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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 06-Nov-2023

https://doi.org/10.1590/0102-469841747 

Artigos

SOBRE METODOLOGIA E MÉTODOS PARA ANÁLISE DA INTERAÇÃO DISCURSIVA EM SALA DE AULA: UMA DISCUSSÃO ENTRE ABORDAGENS QUANTITATIVA E QUALITATIVA 1

SOBRE METODOLOGÍA Y MÉTODOS PARA EL ANÁLISIS DE LA INTERACCIÓN DISCURSIVA EN EL AULA: UNA DISCUSIÓN ENTRE LOS ENFOQUES CUANTITATIVO Y CUALITATIVO

1 Universidade de Cambridge, Cambridge, Reino Unido


RESUMO:

Esse artigo apresenta um trabalho teórico cujo objetivo é a discussão de metodologias e métodos para a pesquisa educacional, em particular aquelas que analisam as interações discursivas que ocorrem em sala de aula. A primeira parte discorre sobre os dois principais paradigmas de pesquisa e suas bases ontológicas e epistemológicas: o positivismo e o interpretivismo. A seguir, dois métodos para análise das interações discursivas são apresentados e discutidos, um para cada paradigma. A codificação sistemática - dentro do contexto quantitativo - é indicada para tratar dados provenientes de grandes amostras, para a descrição de padrões gerais e, ao transformar o discurso em variáveis, poder ser utilizada para comparações estatísticas entre grupos ou análises temporais. O método é aplicado em um conjunto de 42 episódios de diálogo em grupo e os resultados discutidos à luz da natureza das perguntas de pesquisa, mostrando-se quais tipos de testes estatísticos podem ser realizados. Dentro do paradigma interpretivista, apresenta-se a análise do discurso sociocultural para exemplo de método qualitativo. O método é aplicado a trechos de diálogos de sala de aula em que o resultado é a identificação de tipologias que descrevem as formas em que professor e alunos constroem explicações científicas. Na parte final do trabalho, as possibilidades e limites de cada método são discutidas e na conclusão se defende a tese de que ambos são complementares para o avanço do conhecimento no campo educacional.

Palavras-chave: interações discursivas; metodologia; paradigmas de pesquisa; codificação sistemática; análise do discurso sociocultural

RESUMEN:

Este artículo presenta un trabajo teórico cuyo objetivo es la discusión de metodologías y métodos para la investigación educativa, en particular aquellos que analizan las interacciones discursivas que ocurren en el aula. La primera parte discute los dos principales paradigmas de investigación y sus bases ‎ontológicas y epistemológicas: el positivismo y el interpretativismo. A continuación, se presentan y discuten dos métodos para analizar interacciones discursivas, uno para cada paradigma. La codificación sistemática -dentro del contexto cuantitativo- está indicada para tratar datos de grandes muestras, describir patrones generales y, al transformar el discurso en variables, puede utilizarse para comparaciones estadísticas entre grupos o análisis temporales. El método se aplica a un conjunto de 42 episodios de diálogo grupal y los resultados se discuten a la luz de la naturaleza de las preguntas de investigación, mostrando qué tipos de pruebas estadísticas se pueden realizar. Dentro del paradigma interpretativo, el análisis del discurso sociocultural se presenta como un ejemplo de método cualitativo. El método se aplica a extractos de diálogos de aula en los que el resultado es la identificación de tipologías que describen las formas en que el profesor y los estudiantes construyen explicaciones científicas. En la parte final del trabajo se discuten las posibilidades y límites de cada método y en la conclusión se defiende la tesis de que ambos son complementarios para el avance del conocimiento en el campo educativo.‎

Palabras clave: interacciones discursivas; metodología; paradigmas de investigación; codificación sistemática; análisis del discurso sociocultural

ABSTRACT:

This article presents a theoretical work aiming to discuss methodologies and methods in educational research, particularly those that analyse classroom discursive interactions. The first part examines the two main research paradigms and their ontological and epistemological bases: positivism and interpretivism. Next, two methods for analysing discursive interactions are presented and discussed, one for each paradigm. Systematic coding - within the quantitative context - is indicated to treat data from large samples, to describe general patterns, and to statistical comparisons or temporal analyses by transforming the discourse into variables. The method is applied in a set of 42 episodes of group dialogue. The results are discussed in light of the nature of the research questions, showing what types of statistical tests can be performed. Within the interpretivist paradigm, sociocultural discourse analysis is presented as an example of a qualitative method applied to excerpts from classroom dialogues. The main finding is the identification of typologies that describe how teachers and students construct scientific explanations. The final part discusses some possibilities and limits of each method. The conclusion defends that both are complementary for advancing knowledge in the educational field.

Keywords: discursive interactions; methodology; research paradigms; systematic coding,‎ sociocultural discourse analysis‎

INTRODUÇÃO

Muitas pesquisas têm se concentrado no papel da linguagem e da interação discursiva no processo de construção do conhecimento em ambientes de sala de aula (Howe & Mercer, 2007; Mercer et al., 2020; Resnick et al., 2015; Schwarz & Baker, 2016 ). Nos últimos 40 anos, este campo de pesquisa floresceu sob termos abrangentes tais como ‎‎'diálogo em sala de aula' ou 'ensino dialógico' (Kim & Wilkinson, 2019; Mercer & Dawes, 2014), encapsulando estudos que visam usar efetivamente interações discursivas no contexto de ensino (Alexander, 2008). Essa postura no campo educacional tem sido chamada de “virada dialógica”, enfatizando a voz, a agência e a participação dos alunos na coconstrução do conhecimento (Wilkinson & Son, 2011).

