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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 06-Nov-2023

https://doi.org/10.1590/0102-469839285 

Artigos

INFÂNCIA E JUSTIÇA ESPACIAL: DESIGUALDADES INTER E INTRABAIRROS NO USO DA CIDADE POR CRIANÇAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE CURITIBA

INFANCIA Y JUSTICIA ESPACIAL: DESIGUALDADES INTER/INTRABARRIOS EN LOS USOS DE LA CIUDAD POR CHAVALES CURITIBANOS

VALÉRIA MILENA ROHRICH FERREIRA1  , Coordenadora do projeto, construção e análise dos dados, planejamento do artigo, redação e revisão da versão final
http://orcid.org/0000-0002-8096-2175

SONIA MARIA FERNANDES1  , Construção e análise dos dados, normalização do artigo e revisão das referências bibliográficas
http://orcid.org/0000-0003-0189-2795

1 Universidade Federal do Paraná(UFPR). Curitiba, PR, Brasil.


RESUMO:

Analisa-se aqui se há desigualdade nas experiências espaciais de crianças a depender do local da cidade e do bairro onde moram. Trata-se de uma pesquisa quantitativa em que foram analisados 1060 questionários respondidos por famílias de crianças de 27 escolas municipais de Curitiba, distribuídas nas 9 regionais da cidade, à época. Os dados foram analisados a partir de autores da sociologia, da sociologia urbana, da infância e da geografia. Verificou-se que crianças moradoras da região norte-central da cidade e de regiões centrais dos bairros tiveram maior acesso a locais consolidados de lazer e cultura, pois moravam próximas desses locais ou tinham maior facilidade de se locomover até eles (dentre outras questões relacionadas à classe, gênero, raça, tempo de moradia no bairro, origem geográfica das famílias), demonstrando tanto um “efeito residência” gerador de oportunidades quanto uma mobilidade espacial que, como capital, impulsionava experiências diversificadas na cidade. Já para as crianças que moravam na parte pobre e periférica do bairro e, ainda mais, se eram moradoras do sul e do extremo sul da cidade (quando se cruza dados interbairros com intrabairros), o bairro não se apresentou como um recurso, mas sim como uma restrição, e a mobilidade espacial pareceu ser um capital urbano escasso. A configuração foi a de uma não mistura social entre crianças moradoras de diferentes partes do bairro e da cidade. A cidade se mostrou injusta espacialmente, e o bairro apresentou-se modelar, ensinando posições e status superior a algumas crianças e subalternidade e sedentarismo para outras.

Palavras-chave: criança; bairro; cidade; Elias; desigualdade social

RESUMEN:

Se analiza si hay desigualdad en las experiencias espaciales de chavales según el sitio y el barrio donde viven. Mediante una investigación cuantitativa, fueron analizados 1060 cuestionarios contestados por familias de chavales de 27 escuelas de la intendencia de Curitiba, ubicadas en 9 departamentos regionales. Los datos fueron tomados bajo un marco teórico basado en la Sociología, Sociología Urbana, Infancia y Geografía. Se observó que los chicos que viven en la región norte-central de la ciudad y de las regiones centrales de los barrios tuvieron más accesibilidad a los sitios consolidados de ocio y cultura, pues vivían cerca o porque tenían más facilidad para desplazarse hacia ellos (de entre otras cuestiones como clase, género, raza, tiempo en la vivienda, origen geográfico de las familias), subrayando tanto un “efecto vivienda” generador de oportunidades como la movilidad espacial que, igual que el capital, estimulaba diversas experiencias en la ciudad. Sin embargo, para los que vivían en la zona pobre y periférica del barrio, incluso cuando vivían al sur o extremo sur de la ciudad (cotejando los datos interbarrios con los intrabarrios), el barrio no se erigió como un recurso, sino como una limitación. La movilidad espacial se presentó como un capital urbano escaso. La configuración fue la de una no mezcla social entre los chavales que viven en distintos rincones del barrio y de la ciudad. Esta se manifestó espacialmente injusta, mientras que el barrio demostró adaptarse, enseñando posiciones y status superior a algunos chicos y subordinación y sedentarismo a otros.

Palabras clave: chavales; barrio; ciudad; Elias; desigualdad social

ABSTRACT:

This study analyzes if there is inequality in the spatial experiences of children depending on where they live in the city and neighborhoods. It is a quantitative research study in which we analyzed 1060 questionnaires answered by families from 27 local schools in Curitiba, distributed in the nine regional coordination centers at the time. The data were analyzed based on authors from sociology, urban sociology, and geography. We observed that children who lived in the central-northern region of Curitiba and in the central regions of neighborhoods had more access to consolidated leisure and cultural places because they either lived near them or it was easier for them to go to these places (among other issues related to class, gender, race, time at the current neighborhood, family geographical origin). It demonstrates both a “residency effect”, responsible to generate opportunities, and spatial mobility that, as capital, pushed diverse experiences in the city. For children who lived in the poor and on the outskirts of the neighborhood and, further, living in south or extreme south Curitiba (when inter and intra-neighborhood data are crossed), the neighborhood did not present itself as a resource, but as a restriction and spatial mobility seemed to be a scarce urban capital. The configuration was one of a non-social mixture among children who lived in different parts of neighborhoods and the city. The city proved to be spatially unfair and the neighborhood presented itself as a model, teaching superior positions and status to some children and subalternity and sedentariness to others.

Keywords: child; neighborhood; city; Elias; social inequality

INTRODUÇÃO

Neste texto são discutidos alguns dados de uma pesquisa que teve por objetivo analisar a influência da dimensão espacial - em especial, o espaço do bairro e da cidade - nas configurações sociais de crianças estudantes da rede municipal de ensino de Curitiba. Para tal, foram produzidos dados tanto quantitativos (questionários entregues às famílias) como qualitativos (conversas com crianças moradoras de diferentes bairros da cidade; desenhos feitos por elas; fotografias dos bairros; e observações realizadas em diferentes regiões da cidade).

Sobre a produção dos dados quantitativos, estes foram pensados tanto com o propósito de firmar os primeiros contatos com os pais ou responsáveis, para que eles conhecessem mais sobre a pesquisa e posteriormente aceitassem que se conversasse com suas crianças, como também, objetivava obter dados gerais sobre os bairros nos quais se faria a pesquisa. Mas, na continuidade das análises, tais dados demonstraram conter já algumas pistas importantes sobre as crianças em “configurações”. Isso faz todo o sentido, pois, para Elias - autor que inspira a que se pense as crianças a partir deste construto teórico-metodológico-, o estudo de uma configuração deveria desenvolver tanto um “olhar de aviador”, amplo, histórico, como também de “nadador”, de quem está dentro do fluxo da vida cotidiana (ELIAS, 1994, p.46), e seria a fusão desses dois olhares é que ofereceria uma compreensão mais completa de uma determinada configuração.

Assim, procurando também realizar uma aproximação do dia a dia das crianças, algumas análises estão sendo realizadas a partir dos dados qualitativos e outras já demonstram, por exemplo, algumas consonâncias e dissonâncias entre o que as famílias disseram sobre o uso que seus filhos(as) faziam do bairro e da cidade (a partir dos questionários) e o que as próprias crianças manifestaram. Uma análise sobre isso colocou em relação os desenhos do bairro que as crianças fizeram com os dados obtidos nos questionários (FERREIRA, no prelo a). De qualquer forma, a esperança é a de que, no esforço de concatenar esses diferentes dados da pesquisa, se chegue a uma análise mais integrativa das configurações das crianças em contextos urbanos.

Desta forma, neste artigo em específico, o objetivo é o de discutir, a partir dos dados quantitativos, se há desigualdades tanto no uso dos espaços do bairro e da cidade quanto na mobilidade espacial por parte de crianças moradoras de diferentes bairros da cidade (análise interbairros) e mesmo dentro de um mesmo bairro, se na parte mais central ou mais periférica (análise intrabairros).

Sobre a pesquisa, de início, é preciso dizer que esta seguiu todos os aspectos éticos da pesquisa com crianças1. Na parte quantitativa, foram entregues 1600 questionários (com retorno de 66,25%, 1060 questionários respondidos), a famílias responsáveis por crianças dos 4ᵒˢ e 5ᵒˢ anos da rede municipal de ensino de Curitiba, de 27 escolas municipais localizadas nas 9 regionais da cidade à época da pesquisa (hoje são dez). Escolheu-se trabalhar com crianças dessa faixa etária, pois desejava-se conhecer o próprio olhar das crianças sobre suas saídas já mais independentes -sozinhas ou com amigos- pelo bairro. Para a distribuição dos questionários, selecionou-se um bairro de cada regional da cidade2 e nele foram escolhidas três escolas públicas municipais de período regular que estivessem situadas em regiões distintas dentro um mesmo bairro: uma escola que estivesse em uma região central ou bem valorizada do bairro (próxima de comércios, grandes avenidas, acesso a ônibus e outros espaços importantes do bairro), chamada na pesquisa de Perfil 1; uma escola localizada em uma parte mais afastada do bairro (em uma região mais distante ou de vulnerabilidade social do bairro), chamada na pesquisa de Perfil 3; e uma terceira escola que seria intermediária destas duas outras situações, nem muito perto nem muito distante do centro do bairro, chamada na pesquisa de Perfil 23.

