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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 05-Dez-2023

https://doi.org/10.1590/0102-469840017 

Arigos

FAMÍLIAS DE CLASSES MÉDIAS NA ESCOLA PÚBLICA: DA ESCOLHA ÀS ESTRATÉGIAS DE PARTICIPAÇÃO

FAMILIAS DE CLASES MEDIAS EN LA ESCUELA PÚBLICA: DE LA ELECCIÓN A LAS ESTRATEGIAS DE PARTICIPACIÓN

MARIA ALICE NOGUEIRA1  , Coordenadora do projeto, participação ativa na análise dos dados, escrita do texto e revisão final do texto
http://orcid.org/0000-0001-9664-8335

TÂNIA DE FREITAS RESENDE1  , Coleta de dados, participação ativa na análise dos dados, escrita do texto e revisão final do texto
http://orcid.org/0000-0003-4275-7426

PRISCILA DE OLIVEIRA COUTINHO1  , Coleta de dados, participação ativa na análise dos dados, escrita do texto e revisão final do texto
http://orcid.org/0000-0002-7178-2789

1Universidade federal de Minas Gerais Belo Horizonte, Minas Gerais (MG), Brasil.


RESUMO:

O artigo focaliza uma realidade atípica no Brasil e pouco contemplada no debate educacional do país: a experiência de famílias de camadas médias com filhos em escolas públicas. Insere-se no campo da sociologia das relações família-escola, mais especificamente, dos estudos sobre escolarização nas camadas médias. Os dados empíricos foram obtidos em uma escola pública municipal de Belo Horizonte que, por sua reputação, atrai um número significativo de famílias de camadas médias. Foram realizadas observações participantes de reuniões da Comissão de Famílias, criada por iniciativa de um grupo de mães, além de entrevistas com mães que integravam a Comissão. Reforçando estudos internacionais e nacionais sobre o tema, os resultados evidenciam que ter os filhos na escola pública gera ansiedade e tensão para essas famílias. Elas buscam administrar a situação por meio da escolha criteriosa do estabelecimento de ensino e do desenvolvimento de um conjunto de estratégias que visam minimizar os riscos dessa opção e assegurar a formação desejada para a prole.

Palavras-chave: classes médias; escola pública; estratégias educativas familiares

RESUMEN:

El artículo enfoca una realidad atípica y poco contemplada en el debate educacional de Brasil: la experiencia de familias de estratos medios con hijos en escuelas públicas. Se insiere en el campo de la sociología de las relaciones familia-escuela, aunque más específicamente de los estudios sobre la escolarización en los estratos medios. Los datos empíricos se obtuvieron en una escuela pública municipal de Belo Horizonte que por su reputación atrae un número significativo de familias de clases medias. Fueron realizadas observaciones participantes de reuniones del Comité de Familias, creado por iniciativa de un grupo de madres de familia de la institución, así también, se realizaron entrevistas a las madres que integraban dicho Comité. Reforzando estudios internacionales y nacionales sobre la tematica, los resultados evidencian que tener hijos en escuelas públicas genera ansiedad y tensión por parte de los padres de familia. Ellos buscan manejar la situación por medio de la elección criteriosa del establecimiento educativo y del desarrollo de un conjunto de estrategias que se orientan a minimizar los riesgos de su elección para asegurar la formación deseada de sus hijos

Palabras clave: clases medias; escuela pública; estrategias educativas familiares

ABSTRACT:

This article focuses on an atypical reality in Brazil, little explored in the educational debate: the experience of middle-class families with children in public schools. It is grounded on the sociology of family-school relationship, more especifically, in the studies about middle-classes schooling. We collected the empirical data at a public municipal school in the city of Belo Horizonte, Brazil, which, due to its reputation, attracts a significant number of middle-class families. We developed participant observations of the meetings held by the Family Commission, created by a group of mothers, and conducted interviews with some of them. Reinforcing international and national studies on the theme, the results show that having children in public schools stresses and tenses these parents. They seek to manage the situation by a rigorous school choice and a series of strategies aiming to minimize the risks of this option and ensure the education desired for their children.

Key words: middle classes; public school; family educational strategies

RELAÇÃO FAMÍLIA-ESCOLA E ESCOLHA DO ESTABELECIMENTO DE ENSINO NAS CLASSES MÉDIAS

Este artigo focaliza uma realidade pouco contemplada no debate educacional brasileiro: a experiência de famílias de camadas médias que matriculam seus filhos em estabelecimentos públicos de ensino. Nesse sentido, o texto se insere na tradição de estudos da Sociologia da Educação a respeito da relação família-escola e versa, mais especificamente, sobre as formas de que se reveste essa relação no âmbito das classes médias, enfatizando um aspecto particular que, nas décadas mais recentes, vem chamando a atenção do pesquisador: a escolha do estabelecimento de ensino para os filhos.

Fruto de uma evolução em seus paradigmas teóricos e em suas orientações metodológicas, a Sociologia da Educação tem visto florescer, desde os anos 1980, todo um conjunto de pesquisas empíricas visando conhecer, em profundidade, as relações que as famílias dos diferentes meios sociais mantêm com a escola e com a vida escolar dos filhos (Nogueira, 2005). Um dos principais resultados obtidos é a constatação de que os processos de interação entre pais e profissionais do ensino vêm, ao mesmo tempo, intensificando-se, individualizando-se e se reconfigurando.

Com efeito, assiste-se, no período contemporâneo, a uma forte aproximação entre o mundo do lar e o mundo da escola, de modo que a presença das famílias no espaço escolar e seu envolvimento nas atividades do processo de ensino-aprendizagem se intensificam. A participação dos pais passa a ser requisitada nos próprios projetos pedagógicos das escolas e em múltiplos eventos, como festas de família, feira de ciências, palestras, cursos etc. Observa-se, ainda, uma maior individualização das relações, ou seja, uma multiplicação das interações face a face entre essas duas instâncias de socialização.

Embora esses processos atinjam, de modo geral, todas as classes sociais, eles encontram sua forma mais bem acabada no seio das classes ou camadas médias1 , entendidas, aqui, como os grupos de posição intermediária na escala social - ou seja, que não ocupam “nem as posições econômica e hierarquicamente dominantes das classes superiores, nem as posições de execução dominadas das classes populares” (Cardoso e Préteceille, 2017, p. 1007-1008). Como tal, trata-se de grupos que estão, de certa forma, sempre se equilibrando entre a possibilidade de subir e o risco de descer na escala social, tendendo a fortes investimentos para manter ou melhorar a própria posição, sendo que a escola costuma ocupar um lugar central nesses investimentos.

Tratando-se de um meio social muito estratificado internamente, as classes médias (o plural se impõe) são compostas por frações que se estruturam segundo suas posses materiais, inserção no mundo produtivo, nível de escolaridade. E quanto maior for o peso relativo do capital cultural na estrutura de seu patrimônio, maior será sua propensão a investir - tanto material quanto culturalmente - na educação dos filhos (cf. Nogueira, 1997).

De fato, as evidências empíricas demonstram que, se a escola atualmente tende a ser valorizada nos diferentes meios sociais, é nas classes médias que se encontra mais fortemente uma dependência em relação a ela para a reprodução/ promoção social. No contexto contemporâneo, no qual a concorrência entre os alunos pelos setores mais nobres dos sistemas de ensino se exacerba, as famílias das camadas médias multiplicam, intensificam, diversificam e sofisticam suas estratégias educativas visando oferecer à prole as melhores oportunidades de sucesso escolar (Nogueira, 2013a).

Embora com variações conforme as frações de classe, tais estratégias incluem, de modo geral, um forte acompanhamento da vida escolar dos filhos, tanto por meio de um monitoramento e suporte constantes em casa, quanto pela comunicação e presença sistemáticas junto à escola (Nogueira, 1995; Fialho, 2012; Silva, 2003). Atualmente, essas famílias tendem cada vez mais, também, a investir em uma ampla gama de apoios fora da escola (aulas particulares, tutorias, apoios psicopedagógicos e psicológicos), voltados para o sucesso nesta ou para o desenvolvimento cognitivo e social dos filhos, de modo mais geral (Glasman, 2011; Martins, 2019). Segundo Lareau (2003), chegam a promover um verdadeiro “cultivo orquestrado” das habilidades dos filhos, ao preencher o tempo deles fora da escola com atividades e interações sistematicamente voltadas para a sua formação nas diversas áreas.

A estratégia para a qual este texto se volta, de maneira central, é a da escolha da escola para os filhos, cuja importância vem aumentando com a maior diversificação interna do sistema de ensino. As famílias de camadas médias, em geral, detêm um capital de informações sobre o sistema escolar que lhes dá a capacidade de fazer uma escolha ativa entre os diferentes tipos de estabelecimento. A literatura sociológica tem documentado as diversas estratégias das famílias nesse processo.

Pesquisas desenvolvidas na França e Inglaterra demonstram que a escolha de escolas particulares ou até internacionais é uma dessas estratégias, porém menos frequente; a matrícula na escola pública é bastante comum. No caso brasileiro, os estudos vêm evidenciando um forte evitamento das escolas públicas pelas famílias das classes médias. Os segmentos mais favorecidos dessas classes escolhem mais livremente, no mercado de escolas privadas, aquelas que atendem a suas prioridades, geralmente em torno de critérios como a qualidade de ensino, a internacionalização, a formação geral, o atendimento a necessidades subjetivas dos filhos (Nogueira, 1998; 2000; Brandão; Lellis, 2003; Nogueira; Aguiar, 2007). Já os setores mais próximos das camadas populares, em geral tendo vivido uma mobilidade ascendente a partir destas, mas ainda se localizando em posição bastante instável do ponto de vista socioeconômico, oscilam, conforme sua conjuntura financeira em cada momento, entre escolas privadas de baixo custo e a escola pública, a qual, entretanto, tentam sistematicamente evitar (Siqueira; Nogueira, M. e Nogueira, M.A, 2017; Nogueira, 2013b; Piotto, 2006).