O estudo de Flanders (1970) foi provavelmente o primeiro em grande escala sobre o diálogo em sala de aula, que descreveu a regra dos dois terços; isto é, nas aulas regulares, dois terços do tempo são preenchidos por conversações; dois terços desta conversação são do professor, e dois terços desta conversa são palestras. Outra descoberta relevante está enquadrada no discurso triádico: iniciação, resposta e feedback ou avaliação (Mehan, 1979; Sinclair & Coulthard, 1975). Este padrão é possivelmente a característica mais comum na sala de aula e pode ser responsável por até 70% de todas as interações professor-aluno (Cazden, 1988; Nassaji & Wells, 2000; Wells, 1993). Apesar de muitos estudos realizados em países anglo-saxões, este padrão é reconhecido mundialmente (Alexander, 2001).‎

A pesquisa intervencionista investigou e identificou formas de interações aprimoradas entre professor e aluno que apoiam o ensino e a aprendizagem (por exemplo, Mercer, 2002). Talvez a principal conclusão seja que as formas de falar têm implicações profundas no que é disponibilizado para aprender (Howe & Mercer, 2007; Kelly, 2014; Lemke, 2001); “a qualidade da aprendizagem dos alunos está intimamente ligada à qualidade do discurso em sala de aula” (Nystrand, 1997, p. 29).

Recentemente, foram publicados livros de revisão sobre métodos de análise do diálogo em sala de aula (Kershner, Hennessy, et al., 2020; Kumpulainen et al., 2009; Märtsin, 2012). ‎Contribuindo para esse campo de pesquisa proliferante, este artigo tem como objetivo refletir sobre as metodologias e métodos de análise da interação discursiva em sala de aula. Contudo, em vez de partirmos diretamente para os métodos analíticos, oferecemos primeiro uma ampla discussão metodológica a partir de paradigmas de pesquisa que consideram elementos como epistemologia e ontologia. A segunda parte deste artigo apresenta métodos e procedimentos para análise discursiva de dados em duas vertentes: abordagens quantitativas e qualitativas. Ambos os métodos são discutidos e ilustrados com base em exemplos de pesquisas anteriores.

PARADIGMA DE PESQUISA: UM RELACIONAMENTO ÚNICO

Uma visão usual relaciona a metodologia com a seleção de métodos (técnicas) para um estudo e sua aplicação na análise de dados. No entanto, uma noção muito mais abrangente de metodologia compreende o apego do pesquisador a diferentes tradições epistemológicas e teóricas que influenciam não apenas a seleção de métodos, mas também o enquadramento das questões de pesquisa e o design (Mercer et al., 2004; Taber, 2012, 2013; Treagust et al., 2014).

Crotty (1998) argumenta que uma conceituação de pesquisa deve envolver quatro elementos: epistemologia, perspectiva teórica, metodologia e métodos. Taber (2013) considera elementos semelhantes ao se referir a pressupostos ontológicos e epistemológicos na pesquisa: perspectiva teórica, metodologia, desenho da pesquisa e emprego coerente de técnicas de aquisição e análise de dados.

Esses elementos criam em conjunto o que muitas vezes é chamado de paradigma de pesquisa, uma visão de mundo ou crença básica que define o valor da pesquisa e orienta o investigador na escolha de métodos e alguns pressupostos fundamentais (Guba & Lincoln, 1994; Treagust et al., 2014). Em outras palavras, o paradigma de pesquisa é visto como um ‘ponto de referência’, ‘visão’ ou ‘filosofia’ que amalgama crenças, valores e metodologias de pesquisa (Taber, 2013; Treagust et al., 2014). Na prática, os paradigmas são a forma como os investigadores pensam e dão sentido ao seu estudo.

Diferentes paradigmas podem empregar aspectos muito contrastantes, principalmente quando se consideram as duas perspectivas mais amplas. O primeiro paradigma é positivista, nomotético e confirmatório, o que significa que trata do conhecimento definitivo e objetivo, busca padrões ou leis gerais e testa hipóteses. A suposição subjacente é que “é possível relatar a verdade inequívoca, em termos de fenómenos observáveis e fatos verificados” (Taber, 2013, p. 49). Guba e Lincoln (1994) salientaram que esta abordagem está fundamentada na ontologia realista e na epistemologia objetivista. A ontologia realista implica que “supõe-se que existe uma realidade apreensível, impulsionada por leis e mecanismos naturais imutáveis” (p. 109). Em contraste, a epistemologia objetivista assume que “o investigador e o 'objeto' investigado são considerados entidades independentes, e o investigador é capaz de estudar o objeto sem influenciá-lo ou ser influenciado por ele” (pág. 110). Esta abordagem das ciências sociais é considerada objetivista e determinista porque vê os seres humanos como produtos do ambiente e como respostas a ele (Cohen et al., 2007).

Mais detalhadamente, a pesquisa positivista “busca a objetividade, a mensurabilidade, a previsibilidade, a controlabilidade, a padronização, a construção de leis e regras de comportamento” e busca explicações causais para produzir afirmações (Cohen et al., 2007, p. 26; Treagust et al. ., 2014). Neste contexto, os métodos quantitativos estão mais alinhados com esta perspectiva, tentando captar a realidade social através de categorias e medidas pré-concebidas e fornecendo explicações de efeitos causais.