Com relação a esses dados, é importante dizer que serão analisadas aqui as questões do questionário que se referiam a espaços previstos pelos adultos e conhecidos por boa parte dos moradores da cidade (shoppings, teatros, praças, parques etc.) ou, ainda, próprios de cada bairro (feiras, farmácia, padaria, aviário etc.). Além disso, foi pedido que as famílias escrevessem lugares específicos onde as crianças brincavam no bairro, os quais não tinham sido mencionados no questionário. Nessa parte, foram encontrados dados muito interessantes, como os de crianças que brincavam de skate na rua, de bicicleta no estacionamento do mercadinho; que soltavam pipa no terreno baldio. Essas “micro-produções do espaço da cidade” (NAVEZ-BOUCHANINE apud REMY, 2015) ainda estão sendo estudadas, mas outros dados já foram analisados, como, por exemplo, os relacionados a gênero, raça, antiguidade de moradia das famílias nos bairros e a origem geográfica das famílias antes de morarem no atual bairro. Estes dados que já foram discutidos detalhadamente em outro momento, serão retomados aqui, de modo geral, sempre que necessário.

Ainda sobre os dados quantitativos, uma das análises já realizadas foi chamada de análise interbairros4 (FERREIRA e FERREIRA, 2020), em que se agrupou os dados dos três perfis, deixando aflorar diferenças significativas entre os bairros (e não por dentro de cada bairro). Nesta análise, ficou nítido que as crianças moradoras de bairros da região norte-central da cidade, bairros estes, de modo geral, mais antigos (e com famílias com melhores condições socioeconômicas, maior expectativa de vida, de escolaridade e um índice maior de famílias brancas, quando comparadas com as do sul e extremo sul), tinham, à sua disposição, uma variedade maior de espaços consolidados de lazer e cultura (parques, museus, cinemas, teatros etc.) e uma mobilidade espacial mais ampla para fora do bairro de moradia. Já as crianças do sul-extremo sul, tendo, no geral, famílias com menores condições socioeconômicas, de expectativa de vida, de escolaridade e com um índice maior de famílias negras, quando comparadas com as do norte-central (e sendo o extremo sul uma região com muitos bairros de formação mais recente), contavam com experiências mais amplas na parte do bairro em que moravam, mas poucas experiências em outros bairros e na cidade. Essas análises serão retomadas durante o texto quando se relacionar dados interbairros com os intrabairros.

Para se analisar estes e outros dados da pesquisa, como já mencionado, partiu-se da ideia de Configurações Sociais (ELIAS, 1980; 1994), que foi uma saída encontrada por Elias para resolver uma das dicotomias existentes em pesquisas sociais, que ora partem de um sujeito isolado, ora de um genérico chamado "sociedade". No caso do estudo com crianças, seria o mesmo que analisar as suas ações de forma isolada (partindo de uma criança-mônada, fechada sobre si mesma) ou, ao contrário, partir de uma ideia genérica de infância (FERREIRA, no prelo b). Elias parte, assim, da ideia de que todos os indivíduos -adultos e crianças- estão sempre em relações, sendo que todas as pessoas interdependem umas das outras. Desta forma, o modo de agir das crianças, suas práticas, suas escolhas, seus questionamentos, são sempre compreendidos na relação com as tensões e relações de poder que existem em suas redes. Assim, um total grau de liberdade, por um lado, ou uma completa “moldagem social”, por outro, seriam explicações que não traduziriam as complexas interdependências que ocorrem nas configurações, em um determinado espaço e tempo histórico.

Já sobre o espaço, este também não é compreendido aqui como uma categoria autônoma, pois há uma linha tênue entre as formas espaciais e a hierarquia social. A sua influência na vida das pessoas não é determinista, mas sim probabilista, imprevisível e, por ser relacional, precisa ser analisado sempre em um duplo movimento, o espaço sendo socializado por pessoas, mas também socializante e imprimindo sua marca sobre as sociedades (REMY, 2015). É nesse sentido que também se compreende o bairro, não como um simples cenário (REMY apud AUTHIER, 2006, p. 209), mas como um “meio”, “uma entidade produtora, dispondo de propriedades próprias que têm efeitos sobre ‘o curso das ações humanas’ e, em particular, sobre as maneiras de habitar e de coabitar dos indivíduos” (AUTHIER, 2006, p. 209, tradução nossa). O bairro ou a cidade podem ser, então, um "espaço-recurso", “um importante local de socialização” (LEHMAN-FRISCH, AUTHIER e DUFAUX; 2012, p.15, tradução nossa).

E, pensando nos efeitos do espaço ou da natureza na vida humana, podemos pensar que a própria Terra - compreendida hoje como um corpo político com potência de agir (LATOUR apud HAESBAERT, 2021) - tem respondido de maneira drástica à influência irresponsável do homo sapiens no planeta. Assim, analisando o Brasil e o mundo da perspectiva do aviador, o olhar é desolador. O meio ambiente hoje está tão degradado que parece que não conseguirá se recompor e o capitalismo que destruiu esse ambiente é o mesmo que também elevou a pobreza a um patamar alarmante, tornando as desigualdades - econômicas, sociais, raciais, de gênero, ambientais - persistentes e abissais. Nesta configuração, crianças, mulheres, negros, indígenas, imigrantes são os que menos têm acesso à água, à alimentação, ao saneamento básico, ao emprego e à moradia.

Por outro lado, as cidades, querendo se diferenciar em um mar de competição entre as metrópoles, criam representações e títulos como os de cidades mais tecnológicas, cultas, criativas, etc. Assim também veio fazendo Curitiba ao longo das últimas décadas, construindo uma imagem amplamente reforçada pela mídia, de cidade modelo, cidade ecológica, capital europeia e de soluções urbanas (MORAES e SOUZA, 1999; OLIVEIRA, 2000; FERREIRA, 2008, 2020).

Desta forma, pensar sobre a pesquisa aqui discutida é compreender que estes dados se tecem tanto com os mesmos fios que costuram as tensões mundiais e nacionais, quanto as da própria cidade. Dito de outra forma, o que poderia ser compreendido como questões de macroestrutura e de microestrutura, quando vistos a partir de Configurações Sociais, não podem ser analisados de forma separada. As consequências, por exemplo, desse novo capitalismo na vida das pessoas, podem ser vistas no cotidiano das crianças e, em especial, no modo com que algumas delas moram de forma desumana nas bordas da cidade. As consequências da história colonialista do mundo e do Brasil - que não acabou com o fim do colonialismo, mas continua na forma de uma colonialidade global que reforça as estruturas centro-periferia em escala mundial (CASTRO-GÓMEZ e GROSFOGUEL, 20007) - dão-se ainda hoje nas periferias das cidades, na medida em que foi para lá que foram relegadas as populações negras, após o que foi chamado de “libertação” dos escravizados. E a constatação de que os menores salários são ainda os das mulheres, em comparação com os dos homens, implica em reconhecer o agravamento da situação delas e de suas crianças, quando vivem nas periferias (e com lares cada vez mais mantidos por mulheres).

Mas, se a partir do olhar do aviador o cenário é desolador, quando se aterrissa na cidade, duas questões de análise se destacam. Uma delas é que esta grave e histórica situação de desigualdade também se tece, como dito, com os mesmos fios que costuram o cotidiano das crianças na cidade. Pesquisas brasileiras sobre isso têm destacado, por exemplo, "o impacto das desigualdades sócio-territoriais, da violência, das condições de circulação e moradia na vivência infantil, assim como aos espaços, práticas e políticas de cultura e lazer no cotidiano das crianças na cidade" (CARVALHO e GOUVEA, 2019, p. 151). O direito à cidade, quanto ao acesso, à apropriação e à participação, permanece, portanto, uma conquista distante da experiência contemporânea da maioria delas CARVALHO e (GOUVEA, 2019).