É objetivo deste texto contribuir para a compreensão tanto dos motivos que levam integrantes das classes médias a matricular seus filhos nas escolas públicas, quanto das maneiras pelas quais essa escolha é experimentada e sustentada. Para isso, serão discutidos dados obtidos em uma pesquisa sobre relação família-escola, na rede pública municipal de Belo Horizonte / MG, a qual colocou em relevo a experiência de algumas famílias de classes médias que escolarizam seus filhos em um dos estabelecimentos de ensino dessa rede. Antes de se apresentar os principais resultados da investigação, o próximo tópico do artigo sintetiza alguns pontos da literatura mobilizada, além de, em seguida, serem sucintamente expostos o contexto empírico e os procedimentos de coleta de dados desenvolvidos.

ESTUDOS SOBRE CLASSES MÉDIAS NA ESCOLA PÚBLICA

Conforme apontado, a presença das camadas médias na escola pública brasileira é relativamente minoritária e pouco focalizada nas pesquisas. Destaca-se, na abordagem desse tema, o trabalho de Piotto (2002; 2006). A autora desenvolveu uma pesquisa, concluída em 2002, em uma escola pública de Ribeirão Preto/SP (denominada ficticiamente “Escola Guimarães Rosa”), a qual, oferecendo apenas os anos iniciais do ensino fundamental, distinguia-se por receber muitos estudantes das camadas médias, sendo boa parte deles egressos de escolas particulares. O trabalho buscava compreender as repercussões da maior presença de camadas médias na escola pública “sobre as relações sociais, mais especificamente sobre a convivência entre camadas médias e populares” (Piotto, 2006, p. 38). Para isso, realizou-se um estudo etnográfico na escola, envolvendo observações, entrevistas com famílias e com profissionais da escola, aplicação de questionário às famílias e pesquisa documental.

Os resultados obtidos junto às famílias que haviam migrado com seus filhos da rede particular para a escola pública investigada indicaram que o principal motivo da transferência foi de ordem econômica. Porém, uma vez premidos, por essa razão, a buscar uma instituição pública, os pais haviam se esmerado em assegurar a seus filhos uma instituição que oferecesse o que consideravam um padrão mínimo de qualidade, o qual era, para eles, condição sine qua non da mudança. Para isso, realizaram busca ativa de informações: levaram em conta o público atendido e a localização da escola (em um bairro de classes médias, na região central da cidade); e o fato de ser uma escola que oferecia apenas o ensino fundamental - Ciclo 1, onde os filhos conviveriam apenas com crianças menores, já que atribuíam ao contato com adolescentes um maior risco de “violência”.

Apesar desses cuidados na escolha, a experiência vivida na escola Guimarães Rosa era avaliada pela maioria dessas famílias como negativa. Havia várias queixas em relação à escola, especialmente quanto à formação pessoal dos filhos (sendo a formação acadêmica considerada semelhante à obtida na escola particular). A situação era vivida como provisória, sendo que, para alguns, era certo que no Ciclo II do ensino fundamental os filhos deveriam voltar para a rede privada. Enquanto isso, os pais desenvolviam estratégias para aproximar a instituição daquilo que esperavam. De modo especial, passaram a participar da Associação de Pais e Mestres e do Conselho de Escola, nos quais buscavam, além de monitorar mais “de dentro” o que acontecia na escola, apresentar “soluções práticas e rápidas para os problemas enfrentados” (Piotto, 2006, p. 49). Tais soluções, entretanto, muitas vezes não podiam ser implementadas devido às normas de funcionamento do sistema público ou mesmo a certas posições da direção - o que gerava embates e frustrações, levando, com o tempo, à redução dessa participação nos órgãos de gestão.

Outro trabalho nacional relevante a ser destacado é o de Nogueira, M. e Nogueira, M.A (2017). Como parte de uma pesquisa sobre as práticas educativas de “pais professores”, as autoras se detêm em sete casos de famílias que escolarizavam os filhos em escolas públicas. O pertencimento às classes médias - no caso, em suas frações mais baixas - fica configurado por variáveis como escolaridade, renda, tipo de moradia. A matrícula dos filhos na escola pública não constitui, para essas famílias, uma escolha no sentido pleno do termo, impondo-se como necessidade em função das condições financeiras e, dessa forma, aproximando-se mais, segundo as autoras, de uma “não escolha”, nos termos de Bourdieu (2008). Trata-se de um processo vivido com tensão e angústia pelos pais e mães, que gostariam de proporcionar à prole o acesso às mesmas possibilidades educacionais que observam em outros segmentos das classes médias - incluindo a matrícula na escola privada. Na impossibilidade disso, as famílias desenvolvem estratégias para minimizar a desvantagem que consideram existir para os filhos. A primeira delas, como no estudo de Piotto (2006), é a escolha criteriosa do estabelecimento, dentre os possíveis no âmbito da rede pública. A partir da matrícula, observam-se intensas estratégias de acompanhamento, vigilância e controle, incluindo medidas de intervenção direta na escola.

No cenário internacional, um conjunto de estudos vem se dedicando à observação das condutas de famílias pertencentes às classes médias no que concerne à escolarização de seus filhos (Ball, 2003; Power et al., 2003; Van Zanten, 2003, 2006). Na Inglaterra, uma pesquisa, em particular, abordou famílias das classes médias que, mesmo tendo condições de sustentar opções educacionais fora do sistema estatal, escolheram deliberadamente - e, segundo declararam, em razão de seus ideais políticos e princípios educacionais - matricular seus filhos em escolas públicas locais (“local inner-city comprehensive schools”) , cuja clientela é composta por alunos de diferentes meios sociais e pertencimentos étnico-raciais, sendo evitadas por boa parte das classes médias (Crozier et. al., 2008; Reay et al., 2007).

Trata-se de uma ampla pesquisa que interrogou 125 famílias brancas, de classes médias, de três cidades do Reino Unido: Londres, Norton e Riverton. Foram entrevistados os genitores e 67 jovens das três cidades. A maioria dos pais são profissionais de nível superior e detentores de alto capital cultural. Todos se mostram comprometidos com os princípios do estado de bem estar social e são defensores dos serviços públicos em áreas como educação e saúde. Nesse sentido, os pesquisadores se perguntam se a escolha pela escola local expressaria uma cidadania engajada, comprometida com a valorização da escola pública, principalmente das comprehensive schools2 .

Os resultados obtidos evidenciaram que essa escolha pode ser melhor compreendida no registro do que denominaram de um “altruísmo auto interessado” (Reay et al. 2007, p.1044), na medida em que esses pais esperam obter vantagens individuais para a formação dos filhos, tais como: (i) aquisição de um capital multicultural necessário à vida no mundo complexo e globalizado do século XXI; (si) formação de habilidades sociais advindas da convivência com pessoas de origem étnica e social diversa; (III) constituição de um espírito resiliente e preparado para as dificuldades do “mundo real”.

Mas talvez a principal constatação da pesquisa consista na teia de ambiguidade moral em que se veem envolvidos esses pais, o que se faz acompanhar de uma carga subjetiva de dilemas, ansiedade e conflitos. Eles são particularmente afetados por uma tensão entre, por um lado, ser coerentes com os próprios princípios e, por outro, zelar pelo bem-estar e pelo futuro dos filhos. Sua ansiedade advém sobretudo das incertezas e riscos que consideram assumir ao associar os filhos a crianças e jovens “não como nós” (no like us), embora sempre se assegurem de que há na escola escolhida outros alunos “como nós” (like us), que eles definem como crianças criadas em lares com “suporte proativo”. Porém, no plano do rendimento escolar, esses pais se mostram bastante seguros da capacidade intelectual dos filhos, assim como de suas próprias competências como pais de alunos, com base em seus conhecimentos educacionais e em seus vários capitais (cultural, social e econômico).

Assim, trabalhando para reduzir os riscos e para garantir aos filhos uma experiência acadêmica diversa no interior das comprehensive schools, essas famílias desenvolvem uma série de estratégias que visam a assegurar que a prole receba a educação considerada desejável. Dentre tais estratégias, destacam-se: acompanhamento cuidadoso da vida escolar dos filhos (ex: supervisão dos deveres de casa, conversas sobre o cotidiano escolar etc.); contratação de atividades extraescolares relativas a áreas não contempladas pelo currículo da escola (ex.: música, artes; compra de materiais educativos suplementares, como livros, computadores); participação na gestão da escola, que proporciona informações privilegiadas sobre a instituição e possibilita fazer valer a voz dos pais.