O segundo paradigma é interpretativista, ideográfico e envolve descoberta. Como o conhecimento (ou a natureza) é visto como uma interpretação humana inerentemente subjetiva, este paradigma centra-se em casos específicos e contextuais. Trata dos “significados que os participantes das situações educativas dão àquilo que vivenciam” (Taber, 2013, p. 52). Os investigadores sob este paradigma acreditam que os significados não são pré-dados, mas co-criados através da interação. Portanto, podem envolver-se com os participantes em atividades e procurar os seus pontos de vista (Treagust et al., 2014). Guba e Lincoln (1994) afirmaram que esta abordagem se baseia numa ontologia relativista e numa epistemologia subjetivista. A ontologia relativista concebe que “as realidades são apreensíveis na forma de construções mentais múltiplas e intangíveis, baseadas social e experiencialmente” (p. 110). Em contraste, uma epistemologia subjectivista denota que “supõe-se que o investigador e o objeto de investigação estão interativamente ligados, de modo que as ‘descobertas’ são criadas à medida que a investigação avança” (p. 111). Nessa abordagem, os seres humanos são vistos como agentes de suas próprias ações e produtores de seu próprio ambiente. Por isso, essa perspectiva é considerada subjetivista e voluntarista (Cohen et al., 2007).

Deste modo, os investigadores interpretativos “esforçam-se para compreender e interpretar o mundo em termos dos seus atores” (Cohen et al., 2007, p. 26) e enquadrar o significado situado da experiência humana (Treagust et al., 2014). Empregando principalmente métodos qualitativos, tal tradição interpreta situações sociais ao construir significados a partir dos dados.

Há críticas sobre ambos os paradigmas. Os investigadores positivistas podem ser vistos como superficiais e limitantes, pois não compreendem as contradições internas e assumem que as mesmas descobertas ou soluções podem ser aplicadas em todos os contextos (Taber, 2013). Ao mesmo tempo, os estudos interpretativistas têm sido por vezes criticados por serem anedóticos ou não metodicamente rigorosos, resultando numa falta de generalização ou escalabilidade.

Segundo o exposto acima, alguns investigadores consideram a teoria crítica um terceiro paradigma de investigação (Cohen et al., 2007; Guba & Lincoln, 1994; Treagust et al., 2014). Os investigadores que seguem esta tradição enfatizam as posições políticas e ideológicas na interação humana, argumentando que o poder e a desigualdade moldam e forjam a forma como os humanos vivem, comportam-se e percebem a realidade (Cohen et al., 2007).

A existência de muitos paradigmas de investigação pode não ser um problema em si, especialmente na investigação educacional. Treagust et al. (2014) defendem que esta diversidade promove a construção de um conhecimento mais equilibrado e de um esforço mais amplo. Na mesma posição, Taber (2013) reconhece que qualquer paradigma tem pontos fortes e limitações. Assim, qualquer um deles pode produzir conhecimento valioso e ser empregado de forma complementar.

Neste ponto, pelo menos três aspectos devem ser considerados na adoção de um paradigma de pesquisa. Primeiro, deve fornecer um relato consistente e coerente em todas as etapas do estudo (Taber, 2013, p. 55). Em segundo lugar, diferentes paradigmas têm diferentes propósitos e métodos que devem levar a resultados diferentes (p. 68). Terceiro e último, qualquer estudo refere-se a um paradigma. Se não estiver explícito, está implícito na forma como as questões de investigação são enquadradas e abordadas (p. 68). Estas preocupações destacam a importância de pensar cuidadosamente sobre a relação entre os objectivos da investigação e os métodos mais apropriados para os encontrar.

Todos os paradigmas podem ser aplicados e gerar novos conhecimentos ao analisar a interação em sala de aula. Por exemplo, a abordagem positivista exige a simplificação das práticas sociais para tornar a investigação gerível, geralmente selecionando um conjunto de variáveis de diálogo e controlando outras relacionadas com os resultados da aprendizagem (Asterhan et al., 2020). Este método permite-nos afirmar algo sobre como o ensino dialógico afeta a aprendizagem dos alunos. Por outro lado, o paradigma interpretativista pode fornecer um quadro mais matizado sobre a dinâmica do diálogo através, por exemplo, de estudos de caso etnográficos que ampliam o contexto cultural do ambiente de sala de aula (Asterhan et al., 2020). No entanto, como afirmado acima, são necessários métodos diferentes para cada paradigma ao abordar questões de investigação de diferentes naturezas. Finalmente, este é precisamente o objetivo deste documento de discussão.

As próximas seções estão divididas em métodos quantitativos ou qualitativos para fins didáticos. ‎Para cada um deles, há uma breve apresentação de um procedimento analítico e sua aplicação a dados discursivos reais de sala de aula de um projeto anterior.‎ As questões e resultados da pesquisa são apresentados aqui como um modelo exemplar de operacionalização de paradigmas e métodos. Portanto, o objetivo não é discutir os novos conhecimentos sobre o ensino dialógico gerados a partir desses dados.

MÉTODOS DE ANÁLISE DISCURSIVA DE DADOS: UMA COMPARAÇÃO QUANTITATIVA E QUALITATIVA

Primeiro, analisar a interação discursiva é um exercício inerentemente subjetivo de construção de significado a partir dos pensamentos e vozes de outros, que são limitados e afetados por contextos sociais, culturais e situados. Tal processo analítico envolve muitas interpretações relacionadas à reflexividade; os pesquisadores trazem seus próprios preconceitos, interesses, viés, agenda, entre outros (Cohen et al., 2007).

Os investigadores também discutiram tensões concorrentes entre abordagens dedutivas e indutivas na análise de dados (Evans, 2013; Taber, 2013). Enquanto o primeiro procura evidências sobre temas pré-estabelecidos, o que sem dúvida orienta a análise, o segundo decorre de uma pesquisa de mente aberta, gera temas a partir dos dados e utiliza-os como ferramenta analítica (Evans, 2013). Em outras palavras, a análise pode ser extraída do quadro conceitual ou fundamentada em dados (Taber, 2013). No entanto, ambos os casos envolvem instâncias de criação de categorias, agrupamento delas sob títulos de ordem superior e formulação de uma descrição geral do tema de investigação (Elo & Kyngäs, 2008).

