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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 03-Feb-2023

https://doi.org/10.1590/0102-469842173 

Resenha Avaliativa

GÊNEROS DISCURSIVOS, SEQUÊNCIA DIDÁTICA E MULTILETRAMENTOS NA PESQUISA CRÍTICA COLABORATIVA

DISCURSIVE GENRES, DIDACTIC SEQUENCE AND MULTILITERACY ON CRITICAL COOPERATION SEARCHES

TIPOS DISCURSIVOS, SECUENCIA DIDÁCTIA Y LETRAMIENTO EN LA INVESTIGACIÓN CRÍTICA COLABORATIVA

CÉLIA APARECIDA ROCHA1 
http://orcid.org/0000-0002-3294-1855

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG). Ouro Branco, MG, Brasil.


O texto ‘Ação crítico formativa no contexto de formação de formadores de Língua Portuguesa’ de autoria de Grassinete C. de Albuquerque Oliveira e Angela Brambilla C. Themudo Lessa tem como objetivo a apresentação do trabalho de ação crítico-formativa desenvolvido, no ano de 2019, com professoras formadoras de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação do Estado do Acre. Mobilizando os conceitos de gêneros discursivos, sequência didática e multiletramentos e ancorada, metodologicamente, na Pesquisa Crítica de Colaboração (PCCol), a pesquisa desenvolveu-se a partir de atividades que exigiam uma atuação crítica, colaborativa e reflexiva dos professores de Língua Portuguesa, com o objetivo de desenvolver a intervenção e a transformação da realidade escolar existente e vivenciada pelos sujeitos da pesquisa.

Inicialmente, as autoras retomam algumas discussões e orientações sobre o ensino de Língua Portuguesa e a formação de professores(as) no Brasil, relacionando esse ensino com os índices dados pelos exames nacionais e internacionais, que o classificam como deficitário e insuficiente, assim como também, com a orientação, com base em uma concepção dialética, dada pelos documentos orientadores do ensino de Língua Portuguesa.

Para isso, ao acentuarem que as atividades humanas são mediadas pela linguagem, fazem uso do conceito de gêneros discursivos da teoria de Bakhtin (2016), problematizam a sequência didática através dos autores Dolz e Schneuwly (2004), discutem os multiletramentos através da concepção do New London Group (1996), Cope e Kalantzis (2000, 2013a; 2013b), por fim, focalizam a ação crítico-formativa, a partir das intervenções formativas, propostas por Engeström (2011), problematizando os objetivos e conceitos teóricos que emergiram nas discussões e sua ressignificação, a partir da reflexão-na-ação e sobre-a-ação, com base na teoria de Schön (2000).

O artigo está estruturado em cinco partes: a) ensino de Língua Portuguesa - interação e diálogo; b) formação de formadores de Língua Portuguesa - tensões e evoluções; c) intersecção pelo diálogo entre os gêneros discursivos, a sequência didática e os multiletramentos; d) ação crítico-formativa - um modo de olhar a formação de formadores; e) ação crítico-formativa - revista ao gênero discursivo, sequência didática e multiletramentos.

Na primeira parte, as autoras chamam a atenção para a necessidade de pensar o ensino da Língua Portuguesa a partir da sua característica dialógica, viva, multiforme e contextualizada com as práticas sociais, com a diversidade, com as múltiplas situações, os diferentes tempos, contrariamente, ao caráter estático e descontextualizado do que se convencionou compreender por ensino de Língua Portuguesa. Defendem a ideia de que é na linguagem e pelas linguagens que ocorre a criação de espaços educativos e de ações crítico-formativas, acentuando que a sequência didática deve ser construída de acordo com as realidades locais, globais e que o ensino da leitura e da escrita deve ser realizado de forma multimodal e multissemiótica.

