão ética. A ética aplicada só ocorre na relação com o outro, pois requer conhecimento sobre os próprios valores, princípios, normas e identidade.

Assim, tratar os dilemas e decisões éticas que fazem parte da vida profissional docente de forma intuitiva apenas é desconsiderar toda a complexidade que envolve o exercício de tomada de decisão. A ética aplicada, segundo Cortina e Martinez (2005), consiste na aplicação de princípios éticos, tanto na perspectiva utilitarista, kantiana, quanto na dialógica, averiguando como podem esses princípios ajudar a orientar os diferentes tipos de atividades. Nessa aplicação, é preciso levar em conta que cada tipo de atividade tem suas próprias exigências morais e seus próprios valores específicos. Os autores destacam que os eticistas precisam desenvolver a ética aplicada, cooperativamente, com os especialistas de cada campo; assim, ela é necessariamente interdisciplinar. Outro destaque é que, na elaboração de um código de ética (CE) profissional, conforme La Taille (2006), é necessário não apenas conhecer a moral da sociedade, que é diversa, mas também levar em conta as especificidades da profissão. O autor propõe ainda que os professores universitários, ao apresentarem os códigos de ética da profissão que os alunos escolheram, não errem ao reduzi-los a uma lista de regras a ser memorizada.

Nessa perspectiva, o presente trabalho pretende discutir as possíveis implicações da existência ou não de um código de ética para os professores, a partir das percepções e opiniões não só destes mas também de futuros docentes e de seus formadores.

CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL

Sá (2001), ao apresentar a importância da ética profissional, destaca que cada conjunto de profissionais deve seguir um comportamento, para que se garanta a harmonia do trabalho de todos, ou seja, a partir da conduta de cada um, numa certa forma de regulação do individualismo perante o coletivo. Essa consideração, a nosso ver, destaca o ponto de tensão permanente entre o público e o privado, relação essa que frequentemente é objeto de qualquer discussão ou reflexão ética. O autor destaca que “o sentimento social é um imperativo na construção dos princípios éticos e estes são incompreensíveis sem aquele” (SÁ, 2001, p. 110). É interessante apontar que a vocação para o coletivo tem sido rara atualmente, do mesmo modo o bem comum e a atenção ao social não têm recebido tanta atenção, sendo nestas esferas em que, infelizmente, o egocentrismo parece vigorar mais. Considerando o mundo do trabalho, a ênfase ao individualismo pode gerar o risco da transgressão ética, daí a necessidade de uma tutela sobre as atividades profissionais através de normas éticas (SÁ, 2001).

Para compreensão do papel do código de ética profissional, é importante trazer a definição de classes profissionais, que o presente trabalho adota, dentre outras noções:

Uma classe profissional caracteriza-se pela homogeneidade do trabalho executado, pela natureza do conhecimento exigido preferencialmente para tal execução e pela identidade de habilitação para o exercício da mesma. A classe profissional é, pois, um grupo dentro da sociedade, específico, definido por sua especialidade de desempenho da tarefa. (SÁ, 2001, p. 116).

Muito embora haja registros históricos da existência de grupos de trabalhadores há milênios, é somente na Idade Média que o início e a organização das classes trabalhadoras como fenômeno social são reconhecidos, momento em que os artesãos se reuniam em corporações.

As relações de valor entre o ideal de moral traçado e os diferentes campos da conduta humana podem ser reunidas em um instrumento regulador, no caso o código de ética profissional, que tem como propósito estabelecer linhas ideais éticas, ou seja, uma ética aplicada. Nesse aspecto, os critérios de conduta de um indivíduo perante seu grupo e o todo social podem ser decorrentes desse código, sendo que o interesse de seu cumprimento passa a ser de todos, daí a importância de uma mentalidade ética e de uma educação pertinente que conduzam à vontade de agir conforme os princípios estabelecidos.

Conforme Sá (2001), a necessidade de um contrato de atitudes, de deveres, de estados de consciência, encontra no código de ética uma solução entre as classes profissionais egressas de cursos universitários, tais como: contadores, médicos, engenheiros, advogados, etc. O autor destaca que uma ordem deve existir para que se consiga eliminar conflitos, ou melhor, para “evitar que se macule o bom nome e o conceito social de uma categoria” (SÁ, 2001, p. 118).

Cabe ressaltar que, na organização de um código de ética, é necessário que se trace sua base filosófica. Tal base deve fundamentar-se nos critérios exigíveis a serem respeitados no exercício profissional, o qual geralmente envolve relações com os utentes dos serviços, os colegas, a classe profissional e a sociedade. No caso do professor, as relações com o aluno, com seus pais ou representantes legais, com os colegas professores e com todos os atores das comunidades escolar e acadêmica, bem como com a nação, devem ser consideradas.

Assim, a base filosófica é importante e necessária para que se forme a estrutura do código de ética, intencionando estabelecer a forma de um profissional conduzir-se no exercício da profissão, de maneira a não prejudicar terceiros e a garantir uma qualidade eficaz de trabalho.

Vale destacar que as experiências de elaboração de um código de ética geralmente tiveram a participação de instituições e de seus líderes como seus desencadeadores, porém tal elaboração precisa surgir de um amplo debate e da intervenção de todos os envolvidos, para garantir sua exequibilidade e abrangência. A atualização de tais códigos sempre foi necessária, em virtude das mudanças não só dos costumes, dos avanços tecnológicos e das políticas sociais mas também de todo e qualquer fator que exerce influência nas condutas.

O Código de Ética Médica (CEM) do Conselho Federal de Medicina (CFM), por exemplo, indica, em sua apresentação, a necessidade de revisão de seu texto anterior, considerando as inovações tecnológicas e as formas de comunicação e de relacionamentos. O texto destaca, ainda, que,

[...] ao atender uma necessidade natural e permanente de aperfeiçoamento, a revisão do CEM foi feita sob o prisma de zelo pelos princípios deontológicos da medicina, sendo um dos mais importantes o absoluto respeito ao ser humano, com a atuação em prol da saúde dos indivíduos e da coletividade, sem discriminações. (CFM, 2019, p. 7).

Nessa linha, destacamos o caráter deontológico presente nos códigos de ética de diferentes profissões, elaborados por conselhos profissionais. Por exemplo, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB, 1995) apresenta-o em seu Título I, Capítulo I - das regras deontológicas fundamentais:

Art. 1º. O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral individual, social e profissional.

Art. 2º. O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.

Além dos princípios éticos e dos deveres e direitos, os códigos de ética também indicam condutas vedadas, infrações éticas e regulamentação de condução de processo ético disciplinar, como cita o documento do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA, 2020, p. 37):

Artigo 13. Constitui-se infração ética todo ato cometido pelo profissional que atente contra os princípios éticos, descumpra os deveres do ofício, pratique condutas expressamente vedadas ou lese direitos reconhecidos de outrem.