Apesar de existirem muitas abordagens para analisar dados discursivos e interação, pode-se argumentar que todas elas assumem que o pesquisador deve “refletir sobre eles [dados] repetidamente e longamente, ser ‎capaz de fragmentá-los e manipulá-los na busca por padrões e significados subjacentes” ‎‎(Evans, 2013, p. 158). A extensão em que os dados estão fragmentados pode definir a utilização de métodos quantitativos ou qualitativos. Ao analisar a interação discursiva, na maioria dos casos, há um momento em que o pesquisador irá categorizar ou ‘codificar’ um enunciado, um turno de fala ou um episódio (Hennessy et al., 2020).

Abaixo, dois exemplos são fornecidos. O primeiro ilustra uma análise quantitativa do diálogo em pequenos grupos durante sete tarefas diferentes. A segunda é uma análise qualitativa realizada em episódios de ensino para toda a turma sobre evaporação.

Abordagem quantitativa dos dados discursivos: codificação sistemática

Nesta seção, nos concentramos no método de codificação sistemática, pois é o mais popular entre os pesquisadores e examina a interação como um sistema de troca de turnos e categoriza cada um deles. Dentro desse método, o processo analítico dos dados discursivos envolve a redução dos dados marcando pontos relevantes para o estudo. Este procedimento é frequentemente chamado de 'codificação' e permite ao pesquisador “organizar e estruturar os dados” enquanto traduz “dados brutos em referências conceituais específicas” e então “identificar links para as diferentes categorias” (Evans, 2013, pp. 158 -159). A objetividade é um aspecto fundamental da codificação sistemática, pois abrange o desenvolvimento de um esquema que precisa ser inequívoco; isto é, os critérios de codificação devem ser suficientemente claros para que diferentes observadores atribuam o mesmo código/categoria para a unidade discursiva (Galton et al., 1980). Frequentemente, os códigos vêm de uma estrutura teórica ou de pesquisas anteriores. Nesse caso, esta pesquisa pode ser rotulada como um 'modelo', uma vez que a estrutura analítica é informada pela perspectiva teórica “para o analista saber exatamente o que procura nos dados desde o início” (Robson, 2002; Taber, 2013, p. 293).

Quando as ocorrências dos códigos são contadas, tal método fornece uma visão ampla da amostra de dados e estabelece padrões dentro e entre eventos (Snell & Lefstein, 2011). Contudo, esta técnica não está isenta de problemas, pois há uma tendência à fragmentação dos dados e à perda de contexto ou outros significados não captados nos códigos (Cohen et al., 2007). ‎Portanto, a codificação sistemática pode ser considerada reducionista (Mercer et al., 2004; Snell & Lefstein, 2011). A subdivisão seguinte mostra um exemplo dos tipos de questões de investigação e resultados que a codificação sistemática pode fornecer.

MATERIAL E MÉTODO

Na pesquisa relatada por Lago (2022), havia três questões sobre a interação trabalho em grupo: 1) Como pode ser caracterizado o diálogo em pequenos grupos em uma escola primária brasileira?, 2) Como o diálogo mudou ao longo da intervenção?, e 3) Os grupos se tornaram mais dialógicos? Para contextualizar, o projeto de pesquisa baseou-se num programa de desenvolvimento profissional de professores para promover o diálogo dialógico no trabalho em pequenos grupos e no ensino para toda a turma.

No total, 42 episódios de conversas em grupo foram gravados, transcritos e analisados. Devido ao tamanho da amostra e à natureza das questões, uma análise quantitativa seria a abordagem mais razoável para encontrar o padrão geral da interação discursiva que emergiu nos grupos e como tal padrão potencialmente mudou ao longo do tempo.

Um esquema de codificação foi elaborado com base em trabalhos anteriores da literatura e compreendia um conjunto de dez códigos relevantes para a conversa dialógica em sala de aula no nível do enunciado. O esquema resultante contou com dez categorias divididas em três contextos: conteúdo, tarefa e fora de assunto, que discriminam o teor do enunciado. Ou seja, os códigos podem ser organizados para distinguir se o enunciado está relacionado ao conteúdo proposto na tarefa (tema em discussão); se estiver relacionado com procedimentos da tarefas ou gestão de turmas; ou, em finalmente, se estiver fora do assunto, fala sem foco no conteúdo nem na tarefa (Quadro 1).

Quadro 1 Esquema de codificação composto por dez códigos: descrição e exemplos (Os números na primeira coluna são as pontuações Kappa de Cohen da confiabilidade entre avaliadores). 