Também na França têm surgido pesquisas sobre as escolhas e estratégias educativas das famílias de camadas médias, em especial no que tange à composição social do público que frequenta as instituições escolares que escolhem para os filhos. Entre os anos de 1999 e 2006, Agnès Van-Zanten (2003; 2006; 2007; 2009a; 2009b) conduziu uma pesquisa em quatro regiões da periferia de Paris, na qual entrevistou 167 famílias (pais e mães) com pelo menos um filho cursando o Ensino Fundamental e pertencentes a diferentes frações das classes médias (profissões intelectuais de nível superior; quadros de nível médio; e profissões subalternas não-manuais). O objetivo do estudo era o de examinar “as operações mentais e práticas que levam os pais das classes médias a construir certos grupos sociais como ‘diferentes de si’” (Van Zanten, 2009b, p. 25) e a fazer disso a razão principal para evitarem certos estabelecimentos públicos de ensino em razão de sua clientela socialmente heterogênea; bem como, inversamente, a construir outros grupos como “próximos de si”, fazendo-os funcionar como recurso social por meio de avaliações, informações, possibilidades de ação, a serviço da vida escolar dos filhos.

Os resultados obtidos revelaram a existência de dois tipos principais de famílias, segundo a concepção que têm da vida social e, nela, do papel da escola. De um lado, os pais pertencentes às frações das classes médias mais equipadas em capital econômico (tecnocratas, quadros do setor privado) manifestam, mais frequentemente, o desejo de uma escola (muitas vezes privada) que assegure um ambiente onde seus filhos convivam com iguais (entre soi) com quem possam interagir. De outro lado, os pais pertencentes às frações das classes médias mais equipadas em capital cultural (profissões intelectuais, quadros do setor público) são, de um modo geral, defensores de um espaço escolar público onde haja uma mistura controlada de alunos provenientes de diferentes meios sociais e não uma separação total do outro diferente de si (différents de soi), o que, para eles, favoreceria o desenvolvimento de interações e de traços necessários a uma sociedade multicultural, tais como abertura de espírito, tolerância, solidariedade.

Entretanto, aquelas famílias que - seja por princípios políticos ou por necessidade - aceitam escolarizar seus filhos em estabelecimentos públicos com clientela socialmente heterogênea desenvolvem múltiplas estratégias para enfrentar os eventuais riscos derivados de sua escolha. Dentre essas estratégias, destacam-se o estreito monitoramento da vida escolar dos filhos e a vigilância permanente sobre o funcionamento do estabelecimento de ensino. Outra estratégia que ganha destaque é o desenvolvimento de ações coletivas - por meio das associações de pais, conselhos administrativos etc. - visando a atenuar os efeitos da coexistência com o outro diferente de si. No caso francês, uma forma típica dessa estratégia consiste na pressão pela criação de “enclaves” no interior da escola, i.e., de dispositivos pedagógicos tais como: turmas selecionadas destinadas aos bons alunos, turmas bilíngues ou com ênfase nas disciplinas mais nobres do currículo etc., destinadas a garantir exclusividade para um número limitado de alunos. A autora dá a esse tipo de conduta parental a denominação de práticas de “colonização” do estabelecimento de ensino por parte das famílias (Van Zanten, 2006; 2007; 2009a).

CONTEXTO EMPÍRICO DA PESQUISA E PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS

Os dados empíricos a serem discutidos neste texto foram obtidos em pesquisa realizada em uma escola pública municipal de Belo Horizonte, que será denominada “Escola Municipal Olavo Bilac” (ou EMOB3 ). A instituição atende aproximadamente 1150 estudantes, sendo em torno de 820 do ensino fundamental (SMED-BH, 2018)4 .

A Escola Olavo Bilac se destaca, no conjunto da rede municipal, pelo prestígio e pelas características do público que atende. Ela se localiza em uma área na qual se encontram ruas largas, arborização abundante e casas de alto padrão, edificadas em terrenos amplos. Embora, de modo geral, as famílias moradoras dessa área não sejam usuárias da EMOB, e sim de instituições privadas, a instituição atrai um número significativo de famílias de camadas médias de outras partes do bairro e de outros bairros da cidade. Segundo a vice-diretora da instituição, as únicas crianças da redondeza que estudam na escola são “os filhos dos empregados, dos caseiros”, que constituem “uma minoria” entre os alunos. Além deles há, ainda nas palavras da educadora, desde “aqueles alunos que vêm das vilas, das favelas” até outros oriundos de “comunidades mais favorecidas” “economicamente, socialmente e culturalmente”, alguns dos quais, egressos da escola particular. Para essa profissional, basta “passar os olhos na hora do recreio” para perceber a composição heterogênea do público da escola.

Nas entrevistas, diferentes profissionais da escola, ao caracterizarem o público atendido pela Olavo Bilac, usaram com frequência a palavra “heterogêneo” ou correlatas: “variado”, “diversidade”, “diversificado”, “eclético”. Também foram frequentes menções à presença de famílias de classes médias, as quais são identificadas seja por atributos externos (como os carros com que os pais buscam as crianças ou a aparência delas), seja por virem de escolas particulares, com as transferências aumentando em períodos de crise econômica.

As caracterizações feitas pelos profissionais da escola encontraram respaldo nos dados objetivos que foi possível reunir a respeito da instituição, os quais indicam que ela recebe um público relativamente favorecido, considerado o contexto geral da rede municipal de educação de Belo Horizonte. Por exemplo, segundo uma publicação da Secretaria Municipal de Educação (SMED-BH, 2018), a qual reúne indicadores das quatorze escolas municipais de ensino fundamental que compõem a Regional Administrativa em que se localiza a Olavo Bilac, esta é a terceira que menos possui alunos cujas famílias recebem Bolsa Família (apenas 12,9% dos alunos); é a quarta com melhor índice de clima escolar5 e se situa entre as que possuem IDEB6 mais alto, especialmente para os anos iniciais do ensino fundamental (IDEB 6,4 para os anos iniciais e 5,5 para os anos finais do ensino fundamental, em 2019 )7.

Tendo esse perfil da escola ficado claro desde o início da pesquisa de campo, um fato veio, depois, chamar a atenção de modo especial. Tratou-se da criação, no ano de 2018, por iniciativa de um grupo de sete mães e um pai, da autointitulada “Comissão de Famílias”, concebida como um canal direto de acesso à direção da escola, por meio do qual essas famílias esperavam poder acompanhar e intervir em diversas dimensões do trabalho da instituição, com o objetivo - nas palavras de uma das mães - de “fazer a escola melhor”. O grupo assim constituído convidou a diretora e os professores da escola a participarem de reuniões periódicas para discutir assuntos do dia a dia da instituição. Os professores não atenderam ao convite, mas a diretora chegou a realizar três reuniões com a Comissão, sempre em noites de sextas-feiras8.

Vendo nessa iniciativa uma boa oportunidade para investigar os desafios da parceria entre famílias e escolas, a equipe de pesquisa realizou observações participantes das reuniões e entrevistas com três mães que integravam a Comissão (Ana, Renata e Olívia)9 . As reuniões e entrevistas inspiraram a aprofundar a análise sobre a escolha do estabelecimento de ensino público por famílias de classes médias e o tipo de relação com a escola que se desenvolve a partir de então.

De modo geral, as famílias que compunham a Comissão eram nucleares, com um a dois filhos(as), em que pais e mães são profissionais com escolaridade de nível superior (cursos como Ciência da Computação, Arquitetura, Antropologia, Engenharia). No entanto, não necessariamente tal escolaridade foi convertida em ocupações de rentabilidade mais elevada (por exemplo, a arquiteta Renata é funcionária pública municipal, com um cargo técnico de nível médio). Além disso, várias famílias passavam por restrições financeiras, seja devido a desemprego (caso do marido de Olívia) ou a dificuldades no âmbito empresarial (a exemplo do esposo de Renata, que tem uma empresa na área de construção e reforma, a qual, entretanto, vinha sofrendo os impactos da crise econômica desde 2014).

Especificamente em relação às três mães entrevistadas, considerando que vários trechos de seus depoimentos serão reproduzidos a seguir, alguns dados podem ser importantes para uma caracterização geral. Ana é arquiteta, tem uma única filha de 10 anos, que estuda no 5º ano da Escola Municipal Olavo Bilac (EMOB). Renata é graduada em arquitetura, mas trabalha como funcionária pública municipal, com um cargo de nível médio; o marido é engenheiro civil e tem uma empresa de construção e reformas. Eles têm uma única filha, de 10 anos, que estuda no 5º ano da EMOB. Poliana tem curso superior de Ciências da Computação, trabalha como analista de sistemas. O marido completou o ensino médio e está desempregado no momento da pesquisa. Têm três filhas, de 12, 10 e 4 anos; as duas mais velhas estão matriculadas na Escola Municipal Olavo Bilac (EMOB), no 7º e no 5º ano, respectivamente. A caçula encontra-se em uma escola pública de Educação Infantil. Vale ressaltar que as filhas de Ana e Renata eram colegas em uma escola privada e foram transferidas juntas para a EMOB, como será relatado no próximo tópico. Já as filhas de Olívia sempre estudaram em escolas públicas.

Nas seções seguintes, serão analisados - em diálogo com a literatura já sumarizada - os motivos das escolhas dessas famílias por uma escola pública, no caso a Olavo Bilac, algumas de suas experiências na instituição e as estratégias mobilizadas para monitorar as mais variadas dimensões do cotidiano escolar, incluindo segurança, adequação da estrutura física e escolhas pedagógicas.