Artigo 14. A tipificação da infração ética para efeito de processo disciplinar será estabelecida, a partir das disposições deste Código de Ética Profissional, na forma que a lei determinar.

CÓDIGO DE ÉTICA PARA A PROFISSÃO DOCENTE

A adoção ou não do código de ética docente tem sido um tema polêmico. Silva, Ishii e Krasilchik (2020) trazem um panorama dos aspectos abordados pela literatura pertinente ao tema e de alguns códigos de ética docentes em certos países. A ideia dos autores foi trazer à tona essa polêmica como contribuição para a profissionalização dos professores, para que estes sejam capazes de antecipar as situações de dilemas éticos que acontecem no ambiente escolar, em sua complexidade e contradição, dando a estes dilemas um melhor encaminhamento; antecipação esta que pode estar presente em sua formação inicial.

É reconhecida uma relação entre a qualidade de ensino e a qualidade do desempenho profissional dos professores. Tal relação ignora algumas variáveis que os professores não podem controlar, como: baixos níveis salariais, desigualdades econômicas e sociais, desvalorização da função social da escola, dentre outras (CASTILHO, 2018). Aliada a essas variáveis, encontra-se a formação dos professores, pois, há muito, tem-se frequentemente optado por um modelo de baixo valor, o qual está calcado em cursos altamente teóricos ou em estágios distanciados de uma abordagem reflexiva, que não decorrem no desenvolvimento das competências complexas e diversificadas necessárias à docência.

Os programas de formação docente, tanto para a Educação Básica quanto para a superior, têm priorizado o domínio cognitivo e acabam por ignorar questões do domínio afetivo próprio dos cotidianos escolar e acadêmico, muitas delas com forte componente ético. Em estudos sobre a percepção dos professores sobre sua própria formação, a maioria dos pesquisados entende que, ao longo da graduação, há uma ênfase maior nos aspectos informativos e na preocupação predominante com a capacitação intelectual e técnica; somente uma pequena parcela deles entende que os cursos dão maior ênfase nos aspectos formativos e criativos, proporcionando o desenvolvimento de uma consciência mais ética e crítica de mundo (SILVA, 2008).

No Brasil, quando presentes, os códigos de ética docente são vinculados às instituições onde o professor exerce sua profissão, diferentemente de outras profissões, que os têm de forma própria, sem vínculo institucional. Ressaltamos que, ao discutirmos aspectos éticos do cotidiano docente, queremos sair do território da legalidade e refletir sobre a legitimidade das discussões aqui empreendidas.

Castilho (2018) afirma que cada profissão apresenta um perfil que as distingue de outras. No caso da profissionalização docente, são considerados quatro aspectos: domínio teórico e prático, domínio ético e deontológico, domínio pessoal e o prestígio e influência social. Os três primeiros domínios, nas palavras da autora, referem-se ao caráter identitário, isto é, ao conjunto de conhecimentos e qualidades específicos. O domínio teórico e prático supõe a posse de conhecimentos relativos à área científica, que é objeto da docência, e suas respectivas metodologias. O domínio ético e deontológico requer uma abordagem mais aprofundada, por se tratar de uma profissão com responsabilidade particular no processo de construção e formação da personalidade de crianças, adolescentes e jovens. Porém, paradoxalmente, segundo Castilho (2018), verifica-se neste domínio uma considerável ausência de produção teórica de natureza deontológica, acabando por ser a regulação direta do Estado que se impõe. Nesse aspecto, o presente trabalho pretende preencher parte dessa lacuna.

A autora ainda destaca:

Outras profissões com maior relevância social têm códigos deontológicos de observação obrigatória, regulados por ordens profissionais, que zelam pelo respeito dos respectivos valores fundamentais. Mas, como é sabido, essa autorregulação não existe para a profissão docente, estando ela tão somente tutelada por um estatuto que enuncia conteúdos e deveres funcionais, mas é vazio quanto à deontologia. (CASTILHO, 2018, p. 221).

Assim, um debate profundo, realizado por toda a sociedade, sobre os valores fundamentais da profissão docente seria essencial para aumentar o respeito pela docência e, no mesmo passo, para criar, entre seus profissionais, uma consciência ética, da qual depende também a elevação do estatuto dos docentes (CASTILHO, 2018).

O domínio pessoal salienta o respeito à maneira de ser de cada profissional, suas qualidades individuais, as características adquiridas pela experiência, sua trajetória intelectual e a permanente reflexão sobre sua profissionalização. Como a profissão docente tem um componente relacional de caráter pedagógico, a variável que mais se destaca do domínio pessoal é o exemplo, segundo Castilho (2018, p. 222), na docência, “mais do que qualquer outra profissão, pela positiva, como pela negativa, o exemplo é dominante”. Esse aspecto da profissionalização docente relaciona-se ao valor social da profissão. A mesma autora indica que o exercício da profissão docente cumpre o direito à educação e ao respectivo processo constitutivo dos indivíduos e, nesse sentido, revela sua importância para a sociedade (CASTILHO, 2018).

Um outro aspecto da autonomia profissional relaciona-se ao grau de independência e de responsabilidade de cada um relativamente às normas que regulam o exercício docente profissional, ou seja, no caso da docência, a autonomia está circunscrita à didática na sala de aula. Castilho (2018) destaca que tal autonomia profissional coletiva é inexistente em razão da ausência de referenciais deontológicos e de autorregulação, como já apontado, e das constantes tendências intrusivas do centralismo burocrático do Estado e de seus governos.

O quarto aspecto é decorrente dos outros apresentados e refere-se ao estatuto social, o qual se expressa em salários, prestígio e influência social. Há uma diversidade de profissões, naturalmente, com reconhecimentos sociais diferentes. Geralmente, o grau de reconhecimento está relacionado com a relevância e responsabilidade da profissão, nesse sentido a profissão docente assume destaque particular, por responder a um direito humano básico: o direito à educação.

Nesse cenário, são poucos os pesquisadores que têm sido desafiados ou mesmo dedicados, em seus estudos, a considerar os problemas éticos inerentes à profissão docente. Denisova-Schmidt (2016) destaca o desafio da manutenção da integridade acadêmica frente a situações recorrentes, tais como: fraudes na frequência às aulas; substituição indevida por colegas ou pessoas estranhas na realização de provas ou trabalhos; plágio; uso de propina para facilitar admissão em programas de cursos; obtenção de cópias antecipadas de exames e provas; utilização de materiais ou ferramentas não autorizados durante exames; obtenção de monografias ou outros documentos pela internet; apresentação de documentação falsa. Revela-se, assim, a pertinência da integridade acadêmica como um dilema ético atual e de seu espaço na discussão sobre código de ética.