Os enunciados relacionados ao conteúdo da tarefa foram classificados quanto às suas funções discursivas inspiradas no padrão IRF e com base nas características dialógicas que descrevem a fala produtiva (Howe et al., 2019). Esse processo gerou seis códigos, dois para cada movimento do discurso triádico: convite ‎‎(CONV), convite dialógico (D_CONV), contribuição (CON), contribuição dialógica (D_CON), ‎acompanhamento (ACO) e avaliação dialógica (D_AVA). Essa distinção foi feita apenas para enunciados de conteúdo porque eles são o meio no qual acontecem a construção do conhecimento e a aprendizagem conceitual.‎

O termo 'dialógico' tenta enquadrar as declarações nas quais os participantes fazem contribuições significativas, levando ideias adiante, considerando criticamente as perspectivas dos outros na construção coletiva do conhecimento (Kershner, Dowdall et al., 2020; Mercer, 2003). Dado o interesse, o envolvimento na conversa dialógica foi operacionalizado por ocorrências relativamente frequentes dos três códigos dialógicos. ‎

O termo 'dialógico' tenta enquadrar as declarações nas quais os participantes fazem contribuições significativas, levando ideias adiante, considerando criticamente as perspectivas dos outros na construção coletiva do conhecimento (Kershner, Dowdall et al., 2020; Mercer, 2003). Dado o interesse, o envolvimento na conversa dialógica foi operacionalizado por ocorrências relativamente frequentes dos três códigos dialógicos. ‎

Este tipo de codificação positivista pressupõe que os códigos podem capturar componentes ou características da interação discursiva. De este modo, visando ao objetivismo, o esquema de codificação foi testado para fins de interconfiabilidade. Três estudantes de mestrado juntaram-se ao pesquisador na estudo piloto e no refinamento do esquema, estabelecendo regras de codificação e alcançando consistência.

Na primeira rodada, todos os avaliadores codificaram o mesmo episódio de conversa em grupo e discutiram o esquema e as regras de alinhamento e convergência. Depois de obter pontuações moderadas, o esquema foi simplificado com a eliminação de alguns códigos, e as regras foram esclarecidas e escritas com mais detalhes. Dois avaliadores codificaram 28% dos episódios (12 de 42), e a confiabilidade entre avaliadores foi calculada usando as pontuações Kappa de Cohen por meio de R (equipe RStudio, 2020). Após o processo iterativo, um nível de concordância aceitável/excelente foi alcançado, já que as pontuações Kappa de Cohen tiveram média de K = 0,79 (os valores Kappa para cada código são apresentados na Tabela 1). Em seguida, o pesquisador finalmente codificou o restante do material. Este procedimento torna o esquema confiável.

RESULTADOS

Ao abordar a primeira questão de pesquisa, o resultado é apresentado considerando todo o conjunto de dados. Primeiramente, foi considerada a conversa em grupo como um todo. As frequências relativas do código mediram o número de declarações relacionadas ao conteúdo (códigos 1 a 6), relacionadas à instrução (código 7) e fora do assunto (código 8) divididas pela soma de todas elas. A Figura 1 mostra que os grupos gastaram quase metade (56%) dos enunciados falando sobre o conteúdo da tarefa, cerca de um quarto negociando a instrução da tarefa (25%) e um número razoável fora do assunto (19%). Apenas metade do trabalho em grupo foi dedicado ao conteúdo, o tipo de conversa mais diretamente relacionado aos ganhos de aprendizagem conceitual-disciplinar.

Figura 1: Conversa em pequenos grupos dividida entre os três contextos.‎ 

Os dados poderiam ser mais explorados procurando variações nas frequências dos códigos entre as tarefas (pergunta 2) e usando análise estatística para encontrar variações significativas. O conjunto de dados foi consistente para testes não paramétricos para comparar três ou mais populações (o teste de Fligner-Killeen estava acima do nível de significância para todos, exceto o código D_AVA ao comparar tarefas ou grupos, p > 0,05). Esse resultado permitiu testes não paramétricos para analisar comparações entre grupos empregando os testes Kruskal-Wallis e post-hoc Nemenyi. Os códigos 'outros' e 'inaudível' foram descartados e não considerados para análise.‎

A Figura 2 mostra as distribuições de código para contextos de conversa em grupo como um todo e funções discursivas entre tarefas. Apenas um pequeno número de diferenças significativas entre os grupos foi encontrado. Por exemplo, a análise do contexto mostrou uma diferença significativa no conteúdo (H (6) = 17,575, p = 0,007) entre as Tarefas 3-4 (p = 0,037) e as Tarefas 3-5 (p = 0,022), bem como fora do assunto (H(6) = 14,007, p = 0,029) entre as Tarefas 3-5 (p = 0,046). Nenhuma diferença foi encontrada na instrução. De modo geral, os alunos falaram mais sobre o conteúdo e menos fora do assunto nas Tarefas 2 e 3.

Figura 2: Variação dos três contextos de conversa entre tarefas. ‎ 

Para responder se os grupos se tornaram mais dialógicos (questão 3), foram comparados os resultados agregados dos enunciados não dialógicos (somatório dos códigos 1, 3 e 5) com os considerados dialógicos (códigos 2, 4 e 6). Como as medidas dialógicas e não dialógicas são imagens espelhadas, basta realizar a análise estatística para apenas uma delas.

Existem apenas três pares de tarefas que mostram diferenças significativas (H(6) = 24,881, p < 0,001); tarefas 1-2 (p = 0,008), tarefas 2-6 (p = 0,001) e tarefas 4-6 (p = 0,04). Na Figura 3 pode-se observar que a tarefa 2 foi a mais dialógica, seguida pela tarefa 4, enquanto as tarefas 1 e 6 apresentaram movimentos com mais enunciados não dialógicos. Portanto, a hipótese de potencialização dos enunciados dialógicos ao longo das tarefas não foi confirmada. Houve apenas algumas diferenças entre as tarefas que não podem ser classificadas como um efeito da intervenção.

Vale ressaltar que esses achados sobre a interação em sala de aula foram obtidos sem apresentar nenhum extrato discursivo ao leitor. Em alguns casos, os investigadores apresentam um pequeno excerto para ilustrar a aplicação do esquema, e não como parte da análise em si. Assim, o resultado baseia-se no poder explicativo dos códigos e na confiabilidade do processo de codificação. Além disso, considerando a natureza das questões, fica claro que uma abordagem qualitativa não ofereceria nem a generalização para a descrição nem o objetivismo para comparar a mudança nas variáveis discursivas ao longo do tempo.