A ESCOLHA PELA ESCOLA PÚBLICA: MOTIVAÇÕES E ESTRATÉGIAS

A primeira questão a ser elucidada diz respeito às razões que motivaram uma escolha improvável no cenário brasileiro. Assim como nos estudos de Piotto (2002, 2006) e de Nogueira, M. e Nogueira, M.A (2017) - e diferentemente dos trabalhos internacionais mencionados anteriormente neste texto -, a principal motivação das famílias foi financeira. No caso das entrevistadas para este trabalho, tal motivação se associa à crise econômica que atingiu o país a partir de finais de 2014, levando as frações mais desprotegidas das camadas médias a comprimir seu orçamento - embora se saiba que, ao lado do plano de saúde privado, as despesas com as instituições educacionais particulares costumam ser objeto de pesados sacrifícios financeiros por parte desse grupo social (Nogueira, 2013a). A esse respeito, uma das mães declara, sem rodeios:

E logo teve a crise ´[econômica] (...) o meu marido mexe com a área de engenharia. E teve a crise e a gente por motivos financeiros... Falei: “Tem que correr e colocar ela ´[a filha única] na escola pública”. Porque a escola particular é muita cara (...) não tem condição de pagar. (Renata. Entrevista de pesquisa, abril de 2019).

Outra mãe, ao falar de sua recente opção pela escola pública, enumera uma série de despesas que a preocupavam na escola particular: mensalidade, uniforme, livros, matrícula, alimentação. Enquanto isso, na EMOB a filha tem lanche e almoço gratuitos.

No caso da terceira mãe entrevistada, a dimensão econômica integra o conjunto de razões para a escolha da escola pública, mas ela vem acompanhada de justificativas de ordem política, análogas àquelas formuladas por muitas famílias participantes das pesquisas inglesas e francesas - acima referidas - que revelaram o papel desempenhado, na escolha do estabelecimento de ensino, pelos ideais cívicos, em detrimento dos interesses individuais:

Mas a decisão, por exemplo, pela escola pública, além de ser por uma necessidade financeira, também é porque eu acredito que a escola pública é o lugar onde a gente vai conseguir transformar a sociedade (...)

E eu acho que para a formação das pessoas (enquanto indivíduos, enquanto cidadãs e cidadãos) é muito importante conviver no ambiente da escola pública, porque é lá que a gente tem todas as contradições da sociedade, e é onde a gente tem a oportunidade de aprender a lidar com essas contradições, de forma coletiva... ter mais consciência mesmo, consciência de classe, consciência racial, consciência de gênero... e pra conseguir enfrentar essas desigualdades. (Olívia. Entrevista de pesquisa. Agosto de 2019).

Ao ser indagada quanto à opção de outras famílias pela rede privada de ensino, essa mesma mãe opina:

Eu acho muito egoísta... a gente se recolher a uma bolha, esquecer o resto, sabe? Então assim, pra mim não vai ter emancipação, não vai ter liberdade, se não for todo mundo junto. (Olívia. Entrevista de pesquisa. Agosto de 2019.)

É importante esclarecer que Olívia se destacava, entre todas as mães que compunham a Comissão de Famílias, pelo forte engajamento político, devido a sua atuação em movimentos sociais. Se suas declarações remetem às condutas de “cidadania engajada”, tal como definida pelos pesquisadores ingleses, seus critérios de escolha da escola não deixam também de obedecer a princípios de ordem educacional que recusam a educação de cunho autoritário, em defesa de princípios pedagógicos de respeito à natureza infantil, além de sua preocupação em possibilitar que as filhas convivam com “diferentes de si”, na expressão francesa, ou “não como nós”, no léxico inglês:

Mas pra essa primeira infância, assim de 7 até 9 anos, ´[o conteúdo do ensino] não era uma coisa determinante pra mim. Eu estava mais preocupada, assim, era com o ambiente, com o convívio, com as relações que elas ´[as duas filhas] iam estabelecer lá, se elas iam ser respeitadas enquanto crianças (...) eu tenho um pânico de educação autoritária ... então, por exemplo, escola militar é uma coisa que eu não cogito e que são ´[as escolas militares] tidas como boas em conteúdo (Olívia. Entrevista de pesquisa. Agosto de 2019).

Se a limitação financeira foi uma razão levantada por todas as famílias entrevistadas, e a justificativa baseada em princípios (políticos e educacionais) foi uma motivação apresentada isoladamente por Olívia, encontraram-se também, no caso de duas famílias, justificativas baseadas em experiências negativas com escolas da rede privada. Uma das mães, cuja filha apresentava dificuldades acadêmicas na instituição particular onde cursou a segunda série do Ensino Fundamental, sentiu-se indignada com a recomendação, por parte da coordenação pedagógica, de que ela procurasse professor particular para a menina:

“´[Disseram:] Mãe, você tem que colocar sua filha numa aula particular pra que ela acompanhe o ritmo” (...). ´[Pensei:] Mas ela já está numa escola particular, eu coloquei pra isso (...) e eu tenho que pagar aulas particulares, pros professores pra dar aula de reforço, então não justifica” (...). Se eu tiver de fazer isso eu coloco numa escola pública e pago aula particular pra ela” (Ana. Entrevista de pesquisa, outubro de 2018).

Embora haja diferenças quanto às motivações e justificativas, todas as famílias - assim como as entrevistadas por Piotto (2002; 2006) e as investigadas por Nogueira (2017) - selecionaram cuidadosamente o estabelecimento, no conjunto das escolas que compõem a rede pública de ensino. A busca dos elementos que assegurassem a melhor escolha possível se deu tanto pelo caminho das informações “quentes” (Van Zanten 2009a) sobre o leque de escolas cogitadas - isto é, com base em avaliações feitas por pessoas conhecidas que supostamente detêm algum conhecimento prático sobre a rede pública -, quanto pela via das informações “frias”, ou seja, baseadas em dados objetivos resultantes de rankings de estabelecimentos publicados na mídia e de avaliações sistêmicas implementadas por órgãos governamentais. As falas abaixo expressam essas duas maneiras de prospectar dados que consolidassem suas escolhas:

(...) eu mesma fiz uma pesquisa, assim de boca a boca: “a sua filha estuda na escola pública? Qual escola? O quê que você acha?” (...) Então assim, fui fazendo a pesquisa, aí todo mundo me indicou o Olavo Bilac (...) que é uma escola boa, com ensino bom (...). Mas da região é a melhor que tinha, pelo menos na pesquisa que eu fiz, de boca a boca: amigos, pessoas conhecidas, vizinho. (Ana. Entrevista de pesquisa, outubro de 2018).

É claro que se a gente for pensar que... entre as escolas públicas, aqui ´[no Olavo Bilac] está melhor (...) essa questão do conteúdo ´[do ensino], de IDEB. Mas... e é uma coisa que a gente precisa se preocupar também porque também tem que ter essa formação formal. (Olívia. Entrevista de pesquisa, agosto de 2019).

Ainda sobre os critérios de escolha da escola, um elemento bastante destacado nos depoimentos diz respeito ao público, ou, em termos mais elucidativos, às características (sociais, étnicas e, até mesmo, escolares) do grupo de pares com quem os filhos deverão conviver. Como visto em relação à literatura internacional, mesmo no caso das famílias inglesas e francesas que optam deliberadamente por misturar seus filhos com colegas de origem social e étnica diversa de si, há sempre uma preocupação de que eles tenham também colegas cuja socialização familiar seja similar à sua. E, para as famílias do estudo brasileiro realizado por Piotto (2002, 2006), a “mistura” é algo a ser evitado.

Na presente pesquisa, ao ser indagada sobre a situação ocupacional dos pais dos colegas de sua filha, uma das mães entrevistadas evidencia sua percepção de haver uma relativa diversidade, mas sua ênfase recai sobre ocupações mais qualificadas e mais próximas de sua própria posição de classe:

É uma mistura (...). Você pega pais empresários, você pega pais com faculdade, eu que sou arquiteta, tem a E. que é arquiteta, tem a A. que é professora, tem a P. que é socióloga (...). Na sala de aula dos alunos tem mais professores, tem engenheiros(...). São administradores, tem advogados. E aí tem os pais que são mais simples, que não tem formação nenhuma. (...)Na região é a ´[escola] que tem o perfil ´[social] melhor, mais elevado. (Ana. Entrevista de pesquisa, outubro de 2018).

A esse respeito, pareceu muito revelador o fato dessa mesma mãe declarar, de modo bastante positivo, que “No prédio que eu moro tem uma professora que é de lá, do Olavo Bilac”.

No entanto - e de modo oposto - os dados são ainda mais incisivos quando se trata de famílias vistas como “diferentes de si”. Neste caso, fica nítido o receio da influência negativa do convívio com o outro considerado como “indesejável” (Van Zanten, 2009b, p. 34). Uma das mães, ao contar que chegou a recusar a escola que lhe fora atribuída - por meio do critério de georreferenciamento - pelo órgão governamental encarregado de gerenciar os dispositivos de setorização da matrícula, afirma:

Porque a escola que eles ´[órgão da Secretaria de Educação do município] colocaram ela ´[a filha] tem muito risco social (...) E o Olavo Bilac é melhor (...) Não que não tenha ´[risco social], mas que era melhor (...) (Renata. Entrevista de pesquisa, abril de 2019).

Outra mãe entrevistada, ao relatar detalhes de sua pesquisa “de boca a boca” sobre os estabelecimentos públicos da região, declara:

Que tem a Escola Municipal Machado de Assis, aí me falaram ´[que] tinha um perfil mais baixo. Aí tem aquela ´[escola] lá de cima... que fica mais perto da comunidade (...) aí falaram: “nem pensar, não vai”, por estar perto da favela (...). Então, da região, que eles ´[pessoas conhecidas]me falaram, a melhor escola municipal que tem é o Olavo Bilac, com o perfil melhor. Pela região onde ela está localizada, não tem tanto ônibus, não tem comércio... Então assim, já limita um pouco das pessoas irem. Mas não quer dizer que não vão. Que a escola pública ela já é pra ser pública. Pra todos, não é pra selecionar as pessoas, é pra todos. (Ana. Entrevista de pesquisa, outubro de 2018).