Tomamos decisões éticas rotineiramente, conscientes ou não, baseadas em nossos valores, as quais não são por nós identificadas. Diante de um pluralismo da sociedade, que recai também sobre aspectos éticos e morais, é de se esperar que muitos não compartilhem dos mesmos valores, ou seja, muitos discordarão de nossas decisões, podendo acabar em conflitos. A abordagem ético-moral pode ser “uma aptidão para a solução pacífica dos conflitos” (CORTINA; MARTINEZ, 2005, p. 36). A origem do conflito está na desarmonia dos fins subjetivos com os fins do grupo social e nos interesses antagônicos dos diferentes grupos sociais; assim, “a novidade consistiria em situar o âmbito moral preferencialmente no da solução de conflitos de ação, seja no nível individual, seja no nível coletivo” (CORTINA; MARTINES, 2005, p. 37). Ferreira (2010, p. 28-29) acrescenta que o conflito faz parte da condição humana, constituindo-se em “um doloroso processo de pensar a diferença como possibilidade”.

Considerando que não há respostas prontas para as complicadas situações enfrentadas por um professor, o que se pode oferecer são formas de pensar em tais situações.

Cabe destacar que nem todas as questões éticas são dilemas éticos. Segundo Anderson (2001), os indivíduos envolvem-se em atos claramente ilegais ou antiéticos. Um professor que descarta as avaliações negativas dos seus estudantes e apresenta apenas as positivas é exemplo de um ato antiético. Desse exemplo, podemos conjecturar: deve o dilema ter ocorrido antes, quando o professor ponderou submeter todas as avaliações ou descartar as negativas, a fim de ser melhor considerado pela instituição?

Reiterando, o dilema implica uma escolha entre duas ou mais alternativas igualmente equilibradas para solução de um problema ético. Os dilemas são considerados problemas espinhosos, sem caminhos claros, e colocam o indivíduo numa situação de incerteza. Eles só ocorrem quando a realidade exige a escolha de princípios que o sujeito considerou fundamentais para sua vida, ou seja, quando esses princípios são colocados sob suspeita em situações nas quais o sujeito escolheu entre dois ou mais princípios e valores que considerou imutáveis, fundamentais ao exercício da autonomia (FERREIRA, 2010). O dilema pode surgir em vários contextos, dentre eles encontra-se o contexto profissional.

Anderson (2001) sugere um enfoque para o professor enfrentar os dilemas éticos. O primeiro passo é a identificação dos próprios valores do educador. Para tanto, a autora propõe duas perguntas: ao violarmos certos valores, sentiremos tristeza ou culpa?; quais valores consideramos mais importantes? (ANDERSON, 2001).

Segundo a autora, o princípio singular que deve guiar todas as posturas e decisões dos professores é o do respeito básico pelos estudantes, considerando sua diversidade intelectual, predisposição à aprendizagem, honestidade e integridade, evitando-se, assim, estereótipos e preconceitos, pois, indistintamente, todos merecem respeito (ANDERSON, 2001).

Anderson (2001) também categoriza as tomadas de decisão como posturas absolutistas ou relativistas. Para a autora, o educador que respeita as regras sem considerar a possibilidade de mudá-las ou da existência de exceções, independentemente do contexto, é absolutista, com argumentos baseados unicamente na justiça, numa forma de manter, sustentar e justificar ativamente a ordem social, num certo tipo de legalismo. Por outro lado, os relativistas levam em conta o contexto e as circunstâncias individuais para decidir. Pode ser que o relativista estaria próximo de decisões baseadas em princípios, caracterizado por Kohlberg (1984) como o nível pós-convencional. Neste nível, há uma clara consciência da relatividade dos valores pessoais e uma ênfase nas regras procedimentais na busca do consenso que devem ser respeitadas, porque fazem parte do contrato social. A perspectiva sociomoral adotada pelo sujeito é a da prioridade relativa do indivíduo em relação ao social. O relativista considera os pontos de vista moral e legal, porém reconhece que às vezes estes se chocam e não se integram facilmente.

Cabe destacar que, para tratar todos os estudantes com uma atitude de respeito básico, deve ser necessária uma postura ética docente, porém não suficiente para resolver os dilemas éticos. O que não se pode desconsiderar é o poder que o professor tem e como suas ações afetam a vida dos estudantes, quer seja pelas palavras, quer pelas atitudes.

Além do respeito básico aos estudantes, a fim de o docente não abusar desse poder, há outros princípios que podem ser aplicados quando confrontados dilemas e problemas éticos. Alguns desses princípios são: autonomia, beneficência e justiça, que se relacionam com a corrente teórica tradicional da Bioética, chamada principialismo.

Outro princípio essencial que pode ser aplicado quando o professor enfrenta dilemas éticos é o da veracidade, sem a qual não há possibilidade de que um educador seja visto como um indivíduo ético. Muito embora haja várias interpretações do que seja a verdade, impõe-se um compromisso, diferenciando, assim, o que vimos do que pensamos ou acreditamos, evitando que um fato se torne distorcido ou deturpado.

Em um estudo realizado por Silva, Ishii e Krasilchik (2020), foram discutidas as implicações da existência ou não de códigos de ética para os educadores, destacando um panorama desses aspectos abordados pela literatura e por códigos de ética docentes existentes no Brasil e fora dele, o que permitiu aos autores apontar que a implantação ou não desses códigos é um tema controvertido.

Assim, emerge o seguinte problema, que o presente estudo buscou responder: quais as percepções e opiniões de formadores de professores, de professores atuantes da Educação Básica e de futuros professores sobre a existência de um código de ética da profissão docente? Nesse sentido, a investigação teve como objetivo analisar percepções e opiniões sobre a existência de um código de ética para a profissão docente, entre os seguintes grupos: formadores de professores, professores atuantes da Educação Básica e licenciandos. Para tanto, foram coletadas opiniões dos grupos mencionados e, a partir de categorias, empreendemos uma análise das justificativas dos participantes.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa é caracterizada como estudo qualitativo, exploratório e descritivo. Para obtenção dos dados, foram aplicados questionários on-line (Google Forms), contendo quatro questões objetivas, visando à caracterização do participante, e uma pergunta aberta acerca da opinião sobre a existência de um código de ética (CE) profissional docente. A caracterização dos participantes teve o objetivo de verificar se existe relação entre os diferentes níveis de atuação profissional e as opiniões sobre a existência de um código de ética.

Por se tratar de um estudo de caráter exploratório e qualitativo, a determinação do tamanho da amostra foi provisória (MINAYO, 2017). O número de entrevistados apresentados pode ter variação de acordo com os princípios de saturação empírica e saturação teórica (FONTANELLA et al., 2011; MARSHALL et al., 2013), que utilizamos neste trabalho. A saturação empírica ocorre quando se confirma a obtenção de categorias de informações que podem responder às questões da pesquisa e que estão sujeitas a aprofundamentos. A saturação teórica consiste na constatação de que os elementos de análise apresentados pelos entrevistados se repetem à medida que os dados são coletados.