Ademais, outro aspecto se destaca a partir desse olhar do nadador. Ao aproximar a lente das crianças, percebe-se que elas não só vivem suas vidas em meio a todas essas tensões, mas resistem e alteram as relações de poder como podem, produzindo também, e a seu modo, a cidade. Assim, as pesquisas atuais têm capturado esse movimento, têm ouvido as crianças, suas práticas, táticas, representações, escolhas, desejos e sonhos.

Gobbi (2021), por exemplo, ao pesquisar famílias moradoras de ocupações na cidade de São Paulo, lutando frente às constantes ameaças de reintegração de posse, despejos e deslocamentos forçados, analisa as diferentes formas de ocupação e resistência das crianças dessas ocupações, em situações cotidianas, como pelo brincar, pelas pistas que deixam nas paredes repletas por seus desenhos -uma verdadeira galeria de arte-, nas festividades preparadas por elas e para elas e mesmo ao acompanhar o ato de cozinhar das mulheres/mães (GOBBI, DOS ANJOS E PITO, 2020). Já Gouvêa e Carvalho (2021) também discutem sobre a ampla participação das crianças nos espaços dos movimentos sociais organizados, tanto no Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua quanto dos Sem Terrinha (coletivo infantil vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Enfim, são diversas as pesquisas que vêm demonstrando, por um lado, as complexas e insistentes desigualdades vividas por muitas crianças do país, mas, por outro, têm evidenciado esse movimento de resistir. No caso da pesquisa aqui em parte analisada, estes movimentos também ficaram bem evidenciados nos desenhos e nas conversas com as crianças, aspectos que, pela escolha deste texto -por uma entrada mais ampla e quantitativa de análise-, não se conseguirá desenvolver.

QUEM É O PÚBLICO DA PESQUISA?

Com relação à renda das famílias curitibanas, de modo geral, elas contavam, pelos dados do IBGE de 2010 (IBGE, 2010), com um rendimento mensal mediano dos domicílios particulares permanentes de 4,5 salários mínimos. Observando o mapa realizado pelo IPPUC a partir desses dados (IPPUC, 2012), percebeu-se que as famílias com maior rendimento se situavam na região central e norte da cidade e, também, um pouco abaixo do centro (em bairros como Água Verde, Batel), e as com menores rendimentos encontravam-se nas bordas da cidade e, mais acentuadamente, no sul e, principalmente, no extremo sul da cidade. Os dados das famílias da pesquisa coincidiram com essa situação. Caso se divida a cidade em duas partes, é possível dizer que, no geral, as famílias com maiores salários moravam mais em bairros centrais e ao norte da cidade, e as com menores salários mais nos bairros do sul e extremo sul. Já analisando os bairros por dentro, verifica-se que os salários mais altos foram encontrados em famílias dos Perfis 1 e 2 (moradoras das partes mais centrais do bairro), e os menores, nas do Perfil 3 (moradoras das partes mais afastadas e/ou em territórios com maior situação de vulnerabilidade social).

Com relação aos dados raciais, um mapa produzido pelo Observatório das Cidades (DIEESE, 2016, a partir de bairros agregados) demonstrou que os bairros com um índice maior de moradores negros situavam-se ao sul, extremo sul, e, também, sudoeste e sudeste da cidade. Os dados interbairros, a partir do questionário, também coincidiram com esses dados e, quanto aos dados intrabairros, enquanto os Perfis 1 e 2 apresentaram os menores índices de crianças negras (19,4% e 17,9% respectivamente), o Perfil 3 apresentou o maior (25,2%). E quando se cruza os dados interbairros com o intrabairros, a desigualdade aumenta ainda mais, ou seja, o índice maior de crianças negras, além de se apresentar na direção sul e extremo sul da cidade, também aparece nas regiões mais empobrecidas de cada bairro, demonstrando que há desigualdade nas condições de vida entre crianças negras e brancas (SANTOS, FERNANDES e FERREIRA, 2019).

Já com relação às diferenças de gênero, enquanto as meninas apresentaram pouca autonomia e mobilidade espacial cotidiana no bairro e um alargamento da mobilidade na cidade (ainda que acompanhadas e somente em eventos), com os meninos ocorreu o contrário e, principalmente, com os meninos do sul-extremo sul que, embora tivessem maior autonomia nas saídas próximas, ficavam cotidianamente bastante circunscritos aos seus próprios bairros de moradia. (FERREIRA e FIORESE, 2021).

Quanto à escolaridade das famílias da pesquisa, enquanto os bairros ao norte-central foram os que apresentaram famílias com maiores níveis de escolaridade e os do sul-extremo sul os menores, na relação intrabairros, a diferença também foi grande. A escolaridade das duas gerações anteriores das crianças (pais e avós) é maior nas famílias do Perfil 1 e 2, em comparação com as de Perfil 3.

Sobre o tempo de moradia das famílias da pesquisa no bairro (FERREIRA, FERREIRA e SANTOS, 2018), verificou-se que os moradores mais antigos (mais de 15 anos no bairro) estavam em maior número no sul da cidade (mas não no extremo sul) e, sobretudo, nos perfis 1 dos bairros. Apresentavam um índice maior de famílias morando em casas próprias e suas crianças utilizavam locais mais antigos e institucionalizados do bairro, como os religiosos e alguns culturais (bibliotecas, praças, teatros, circo). As crianças visitavam mais a casa de avós e de outros parentes, vizinhos e amigos, o que indica uma rede solidária de cuidados e de segurança -os “olhos atentos” da rua (JACOBS, 2011, p. 36) -, o que foi constatado também nas conversas com as próprias crianças, na parte qualitativa da pesquisa, que mencionaram poder sair pelas proximidades, pois sempre havia uma tia ou avó que ficava “de olho”. Já os moradores mais recentes (menos de 5 anos no bairro) estavam em maior número em bairros do extremo sul e nos perfis 3 dos bairros da cidade. Apresentavam um índice maior de famílias em casas alugadas (se comparado aos outros perfis), frequentavam mais espaços administrativos, e suas crianças visitavam pouco as casas de parentes, vizinhos e amigos próximos, contando menos, portanto, com uma rede de apoio para estas saídas. Em conversas com as crianças dessas regiões, muitas contaram que o passeio de domingo era justamente ir visitar avós e parentes em bairros distantes da moradia ou na região metropolitana da cidade.

Quanto à origem geográfica das famílias, antes de residirem no atual bairro, as famílias moradoras mais antigas (mais do Perfil 1) vieram, em maior número, de outros bairros da cidade, enquanto as moradoras mais recentes (mais de Perfil 3) vieram de outras cidades do Paraná e Região Metropolitana de Curitiba. Isso faz pensar que as famílias das crianças do Perfil 1 (e em certa medida também do Perfil 2) já teriam as suas maneiras de morar e utilizar o bairro mais próximas da vida de uma capital, mas também, quem sabe, uma parte delas poderia ser influenciada pelo imaginário reforçado pelos discursos midiáticos das últimas décadas, sobre uma cidade modelo e que insiste em uma representação de um curitibano branco, ecológico e descendente de europeu, sub-representando outros povos como o negro e o indígena na conformação da cidade (MORAES E SOUZA, 1999; FERREIRA 2008, 2020). Já as de Perfil 3, vindas de cidades menores, estariam tentando ainda compreender a vida em uma grande cidade e se identificando menos com esse imaginário de cidade propagado pela mídia.

Assim, estes primeiros dados já demonstram que a forma com que a cidade está organizada produz desigualdades complexas e interdependentes. As desigualdades de raça, gênero, condição econômica, grau de escolaridade da família etc., vão se interseccionando e aumentando ainda mais as interdependências produtoras de exclusão e opressão. E mesmo que as identidades produzidas nesta configuração provoquem também fissuras, resistências e mudanças nas redes (vistas mais detalhadamente a partir dos dados qualitativos), quando analisadas a partir destes dados quantitativos, já provocam uma grande indignação. É tecendo suas vidas, portanto, nessas intersecções que, na sequência, será descrita a forma como as crianças e suas famílias se deslocam pelo bairro e pela cidade e como produzem suas experiências, complexificando ainda mais a compreensão sobre as desigualdades pelas quais elas atravessam.

COMO E COM QUEM AS CRIANÇAS VÃO À ESCOLA?

Na contemporaneidade, a mobilidade espacial tem sido considerada cada vez mais como um capital (VIARD, 2011), “uma condição de inserção social” (KAUFMANN, 2008, p.101, tradução nossa), mas essa mobilidade não é igual entre as crianças que moram em diferentes bairros da cidade e mesmo dentro de cada bairro. Em primeiro lugar, de modo geral, as crianças da pesquisa quase não se deslocavam sozinhas para a escola (somente 16% delas o faziam), evidenciando a pouca autonomia delas nesses e em outros trajetos, o que também foi verificado em pesquisas nacionais e estrangeiras que constataram, por exemplo, que “os deslocamentos e as práticas não acompanhadas por adultos estão acontecendo cada vez mais tarde para as crianças” (VALENTINE apud LEHMAN-FRISCH, AUTHIER e DUFAUX, 2012, p. 19, tradução nossa). Ou como Müller (2018), aqui no Brasil, que observou vários problemas nos deslocamentos diários das crianças entre casa-escola-casa relacionados a: percorrer longas distâncias, acordar muito cedo, acompanhar os adultos em seus trabalhos, enfrentar riscos e perigos.