Vale ressaltar que a declaração de Ana, no trecho acima, tem conteúdo equivalente à de uma das mães entrevistadas na pesquisa de Piotto (2006, p. 46), a qual afirma que a escola em questão (Escola Guimarães Rosa) foi escolhida, dentre outros motivos, porque “tinha fama de não ter muita criança de periferia”, o que era favorecido pela localização: “Aqui tem que ter carro, é difícil vir de ônibus, é um bairro bom”. Assim, a localização operaria, nas palavras de Piotto, uma espécie de “seleção natural” que atrairia os pais de classes médias, uma vez que estudantes de camadas populares só poderiam frequentar a escola caso suas famílias pudessem arcar com as despesas do transporte coletivo. Foi o que também se observou na Escola Olavo Bilac, na qual, ao lado dos carros particulares mencionados pelos profissionais e atribuídos às famílias das classes médias, uma grande quantidade de ônibus e vans escolares realizava o transporte das crianças. Ou seja, mesmo as famílias populares que mantinham filhos na escola eram, de alguma forma, relativamente “selecionadas” pela possibilidade de custear esse tipo de transporte.

Além das motivações das famílias para escolher a escola pública, é importante, também, conhecer as estratégias que cercaram o ato de escolha. No caso das mães entrevistadas, depois de se decidirem pela Escola Olavo Bilac, elas empreenderam uma verdadeira batalha, com duração de alguns meses, para conseguir a vaga. Uma delas, Ana, narra o difícil processo enfrentado por ela e por sua vizinha, Renata, ambas integrantes da Comissão, para matricularem as suas filhas na escola. Como conseguiram as duas vagas, as meninas entraram, juntas, na Olavo Bilac:

Não foi fácil (...) porque como a escola é a melhor da região, que todo mundo fala assim bem, então a procura lá na região é muito grande. Não foi fácil (...) aí eu fui na Regional, não tinha vaga. (...). Eu falei: “minha opção é o Olavo Bilac”. Ela ´[funcionária da Regional] falou: “Então você vai ter que esperar (isso foi no mês de outubro), vai ter que esperar fevereiro. Dia 2 de fevereiro as aulas começam, que aí sim, você vai lá na escola pra ver se você consegue.”. Aí eu e a Renata ´[vizinha e mãe da amiga de sua filha] nós fomos lá pro ´[Escola Olavo Bilac] (...) A ´[a secretária da escola] falou: “Olha, você tem que ir na regional”. Aí que nós fomos explicar: “Nós já fomos na regional, lá na regional não existem vagas (...)”. Ela ´[a secretária] falou: “realmente, nós não temos vagas, você tem que ficar esperando”. E como tinha eu mais a Renata, então não era só uma vaga, eram duas vagas, na mesma série. Ela falou: “Pode ser que eu consiga uma vaga. Pode ser. Mas não vou garantir. Vocês vão pra casa, eu vou ligar” (...) Aí esperei uma semana, aí eu fui lá, todo dia eu ligava, ia lá... (...) Então quer dizer, as chances de conseguir vaga lá eram zero. Aí a sorte foi que teve dois pais lá que pediram transferência, mudaram de cidade, aí nós conseguimos vaga. (Ana. Entrevista de pesquisa, outubro de 2018).

À semelhança das pesquisas internacionais examinadas na segunda seção deste texto, um elemento chamou a atenção, nos dados coletados: a constatação de que os pais de estratos da classe média que optaram pela escola pública foram acometidos de forte “ansiedade” e “medo” decorrentes dos “riscos” que assumem ao colocar seus filhos em contato com “o outro”, com aqueles que “não são como nós”. Do mesmo modo que nas análises de Crozier et al.. (2008) e Reay et al.. (2007), uma forte dose de ansiedade esteve presente no discurso dos pesquisados, seja por receio de influências consideradas nefastas sobre o comportamento dos filhos, seja pelas incertezas quanto a possíveis consequências negativas sobre seu rendimento escolar, decorrentes da convivência com colegas que não valorizariam o sucesso acadêmico de modo suficiente. Os sentimentos expressos por Renata e Ana, em suas entrevistas, parecem alinhar-se a essa mesma chave interpretativa:

(...) eu tinha muita insegurança com escola pública apesar de ter estudado a vida toda em escola pública. Mas você fica com medo, porque (...) realidades diferentes e tal...(...) então, eu pensei, minha mentalidade, que era mais seguro manter ela ´[a filha] numa escola particular. E também a gente tinha condição financeira boa (...). E com muita insegurança coloquei ´[a filha na escola pública]. E me surpreendeu, porque, hoje eu falo que eu não tiro ela da escola pública mais, porque eu acho que ela desenvolveu muito mais do que ela estava desenvolvendo na escola particular ´[a que a filha frequentava antes de ser matriculada na Olavo Bilac, na qual teve dificuldades e foi sugerido procurar professor particular]. (Renata. Entrevista de pesquisa, abril de 2019).

(...) o meu maior medo era tirar da escola particular e ir pra uma pública porque a escola pública... Eu estudei na escola pública, mas hoje todo mundo fala tão mal da escola pública (Ana. Entrevista de pesquisa, outubro de 2018).

A ESCOLHA VIVENCIADA NO COTIDIANO DA ESCOLA PÚBLICA

Para além das motivações e dos cuidados no processo de escolha da escola pública, bem como das estratégias iniciais para amenizar as inseguranças que o cercaram, as observações e entrevistas realizadas permitiram ter acesso a algumas dimensões da experiência vivenciada pelas famílias na relação cotidiana com essa instituição. Os dados empíricos recolhidos permitem sustentar que a ambivalência é uma das marcas mais fortes dessa experiência.

De um lado, verificou-se uma satisfação e, mais do que isso, uma surpresa positiva das famílias com os benefícios advindos da gratuidade do serviço e dos recursos mais abundantes do que esperavam encontrar numa instituição pública. Nesse sentido, uma das mães relata que a filha disse se surpreender com o fato de que “o prefeito que manda na escola (…) é tudo grátis. A gente vai no cinema e não tem que pagar”. A surpresa positiva com a estrutura da Escola Integrada10 (tamanho do espaço, presença de piscina e quadras) também compõe o conjunto de vantagens da escola Olavo Bilac, ainda que sejam apresentadas muitas reservas com relação ao serviço dos bolsistas, monitores e professores responsáveis por esse Programa.

O receio quanto ao desenvolvimento intelectual das crianças, embora tenha marcado o conjunto de dilemas prévios à escolha pela Olavo Bilac, não marca a experiência das famílias após a entrada na escola. Ao contrário, o ritmo e a abordagem pedagógica da EMOB parecem agradar aquelas mães cujos filhos apresentavam dificuldades de adaptação às escolas privadas anteriormente frequentadas, as quais, segundo uma das entrevistadas, “tacavam matéria” e não se preocupavam com “o ensino, o interesse do aluno”. O depoimento de Renata, apresentado no final do tópico anterior, ilustra essa afirmação, quando a mãe diz que se surpreendeu com o desenvolvimento da filha na EMOB, maior do que na escola privada que frequentava antes.

De outro lado, se de forma geral as famílias não expressam insatisfação com a qualidade do ensino, várias declarações e atitudes indicam uma insegurança com relação à estabilidade do bom serviço, assim como manifestam aspectos mais específicos do que, como disse uma das mães, “pode melhorar”. Tais aspectos serão detalhados no próximo tópico deste texto. Antes de tal detalhamento, cabe observar, a esse respeito, que as experiências das crianças e suas famílias ganham contornos específicos na escola pública, sendo marcadas tanto pela comparação com as escolas privadas anteriormente frequentadas quanto pela tentativa de controle sobre as diversas dimensões da vida escolar, desde a pedagógica até a administrativa. Assim, as famílias pesquisadas, embora tenham se mostrado surpresas com as vantagens oferecidas pela escola Olavo Bilac, manifestam, de diferentes formas, a necessidade de melhorar o que não lhes parece suficiente, sendo que o padrão de suficiência é construído com base nas instituições privadas que conheceram11. Ainda que esse tipo de atitude pudesse estar presente na escola privada, na forma de queixas como clientes do estabelecimento, na Olavo Bilac, devido à sua natureza de instituição pública, e também a uma postura receptiva e inclusiva da direção em exercício, as demandas e colaborações das famílias12 são justificadas como participação cidadã numa gestão democrática e transparente. Em vários momentos as dimensões de abertura, por parte da gestão, e de colaboração, por parte das famílias, foram reiteradas ao longo das reuniões da Comissão de Famílias, para introduzir reclamações ou mesmo fazer exigências.