Os limites da análise foram definidos à medida que os questionários foram respondidos e analisados segundo as categorias identificadas.

Os respondentes - participantes da pesquisa -, os quais totalizaram 53 pessoas, foram selecionados dentre docentes que possuíam as seguintes características: atuação na Educação Básica ou atuação no ensino superior, em cursos de formação docente, ou licenciandos. O convite à participação ocorreu por meio on-line, em que foram esclarecidos os objetivos e procedimentos da pesquisa.

Todos os respondentes participaram de forma livre e esclarecida. Atendendo aos procedimentos éticos adequados para uma pesquisa envolvendo seres humanos, o questionário apresentou uma breve introdução, para esclarecimento do seus propósitos; e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi oferecido aos participantes, sendo solicitada a estes a leitura do Termo antes de responderem ao questionário, garantindo sua voluntariedade e confidencialidade.

Cabe destacar que o projeto da pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética, tendo sido por este aprovado2.

RESULTADOS E ANÁLISE

O levantamento dos dados foi realizado entre os meses de agosto e setembro de 2020 e contou com a participação de 53 pessoas. O instrumento para a coleta de informação foi disponibilizado no aplicativo Google Forms e divulgado através de e-mail, a partir de contatos com diferentes grupos de trabalho em educação dos pesquisadores.

A apresentação dos dados está organizada de acordo com o nível de formação dos participantes e a sua atuação profissional: 9 licenciandos, 26 professores que atuam na Educação Básica, e 18 formadores de professores (Quadro 1).

Fonte: Elaborado pelos autores.

Quadro 1 Participantes da pesquisa 

O tempo de atuação profissional dos participantes (Quadro 2) mostra a diversidade de experiência na atividade docente: licenciandos que não atuam em sala de aula (3); licenciandos que já atuam como docentes (6); professores da Educação Básica com até 15 anos de experiência (12) ou mais (14); e profissionais que atuam na formação de professores, com mais de 15 anos de atuação (10).

Fonte: Elaborado pelos autores.

Quadro 2 Tempo de atuação no magistério, em anos 

Em relação à formação acadêmica, a maioria dos professores da Educação Básica (17) fizeram pós-graduação, assim como os formadores de professores (13) - destaca-se, nestes últimos, o número de doutores (7).

Fonte: Elaborado pelos autores.

Quadro 3 Formação acadêmica 

Quanto à atuação nas redes de ensino, trabalham apenas na rede pública de ensino 19 participantes, enquanto 16 trabalham apenas na rede privada. Dos demais, 16 atuam tanto na rede pública quanto privada, e 2 não responderam.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Quadro 4 Rede de ensino em que atua 

Novamente e para facilitar, encontra-se, a seguir, a contextualização da pergunta-chave do instrumento de coleta dos dados desta pesquisa:

“Dilemas éticos são problemas espinhosos e colocam o indivíduo numa situação de incerteza que implica uma escolha entre duas ou mais alternativas igualmente equilibradas para uma situação que exige tomada de decisão. Enfrentar dilemas éticos e tomar decisões são ações frequentes no exercício da docência. Estudos mostram que programas de formação docente, tanto para a Educação Básica quanto para o Ensino Superior, têm priorizado o domínio cognitivo e acabam por ignorar questões do domínio afetivo próprio dos cotidianos escolar e acadêmico, muitas delas com forte componente ético. Várias áreas profissionais possuem um código de ética próprio, sem vínculo institucional, como o que regula a atuação de médicos, engenheiros, advogados, dentre outros, e orientam as tomadas de decisão.

Queremos saber: deve existir um código de ética para a profissão docente? Justifique. Sua opinião é muito importante para a pesquisa que estamos realizando.”

As respostas apresentadas pelos participantes indicaram, na maioria dos casos, concordância ou discordância, através de um “sim” ou de um “não”, para a existência de um código de ética. Em algumas, apesar de não ser explícita a resposta, interpretamos o posicionamento do participante pela justificativa que apresentou. (Quadro 5).

Fonte: Elaborado pelos autores.

Quadro 5 Número de respostas “sim” e “não” para a pergunta-chave da pesquisa; e número de respostas sem justificativa, por categoria de participantes 

Dentre os 53 participantes da pesquisa, um licenciando afirmou que não concorda com a existência de um código de ética para a atividade docente. Em suas palavras:

“Acredito que não seja necessário haver regras, normas, leis a serem seguidas para que o sujeito haja de maneira ética. Talvez, no entanto, seja interessante procurar desenvolver atitudes éticas e autônomas (para que não ajam corretamente apenas ao serem observados) nos profissionais da Educação.” (L6)

A segunda resposta negativa para a pergunta foi dada por um formador de professores:

“Não, pois creio que todas as profissões possuem código de ética, inclusive para os profissionais da área de pedagogia.” (FP9)

Um professor da Educação Básica não explicitou sua resposta (sim ou não), mas apontou para a necessidade de compreensão das diferenças entre “regras profissionais” e o que seria um código de ética:

“Existem regras profissionais. A ética é mais que regra de convívio social. Esse é o lugar da moralidade.” (P2)

Tendemos a interpretar a resposta como “não” ao código de ética - enquanto regras profissionais. Por se tratar de moralidade, o código de ética deve ser algo da prática reflexiva docente e não um documento a ser seguido. Recebemos, ainda, 5 respostas que não apresentaram justificativa para a existência de um código de ética: 2 entre os professores da Educação Básica e 3 entre os formadores de professores.

De modo geral, as respostas “sim” para a questão central da pesquisa revelaram três categorias de motivos para a necessidade e existência de um código de ética para a profissão docente: (A) seria um instrumento norteador em diferentes situações; (B) promoveria credibilidade profissional e desenvolvimento profissional; (C) responderia às demandas do cenário educacional. Ao mesmo tempo, muitas justificativas apresentadas ressaltaram que a natureza do trabalho docente já implicaria reflexões sobre a prática, na tomada de decisão (D) e que deveria haver uma preocupação acerca de quem elaboraria esse código de ética e de como este seria utilizado (E), emergindo, assim, mais duas categorias.

As categorias de análise citadas acima aparecem em diferentes frequências nos grupos estudados. O Gráfico 1 mostra, de modo comparativo, as frequências em que as categorias (A, B, C, D e E) são apresentadas nas respostas dos participantes.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Legenda: (A) instrumento norteador; (B) promoção de credibilidade e valorização e desenvolvimento profissional; (C) atendimento às demandas do cenário educacional; (D) a natureza do trabalho docente implica reflexões sobre a prática, na tomada de decisão; (E) preocupação acerca de quem elaboraria o código de ética e de como este seria utilizado.