Na pesquisa em Curitiba, as crianças que não iam sozinhas para a escola (84%) iam mais frequentemente acompanhadas por suas mães (28%) e seus pais (14%). Com irmãos, avós, família, amigos e vizinhos, as porcentagens foram menores e mais ou menos equivalentes. Já sobre os dados intrabairros, observou-se que as crianças do Perfil 1 iam mais à escola acompanhadas por seus pais (com a mãe o índice quase dobra em favor desse perfil), e as do Perfil 3, as que mais iam sozinhas à escola (quase o dobro dos outros perfis).

Quanto à forma de locomoção, de modo geral, elas se dirigiam à escola a pé (38%), de carro da família e/ou carona com vizinhos (20%), com transporte escolar pago, o “tio da van” (13%), entre outras possibilidades com menores índices. Sobre os perfis, depois do índice elevado de todas elas se deslocando a pé, as crianças do Perfil 1 foram as que apresentaram os maiores índices para a ida à escola com o carro da família e a van escolar; as do Perfil 2, para carona de vizinhos e ônibus cedido pela prefeitura; e as do Perfil 3, paradoxalmente, as que mais apresentaram índices altos para o uso do ônibus de linha pago.

Sobre o uso do automóvel, se por um lado ele facilita o deslocamento espacial das crianças por regiões mais extensas da cidade, também as coloca em uma atitude mais afastada do seu bairro de moradia. Neste caso, é preciso pensar mais detidamente sobre o conceito de mobilidade. Kaufmann (2008, p. 27, tradução nossa) analisa que os “deslocamentos no espaço se transformam em mobilidade quando implicam também em uma mudança social”. O autor lembra que pesquisadores da Escola de Chicago já opunham, em suas pesquisas pioneiras de sociologia urbana, a mobilidade à fluidez. A mobilidade significa para eles um deslocamento vivido como um evento marcante, deixando sua impressão sobre a vida, a identidade ou a posição social da pessoa que a realiza”. Já a fluidez é definida como um deslocamento sem efeito particular sobre a pessoa. “Dito de outra forma, a mobilidade implica, ao mesmo tempo, uma mudança no espaço físico e no espaço social, enquanto a fluidez reenvia a um movimento no espaço físico unicamente” (KAUFMANN, 2008, p. 27, tradução nossa).

Assim, caso se considere a mobilidade nesse sentido amplo e completo, o automóvel, por si só, nem sempre é sinônimo de mobilidade, uma vez que “entrar no seu carro é se fechar. É visivelmente se proteger em relação ao desconhecido”, enquanto “caminhar no espaço público é, ao contrário, confrontar-se em permanência com a alteridade e, então, aceitar a imersão em um universo com forte potencial de mobilidade” (KAUFMANN, 2008, p. 104, tradução nossa).

Especificamente sobre os dados das crianças do Perfil 3, observa-se que, de fato, apresentaram uma certa independência no deslocamento para a escola, sozinhas ou com irmãos, a pé ou com o ônibus de linha. Mas, se por um lado, verificou-se uma certa autonomia delas no bairro (como os dados subsequentes também irão demonstrar) e, ainda, um conhecimento e análise territorial bastante extensos sobre as proximidades, por outro lado, os trajetos eram realizados mais nas redondezas de onde moravam ou restritos ao bairro. Desta forma, essa “certa” autonomia é assim descrita pois, para várias delas, outras questões como as ligadas ao tráfico de drogas, problemas de segurança, também apareceram como impeditivos para um deslocamento mais livre e estendido pelo bairro. Isso foi insistentemente relatado tanto nas conversas com as próprias crianças, na parte qualitativa da pesquisa, como nos desenhos que fizeram (FERREIRA, no prelo a) e ainda incluídos pelas famílias na parte das “observações” dos questionários, como, por exemplo: “não dá para deixar nem ir ao parquinho, porque a segurança é péssima. O jeito é ficar dentro de casa...” (questionário n. 740, Tatuquara, Perfil 2, mãe de menino branco); “se observar as minhas respostas verifique porque não frequentamos muitos lugares, por falta de segurança e a violência contra nossas crianças” (n. 796, Tatuquara, P3, mãe de menina/parda).

Já os deslocamentos das crianças do Perfil 1 se aproximam um pouco mais das praticadas pelas crianças das classes altas descritas pela pesquisa de Mallon et al (2016), em que as crianças se deslocavam no bairro, de carro e de van escolar. Mas os dados se aproximam ainda mais de crianças de escolas particulares de Curitiba, analisadas em outro momento (incluiu-se na pesquisa também, em um segundo momento, um 4ᵒ perfil a partir de crianças de escolas particulares com altas mensalidades, em cada um dos bairros estudados).

Ainda sobre os deslocamentos, o fato de que as crianças de Perfil 1 iam mais à escola de forma motorizada se relaciona, em boa parte, com as escolhas das escolas feitas pelas famílias, tendo a fácil localização, mas também o prestígio social da instituição uma importância grande para muitas delas. Uma pista sobre essas escolhas pode ser verificada na distância entre a moradia e a escola das crianças. Foram apenas 47,4% das crianças de Perfil 1 as que moravam no mesmo bairro em que se localizava a escola, contra 65,3% das de Perfil 2, e 84,6% das de Perfil 3. Enquanto as crianças de Perfil 1 que se deslocavam de outros bairros para a escola vinham, em média, de seis diferentes bairros, as de Perfil 3 vinham de três (CARDOSO e FERREIRA, 2018).

Enquanto somente 45% das crianças moradoras da região norte da cidade estudavam no bairro de moradia, o índice das do extremo sul era de 80%. Nos primeiros casos, elas vinham de 11 diferentes bairros, tornando a escola um lugar heterogêneo quanto aos diferentes bairros de moradia das crianças, mas também um local de socialização mais homogêneo quanto ao perfil das famílias (com mais crianças brancas, tendo famílias com maior capital econômico e maior escolaridade, como já visto no início do texto). No extremo sul, as crianças vinham de apenas três diferentes bairros o que tornava a escola, na maior parte das vezes, também um lugar de socialização extremamente homogêneo, mas, nesse caso, a partir de crianças moradoras próximas da escola e de uma região mais empobrecida da cidade (e com uma porcentagem maior de crianças negras, famílias com salários mais baixos e com menor escolaridade).

Assim, o que foi visto até aqui é que essas diferenças de deslocamento revelaram fortes desigualdades sócio-espaciais no uso da cidade e, não é só pelo fato de que algumas crianças circulavam mais por vários bairros e regiões do bairro enquanto outras se restringiam ao local do bairro onde moravam e estudavam, mas também porque isso indica tanto uma não mistura social entre elas -pois essas crianças quase nunca se encontravam no bairro (e os dados subsequentes reafirmarão isso)-, como também que há um confinamento das classes populares em regiões periféricas do bairro e da cidade, como outras seções também irão analisar.

QUANDO AS CRIANÇAS SAEM, VÃO AONDE?

Dados de pesquisas nacionais e internacionais vêm demonstrando que as crianças têm ocupado o seu tempo livre cada vez mais realizando atividades institucionalizadas. Vários autores vêm denunciando que existe uma “sobreocupação horária em múltiplas atividades, geralmente sob controle adulto” (SARMENTO, 2013, p. 17), ao mesmo tempo em que há uma restrição de circulação delas no espaço urbano. Assim, enquanto Sarmento, em Portugal, verifica a presença quase “obsidiante de organizações, empresas e instituições no cotidiano infantil, para se ocuparem dos seus ‘tempos livres’” (SARMENTO, 2013, p. 17), no caso da pesquisa aqui discutida, embora também pareça existir um assédio de instituições privadas oferecendo atividades para as crianças, elas estão longe dessa ampla possibilidade de realização de atividades extracurriculares. Já de início é possível dizer que somente 37% das crianças voltavam para a própria escola após o horário escolar para realizá-las e em um ou, no máximo, dois dias da semana (lembrando que a pesquisa foi realizada em escolas de período regular e não integral), e apenas 29% delas faziam alguma atividade no bairro ou na cidade.