A intervenção requerida pelas famílias pesquisadas no cotidiano da escola não pode, por óbvio, ser estendida a todas as famílias de classe média usuárias da escola pública, mas ilumina especificidades que não teriam lugar em escolas com uma menor permeabilidade da gestão às demandas das famílias, como eram os casos das escolas privadas anteriormente frequentadas.13Uma situação mencionada por uma das mães entrevistadas ilustra esse ponto. Ela afirma que, diante das reclamações de um grupo de pais da instituição privada que sua filha frequentava, o diretor marca um “café” para ouvir as famílias, mas não lhes dá espaço real de fala durante a referida reunião. Uma vez na Escola Olavo Bilac, essa mãe, bem informada sobre os mecanismos e recursos disponíveis aos usuários das escolas públicas, além de apresentar suas demandas à diretora, às professoras e aos coordenadores, afirma poder “defender os direitos da filha” no âmbito da secretaria e sub secretarias de educação:

Igual eu conversei com a diretora: “Amanda, sempre quando eu vier conversar com você, se eu ver que a minha filha está passando por situação de constrangimento, que ela não está aprendendo, ela não está conseguindo acompanhar, o que é papel da escola, eu venho cá te cobrar, e se eu ver que você não resolveu eu vou na professora. Se eu ver que a professora não resolveu, eu vou passar aos meios... que eu como mãe sou obrigada a defender os direitos da minha filha”. Ela ´[disse]: “Não, você tá certa”. Mas sempre fui assim. E os pais que eu convivo, lá todos são assim. (Ana, entrevista de pesquisa, outubro de 2018).

Além das questões de ensino propriamente ditas, uma dimensão da experiência das famílias de classe média na escola pública geralmente vivida de modo bastante ambivalente é a do convívio com a diversidade. Nas pesquisas sobre a presença das classes médias em escolas mistas e abrangentes na França e Inglaterra, uma premissa se destaca no conjunto de justificativas das famílias para a escolha do estabelecimento: a da defesa da escola pública como lócus privilegiado para construção de um modelo integrador e não conflitivo de relacionamento entre classes sociais. No entanto - como já apontado -, a outra face dessa mesma atitude foi designada pelos pesquisadores ingleses de “altruísmo auto interessado” (Reay et al.., 2007), que reúne dois elementos: o comprometimento ético e político concretizado na opção pela escola pública e a vantagem consequente da convivência cotidiana com a diversidade, a qual favoreceria a formação cívica e existencial das crianças. Dentre as famílias abrangidas neste estudo, o contato com a diversidade apareceu como uma consequência valorada positivamente, ainda que, com exceção de Olívia, não tenha constituído um critério de escolha, só vindo a ser reconhecida a partir da experiência na instituição:

Por exemplo, no ´[escola privada] é uma seleção de pessoas, é um grupinho ali e você pega de 10 alunos, 15 alunos dentro da sala, e que você vai formando aquele grupinho perfeito, dos sonhos, tanto que ela ´[a filha] foi ter contato com criança deficiente físico, autismo, no Olavo Bilac, e isso ela falou: “Mãe, eu não sabia”. Quer dizer, eu nem, também não atinei que minha filha não tinha essa consciência de situação, e lá ´[Olavo Bilac] ela tem esse relacionamento. ´[...] por mais que você queira o melhor pro seu filho, você tem que entender que seu filho tem que viver num mundo que é esse, que tenha, filhos com deficiência, com Síndrome de Down, criança mais simples. Porque ela falou que lá tem criança muito simples, porque tem coleguinha dela que fala que nem tem muito brinquedo, só tem uma boneca. Então ela tá tendo esse contato com essa criança, eu acho que isso pra ela é muito bom (Ana. Entrevista de pesquisa, outubro de 2018).

Porém, com exceção, novamente, de Olívia, que inclui entre os motivos de sua escolha a defesa da escola pública, a dimensão ética ou altruísta não somente não se apresenta como parece não fazer sentido na gramática moral das famílias, que consideram valoroso o sacrifício do orçamento familiar em favor do pagamento da escola privada. Desse modo, o afastamento da escola privada pode gerar sofrimento e um ônus de justificação. Esse é um dos sentidos com que pode ser entendido o “testemunho”, durante uma das reuniões da Comissão de Famílias, de uma das mães participantes, a qual, inicialmente receosa em matricular seu filho na Olavo Bilac, confessou estar positivamente surpreendida com a instituição, o que a estimulou a defender a construção de uma campanha de marketing para a divulgação da qualidade da escola:

Vou dar um pequeno testemunho. Eu fiquei com muita restrição de colocar meu filho aqui. Mãe quer o melhor pro filho, não é? E aí eu estava desempregada, aí falei “gente, quero uma escola particular”, quero, quero, quero, e não conseguia e eu sabia que ele ia vir pra cá (...) E eu estou surpresa com o que meu filho está aprendendo (...) Então, eu acho que uma campanha de valorização da escola seria interessante, um ato de começar a divulgar as coisas bacanas que tem aqui. (...) Por que a UMEI ´[unidade de educação infantil da rede municipal de Belo Horizonte] é tão valorizada? Marketing. Começaram a fazer uma propaganda na televisão: porque é referência, (...) é bom, é bom, é bom; e eu acho que isso seria bacana para cá. Vamos começar a divulgar, vamos começar a mostrar o que a escola tem a oferecer. (Raquel, mãe de aluno e membro da Comissão de Famílias. Trecho de transcrição de reunião da Comissão de Famílias, abril de 2018).

A proposta de divulgar “as coisas bacanas” “que a escola tem a oferecer” pode assumir um sentido de validação que, ao invés de apenas evidenciar a satisfação com a escolha pela escola pública, parece também sinalizar certa dose de ambiguidade e de insegurança na relação das famílias com essa instituição, especialmente considerando o contexto de forte aspiração à escola privada, tão enfatizado no depoimento de Raquel e nos demais. Tal hipótese ganha mais força quando se considera a busca constante de ajustes, traduzida na ideia de “fazer a escola melhor”, que marca a própria iniciativa da Comissão de Famílias e é confirmada em diversas estratégias e atitudes face à escola, algumas das quais serão descritas no próximo tópico do texto. Tais estratégias e atitudes sugerem que, embora positivamente surpreendidas com alguns aspectos ligados à gratuidade, à boa estrutura e até mesmo ao ensino na Escola Olavo Bilac, essas famílias tratam a qualidade pedagógica da instituição como algo permanentemente sob suspeita, sujeito, portanto, a vigilância e intervenção, as quais se dispõem e se sentem, de alguma forma, autorizadas a realizar.

AS ESTRATÉGIAS FAMILIARES FACE À ESCOLHA

Tal como abordado anteriormente, a tentativa de controlar o funcionamento dos estabelecimentos de ensino constitui um traço comum às famílias investigadas. Este traço se desdobra em um conjunto diversificado de estratégias que vão da presença constante na escola e vigilância intensiva de seus profissionais à participação ativa em seus órgãos de informação, consulta e tomada de decisão (conselhos de classe e de administração, associações de pais de alunos etc.), passando pelo monitoramento estreito da escolaridade e do progresso escolar dos filhos. A mais evidente dessas estratégias foi a criação da “Comissão de Famílias” - em que pese sua curta duração, pelo menos durante o tempo de realização da pesquisa -, mas há outras que também merecem destaque.

Em relação ao monitoramento da escolaridade dos filhos, uma das mães sinaliza tanto o acompanhamento no espaço doméstico, por meio de supervisão dos cadernos e de conversas com a filha, quanto a iniciativa de ir à escola para checar informações - estratégias essas adotadas também, de modo geral, pelas outras famílias:

Eu pego os cadernos e vejo o que tem o que não tem, o que está fazendo, o que não está. Aí teve uma vez que eu peguei o caderno dela ´[da filha] de Inglês, quando chegou na metade do ano o caderno tinha duas folhas preenchidas, eu falei: ‘- Ela não está estudando inglês’. Aí ela disse assim: ‘- Ah, professora de inglês quase não dá matéria nenhuma!’, aí eu falei: ‘-eu vou lá procurar saber se ela não dá matéria, porque se ela dá matéria o problema é você, não é ela’. Porque como que ela vai passar matéria se o aluno não estudar aquilo.! Aí fui lá, passei até vergonha, mas fui. Cheguei lá, o caderno de todo mundo estava completo, só o dela que não. (Ana. Entrevista de pesquisa, outubro de 2018).

Ao ser solicitada a avaliar a escola Olavo Bilac, essa mãe responde:

“Embora seja uma escola grande, é uma escola boa, desde que você acompanhe seu filho, na escola. Você não pode deixar... Como qualquer escola”. (Ana. Entrevista de pesquisa. Outubro de 2018).

Fica claro, nesse depoimento, que o acompanhamento à vida escolar dos filhos não é, em si, decorrente do fato de estes estarem frequentando uma escola pública, mas seria realizado em “qualquer escola”. Em outro trecho da entrevista, Ana afirma que fazia o mesmo na escola particular em que a filha estudava antes:

Tinha, tinha ´[a mesma atitude de monitoramento e questionamento, na escola particular]. A mesma situação, tanto que, assim, quando eu fui lá questionar, é... questão do ensino, de ver que minha filha não estava aprendendo o dever, não conseguia formular, responder ou ler ou entender o que estava lendo, eu ia na escola. Eu ia lá e falava: “Minha filha não está assim, não está assado. Por quê?”. (...) Aí eles tinham desculpa: “é da idade, e ela tem o tempo dela de aprendizado, você não preocupa” (Ana. Entrevista de pesquisa, outubro de 2018).