Na segunda parte, ao refletirem sobre a formação docente, à luz da legislação e apresentarem as tensões e críticas sobre o modelo de formação de formadores de Língua Portuguesa no Brasil, articuladas às práticas tradicionais de ensino, afirmam a necessidade de uma transformação da escola. Abordam a não efetividade dos diversos programas e discursos construídos, no âmbito do Plano Nacional de Formação Docente e afirmam que um dos dilemas da formação docente reside no fato da escola não responder aos desafios da contemporaneidade. Enfatizam as metamorfoses no processo de ensino aprendizagem, em decorrência da Pandemia da Covid-19, quanto aos usos de tecnologias digitais de informação e comunicação - TDICs e apontam para a necessidade de repensar o modelo escolar vigente, em termos de ressignificação das noções de tempo, espaço e cadências pelos quais a escola passou. Apesar de citarem a Base Nacional Comum Curricular - BNCC, relacionada ao processo de formação e as inúmeras críticas direcionadas ao processo de formação de professores de Língua Portuguesa, não há explicitação quanto ao modelo de formação docente que está posto, após a publicação da BNCC e em consonância com a mesma. Outro ponto que nos chamou a atenção foi a não problematização da sequência didática, objeto de estudo, fora do contexto de condições dadas aos docentes, tanto de carreira quanto de trabalho, sobretudo, quando tomamos como base os exames nacionais e internacionais de aferição do ensino, citados no artigo.

Na terceira parte, estabelecem a conexão entre Pedagogia dos Multiletramentos, pelos gêneros discursivos e pela sequência didática. Fundamentam teoricamente a interseção que procuram estabelecer entre gêneros discursivos, sequência didática e multiletramentos no ensino. Afirmam que a determinação legal que regulamenta o ensino de Língua Portuguesa deve estar centrada no diálogo, a partir das práticas de linguagens vivenciadas e que tenham potencial para geração de novas ações, como eixo articulador das questões que envolvem leitura, escrita e oralidade, a partir dos multiletramentos. Assim, refletem sobre os gêneros discursivos e o processo de dialogização, sobre a readaptação e discussão da sequência didática, conforme a realidade educacional brasileira ou de acordo com os diversos contextos vivenciados. Apresentam a sequência didática como uma ‘rede didática’ e ao corroborarem com os autores citados, afirmam que a sequência didática não pode estar desvinculada das situações de aprendizagem vivenciadas, mas deve vincular-se à realidade local.

Na quarta parte, apresentam o modo colaborativo pelo qual a ação crítico-formativa deve ser desenvolvida por e para professores(as) formadores(as), o que deve ser realizado a partir da relação dialógico-dialética entre os sujeitos da pesquisa. Defendem a ideia de que as propostas de formação de formadores(as) devem ser pensadas a partir da denominação ações crítico-formativas, apresentando uma comparação entre ‘intervençoes formativas’, conforme proposto por Engström (2011) e ‘ações crítico-formativas’ propostas por Oliveira (2020), ressaltando as seguintes etapas: ponto de partida, processo, resultado, papel do pesquisador. Ao substituírem a palavra intervenção pela palavra ação, ancoram-se na perspectiva de Bakhtin (2017) sobre ação e transformação das práticas pedagógicas dos sujeitos inseridos no processo formativo, de forma contextualizada, responsável e vivenciada. Neste ponto, trazem para a discussão outros elementos conceituais para compreensão daquilo que passaram a denominar na formação de formadores como ações crítico-formativas. Um desses elementos é o conceito de auto-heteroecoformação (FREIRE; LEFFA, 2013) para tratar da ação como ponto de partida. Esse conceito articula os termos ‘autoformação’, ‘heteroformação’ e ‘ecoformação’ e auxilia na compreensão dos processos de desconstrução reconstrução do conhecimento, de forma colaborativa, pelos sujeitos da pesquisa que devem estar em constante interação com os membros da comunidade escolar e com o ambiente. Ao tratarem da questão teórico-metodológica, em alguns momentos, não fica evidente se o processo dialógico sinalizado se refere à pesquisa e às docentes sujeitos da pesquisa ou a um processo desses(as) professores(as) com seus(suas) estudantes em processo de interação durante e após a pesquisa.