Das crianças que conseguiam realizar tais atividades, por um lado, os dados demonstraram uma grande capilaridade no uso da escola, do bairro e da cidade, mas, por outro, também evidenciam amplas desigualdades educativas territorializadas. As crianças de Perfil 1 e 3 foram as que mais voltavam à escola para realizar atividades. As do Perfil 1 foram as que mais realizavam atividades de arte e cultura (fanfarra, balé, zumba, coral, pintura e teatro), e as do Perfil 3, atividades de esporte (corrida, basquete, capoeira, atletismo, futebol, vôlei). O futebol, por exemplo, foi praticamente só mencionado no sul-extremo sul da cidade, enquanto o tênis foi muito mais mencionado na região norte-central.

Já as famílias das crianças do Perfil 2 foram as únicas que mencionaram atividades ligadas à ciência e tecnologia (informática, robótica) e, também, (com o dobro de menções das realizadas pelo Perfil 3) as relacionadas à cidadania, como a da Guarda Mirim (em que um guarda municipal fardado desenvolve atividades com as crianças, na escola, em período contrário ao das aulas) ou o PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas), o que provoca a hipótese de que uma determinada classe média ou média-baixa, não tão distante no interior dos bairros e moradora do sul-extremo sul da cidade (que citaram bem mais essas atividades em relação às do norte-central), é que estaria mais preocupada tanto que seus filhos realizassem atividades mais próximas do mundo do trabalho como também atividades cívicas.

Com relação às atividades realizadas após o horário escolar em outro local do bairro ou da cidade, as crianças de Perfil 1 foram as que mais realizaram atividades esportivas e bem variadas, como tênis, equitação, natação e futebol. Fizeram também atividades tranquilizadoras, como a yoga e ligadas à defesa pessoal, como Muay-thai, Karatê, Jiu-jitsu, Taekwondo e MMA. Já as crianças do Perfil 2 seguiram mais ou menos a mesma tendência, mas com uma variedade menor de atividades, porém o mais interessante é que cresceu a variedade de atividades ligadas à defesa pessoal. Já, no caso do Perfil 3, as menções foram bem menores e as atividades pouco variadas. Estes dados não deixam dúvida de que, ainda que atividades diferenciadas ou tranquilizadoras tenham sido realizadas mais por crianças moradoras do norte-central e as de defesa pessoal mais ao sul-extremo sul (justamente em bairros que contam com mais regiões com índices altos de violência), as famílias precisariam ter dinheiro para pagar por estas atividades (quando não são oferecidas pelo sistema público ou ONGs), então é mais lógico que estas tenham aparecido mais nos Perfis 1 e 2, perfis estes com maior renda familiar.

Ademais, o aumento da variedade de atividades de defesa pessoal no Perfil 2 pode indicar que, quanto mais se adentra o bairro, mais aumentam as preocupações com a defesa pessoal (“pra aprender a se defender”, diz uma das meninas da pesquisa). Em relação à grande quantidade de menções a escolinhas de futebol pagas, pelos perfis 1 e 2 (principalmente feitas pelas famílias da região sul-extremo sul), pode ser interpretada como uma forma de investimento semelhante ao investimento escolar, empreendido pelas famílias com vistas a “uma ascensão social” (RASERA, 2016). Assim muitas crianças das classes médias ou médias-baixas (mais próximas do Perfil 2) poderiam estar sendo constrangidas à construção de um corpo cívico e disciplinado, além de realizarem atividades que pudessem ser convertidas em recursos para um futuro mundo do trabalho ou para uma mobilidade social.

Já sobre atividades relacionadas a um maior investimento pedagógico, as famílias da região norte-central citaram mais do que as do sul-extremo sul, e as do Perfil 1 mais do que o dobro em relação aos outros perfis. As famílias citaram o inglês, o Kumon (aulas de matemática e português) e o curso preparatório para colégios militares (estes últimos mais citados pelas famílias do sul-extremo sul e do Perfil 2).

Com relação a atividades de arte e cultura, a desigualdade de oportunidades parece ser muito maior. As famílias dos Perfis 1 e 2 mencionaram quatro vezes mais esse tipo de atividade em relação às do Perfil 3 (mencionando teatro, desenho, artesanato, violão, piano, flauta doce, guitarra, coral, órgão eletrônico, patinação artística, música, balé, ginástica artística e dança). Já as do Perfil 3 citaram somente os quatro últimos mencionados. O Perfil 1 realizava tais atividades em escolas especializadas, mas também em clubes e sociedades de renome da cidade (Três Marias Clube de Campo, por exemplo), e os três perfis também mencionaram associações, sindicatos e federações.

Com relação a atividades ligadas à Ciência e Tecnologia, os bairros ao sul-extremo sul apresentaram os maiores índices (curso de informática, na maioria das vezes), além de mencionarem atividades ligadas ao mundo do trabalho ou atividades manuais (por exemplo: “curso de operador de computador”, artesanato, aulas de tricô). Todas estas realizadas por crianças dos Perfis 2 e 3.

Sobre os locais de realização dessas atividades, 62% das famílias utilizavam instituições privadas (pagas); 24,8% espaços públicos; 13,2% instituições do terceiro setor, como ONGs ou associações religiosas. Essa tendência a uma crescente multiplicação de espaços privados dedicados às crianças e a diminuição delas nos espaços públicos também foi verificado em outras pesquisas (MACKENDRICK; BRADFORD; FIELDER; KARSTEN apud LEHMAN-FRISCH; AUTHIER; DUFAUX; 2012, p.19). Assim, o grande índice de utilização de instituições privadas (em especial pelas crianças do Perfil 1 e 2) evidencia como os pequenos comércios do bairro agem, constrangendo e atraindo dinheiro e pessoas, cercando e seduzindo as crianças e suas famílias por um lado ou por outro (quem não se sentiria atraído pela “Fábrica do Corpo”, pelos “Anjos Power”, pela “Life Energy”?). Por outro lado, e mais no caso dos perfis 2 e 3, que subjetividades podem produzir projetos de ONGs como “Projeto Refúgio”, “Associação de Proteção à Infância Vovô Vitorino”, “Centro de Integração Social Divina Misericórdia”?

Outra questão a se pensar é que a maioria das menções a ONGs foi feita pelas famílias de Perfil 3, mas também pelas do Perfil 2, o que faz com que se pergunte se, para participar destas ONGs, há também, dentro delas, fortes seleções, um crivo que afastaria ainda mais as crianças do Perfil 3 de atividades extracurriculares, já que estas disputariam vagas com crianças do Perfil 2.

Especificamente sobre o deslocamento das crianças de Perfil 1 das regiões norte-central para essas atividades no bairro e fora dele, parece acompanhar a tendência verificada internacionalmente: “As crianças tendem cada vez mais a ser escoltadas de um local (privado) a outro da cidade, na maioria das vezes de carro, pelos seus pais ou outros adultos: este fenômeno leva a uma arquipelarização de seus territórios e a uma desconexão de seu bairro de residência” (LAREAU e ZEIHER apud LEHMAN-FRISCH; AUTHIER e DUFAUX; 2012, p.19, tradução nossa). Já no Brasil, Müller e Dutra (2018), analisando cidades de Brasília e de Florianópolis, também verificaram que os deslocamentos das crianças se davam “em ou para ilhas”, em uma “insularização da infância” (ZEIHER apud MÜLLER e DUTRA, 2018, p. 800). E Guimarães e Lopes (2019), analisando uma cidade de porte médio, Juiz de Fora, também verificaram que o deslocamento das crianças na cidade ocorria “entre ilhas”: entre casa, escola, casa da avó ou “outro lugar alambrado, atrás de paredes ou de grades” (GUIMARÃES E LOPES, 2019, p. 321).

Assim, do que foi visto até aqui, pode-se pensar que, uma vez que as transformações atuais do meio urbano são profundamente marcadas pelo alargamento progressivo das possibilidades de deslocamento (KAUFMANN, 2008, p. 61), as pessoas que conseguem uma maior mobilidade acabam acumulando um capital importante. Entretanto, essa mobilidade “põe em cena as relações de poder” (CASTRO, 2004, p. 72), pois evidencia que nem todos têm acesso a recursos simbólicos e materiais importantes que a cidade oferta, recursos estes muitas vezes concentrados em regiões legitimadas, mais estruturadas e centrais da cidade. Assim, no caso desta pesquisa, enquanto algumas crianças evidenciaram uma multipolaridade territorial que as levou, de fato, à mobilidade como um capital -no sentido amplo do termo, como discutido anteriormente-, outras tiveram suas experiências espaciais menos estendidas e menos elásticas no território.