Figura 3: Variação da dialogicidade entre tarefas.‎ 

Por exemplo, o Extrato 1 mostra um exemplo de conversa dialógica que surgiu nesses grupos: um episódio cuidadosamente selecionado para ilustrar como os alunos interagiam em altos níveis de dialogicidade. A identificação de tal episódio entre os demais só foi possível após a codificação sistemática e contagem de frequência de todo o conjunto de dados. Quantitativamente, mais da metade dos enunciados foram considerados dialógicos (17 de 30; cerca de 57%). Para uma breve comparação, a média de dialogicidade nas sete tarefas ficou em torno de 33% (Figura 3).

Extrato 1 Diálogo em pequenos grupos: conversa dialógica 

Abordagem qualitativa dos dados discursivos: discurso sociocultural

Os métodos qualitativos sustentados pelo paradigma do interpretativismo geralmente consideram o contexto cultural e social e as práticas que moldam a interação em sala de aula (por exemplo, Gee & Green, 1998). Diz-se que o conhecimento é construído socialmente através da linguagem. Esses métodos podem incluir etnografia linguística, sociolinguística e análise do discurso, entre outros (Hennessy et al., 2020). Na maioria dos casos, enfatizam as dimensões contextuais e socioculturais, em vez da troca verbal em si (tomada de turnos), principalmente porque o discurso é enquadrado num sentido amplo: “o texto (fala, escrita ou imagem), a prática discursiva de análise dentro do texto, e as práticas e estruturas sociais ligadas a noções de poder e conhecimento” (Gregório, 2020).‎

Pesquisadores que lidam com dados discursivos e métodos qualitativos empregam uma variedade de procedimentos como identificar temas, gerar unidades, classificar e categorizar essas unidades, estruturar narrativas para descrever o conteúdo, interpretar cenários e construir teoria (Cohen et al., 2007; Robson, 2002).

Como exemplo de método qualitativo, a análise do discurso sociocultural é apresentada e aplicada para traçar relações entre a interação em sala de aula e a aprendizagem conceitual. Tal análise envolveu o exame minucioso dos episódios para gerar categorias e ilustrá-los com trechos selecionados. Este enfoque permitiu aos investigadores procurar não apenas uma função discursiva específica, mas investigar formas completas de interações que podem ser usadas para gerar tipologias e avaliar o seu impacto em objectivos educacionais específicos. Além disso, este método lida com a linguagem “conteúdo, função e as formas como a compreensão compartilhada é desenvolvida no contexto social, ao longo do tempo” (Mercer, 2010, p. 9).

Um dos pontos fortes da análise do discurso sociocultural é que “a fala real permanece como os dados ao longo da análise e assim os processos de construção conjunta do conhecimento podem ser examinados em detalhe” (Mercer, 2004, p. 143). Portanto, aqui, o foco não são as funções discursivas ou a linguagem em si, mas o conteúdo da conversa e a busca de atividade intelectual conjunta (Mercer, 2004). É uma abordagem indutiva à investigação a partir da qual os temas ou categorias devem emergir dos dados (Evans, 2013; Taber, 2013).

Essa análise é frequentemente ilustrada por extratos selecionados seguidos de comentários sobre conhecimentos prévios da área e do contexto. Pode preocupar-se com a sintaxe e a estrutura coesa da linguagem para representar como o conhecimento é socialmente construído na sala de aula (Mercer, 2004). Como o diálogo permanece intocável ao longo da análise, as tipologias emergentes oferecem um dispositivo heurístico para dar sentido à conversa sobre uma questão específica (Mercer, 2004). Por exemplo, os estudos de Mercer identificaram três tipos de conversa em grupo: disputacional, cumulativa e exploratória. Segundo o autor, este último impacta positivamente a aprendizagem dos alunos. Assim, a questão não é reduzir os dados a uma contagem categórica, mas estabelecer características amplas que envolvam o contexto e a dinâmica discursiva em relação a um objetivo de aprendizagem educacional (Mercer et al., 2004). A próxima subdivisão mostra um exemplo do tipo de questões de pesquisa e conclusões que a análise do discurso sociocultural pode fornecer.

MATERIAL E MÉTODO

Mais uma vez, os dados provêm do mesmo projeto anterior que consistia numa intervenção em sala de aula para promover o diálogo. O segundo módulo do programa TPD foi baseado em material de sala de aula predefinido que incluía uma considerável conversa e pensamento dos alunos, permitindo que os alunos desenvolvessem suas próprias teorias sobre a evaporação da água com base em observações e experiências cotidianas (SPRinG, n.d.).

Uma questão de pesquisa foi proposta para investigar como a conversa em sala de aula apoiava a compreensão científica dos alunos. Argumentou-se que grande parte da aprendizagem conceitual nas ciências primárias ocorre através da construção de explicações. Assim, o objetivo era enquadrar e analisar como professores e alunos constroem em conjunto a explicação científica da evaporação por meio da conversa.