Gráfico 1 Comparação entre as respostas apresentadas pelos três grupos participantes 

Proporcionalmente há diferenças importantes nas respostas apresentadas pelos grupos estudados. De modo geral, licenciandos e professores que atuam na Educação Básica indicam a importância de um código de ética que norteie a prática docente (89% e 73%, respectivamente) e sua importância para a valorização enquanto profissão (44% e 42%). Além disso, indicam a necessidade de criar condições para um trabalho pedagógico coordenado ou balizado por alguns princípios ou valores que não parecem estar bem estabelecidos, seja em sua formação inicial, seja no exercício da profissão (44% e 50%) - categoria C. E, dessa forma, poderia haver um maior reconhecimento da atividade docente enquanto profissão, pela constituição de diretrizes que ultrapassassem os limites institucionais. Esses aspectos aparecem também nas justificativas dos formadores de professores, mas associados a outros aspectos relacionados à existência desse código de ética.

Destacam-se ainda as diferenças encontradas nas justificativas dos professores da Educação Básica e dos demais grupos sobre quem elaboraria um código de ética para a atividade docente e como este seria utilizado. Essa é uma preocupação apontada por 56% dos licenciandos, por 44% dos formadores de professores e por apenas 12% dos professores da Educação Básica. Essas diferenças podem indicar variadas percepções sobre as questões escolares. Os professores que atuam na sala de aula podem estar mais familiarizados com as situações em que os dilemas éticos se manifestam. Além disso, constatam a falta de reflexão coletiva acerca das diretrizes, ou de coordenação, que confira às decisões tomadas um maior respaldo, o que não significa que não tenham preocupação com o uso de tal instrumento.

De qualquer modo, os licenciandos parecem indicar a necessidade de discussão sobre as situações dilemáticas, já que percebem limites em sua própria formação, quando se deparam com situações vividas no cotidiano escolar.

Os formadores de professores também indicam preocupação com a forma como os dilemas éticos estão sendo encaminhados no exercício da docência, ressaltando a importância da constituição de um código de ética e de este não ser utilizado como instrumento de coerção ou de limitação das discussões sobre as práticas escolares.

A seguir, são apresentadas as análises decorrentes de cada categoria apresentada acima, sendo exemplificadas por alguns depoimentos dos respondentes da pesquisa:

A - Necessidade de um instrumento norteador da docência

Essa foi a categoria mais presente em todos os grupos estudados, o que indica a importância ou necessidade de um instrumento norteador para balizar a atuação docente, como exemplificado nos depoimentos dos licenciandos:

“[...] atua[ria] como norteador efetivo para os profissionais em início de carreira.” (L2)

“Tendo um código de ética específico, seria possível ter um direcionamento mais objetivo a ser seguido, o que também seria um norte a fim de minimizar as dúvidas e incertezas no momento de uma tomada de decisão.” (L8)

“[...] um Código de Ética pode ser um excelente começo para isso. Além do mais, há muita falta de métodos e tratativas específicas para o professorado, abrindo margem para erros que podem trazer marcas negativas irreversíveis na vida dos alunos.” (L4)

Constatamos que, entre os licenciandos, a presença do código de ética conduz à ideia de um instrumento norteador para auxiliar o exercício de tomada de decisão, minimizando suas incertezas. Para alguns, como o L4, a falta desse instrumento pode levar o docente a práticas injustas, podendo prejudicar seus alunos, sendo essa uma justificativa que será também apresentada pelos professores em serviço. Essa percepção evidencia a fase de formação inicial na qual se encontram os licenciandos. Com isso, reconhecemos a complexidade do fazer docente e, nesse aspecto, consideramos importante a inserção desse tema como objeto de discussão nos cursos de formação inicial, bem como a importância da mentoria, em seu papel de auxiliar os professores principiantes.

A justificativa dos professores em serviço ganha novas nuanças, como se pode constatar nos depoimentos que se seguem:

“[...] teríamos uma diretriz para nos orientarmos em algumas tomadas de decisões, tornando claras as responsabilidades de cada indivíduo.” (P6)

“Sim, muito importante para dar parâmetros na atuação docente, frente a casos específicos, e garantir ao discente a confiança nos educadores.” (P10)

“Sim, deve existir para orientar alguns comportamentos de docentes que são inadequados.” (P13)

Estes identificam o CE como instrumento norteador de tomada de decisão, no sentido de evitar comportamentos docentes não desejáveis, como também para reforçar uma relação de confiança entre alunos e professores. Além disso, identificam o CE como forma de enfrentar a desigualdade numa perspectiva de inclusão:

“[...] se existisse esse código com regras claras, objetivas, práticas e reflexivas, a educação caminharia em um trilho sem desigualdades... todos, independente de raça, classe social, religião e opção política, teriam acesso à cultura letrada, básica e superior.” (P20)

Como já apontado, o princípio que deve guiar as atitudes e decisões dos professores é o do respeito básico pelos estudantes, considerando-os em todas as suas desigualdades, evitando, assim, estereótipos e preconceitos (ANDERSON, 2001). Sobre isso, o CE de certos países, como na Nova Zelândia, consideram a inclusão das minorias, em menção aos nativos daquele país (SILVA, ISHII e KRASILCHIK, 2020).

Notamos outros tipos de justificativa entre os formadores de professores sobre a ideia de o CE ser um instrumento norteador de suas atividades laborais:

“[...] concordo com a criação de um código de ética. Justificativa: - Complexidade do trabalho do professor. Enfrentamos muitos dilemas. Muitas vezes, a definição do que poderia ser ‘ético’ pressupõe um olhar mais sistêmico e abrangente. Além disso, a nossa ação não é neutra.” (FP3)

Pelo excerto, reconhecemos a complexidade da profissão docente, além da não neutralidade de sua atuação, por se tratar de uma profissão cujo fazer é a relação entre pessoas/sujeitos.

Para o participante FP6, a seguir, o CE poderia ser uma forma de proteção aos profissionais diante de acusações injustas, orientando a prática docente em situações dilemáticas, como apontado também por FP8:

“Por exercermos uma profissão cujo contato com outras pessoas é absolutamente fundamental, pode ser válido haver algumas diretrizes que orientariam comportamentos e práticas. Essas poderiam tanto resguardar os profissionais (por exemplo, de acusações infundadas) quanto estabelecer normas e regras de práticas [...].” (FP6)

“[...] Um documento, sem vínculo institucional, poderia no mínimo orientar a prática docente, em muitas situações delicadas, que podem ser denominadas ‘dilemas’.” (FP8)

B - Promoção de credibilidade e de valorização e desenvolvimento profissional

Além dos aspectos relacionados à necessidade de orientar as ações docentes acerca do cotidiano escolar, a demanda por uma profissionalização ratificada por um CE também é apontada como aspecto que poderia contribuir para a valorização e o desenvolvimento da atividade docente.