O bairro se apresentou, portanto, como uma parte importante do cotidiano de muitas crianças. Como um organismo vivo, ele ofereceu pari passu com família e escola, diferentes tipos de aprendizagens e, ao operar como um grande currículo -e como todo currículo é poder-, muitos bairros acabaram por produzir muito mais fraturas do que encontros em seu interior, reforçando ainda mais as desigualdades entre seus moradores.

O BAIRRO E A CIDADE: ESPAÇOS DE CONFINAMENTO DA INFÂNCIA OU DE POSSIBILIDADES?

A cidade historicamente veio mudando suas funções, mas, dentre as que permanecem, estão, sem dúvida, as de circulação de pessoas, informações, criatividade e cultura. E se a mobilidade é o que dá vida à cidade, como as crianças podem participar dessa vida, trancadas cada vez mais em espaços fechados e privados?

Na pesquisa, isso também ficou evidente de vários outros modos. Quando se perguntou sobre brincadeiras e outras atividades realizadas pelas crianças fora do horário escolar, as famílias marcaram, de forma geral, mais o item “Brincar em casa” e “Assistir TV” do que outros itens, o que demonstra um índice menor do uso do espaço para além dos muros de suas casas. Mas novamente há diferenças nas respostas entre regiões e mesmo dentro de um mesmo bairro. As famílias moradoras do norte-central registraram um índice maior de brincadeiras e de atividades ligadas ao “modo escolar de socialização” (VINCENT, LAHIRE e THIN, 2001), como ler, desenhar, estudar; e as do sul-extremo sul, um índice maior de atividades ligadas à tecnologia, como jogar videogame e assistir TV. Já sobre os dados intrabairros, observou-se que, enquanto as crianças do Perfil 3 apresentaram um índice um pouco maior para atividades como desenhar, assistir TV, jogar videogame, mas também jogar bola e brincar na rua -demonstrando que algumas dessas atividades se davam em locais abertos e menos controladas pelo universo adulto-, as do Perfil 1 foram as que mais indicaram andar de bicicleta, brincar em casa, estudar e ler, essas últimas mais enquadradas pelas famílias e mais próximas do modo escolar de socialização. O Perfil 2 se sobressaiu em ouvir música e utilizar equipamentos eletrônicos. Assim, já dentro de casa, há práticas diferentes entre os perfis que levam a uma maior desigualdade.

Quando se perguntou sobre as saídas das crianças pelo bairro com amigos ou sozinhas, os espaços de comércio foram os mais citados, destacando-se em primeiro lugar a ida à padaria, seguido do mercadinho e dos supermercados. E 79,33% das crianças iam sozinhas ou com amigos a pelo menos um lugar do bairro, mas menos de um terço delas ia até três lugares sozinhas. Caso se pense que uma criança que se sinta autônoma e segura no bairro poderia ir, por exemplo, a mais de três lugares do bairro, poucas seriam as crianças com esta possibilidade.

Já com relação aos dados intrabairros, observou-se que as crianças do Perfil 3, por um lado, foram as que mais citaram locais, confirmando um uso intenso da parte do bairro em que moravam, mas, por outro, algumas delas relataram problemas concretos de falta de segurança que impediam um uso ainda mais efetivo e estendido do bairro. As saídas estavam sempre relacionadas a uma série de negociações entre adultos e crianças. Na pesquisa qualitativa, as crianças contaram sobre divergências de opinião com os pais quanto à segurança do bairro e sobre as diversas tentativas (algumas com êxito) de sair dos olhos atentos deles em uma brincadeira na rua, ou para ir além da rua combinada, quando iam fazer alguma compra, mas, na maior parte das vezes, os próprios problemas de algumas regiões do bairro (brigas entre gangues, tiros perdidos, tráfico de drogas), mais relatadas pelas famílias e crianças do Perfil 3, ou os “boatos e relatos” (CERTEAU apudFERREIRA, FERREIRA e CABRERA, 2019) sobre o “homem do saco”, a “menina da mala”5, o motoqueiro rondando a escola, mencionados mais pelos outros dois perfis, serviam como impeditivo para muitas das saídas independentes.

Investigou-se ainda o uso que as crianças faziam de praças e parques do bairro de moradia como também sobre visitas a outros locais da cidade (museus, shoppings, cinemas e outros parques da cidade). Sobre os parques, é preciso destacar que, quando se fala de Curitiba, a primeira coisa que se lembra é da “capital ecológica”, uma cidade com mais de 60 m² de áreas verdes por habitante. Mas, ainda que existam áreas verdes de norte a sul da cidade, a quantidade de parques é bem maior na região norte-central, além de serem estes os parques mais bem equipados, com manutenção frequente e, muitos deles, participarem da rota de turismo da cidade.

Assim, as crianças da região norte-central, que contavam com parques no seu próprio bairro ou bem próximos dele, utilizavam bem mais tais espaços do que as do sul-extremo sul (até 100% no primeiro caso e até 60% no segundo). Outro dado preocupante é que justamente as famílias do sul-extremo sul é que, não tendo muitos parques nos bairros, mencionaram utilizar espaços pagos de lazer (piscina de bolinhas, pesque-pague). Com relação aos dados intrabairros, as famílias dos Perfis 1 e 2 disseram utilizar mais parques do que as do Perfil 3.

Com relação a visitas a outros parques da cidade (e não os do próprio bairro de moradia), as famílias que mais assinalaram frequentar foram, novamente, as do norte-central, coincidentemente os mesmos bairros que registraram índices altos na utilização de parques do bairro, o que demonstra que, para usar parques, na maior parte das vezes, é preciso morar próximo deles. E embora tenham sido as famílias do Perfil 1 as que mais disseram utilizar parques, quando se cruzou dados interbairros com intrabairros, ficou evidente que não basta estar em uma região do bairro do tipo Perfil 1 (central, mais valorizada), para utilizar parques. Caso se selecione, por exemplo, dois perfis 1 de duas regiões diferentes da cidade, um ao norte, o Pilarzinho (um dos bairros mais verdes da cidade), e outro ao sul, o Novo Mundo (um bairro de tipo “cinzento”6, que não conta com nenhum parque), e tendo tais bairros famílias com condições econômicas aproximadas7, verifica-se que, enquanto as famílias de Perfil 1 do bairro “verde” mencionaram 100% a visita a parques (e a 10 diferentes deles), as famílias de Perfil 1 do bairro “cinzento” mencionaram 64% (e 5 diferentes parques). Esse exemplo mostra nitidamente como a dimensão espacial joga papel importante nas experiências das crianças, ou seja, ainda que, com situação financeira semelhante, morar ao norte ou em região central acaba transformando o bairro em um recurso interessante para as crianças no que diz respeito a espaços verdes, sob a forma de parques.

Sobre esses parques situados ao norte-central da cidade, também outras coações podem entrar em jogo. Muitos desses parques, além de espaços verdes, contam também com museus e espaços culturais em seu interior, que acabam reforçando memórias e histórias de imigrantes brancos europeus (descendentes de alemães, italianos, poloneses, ucranianos, por exemplo), provocando poucas reflexões sobre a total constituição do povo curitibano e paranaense (estando ausentes, por exemplo, memórias e histórias indígenas e negras). E embora em 2010 tenha sido inaugurada, no extremo sul, uma praça em homenagem à cultura negra - a Praça Zumbi dos Palmares -, o que se quer argumentar é que, enquanto alguns parques contêm informações, espaços, objetos que contam histórias e guardam memórias de povos europeus ou asiáticos, este praticamente não é o caso dos povos negros e indígenas. O parque Tinguí, por exemplo, é um parque com nome indígena, tem a estátua do índio Tindiquera na entrada, mas a memória preservada na forma de uma igreja-museu, com direito a roupas, peças antigas, pêssankas (ovos pintados), é a da cultura ucraniana. Assim, da mesma forma que se defende a necessidade de incluir conhecimentos afro-brasileiros e indígenas na escola, o que é importante para “romper com uma tradição eurocêntrica de currículo” (DIAS, 2012, p.665), o mesmo deveria ser pensado em termos de um currículo de cidade. Desta forma, se, por um lado, as crianças dessas regiões centrais e norte têm acesso a mais parques, por outro, elas podem estar sendo convidadas mais insistentemente -por um currículo invisível da cidade- a se aproximar de um certo imaginário de curitibano (branco, de classe média, descendente de europeus) propagado por um projeto de cidade que não agrega todos os seus moradores (FERREIRA, 2008; 2020).