No entanto, definir o que conta como explicação ou enquadramento não é fácil, apesar do consenso em considerá-lo uma elaboração intelectual que explica uma relação causa-efeito e usa um conectivo lógico como 'porque' para conectar a causa e o resultado. Dentro dessa perspectiva, o corpus de dados foi ‎lido em busca de estruturas que se assemelhassem às explicações científicas.‎

Considerando a natureza interpretativista desta análise e as especificidades do estudo (ciência primária, discurso científico e evaporação), foi necessário um enquadramento adicional durante a interrogação dos dados. Era necessário definir “o que conta como explicação na conversa em sala de aula dentro das ‎ciências primárias”. Dois aspectos estruturais foram definidos após olhar reiteradamente os dados e a teoria: formas de explicações e causalidade (Braaten & Windschitl, 2011). Assim, a análise procuraria sequências de enunciados que transmitissem instâncias de explicação (definições, descrições e raciocínio) e causalidade (relatos de causa-efeito de um evento observável). Encontrar exemplos dessas ocorrências pode tornar possível gerar tipologias, comentá-las e descrevê-las, e discutir possíveis resultados. ‎

RESULTADOS

O corpus de dados foi analisado para selecionar instâncias de explicações sendo construídas como uma atividade coletiva entre professores e alunos. Nos 18 episódios de ensino para toda a turma registrados neste módulo, cinco tipos de sequências explicativas foram elaboradas e organizadas em três amplos atos discursivos, dependendo se os professores estavam explorando, orientando ou fornecendo uma explicação.

Não existe uma distinção clara e direta entre as sequências de explicação exploratória e de orientação, pois as interações reais em sala de aula têm declarações não planejadas, desvios e fluxos descontrolados que tornam difícil enquadrar as sequências em uma única categoria (Barnes, 1976). Assim, esses tipos de sequências explicativas não devem ser considerados puros ou cristalinos; diferentes categorias se sobrepõem em alguns enunciados. ‎Mercer (1995) já levantou essa preocupação quando propôs os ‎três tipos de conversa em grupo.‎

Enquanto a “exploração de explicações” envolvia avançar, ampliar e acrescentar ideias aos alunos, as “explicações orientadoras” marcavam sequências que se dirigiam para a explicação científica, incluindo um esforço para usar termos científicos com mais precisão. Essas duas categorias foram divididas em quatro tipologias granulares. Por fim, sequências rotuladas como “fornecer explicações” nas quais o professor entregava uma explicação aos alunos. Nesta amostra de aulas com uso intensivo de conversação, esse tipo de narração direta foi altamente interativo e os alunos contribuíram com algumas palavras, mas o professor fez a maior parte do desenvolvimento conceitual.

O relatório completo da pesquisa (Lago, 2022) discute essas formas de construção coletiva, ao mesmo tempo que propõe um quadro de referência para cada tipologia, fornece exemplos de aulas e são comentados. ‎Neste artigo, por espaço e escopo, pretendo ilustrar e discutir apenas uma dessas tipologias; orientar explicações por meio do estreitamento de respostas.

Aqui, dois trechos ilustram o uso excessivo da elicitação com pistas (Mercer, 1995) e do questionamento socrático (Roth, 1996), respectivamente; isto é, o uso de perguntas limitantes que restringem o discurso a uma linha estreita de raciocínio. Os alunos só precisavam dar uma resposta de algumas palavras para acompanhar a explicação do ponto de vista científico. No primeiro caso, o objetivo da aula foi comparar a evaporação da água e do perfume. Como os alunos não conseguiam ver ou sentir a água evaporando, o perfume mostrou que algo estava saindo da água e se espalhando pelo ar. A professora desenvolveu esse raciocínio durante a interação com a turma (Extrato 2).‎

No terceiro movimento da professora (linha 82), ela usou uma entonação forte (“VÊM”) para rejeitar a resposta de um aluno. No movimento seguinte (linha 84), ela reforçou a resposta correta com uma justificativa: “Não as vemos, essas partículas são minúsculas, são invisíveis”. Ela perguntou o motivo de trazer o perfume para a sala de aula. ‎Sabendo que o efeito visual não era a resposta, um aluno discutiu sobre o sentimento.

Embora esta fosse uma pergunta do por que, havia tanta indicação da resposta correta que não foi codificada como um convite dialógico. Então, nas linhas 87 e 88, o professor desenvolveu uma explicação bastante completa, deixando apenas a palavra final não dita para a conclusão do aluno - “vapor”. Tendo a resposta esperada, ela prosseguiu com a explicação relativa ao vapor, ao cheiro e à sua propagação pela sala. É uma ‎construção explicativa, apesar da linha de raciocínio estreita e indutora que o ‎professor seguiu.‎

Extrato 2 Diálogo com a sala toda: Orientando as explicações por meio do estreitamento das respostas 

No trecho a seguir (3), os alunos tinham acabado de ler o breve texto sobre a teoria das partículas e estavam respondendo coletivamente às questões da apostila. Durante as interações, o professor geralmente aceitava respostas como ‘separar’, ‘afastar-se um do outro’ e ‘avançar mais rápido’. Ela também pediu explicitamente duas outras “coisas” (linhas 50 e 53), pelas quais obteve prontamente “energia” e “livremente”. O professor aparentemente pretendia encontrar palavras-chave no texto nas vozes dos alunos. Com essas respostas esperadas em mãos (ou seus sinônimos), o professor forneceu toda a explicação na última linha. Novamente, essas perguntas não foram codificadas como dialógicas (linhas 50, 53 e 55) porque as respostas esperadas estavam na apostila; os alunos estavam apenas reproduzindo-os em voz alta e, como mostra a linha 56, de forma hesitante. Pode-se dizer que a compreensão do texto dos alunos foi explorada, mas é ‎mais difícil dizer que as explicações foram exploradas.‎

Extrato 3 Diálogo com a sala toda: Orientando as explicações por meio do estreitamento das respostas 