Para os licenciandos, a ideia de credibilidade da profissão docente, oferecida pelo CE, além de unificar os profissionais professores, dá a ideia legítima de um sentimento corporativo aos professores, inclusive na defesa de seus direitos. O licenciando L4, abaixo, reconhece o papel da Educação e de seus profissionais como um tema de Estado e não de governo, de partidos, de sindicatos, a despeito da importância destes últimos. Em sua percepção, um CE não vinculado a tais instituições seria um começo.

“Sim, deve existir. Isso será útil para unificar os professores, e assim a educação como um todo. É necessário que a educação em nosso país deixe de ser partidária, a depender dos governantes no poder e na ordem. Um Código de Ética pode ser um excelente começo para isso [...].” (L4)

Como apresentado anteriormente, a ausência de referenciais deontológicos e de autorregulação na profissionalização docente pode levar, segundo Castilho (2018), a constantes tendências intrusivas do centralismo burocrático do Estado e de seus governos, como observado nos seguintes depoimentos:

“[...] assim como as demais profissões[,] a ação docente demanda escolhas e tomadas de decisões que implica[m] diretamente em outros indivíduos (alunos), desse modo ter um código de ética[,] além de dar maior credibilidade para o profissional dedicado à educação[,] atua como norteador efetivo para os profissionais em início de carreira.” (L2)

“Defendo que sim, pois é de essencial importância que haja um grupo de profissionais na mesma área para representar a profissão em si e com a capacidade de tomar decisões, nortear caminhos e defender direitos de cada profissional da área.” (L9)

Para os professores atuantes, o fortalecimento da imagem da profissão é uma justificativa para a existência de um CE. Este, além de receber respaldo e apoio da categoria, confere representatividade às demandas da profissão em sua dignidade, diante de sua crescente desvalorização social.

“Acho que pode fortalecer a nossa imagem.” (P6)

“Penso que obtendo um código de ética teremos respaldo e apoio da categoria, além de estabelecer algumas regras e situações que poderão poupar e privar o docente de desgastes e problemas que a profissão impõe.” (P9)

“[...] dessa maneira, um código de ética para a profissão docente seria útil para orientar os atos do corpo docente (em todas as suas instâncias, como professores, diretores, supervisores e dirigentes), para dar um caráter mais representativo para que essa profissão seja valorizada e respeitada como um trabalho digno, e não um ‘bico’ para completar a renda.” (P11)

Como já afirmado, a desvalorização da função social da escola tem fortes implicações na relação entre a qualidade de ensino e a qualidade do desempenho profissional dos professores, apresentando algumas variáveis, dentre elas encontram-se os baixos níveis salariais e o contexto de desigualdade econômica. Notamos que, para alguns participantes da pesquisa, o CE seria uma forma de enfrentamento dessa realidade.

Para os formadores de professores, o CE ganha importância à medida que traz uma seriedade à profissão, valorizando-a, a partir de critérios mínimos de qualidade em seu exercício. É importante destacar a denúncia de um certo sucateamento da formação docente, abrindo espaços às práticas não educativas, dando a impressão de que, nas palavras do participante, “qualquer pessoa pode dar aula” e de que “qualquer pessoa que dá aula é um professor” (FP15). Além disso, o CE seria importante para a corporação docente, oferecendo uma identidade a esta profissão e agregando-lhe aspectos políticos.

“A elaboração de um código ético próprio para [a] profissão docente é de extrema importância, visto que, assim como os outros códigos, regula a atuação nesse ofício, traz uma seriedade à profissão e estipula um nível mínimo de qualidade. Digo isso, pois[,] muitas das vezes, a profissão é desvalorizada por não apresentar bases sólidas e fundamentadas em relação às questões sociais e éticas, abrindo muito espaço às práticas que não são educativas, dando a impressão de que ‘qualquer pessoa pode dar aula’ e que ‘qualquer pessoa que dá aula é um professor’.” (FP15)

Esses posicionamentos revelam aspectos do cotidiano escolar que contribuem para a precarização da profissão docente. A existência de um código de ética é visto, pelos professores, como forma de legitimar sua autoridade pedagógica e de constituir um perfil profissional para a categoria.

“[...] eu acho muito importante ter um código de ética para a profissão docente, pois teríamos uma diretriz para nos orientarmos em algumas tomadas de decisões, tornando claras as responsabilidades de cada indivíduo. Acho que pode fortalecer a nossa imagem.” (P6)

“[...] entendo que deve existir um código de ética para o docente. Penso que obtendo um código de ética teremos respaldo e apoio da categoria, além de estabelecer algumas regras e situações que poderão poupar e privar o docente de desgastes e problemas que a profissão impõe.” (P9)

“Sim, muito importante para dar parâmetros na atuação docente, frente a casos específicos[,] e garantir ao discente a confiança nos educadores.” (P10)

“O trabalho docente exige um exercício de ética, a qual poucos conseguem compreender, pois [os professores] sofrem e são corrompidos por ações hierárquicas, que manipulam e cessam os trabalhos alheios, em troca de prestígio, ciúmes ou para atingir níveis de estágios, em troca de benefícios econômicos.” (P11)

C - Atendimento às demandas do cenário educacional

Os participantes destacam também a possibilidade de o código de ética para profissionais da educação atender às demandas políticas e sociais atuais, as quais requerem novas exigências de seu ofício, e apoiar professores cuja formação não privilegiou aspectos éticos da prática docente:

“Entendo que há novas exigências do trabalho com educação e que a maioria dos profissionais ainda não compreende as novas funções sociais que esse ofício implica.” (P12)

Sá (2001) aponta que a ênfase ao individualismo no mundo do trabalho pode potencializar o risco da transgressão ética, apontando para a importância de normas éticas, como se observa também nas percepções dos participantes:

“Deve haver um código de ética[,] porque do contrário a porta para arbitrariedades fica aberta.” (P3)

“A formação fragilizada do profissional da educação coloca a área numa situação de atitudes guiadas por valores pessoais e, em muitos casos, nada éticos.” (P4)

Para os participantes formadores de professores, o CE preencheria uma lacuna existente na formação dos novos e inexperientes docentes, os quais, ainda, não têm o conhecimento da prática:

“[...] o Código de Ética tem seu valor na medida em que muitos docentes não sabem efetivamente como proceder sobre determinadas situações, principalmente porque muitos não possuem a vivência necessária ou ainda não possuem uma formação em educação[,] posto que advêm de outras áreas do conhecimento.” (FP4)

Tais participantes ratificam a ideia de que o professor, na relação com o aluno, detém certo poder; assim o CE poderia promover o princípio singular que deveria guiar as posturas docentes, que é o do respeito básico pelos estudantes, considerando-os em suas diversidades, conforme (Anderson, 2001), evitando, dessa maneira, quaisquer tipos de estereótipos:

“Sim, de extrema importância, inclusive. A Educação discute muitos temas éticos, como inclusão, conscientização a respeito do ‘bullying’, EAD como uma modalidade acessível e democrática, cotas a negros, pardos, indígenas e indivíduos com baixa renda, entre tantos outros. No entanto, na prática, o próprio Docente assume condutas e posturas que poderiam ser coibidas, se existisse um código de ética. Posturas como utilizar a prova como punição, pré-julgar determinado educando por suas vestes, pelo seu poder aquisitivo, por exemplo, são algumas das atitudes que poderiam ser eliminadas, através de um código de ética e da inclusão do tema no currículo de formação docente.” (FP14)

D - A natureza do trabalho docente implica reflexões sobre a prática, na tomada de decisão

Os participantes evidenciam que já é da natureza do trabalho docente a reflexão, o diálogo e a necessidade de posturas éticas frente a situações complexas. Aqui cabe destacar que a profissão docente, especificamente o seu fazer, implica a relação com o outro, no caso o estudante, e, nesse sentido, como já mencionado, não deve prescindir do caráter deontológico que o CE pode oferecer, conforme evidenciado por alguns depoimentos:

“Acredito que sim, uma vez que nem tudo deve/possa ser aplicado em sala de aula, havendo consciência por parte dos professores.” (L3)

“[...] é uma profissão que lida diretamente com seres humanos em processo de formação e isso implica ter uma postura consciente, crítica e responsável, que tenha como princípios o respeito à liberdade de expressão e de pensamento, o respeito aos direitos humanos, em especial, das crianças e adolescentes em formação.” (P1)

“Entendo que há novas exigências do trabalho com educação e que a maioria dos profissionais ainda não compreende as novas funções sociais que esse ofício implica. Um código de ética seria uma possibilidade de norteá-los em seus dilemas e normatizar posturas profissionais.” (P12)

“Sim, pois[,] conforme o nosso patrono Paulo Freire, não há como dissociar a ética e o ‘pensar certo’ da docência.” (P17)

“Creio que haja duas dimensões para essa resposta. Uma se relaciona à autonomia docente, e diz respeito à incorporação de discussões sobre ética profissional como componente curricular transversal na formação de professores, com vistas a que se fortaleça uma ética interna capaz de balizar o professor em suas decisões cotidianas. Outra se relaciona à existência de um código, de natureza reguladora e, portanto, externa aos sujeitos (ligada[,] portanto[,] a um controle externo, heterônomo).” (FP1)

“A ética é inerente ao ato de educar. Portanto, penso que em tese não precisaria um código à parte. No entanto, vivemos momentos complexos em que as possibilidades de ação podem ser interpretadas de modos e por perspectivas muito diversas.” (FP5)

Evidencia-se, nos depoimentos, o caráter identitário da profissão que pode ser preconizado pelo CE, ou seja, um conjunto de saberes da prática, dentre eles, a reflexão ética sobre e na ação pautada em princípios, como o respeito aos direitos humanos e à liberdade de expressão e de pensamento, imprescindíveis a um ambiente de aprendizagem. Além disso, por se tratar de uma profissão com responsabilidade peculiar, pois participa no processo de formação de crianças, jovens e adolescentes, a docência requer um cuidado maior do domínio ético, como apontado por Castilho (2018).

E - Preocupação sobre quem elaboraria o código de ética docente e sobre como este seria utilizado

Outro aspecto que merece atenção, segundo os participantes desta pesquisa, diz respeito a quem elaboraria um código de ética docente e qual a sua finalidade: orientação ou controle? Alguns depoimentos, realizados pelos licenciandos, professores em serviço e formadores de professores, revelam essa preocupação:

“Uma outra questão importante é quem vai fazer esse código de ética, seria mais uma brecha para desvalorizar ainda mais a profissão ou não?” (L1)

“[...] creio que um código de ética docente feito por docentes, para docentes, e com uma parcela representativa desses profissionais, provavelmente reduziria os possíveis problemas e potencializaria os benefícios. Resumindo, acho ‘perigoso’, um tiro no pé dependendo de como for feito, por quem for feito e até para quem for feito.” (L5)

“[...] esse ‘código de ética’ deve ser construído por várias mãos, para tentar abranger todo o corpo docente[,] que é bem heterogêneo. (P11)

“A elaboração de um código de ética para a profissão docente é importante, mas é necessário se perguntar em que bases filosóficas ele se fundamenta[ria].” (FP2)

“Deveria haver um código de ética sobre o qual docentes pudessem refletir. Mas, construído pelos docentes do modo mais democrático possível.” (FP5)

Compreendemos como legítima essa preocupação, pois um documento de tal envergadura, que é um código de ética, seria, a nosso ver, uma possível forma de concentração e de exercício de poder por quem o concebesse ou elaborasse, seja sob a forma de controle, seja sob a ideia de manter uma atmosfera heterônoma; reconhecemos, assim, a complexidade desse aspecto. Por outro lado, uma das formas de enfrentamento desse controle absoluto (ou minimizando o empreendimento de tal tarefa) seria recorrer ao que uma sociedade democrática pretende ser, no caso a comunidade/sociedade de professores. Assim, um código elaborado pelos próprios docentes, em suas diversas formas de representação, seria o primeiro passo. Tal passo pode ser evidenciado nos depoimentos dos licenciandos e professores em serviço. A base filosófica exigida na elaboração de um CE, destacado pelo participante FP2, seria o segundo passo, e, nesse sentido, tal base deveria fundamentar-se em critérios a serem respeitados no exercício docente, os quais envolvem as relações com o aluno, com seus pais e responsáveis, com todos os atores da comunidade escolar e com os contextos cultural e legal do país.

No que se refere às relações heterônomas que o CE pode instaurar, como já abordado, podemos ter professores com posturas mais absolutistas ou relativistas, e tais posturas não são decorrentes ou independentes da existência do CE, são inerentes aos indivíduos. Assim, a postura relativista de um professor considerará o CE, porém o contextualizará às circunstâncias individuais e singulares em seu exercício de tomada de decisão:

“[...] deve sim existir um código de ética para a profissão docente, mas num âmbito mais geral, pois[,] por tratarmos diretamente com questões delicadas do ser humano, precisamos de flexibilidade para tomada de decisões, visto que cada caso é um caso diferente e o que se aplica a um pode não ser a melhor opção pro outro.” (FP16)

“[...] acho importante[,] em primeiro lugar, escutar o aluno, ainda mais em tempos tão difíceis como nos encontramos atualmente. No geral, a sensibilidade e o bom senso do professor devem vir em primeiro lugar. [...] O código de ética auxilia na orientação, mas não cobre todas as situações e suas singularidades.” (FP4)

Sobre a possibilidade de um certo “engessamento” da atividade docente, alguns depoimentos revelam essa preocupação:

“[...] é bom ter, pois,[sic] daria norte aos docentes, do que é coerente ou não, no entanto,[sic] isso colocaria a área docente dentro de uma sistematização.” (L1)

“[...] O código de ética [...] não deve ser considerado como um receituário geral que imponha regras de tal modo dogmáticas que não possam passar pelo crivo da situação específica a ser resolvida.” (FP4)

Além das categorias identificadas, a análise dos dados nos permitiu reconhecer outros aspectos do fenômeno estudado. Um deles é que os resultados, de forma geral, apontam para fragilidades em relação à formação e à atuação docente.