Outro dado importante é que também não basta morar na região norte e central para automaticamente utilizar parques, quando outras questões também impedem o seu uso. Nesse caso, uma análise intrabairros faz toda a diferença. Por exemplo, enquanto as famílias do Perfil 1 da região central da cidade citaram 72,4% de visita a parques (e a 12 diferentes deles), as famílias do Perfil 3 (da Vila Torres, uma ocupação antiga situada na região central da cidade), citaram apenas 24,1% de visitas e a 5 diferentes parques. Isso quer dizer que, se a criança morar na parte mais distante do bairro (longe das grandes avenidas e acesso a ônibus ou se a região, em especial, tiver relação com o tráfico de drogas, violência), isso pode ser um impeditivo para a sua utilização, ainda que o bairro esteja na região central ou norte. Aliado a isso, foram relatadas pelas crianças e famílias, dificuldades financeiras para as saídas, problemas de locomoção, as longas jornadas de trabalho dos pais, entre outras questões, e há ainda a hipótese de que as famílias não se reconheçam nesses lugares, em geral vinculados nas propagandas, novamente, a uma classe média ou alta, branca e portadora de um modus operandi relacionado ao consumo (roupa própria para caminhadas, bicicletas, rollers, bolas, cachorros e seus apetrechos etc.).

Assim, caso se agrupe os dados do Perfil 3 dos três bairros do norte-central, contra os seis do sul-extremo sul, respeitando-se obviamente a proporcionalidade, não se verifica grande diferença na utilização dos parques, nem os do próprio bairro (se houver), nem os da cidade. Ou seja, morar nas regiões mais distantes dos bairros ou em situação de vulnerabilidade social, tanto ao norte-central quanto ao sul-extremo sul, em geral, quase não altera a pouca utilização desses espaços. Já quando se analisa os perfis 1 agrupados desta mesma forma (os três bairros norte-central contra os seis ao sul-extremo sul), os dados demonstram um contraste grande e se verifica que a dimensão espacial se destaca. As famílias dos perfis 1 dos três bairros norte-centrais, reunidas, mencionaram, proporcionalmente, quase quatro vezes mais parques do bairro do que os seis do sul-extremo sul. Isso também aconteceu com a utilização dos parques da cidade, em que as famílias dos bairros norte-centrais citaram, proporcionalmente, quase o dobro de parques em relação às do sul-extremo sul.

Já sobre o uso das praças do bairro, de modo geral, somente 43,4% das famílias disseram que suas crianças utilizavam (um uso bem menor do que de parques), e muitas famílias disseram não utilizar, por problemas de segurança e porque esses locais eram utilizados, muitas vezes, para o tráfico de drogas. Assim, no geral, não se verificou diferença de uso entre os perfis, mas, novamente, quando se agrupou os dados dos Perfis 1 dos bairros do norte-central e se comparou com os do Perfil 1 do sul-extremo sul, esses últimos, apesar dos relatos de violência e de praças com pouca manutenção, ainda assim, usavam mais estes locais. E ocorreu da mesma forma quanto aos perfis 3 (os do sul-extremo sul utilizando quase seis vezes mais). Isso quer dizer que as crianças moradoras de bairros ao sul-extremo sul, independentemente de serem do Perfil 1 ou 3, e contando com bem menos parques à sua disposição, capitalizavam como podiam as praças que tinham em seus bairros.

Sobre a visita a shoppings, de modo geral, 72,9% das famílias disseram que as crianças costumavam utilizar, sendo o maior índice de frequência mencionado (maior que os 63,6% de frequência a parques da cidade ou dos 50,2% a parques do bairro). As crianças que mais utilizaram foram as do Novo Mundo e do Boqueirão, ao sul; e as de Santa Felicidade, ao norte, bairros estes que contam com shoppings ou que estes se situam em bairros próximos. Sobre os dados intrabairros, o Perfil 1 foi o que mais disse frequentar (79,7% contra 64,4% do Perfil 3). O uso dos shoppings, principalmente pelas famílias e crianças do sul (Novo Mundo com 85,3% contra, por exemplo, Pilarzinho, ao norte, com 57,7%), provoca a reflexão do quanto estas crianças do sul (mas não as do extremo sul), não tendo quase parques e outros espaços de lazer à disposição, podem acabar sendo cooptadas para um tipo de socialização em espaços privados, de arquitetura repetitiva, diáfana e que conduz à pouca diversidade (o que os espaços públicos, por natureza, tendem a proporcionar). Percebe-se que, onde os espaços públicos se fazem ausentes, os privados avançam. Neste sentido, quando se fala que as crianças têm direito à cidade, é no sentido deste direito estar atrelado a uma "cultura pública", pois, se não for assim, "se torna suscetível, impossível de ser efetivamente (e culturalmente) praticado" (TAVARES, 2020, p. 170). Outra questão importante é que determinados shoppings são utilizados por crianças moradoras de determinadas regiões (por exemplo, o Shopping Barigui pelas crianças da região norte e o shopping Palladium pelas crianças do sul), o que pode provocar a que se pense em um certo “escapismo físico” (CASTELLS, 2009) por parte de famílias de classe média e alta, uma não mistura social com crianças de classes populares, inclusive, com um índice maior de crianças negras.

Já com relação à ida ao cinema, de modo geral, 64,4% das famílias disseram frequentar. As crianças do bairro Xaxim, ao sul (que contam com o “shoppinho”, um shopping pequeno que oferece cinema a preços baixos) e as do norte-central foram as que mais disseram frequentar e, entre os perfis, as famílias do Perfil 1 foram as que mais frequentaram (71,8 % contra 51,7% do Perfil 3). Quando se cruza dados interbairros com os intrabairros, o padrão, Perfil 1 do norte-central frequentando mais, repete-se.

Sobre os museus, é preciso que se diga que Curitiba tem vários deles, a maioria situados na região norte e principalmente na central. Assim, de modo geral, 50,6 % das famílias disseram que suas crianças visitavam, um dos menores índices de frequência a espaços da cidade e, quanto a uma análise interbairros, os números foram os mais díspares entre os locais pesquisados (em torno de 80% de frequência na região norte-central contra apenas 10% no sul-extremo sul). Entre os perfis, o Perfil 1 foi o que mais frequentou, mas, a título de exemplo dessa ampla disparidade, enquanto 55,1% das famílias de Perfil 1 do bairro central citaram nomes de museus (considerando pelo menos uma citação feita) e mencionaram 8 diferentes locais, apenas 2,4% das famílias do Perfil 1 do extremo sul citaram nomes de museus, e apenas um deles foi mencionado (Museu Oscar Niemeyer). E quando se cruza os dados interbairros com os intrabairros, os dados mostram uma desigualdade ainda maior, mas, novamente, somente com relação ao Perfil 1. As famílias de Perfil 1 dos bairros do sul-extremo sul citaram metade de museus em relação às do norte-central. Já o mesmo não ocorreu com relação às famílias de Perfil 3. Estas, independentemente de morarem em bairros do norte-central ou do sul-extremo sul, acabaram por quase não citar museus, o que faz com que se pense que, para famílias dessas regiões -ainda que morem mais próximas desse espaço tão hermético (por exemplo, as famílias da Vila Torres que moram relativamente próximas do Museu Oscar Niemeyer) - outras questões podem estar em jogo, como, novamente, não se reconhecerem nestes espaços que não valorizam as suas culturas. Porto, Moraes e Carvalho (2021) também observaram questões como estas quando analisaram o ponto de vista de crianças que visitaram algumas vezes o Museu Regional de São João Del-Rei em Minas Gerais:

Talvez por causa da imponência e pelas peças expostas, geralmente objetos legados pelas elites, as crianças sentiam que o museu tinha como referência extratos sociais diferentes dos seus. Tal constatação dificulta que seja criado um sentimento de identidade entre as crianças e o museu, evidenciando que a instituição é direcionada aos outros, às 'pessoas importantes' (PORTO, MORAES e CARVALHO, 2021, p. 344).

Por outro lado, sobre a prática de visita a museus, teatros e concertos, hoje “parece excessivo dizer que são um símbolo da cultura ‘dominante’ na medida em que são minoritárias em todo o lugar, inclusive entre os membros das classes dominantes” (ETHIS e PEDLER, 1999; LAHIRE, 2004; apudCOULANGEON, 2014, p. 136), mesmo que elas ainda possam ser utilizadas com uma lógica “ostentória” (VEBLEN apudCOULANGEON, 2014, p. 20) ou de “distinção” (BOURDIEU apud COULANGEON, 2014, p. 21) por determinadas classes sociais. De qualquer forma, no caso desta pesquisa, estas grandes diferenças de uso ainda parecem estar dizendo alguma coisa sobre disputas, tensões e pressões raciais e de classe.