De fato, o monitoramento intensivo da vida escolar dos filhos e a atitude racional e proativa em relação ao desempenho escolar e à reivindicação de um ensino considerado eficaz - demonstrados nos depoimentos de Ana - constituem traços típicos das famílias de camadas médias que, em um contexto de massificação do ensino e de exacerbação da competição educacional, lançam mão dos recursos culturais, sociais e econômicos que possuem para favorecer a escolaridade dos filhos (Nogueira, 2013b; Fialho, 2012 ). Ou seja, quanto a isso não haveria relevância ou originalidade nos achados, considerando as pesquisas já existentes no Brasil.

Porém, na Escola Olavo Bilac e considerando o grupo de famílias de classes médias aqui analisado, o que chama a atenção é que, exatamente como relatado por Crozier et al., em relação ao grupo por eles investigado: “Ao monitorar as crianças, os pais, por sua vez, monitoravam os professores e, quando não estavam satisfeitos, contatavam o diretor diretamente” (2008, p. 269, tradução nossa). No caso da Olavo Bilac, contatavam também o próprio professor, demonstrando as atitudes de vigilância, acesso privilegiado a informações e questionamento de práticas pedagógicas, descritas por Van Zanten (2009a). E, sobretudo: seja acionando a diretora, seja manifestando-se diretamente face aos professores, chamava a atenção a horizontalidade estabelecida por essas famílias em relação aos profissionais escolares, quando não, a ascendência que pareciam assumir em relação a eles.

Ana, por exemplo, relata uma reunião em que os pais se mobilizaram previamente por grupos de WhatsApp para questionar uma professora que havia aplicado provas imediatamente após o retorno das férias de julho. Na ocasião do questionamento, ela aproveitou a oportunidade para questionar com a professora a forma de tratamento dada à sua filha:

(...) a professora falou: “Ah, eu sou rígida”. Eu falei: “Olha, você ser rígida nós não questionamos. Acho que o professor tem que ser rígido mesmo, até porque são 32 alunos, você tem que ter pulso firme. Mas falta de educação e falta de respeito, não.” Tanto que os alunos, pra você ter ideia, fizeram música ´[de deboche] pra professora. Ela falou: “Eles estão fazendo bullying comigo”. Eu falei: “Pois é (...) criança de 9 anos fazendo bullying com você!”. (...) Depois eu conversei com ela... “Estou conversando com você, a minha filha está chegando atrasada na escola porque todo dia de manhã é uma chororeira em casa, que ela não quer vir na aula por sua causa, porque você é grossa, você trata ela com falta de respeito, você xinga ela, então, eu não admito...” (...) Eu gostaria que você mudasse com a minha filha. Eu gostaria que você não levasse pro lado pessoal e perseguir ela. (...) Se eu sentir que você tá fazendo isso, nós vamos ter que tomar providência diferente, aí exige secretaria de educação, existe outros meios... Que até então está na escola”. (Ana. Entrevista de pesquisa, outubro de 2018).

É digno de nota, no trecho acima e em outros citados ao longo deste trabalho, o tom com que as mães se dirigem tanto à professora quanto à diretora, valendo-se de seu capital informacional (no caso, informações a respeito de instâncias educacionais como a Secretaria de Educação) para fortalecer as próprias demandas. Durante as reuniões da Comissão de Famílias, foram listadas as mais diversas queixas e demandas apresentadas pelas mães e pai à diretora: um professor que usava excessivamente o celular durante as aulas; o atraso na entrega do material escolar do Ministério da Educação para as crianças; o fato de a escola não possuir um site no qual as famílias pudessem consultar as notas de seus filhos e a programação de eventos; as atividades desenvolvidas pela escola no “contraturno’ (Programa Escola Integrada).

No caso específico da Escola Integrada, questões pedagógicas e administrativas foram firmemente questionadas. Assim, uma mãe questionou que os filhos tinham horário para fazer a lição de casa durante o contraturno (no horário oposto às aulas regulares) e ela não concordava. Para ela, o dever de casa deveria ser feito em casa e, no período integral, os filhos poderiam ter aulas de reforço. Reclamações recaíram também sobre o “despreparo” dos tutores atuantes em regime de tempo integral. Uma das mães até sugeriu a contratação de novos tutores. Como vários aspectos do funcionamento da Escola Integrada não foram satisfatoriamente respondidos pela diretora, as mães reivindicaram que a coordenadora do projeto de tempo integral participasse das reuniões da Comissão.

Tais reclamações, assim como diversos trechos das gravações de reuniões da Comissão de Famílias, evidenciam a gama de aspectos escolares em relação aos quais as mães se mantêm informadas e se sentem autorizadas a intervir. Tal como estão registradas, denotam o acento de autoridade com que as famílias muitas vezes se dirigem à diretora, a qual parece acuada e na defensiva, em certa medida “refém” do grupo de pais:

Após longa discussão sobre o Programa Escola Integrada, com explicações por parte da diretora, Ana questiona que não tiveram reunião para “entender” o Programa e Amanda ´[diretora da escola] diz que Luana ´[coordenadora do PEI] já está planejando. Outra mãe, Letícia, volta ao assunto de como o Mais Educação está funcionando na Integrada e diz que não há reforço escolar. Amanda diz que tem, elas ficam discutindo sobre isso. Amanda explica tudo de novo e diz que está no reforço quem precisa do reforço, que não é para todos os alunos, apenas para os que precisam após serem avaliados. Letícia diz que sabe da necessidade do filho e quer o filho no reforço. (Reunião da Comissão de Famílias, março de 2018).

Letícia volta a repetir o que pensa sobre dever de casa e reforço escolar; enfatiza que não reconhece o trabalho que Amanda diz a todos que acontece na Escola Integrada. Olívia explica que o que a Letícia quer, e que é uma reivindicação, é que os momentos pedagógicos dentro da Integrada sejam acompanhados por mediadores e não monitores sem nenhuma formação, que inclusive o dever de casa tem de ser acompanhado por mediador. Amanda explica que na Secretaria de Educação há cargos e atribuições e isso ela não pode mudar. Olívia questiona quanto tempo por semana o mediador passa com as crianças e Amanda diz que “não sabe dizer” ... As mães reclamam por ela não saber e sugerem que a Luana esteja presente para sanar essas questões. Amanda diz que a reunião com Luana já está planejada. (Reunião da Comissão de Famílias, março de 2018).

Essas mães evidenciam, também, forte presença na escola, muitas vezes com o objetivo explícito de fiscalizar o trabalho escolar. Duas mães entrevistadas relataram, durante as entrevistas, ter o hábito de ir à escola em horários diferentes, sem agendamento prévio, apenas para "ver o que está acontecendo". Em uma ocasião, uma delas havia estado na escola na hora do almoço e, na reunião da Comissão, questionou a diretora por que as crianças ficavam sentadas no chão assistindo TV após a refeição. Em sua opinião, as crianças não estavam sendo bem cuidadas, pois não existiam locais confortáveis para elas se sentarem.

É interessante observar que a relação estabelecida entre essas famílias e a Escola Olavo Bilac se mostra, quanto a esses aspectos, bastante diferente da verificada por Piotto (2002; 2006) na Escola Guimarães Rosa. Nessa última, foram mais numerosos os embates e diversas as situações em que a diretora adotou estratégias para resguardar a si mesma e à equipe de professores das interferências das famílias. Por exemplo, houve uma situação semelhante à observada acima, na qual a presença das famílias na escola gerou uma reivindicação à direção. No caso da Guimarães Rosa, as mães permaneciam no pátio até que as crianças entrassem na sala de aula e, assim, constataram o grande número de faltas de uma professora, solicitando providências. A primeira atitude da diretora, então, foi proibir que as famílias ficassem no pátio, no horário de entrada. Pelo menos durante o período de realização da pesquisa de campo, não se constatou nenhuma medida equivalente, por parte da diretora do Olavo Bilac.

Por fim, em consonância com Van Zanten (2009a), foi possível perceber que a Comissão de Famílias se tornou, para as mães e o pai que dela participavam, um espaço de acesso privilegiado a informações sobre o funcionamento da escola. Por exemplo, uma mãe da Comissão sabia quando uma das professoras voltaria da licença, enquanto a própria diretora não detinha essa informação. Durante as reuniões da Comissão, a diretora apresenta aos participantes algumas informações que a maioria das famílias da escola certamente não possui: dados sobre desligamento e contratação de pessoal, inclusive explicando detalhes sobre o processo de contratação; detalhes do orçamento da escola, bem como as prioridades de despesas definidas pelo conselho; informações sobre o tratamento de dados pelo sistema educacional municipal e seus limites etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste texto foi a de uma abordagem exploratória sobre a escolha da escola pública por famílias de camadas médias brasileiras e a experiência de relação família-escola dela decorrente. Os dados empíricos obtidos, somando-se aos resultados de pesquisas nacionais e internacionais já existentes, permitiram levantar algumas hipóteses e formular questões que parecem importantes tanto para o debate sobre o contexto educacional atual, quanto para estudos futuros.

Antes de tudo, evidenciou-se a complexidade do processo de escolha da escola, para as famílias envolvidas. De um lado, trata-se de um processo racional, no qual, de modo mais explícito ou mais subliminar, as famílias realizam cálculos de “custo x benefício” e constroem estratégias de rentabilização de lucros simbólicos e/ou de reparação de danos. De outro lado, é um processo que também envolve valores, preconceitos, inseguranças, expectativas, ansiedades, provocando conflitos e dilemas que talvez sejam mais intensos justamente entre as classes médias, ou pelo menos para algumas de suas frações, tendo em vista os lugares sociais fronteiriços que ocupam ou as pressões conflitantes a que são submetidas.