Em relação à formação dos professores, tanto inicial quanto continuada, as justificativas positivas para a existência de um código de ética docente revelam a falta de confiança dos licenciandos no encaminhamento das situações dilemáticas do cotidiano escolar.

“[...] a ação docente demanda escolhas e tomadas de decisões que implica[m] diretamente em outros indivíduos (alunos), desse modo [...] um código de ética[,] além de dar maior credibilidade para o profissional dedicado a[sic] educação, juntamente atua como norteador efetivo para os profissionais em início de carreira.” (L2)

Além disso, é possível que sua participação em estágios, ou mesmo na prática docente, revele o predomínio de posturas que refletem posicionamentos pessoais e não profissionais.

“[...] Além do mais, há muita falta de métodos e tratativas específicas para o professorado, abrindo margem para erros que podem trazer marcas negativas irreversíveis na vida dos alunos.” (L4)

Por outro lado, no que se refere à atuação docente, dependendo da forma como um código de ética seja elaborado e utilizado, este pode direcionar a atuação docente ao cumprimento de regras profissionais, restringindo-a a uma perspectiva heterônoma, a qual não permite a reflexão sobre a prática.

“No caso da profissão docente, que enfrenta uma ampla variedade de contextos (socioeconômicos, culturais, etc.), impor diretrizes me parece algo que pode trazer mais problemas do que benefícios.” (L5)

Ao mesmo tempo, os professores que atuam no magistério indicam a necessidade de um corpus de comportamento docente, uma vez que parece faltar clareza quanto aos papéis desempenhados pelos atores do ambiente escolar.

“[...] acredito que um código de ética é importante para algumas situações que o docente vivencia, principalmente em relação a[sic] família, para que seja claro a maneira que o profissional deve se comportar.” (P5)

As fragilidades na formação docente (inicial e continuada) implicam diretamente na qualidade de sua atuação profissional. A sensação de desarticulação e de compromissos coletivos frente a situações dilemáticas da prática docente aponta para a necessidade de revermos quais os objetivos da formação de professores. Segundo um formador de professores, é preciso considerar a

“[...] complexidade do trabalho do professor. Enfrentamos muitos dilemas. Muitas vezes, a definição do que poderia ser ‘ético’ pressupõe um olhar mais sistêmico e abrangente. Além disso, a nossa ação não é neutra;

  • - A base de conhecimento do professor pressupõe conhecimento dos fins, propósitos e valores da educação e de sua base histórica e filosófica;

  • - É inerente a todas as profissões, em especial ao trabalho do professor, o compromisso, o engajamento, o comprometimento.” (FP3)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao iniciarmos a pesquisa, chamou nossa atenção a perplexidade, prontidão e disponibilidade com que os participantes receberam e acolheram a questão central deste trabalho. Apesar de não estarem presentes nas respostas ao instrumento, os contatos anteriores e posteriores ao preenchimento do formulário deram-nos a dimensão de como esse assunto poderia dar pistas sobre a formação de professores, o reconhecimento e a valorização da profissão docente e as implicações de uma possível existência de um código de ética docente. Esse é um aspecto importante a considerar, pois levanta a hipótese de que há carência de abordagens críticas sobre o tema, ou seja, um “represamento” dessa discussão, como já apontado por autores da área (CASTILHO, 2018).

Os resultados da presente investigação poderão trazer contribuições significativas às atividades de ensino em cursos de formação de professores e, de acordo com as justificativas dos três grupos de respondentes, esclarecer as razões para a elaboração ou não de um código de ética para a profissão docente.

Dentre as justificativas positivas, tanto os licenciandos e professores quanto os formadores de professores indicam a necessidade da existência de um instrumento que oriente as ações dos professores frente a situações espinhosas, não discutidas nos cursos de formação, as quais fazem parte do cotidiano escolar, com sérias implicações para o desenvolvimento dos estudantes. Por outro lado, há uma preocupação sobre quem elaboraria esse instrumento e como este seria utilizado pelas instituições de ensino. A desconfiança em relação aos seus propósitos tem por base as perspectivas históricas do desenvolvimento dos sistemas educacionais.

De qualquer modo, os resultados deste trabalho apontam para a demanda de licenciandos, professores e formadores de professores por processos formativos que privilegiem aspectos da orientação, reflexão e tomada de decisão em situações do cotidiano escolar, que implicam direta ou indiretamente na qualidade da aprendizagem dos estudantes. Esses processos formativos podem levar à necessidade de elaboração de um código de ética ou ainda de outras intervenções sistemáticas nos processos formativos de professores.

Cabe destacar aqui as sugestões obtidas nesta pesquisa, caso seja oportuna a elaboração de um código de ética:

  • Garantir a participação de professores e de outros atores da comunidade escolar na elaboração desse documento;

  • Garantir a sua (re)construção permanente, mediante reflexões sobre os princípios e valores em que se baseará;

  • Evitar que seja utilizado como regras de conduta profissional, ou seja, o código de ética não seria simplesmente objeto de legalidade mas também de legitimidade.

A inclusão desses temas nos cursos de formação de professores faz-se, então, essencial, para que estes possam participar ativamente da contínua construção de um possível código de ética ou de práticas de reflexão sobre os princípios e valores que norteiam sua profissão.

A preparação para o enfrentamento de situações dilemáticas no relacionamento com os alunos, com os colegas e com as instituições é fundamental para o pleno exercício da atividade docente. Assim, defendemos que é fundamental a presença do tema “código de ética docente” nos currículos de formação de professores, pois os formandos/licenciandos precisam ser prevenidos de que as suas futuras atribuições, no cotidiano laboral, não somente se limitam ao ensino mas também envolvem as responsabilidades decorrentes das questões que surgem no contexto escolar e do impacto de suas decisões sobre os estudantes, os docentes e as instituições.

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1 Editora-Chefe participante do processo de avaliação por pares aberta: Suzana dos Santos Gomes.

2 Conforme Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE n° 32609420.5.0000.0084).

Recebido: 02 de Setembro de 2022; Aceito: 12 de Março de 2023

<ioneishii@uol.com.br>

<mkrasilc@usp.br>

Os autores declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo.

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