Resumidamente, do que foi visto nesta seção, ficou evidente que as crianças de Perfil 1 (e em alguns casos do Perfil 2) realizaram atividades socializadoras mais próximas da lógica escolar, brincadeiras e vivências mais controladas pelos pais e uma menor utilização do bairro, mas, em compensação, maior da cidade. Já com as crianças do Perfil 3, ocorreu o contrário, tiveram mais experiências no bairro e menos na cidade e realizaram algumas atividades e brincadeiras mais livres. E, caso morassem em regiões mais afastadas do bairro, mas também na parte sul-extremo sul da cidade, as crianças teriam diminuídas ainda mais as oportunidades de utilizar uma variedade de instituições e espaços de lazer e cultura e, também, em espaços seguros para tal (como no caso das praças).

Assim, por um lado, a cidade não distribui da mesma forma os espaços culturais e de lazer entre os bairros nem facilita o deslocamento e acessibilidade até eles (valor das passagens para todos da família; ingressos; alimentação, uma vez que as famílias levam horas para chegar até tais locais e depois, para retornar a suas casas). Por outro lado, a cidade parece manter inalteradas instituições e locais que divulgam uma cultura pouco reconhecida pelas crianças e famílias negras e das periferias.

Ainda sobre as diferenças entre os bairros da cidade, mesmo que se possa pensar que os centrais e do norte são de constituição muito antiga e que é por isso que contam com muitos desses espaços de lazer e cultura, os bairros ao sudoeste e sudeste e os do sul são também bairros antigos, mas, depois de décadas, ainda não contam nem com a quantidade nem com a qualidade desses espaços. Já no extremo sul, a situação é ainda muito pior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi visto neste texto que há concentração geográfica de determinados parques e espaços consolidados de lazer e cultura no centro e no norte da cidade, como também em regiões centrais de determinados bairros, fazendo com que o “efeito residência” gere oportunidades para crianças moradoras próximas desses locais e colocando, em um outro extremo, as que habitam em regiões distantes e periféricas. Desta forma, o bairro, que demonstrou ser um campo de possibilidades para algumas crianças, para outras, significou restrição.

Verificou-se também que as crianças, de modo geral, estavam cada vez mais isoladas em suas casas. Mas, das que saíam para realizar alguma atividade extracurricular, as de Perfil 1 utilizavam mais os espaços privados, e as de Perfil 3, mais ONGs e associações, demonstrando, de qualquer forma, um infeliz recuo delas dos espaços públicos que são promotores, por natureza, da diversidade de pessoas e da circulação de ideias.

Sobre a mobilidade espacial, também foi observado que, para algumas crianças, ela era intensa e gerava um importante capital que alavancava experiências diversificadas, já para outras, significou um recurso urbano escasso. E caso se considere que a possibilidade de mobilidade é uma das condições de participação no meio urbano (REMY e VOYE apudKAUFMANN, 2008, p. 66), nem todas as crianças e suas famílias tiveram essa participação garantida. Assim, interseccionando desigualdades espaciais relacionadas às crianças que moravam na parte mais afastada ou desvalorizada do bairro e na parte sul e extremo sul da cidade, com questões de raça, classe e gênero, constatou-se que, no caso das meninas, e das meninas negras moradoras desses locais empobrecidos, a desigualdade e a desigualdade na mobilidade espacial se tornavam ainda maior.

Percebeu-se ainda que não houve uma mistura social entre as crianças moradoras de diferentes partes de um mesmo bairro. O uso do comércio era diferenciado e foi assim, também quanto ao uso dos diferentes shoppings e cinemas. Elas também não iam da mesma forma para a escola (umas iam a pé, outras de carro) e, também, não iam para as mesmas instituições (umas iam para escolas próximas de suas residências, outras, para escolas mais distantes e, quem sabe, mais requisitadas). Assim, as práticas das diferentes crianças de um mesmo bairro não se apresentaram apenas diferentes, mas desiguais.

Conclui-se, portanto, que frente às interdependências já existentes entre as crianças, geradoras de desigualdade quanto à classe, raça, gênero e nível de escolaridade das famílias, fundiram-se outras, relacionadas ao espaço. A cidade apresentou-se injusta, pois produziu desigualdades de oportunidades no que diz respeito aos espaços que ofereceu a suas crianças.

Assim, certas regiões do bairro e da cidade se mostraram como verdadeiros “espaços de subordinação” (CASTELLS, 2009) em que as crianças estavam sedentarizadas (VIARD, 2011), imóveis e mais expostas à violência. Por outro lado, havia regiões em que as crianças podiam se deslocar com maior facilidade e ter diferentes experiências no bairro e mesmo fora dele. E havia outros lugares ainda aos quais talvez, mesmo que pudessem ir, não se reconheciam como um espaço identitário.

Enfim, segue-se trabalhando com outros dados da pesquisa e já se sabe que, quando se põe em relação esses dados quantitativos com os qualitativos, várias nuances relativizam um pouco essas generalizações, mas também se compreende que é quando mais se integra o conhecimento sobre as configurações das crianças em contextos urbanos. É mergulhando, portanto, no fluxo da vida cotidiana das próprias crianças, que se observa, por exemplo, como as questões discutidas até aqui se cruzam com propriedades específicas delas e de suas famílias. Nesse mergulho, o espaço mostra-se mais imprevisível e o tempo é usado por elas de forma muito mais criativa.

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1Primeiramente foi solicitado à Secretaria Municipal de Educação de Curitiba uma autorização para entrar em contato com as escolas e perguntar às diretoras se estas gostariam de participar da pesquisa. Em um segundo momento, foi explicado a todos os sujeitos envolvidos (professoras, famílias e crianças) sobre a natureza e os objetivos da pesquisa e perguntado se gostariam de participar da pesquisa. E a todo o momento se conversou também com as crianças sobre a possibilidade de que, se não estivessem mais querendo participar, poderiam parar a conversa, o desenho etc.

2Sobre a escolha dos bairros e das escolas, na maioria dos casos (7 de 9) foram encontradas três escolas em um mesmo bairro, mantendo os critérios pré-estabelecidos (escolas regulares com 4ᵒˢ ou 5ᵒˢ anos no período da manhã), mas, em dois casos, precisou-se abranger 2 ou até 3 bairros próximos dentro de uma mesma regional (foi o caso da regional Matriz, geograficamente pequena, e de Santa Felicidade, tendo escolas escolhidas na divisa ou na triangulação de dois ou três bairros).

3Em um primeiro momento, escolheu-se as escolas pelas impressões gerais que as pesquisadoras tinham do bairro (local mais central, local mais afastado, região de grande pobreza), mas, na sequência, verificou-se que tais localizações no bairro, também se encontravam coerentes com os índices socioeconômicos da UDH (Unidades de Desenvolvimento Humano) correspondente a cada parte do bairro. Para as análises intrabairros (a partir dos perfis), foram eliminados da tabulação dos dados os questionários de crianças que não moravam no próprio bairro da escola ou muito próximo dele.

4Optou-se por agrupar, na análise dos dados, os bairros Uberaba no Cajuru (sudeste) e Vila Nossa Senhora da Luz, na CIC (sudoeste) com outros bairros situados ao sul, quando se quis analisar os dados da cidade em duas grandes regiões, sendo que essa separação só foi possível porque, como se verá neste artigo, os dados eram bem próximos em cada uma dessas grandes regiões e bem diferentes entre esses dois polos (aqui nomeados, para facilitar, como: região norte-central, por um lado, e sul-extremo sul, por outro). E ainda, sobre a região norte, como não se trabalhou com bairros da borda da cidade (a exceção do perfil 3 do Boa Vista), os dados se aproximaram dos dados dos bairros centrais, mas é preciso considerar que estudos específicos sobre crianças da região norte moradoras mais próximas da região metropolitana da cidade demonstraram realidades difíceis também nessas regiões (ver, por exemplo, FONSECA, 2018).

5Caso de uma menina que, em 2008, foi abordada no caminho da escola, morta, colocada em uma mala e deixada na rodoviária da cidade; o caso voltou a ganhar visibilidade em 2019, com a prisão do assassino.

6 Tsoukala (2007) utilizou a expressão “zones grisés” (zonas cinzentas) para se referir às zonas periféricas das cidades contemporâneas. Já Fernandes (2016), analisando as imagens de satélite do bairro Uberaba, utilizou a expressão “zona cinzenta” em relação às regiões menos arborizadas e às telhas de fibrocimento, frequentemente utilizadas na construção de casas populares, contrapondo-se à “zona verde” do bairro, mais arborizada.

7Embora haja distinção de renda per capita entre os bairros do norte e do sul, como comentado no início do texto, foram encontradas aproximações de renda entre alguns bairros do norte e do sul, o que possibilitou, neste caso, essa comparação entre salários similares e usos dos parques.

Recebido: 22 de Abril de 2022; Aceito: 19 de Setembro de 2022

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