Nenhum dos exemplos mostra evidências claras de exploração ou aprofundamento das ideias dos alunos. Em vez disso, pode-se dizer que os professores tinham objetivos claros e tentaram alcançá-los com os alunos. Eu diria que eles conseguiram destacar a analogia comparativa entre a evaporação da água e do perfume e enfatizar uma explicação microscópica do processo de evaporação. O aluno ‎contribuiu com poucas palavras e, aparentemente, seguiu a linha de raciocínio do professor.‎

Esse tipo de microanálise do conteúdo dos enunciados desses extratos permitiu explorar com mais profundidade alguns fatores, como a construção da compreensão conceitual e dos resultados de cada estratégia discursiva empregada pelo professor. Foi possível destacar uma determinada atividade em sala de aula e técnicas discursivas que tiveram impacto na formação da conversa em sala de aula.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Neste artigo discutimos dois paradigmas de pesquisa e os relacionamos com duas abordagens metodológicas para analisar o diálogo educativo; codificação sistemática (positivismo-quantitativo) e análise sociocultural do discurso (interpretativismo-qualitativo). A primeira consistia em um esquema de codificação em que os enunciados eram alocados em categorias predefinidas que poderiam ser ampliadas ou subdivididas. Hennessy et al. (2020) listam algumas vantagens da contagem de frequência, como processar grandes quantidades de dados, destacar marcadores-chave, pesquisar o conjunto de dados de forma eficiente para descobrir como atos específicos se correlacionam com outros, detectar padrões, medir mudanças na prática e fazer comparações sujeitas a análise estatística.

Tal método nos permitiu enquadrar um padrão geral de conversa em pequenos grupos que surgiu em uma escola primária brasileira e buscar diferenças ao longo do tempo. Este último procedimento foi feito medindo as frequências relativas de ocorrência dos códigos. Assim, os resultados aqui representados ilustraram os aspectos positivos destacados acima. A grande perda nesta análise é o desenvolvimento temporal dos significados e da ambiguidade porque os enunciados podem ter múltiplas funções. Em alguns casos, a codificação é considerada ateórica ou dogmática nas suas conclusões (Hennessy et al., 2020).

O segundo método explorado no artigo é a análise do discurso sociocultural. Destaca o contexto e a situação dos turnos de discurso, ao mesmo tempo que aprofunda o significado das contribuições. A análise qualitativa pode destacar as “intenções e respostas subjacentes dos participantes aos outros. Além disso, permite ao investigador ir além dos dados, por exemplo, para identificar oportunidades perdidas de extensão ou desafio”. (Hennessy et al., 2020, p. 6). Categorizar extratos como um todo pode construir modelos, em vez de registrar a presença/ausência de movimentos específicos do discurso, de forma que as categorias/tipologias sejam geradas como resultados e não predeterminadas (Mercer, 2010).

Esse método possibilitou perceber como professores e alunos trabalham juntos para construir explicações científicas por meio da conversa em sala de aula. Das cinco tipologias identificadas no trabalho original, apenas uma foi aqui apresentada. Observamos como os professores podem guiar as ideias dos alunos através de uma linha de raciocínio enquanto constroem explicações de forma interativa. Estratégias como confronto, estreitamento de respostas e questionamento foram empregadas.

Embora os métodos quantitativos e qualitativos tenham sido contrastados, ambas as metodologias desempenham papéis relevantes e podem ser complementares (Snell & Lefstein, 2011).‎ A codificação sistemática é um método para gerenciar um extenso conjunto de dados e identificar padrões gerais em múltiplas lições/tarefas, ao mesmo tempo que permite estatísticas comparações e análises de desenvolvimento (Mercer et al., 2004). Por outro lado, a análise do discurso sociocultural pode explorar detalhes e oferecer uma compreensão multidimensional das complexidades do diálogo em sala de aula (Asterhan et al., 2020). Enquanto o primeiro restringe as interações discursivas em variáveis medidas (ideal positivista), o segundo revela a complexidade e a riqueza das trocas discursivas com maior veia interpretativa.

Do ponto de vista teórico, Filho (2013) traz uma instigante discussão teórica sobre a incomensurabilidade, a complementaridade e a unidade dos paradigmas. Os pesquisadores da primeira tese argumentam que as visões do realismo e do interpretativismo estão em estrita oposição e, portanto, são incompatíveis. Os que defendem a complementaridade dizem que ambos os paradigmas são legítimos porque não estão necessariamente em conflito. Além disso, empiricamente, cada paradigma alinha-se com objectivos que outro não poderia atingir. Por fim, a unidade entre estes paradigmas é considerada principalmente por filósofos pós-positivistas e críticos que defendem que não existe uma forma lógica ou consistente de dividir o conhecimento em termos radicais.

Defendo aqui uma postura de complementaridade principalmente na dimensão analítico-empírica devido à natureza das questões de pesquisa. Métodos quantitativos e qualitativos podem ser necessários para estudos educacionais (Souza & Kerbauy, 2017). O uso de uma abordagem de método misto para a metodologia (Tashakkori & Teddlie, 1998) permite a justaposição de diferentes linguagens para responder às questões de pesquisa de maneira adequada e coerente. Como resultado, enquanto as questões de pesquisa exploratória privilegiam uma análise qualitativa, outras apresentam um viés confirmatório e deveriam ‎empregar caracterizações e comparações quantitativas.‎

Agradecimentos

O autor foi apoiado por bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/Brasil); número do processo: 99999.001959/2015-08.

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1The translation of this article into Portuguese was funded by Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil.

Recebido: 10 de Novembro de 2022; Aceito: 06 de Junho de 2023

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Declaro não estar submetido a qualquer tipo de conflito de interesse junto aos participantes ou a qualquer outro colaborador, direto ou indireto, para o desenvolvimento da pesquisa reportada nesse artigo.

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