Como lembram Crozier et al. (2008), as classes médias contemporâneas contam fundamentalmente, para sua reprodução social, com estratégias educacionais que pressupõem, de alguma forma, priorizar o interesse privado - o qual se torna socialmente validado por meio da imagem de “bons pais” que promovem as melhores condições para o desenvolvimento dos filhos. Nos países contemplados na literatura estrangeira aqui utilizada, nos quais a escola pública foi historicamente construída como um valor republicano e democrático, a escolha por ela pode trazer lucros simbólicos, tanto no sentido de se corresponder a um “bom cidadão” quanto no de proporcionar à prole condições para se formar como tal, preparando-a para viver em um mundo complexo e globalizado.

Já no caso brasileiro, ao contrário, em um cenário de desigualdades muito mais acentuadas e, além isso, mais naturalizadas, a escola pública tem passado, nas últimas décadas, por um forte processo de desacreditação. Tanto nos dados aqui discutidos quanto nos apresentados por Piotto (2002; 2006) e por Nogueira, M. e Nogueira, M.A (2017), pais e mães de classes médias afirmam que, embora tenham estudado na rede pública de ensino, gostariam a todo custo de evitá-la na formação dos filhos. Nesse meio social, no cenário brasileiro, tal evitamento faz parte da representação social de ser “bom pai” ou “boa mãe”. Assim, nessas pesquisas, a opção pela escola pública é, na grande maioria dos casos, motivada prioritariamente por razões financeiras. Os benefícios formativos (ligados à experiência da diversidade, por exemplo) aparecem secundariamente, por vezes após certo tempo de experiência na escola.

Para além das diferenças, entretanto, observa-se, nos dados levantados no presente estudo, nos trabalhos de Piotto (2002; 2006) e de Nogueira, M. e Nogueira, M.A (2017), nas pesquisas inglesas e francesas consultadas, a convergência de diversos elementos referentes ao modo como a escolha é vivida no contexto da escola pública e às estratégias criadas pelas famílias para sustentá-la sem prejuízo do projeto de formação que têm para os filhos. Um primeiro elemento comum é a dose de ansiedade e tensão que cerca esse processo. Outro aspecto convergente é que, nesses distintos contextos, as famílias lançam mão de estratégias semelhantes para minimizar os riscos que consideram envolvidos em sua opção. Tais estratégias vão desde o acompanhamento estreito da vida escolar dos filhos até a participação direta na escola e em órgãos de gestão, como forma de possibilitar o monitoramento do cotidiano escolar e a intervenção nele.

Em seus trabalhos, Van Zanten (2010, 2009a, 2007) chega a utilizar o termo “colonização” para fazer referência a essa pressão exercida pelas famílias para influenciar, a partir de seu próprio ponto de vista, as escolas públicas nas quais matricularam seus filhos. A noção refere-se, portanto, à atitude de pais muito mobilizados e que dispõem de recursos simbólicos e materiais para exercer tal pressão. Em diversas situações, na Olavo Bilac, tal noção parecia fazer sentido para analisar a relação estabelecida, com a escola, pelas mães da Comissão de Famílias. As mães afirmavam estar trabalhando pela “melhoria da escola” - e certamente o estavam, mas uma melhoria baseada em seus próprios pontos de vista e prioridades, uma vez que a Comissão não tinha um caráter representativo.

Por exemplo, em relação ao questionamento sobre a realização de deveres de casa no horário da Escola Integrada, a reclamação não representa necessariamente a maioria das famílias, pois grande parte delas necessita que os filhos façam os deveres na escola, por não possuírem condições materiais ou culturais para os acompanhar em casa. Em contrapartida, demandas que podem eventualmente vir a ser de grande parte da comunidade escolar - melhorias no transporte das crianças, por hipótese - podem ficar invisibilizadas na medida em que, não constituindo problemas para os membros da Comissão, não são por eles vocalizadas.

No caso brasileiro, essa análise se mostra especialmente relevante pela atipicidade que representa, entre nós, a presença das classes médias (pelo menos em suas frações mais favorecidas) na escola pública. Os dados analisados indicam que, quando essa presença acontece, ela se configura no contexto de uma concorrência entre estabelecimentos que penaliza aqueles dos quais as classes médias fogem, aos quais são atribuídos os estigmas de “escolas de comunidade” ou com público “de risco social”, como mencionado pelas mães entrevistadas. No interior dos estabelecimentos que recebem as camadas médias, por sua vez, os que conseguem vocalizar suas demandas ocupam um lugar extremamente ambíguo, pois são formalmente sujeitos às mesmas regras e detentores dos mesmos direitos, mas na prática podem acabar sendo beneficiados.

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1Neste artigo serão usadas, de modo equivalente, as expressões “classes médias” e “camadas médias”, apenas para aliviar o texto de repetições, não cabendo aqui uma discussão mais aprofundada a respeito do conceito de classes sociais.

2No sistema de ensino inglês, comprehensive schools são um tipo de escola pública “secundária” (alunos a partir de 12 anos) disseminado desde a década de 1970 com o objetivo de democratizar a educação. Até então, o ensino secundário inglês era dividido em três ramos, aos quais os estudantes eram designados conforme seu desempenho em exames ao final do primário. Atualmente, a maior parte dos estudantes secundários frequenta comprehensive schools, cujo currículo combina elementos dos três antigos ramos e que não praticam seleção de ingresso, sendo por isso consideradas “abrangentes”. O texto de Crozier et alii (2008) indica que, no conjunto das comprehensive schools, algumas famílias de classes médias realizam escolhas pelas que são melhor posicionadas nos rankings de avaliação, enquanto outras optam por manter os filhos na comprehensive school local, cujo público tende a ser mais diversificado. Essas últimas são o foco do referido artigo.

3Neste artigo, todos os nomes das instituições e dos sujeitos são fictícios

4Tal contexto empírico insere-se em investigação mais ampla sobre relação família-escola na escola pública, desenvolvida em duas instituições - a EMOB e a Escola Municipal Cecília Meireles (EMCM) - entre os anos de 2017 e 2019. A pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa em 26/03/2018, com o registro CAAE 82752417.4.0000.5149.

5Índice de clima escolar” é um indicador que apresenta, em escala de 1 a 10, a percepção de estudantes e profissionais sobre as expectativas e as experiências vividas na escola. Entre as 14 escolas contempladas no documento (SMED-BH, 2018), o índice varia de 3,4 a 10; o da EMOB é 7,9.

6Sigla para o “Índice de Desenvolvimento da Educação Básica”, mais importante indicador sintetizado da qualidade da educação básica brasileira, em uso pelo Ministério da Educação. O IDEB atribui, a cada estabelecimento de ensino público, um valor cuja escala vai de 0 (o pior escore) a 10 (o melhor escore)

7cf. https://novo.qedu.org.br/, acesso em 20 mai. 2022.

8Após esses três encontros, as reuniões foram suspensas devido a problemas familiares enfrentados pela diretora e, até o final da pesquisa, não haviam sido retomadas

9Tentou-se realizar entrevistas com outros membros da Comissão, mas não se obteve o seu aceite - a não ser o de um pai, cuja entrevista não será discutida neste texto por ele não se enquadrar no perfil de famílias de classes médias aqui abordado. Da mesma forma, nas outras oito entrevistas realizadas com famílias da EMOB, o perfil era de camadas populares.

10“Escola Integrada” se refere ao programa de tempo integral da rede municipal de ensino de Belo Horizonte, desenvolvido no contraturno escolar. No caso da Escola Olavo Bilac, o Programa atende apenas a uma parte dos estudantes e funciona em um prédio externo à escola, alugado, com boa estrutura para as atividades, incluindo piscina e quadra.

11Com exceção de Olívia, cujos filhos sempre frequentaram a escola pública. No caso dela, os controles e cobranças exercidos sobre a escola baseiam-se não nas experiências com a rede privada, mas em um ideal de escola pública republicana contemporânea: diversa, crítica, engajada, democrática e de qualidade.

12As ações colaborativas das famílias eram variadas. Ana, arquiteta, se disponibilizou a fazer pequenos projetos para reformas da escola. A diretora também pediu às mães que a ajudassem a ligar para prefeitura cobrando a poda das árvores que circundam a escola. Uma ação muito citada e louvada pela diretora nas reuniões da Comissão de Famílias foi a criação de uma horta da EMOB. O projeto, capitaneado por um pai, era citado pela diretora como exemplo de interação produtiva entre famílias e escola.

13No universo das escolas públicas há também uma diversidade de maneiras com as quais a gestão lida com as reivindicações das famílias. No caso da instituição que integrou a pesquisa de Piotto (2002; 2006), por exemplo, a diretora apresentava uma postura menos acolhedora às demandas das famílias de camadas médias e inclusive se colocou frontalmente contra algumas tentativas de intervenção. De toda forma, como essa pesquisa de Piotto foi realizada já há mais de duas décadas, a expectativa é de que as discussões sobre a gestão democrática no campo da educação pública, intensificadas desde então, tenham um efeito cada vez mais forte de permeabilidade à participação das famílias.

DECLARAÇÃO DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICAS EM PESQUISA

15UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG, COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA - COEP/UFMG, Projeto: CAAE 82752417.4.0000.5149; O Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG - COEP aprovou, no dia 26 de março de 2018, o projeto de pesquisa intitulado “Desafios e possibilidades da relação família-escola na rede pública de ensino” bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Recebido: 03 de Junho de 2022; Aceito: 29 de Agosto de 2023

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