Na quinta parte, apresentam a pesquisa realizada, no ano de 2019, a partir de dois encontros presenciais com professoras vinculadas à Secretaria de Educação do Acre. A rede de atividade foi constituída pelo tema gerador ‘Os perigos das Fake News na era da (des)informação’, para estudo do gênero notícia, sequência didática e multiletramentos. Previamente, as professoras receberam os seguintes textos para estudos: capítulos I e IV da obra ‘Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros discursivos’ (ROJO; BARBOSA, 2015), um texto da Revista Escola Nova ‘Cuidado com a fábrica de mentiras’, e uma resenha do livro ‘Por uma Pedagogia dos Multiletramentos: Ontem, Hoje e Sempre’ (OLIVEIRA, FERREIRA; MACHADO, 2017). No entanto, não evidenciam se os mesmos foram trabalhados e discutidos com as formadoras. Nesses encontros, com o objetivo de compreender os sentidos e significados empreendidos pelas professoras aos gêneros discursivos, à sequencia didática e aos multiletramentos, as autoras fizeram perguntas às professoras. Considerando a temática apresentada e as discussões teóricas realizadas, a primeira questão tem como foco a relação estabelecida entre a BNCC e a sequência didática ao utilizarem os multiletramentos. Em seguida, a questão direcionada às professoras refere-se ao movimento que leva o(a) estudante a sair de uma prática situada para uma prática transformadora. Chama a atenção a inserção de um texto da Escola Nova e a não problematização de seu contexto de produção, haja vista que o artigo exige uma postura crítica dos discursos, com base na Pedagogia dos Multiletramentos acerca da multimodalidade e multissemiose. Além disso, o acesso ao texto indicado exige um cadastro no site da revista Escola Nova. Isto nos remete ao questionamento ao próprio estudo dos gêneros discursivos, à contextualização, à realidade vivida e a não problematização das inúmeras questões que esse tipo de material suscita, como por exemplo: tipo de acesso, coleta de dados, educação pública e privada, formação docente e materiais utilizados, autoria, hipertextos e a produção de significados do contexto dos quais emergem etc.

De modo geral, as autoras identificaram nos discursos das formadoras sentidos atribuídos aos conceitos, objeto de discussão, na ação crítico-formativa relacionados: aos multiletramentos, em relação à sequência didática; à prática situada que tem como ponto de partida a realidade vivenciada pelo(a) estudante e ao conhecimento prévio do(a) estudante; à importância do trabalho do(a) professor(a) com os multiletramentos em qualquer ambiente, sendo ele digital ou não; à possibilidade de criação, primeiramente, pelo(a) professor(a) de mecanismos para o trabalho com multiletramentos; à necessidade de uma curadoria e as possibilidades de sua efetivação para o uso das redes sociais, no contexto da hiperinformação; à necessidade da instrução mostrar o caráter manipulador da mídia (redes sociais), de acordo com o recorte efetuado; à manipulação das matérias, conforme o caráter ideológico da grande imprensa; à necessidade de construção da criticidade por parte do(a) estudante.

Todos esses pontos são apresentados e discutidos à luz do referencial teórico sobre multiletramentos, sequência didática e gêneros discursivos apresentados. Para tanto, as autoras discutiram os sentidos e significados atribuídos pelas professoras problematizando: a prática situada ou experienciamento; o ‘como’ fazer, a partir da pedagogia dos multiletramentos; a adoção de técnicas adequadas para a abordagem dos gêneros discursivos para além das particularidades linguísticas e/ou textuais de uma matéria colocada em circulação pela mídia; a necessidade da curadoria e suas implicações; os gêneros e designs disponíveis para a prática relacionados a outras práticas, espaços, contextos; a importância do trabalho com os multiletramentos que tenha como ponto de partida as culturas de referência do educando; a atribuição de sentidos aos enunciados relacionados às multimodalidades; o caráter ideológico do discurso; a compreensão das atividades humanas, a partir do seu contexto de produção; a capacidade crítica que deve estar presente na aprendizagem. Ao discutirem tais questões, as autoras apontam para uma superficialidade das respostas, quando tentam explicar a operacionalização do fazer pedagógico, em relação à teoria dos multiletramentos. Apesar dessa constatação, as próprias autoras deixaram escapar a oportunidade de problematizar, junto aos sujeitos da pesquisa, como fariam a instrução evidente; quais seriam as intervenções e as atividades propostas. Tal questionamento poderia propiciar um momento importante para que os sujeitos da pesquisa e as próprias autoras refletissem sobre a sua ação crítico-formadora.

Por fim, resta salientar que o artigo traz uma importante contribuição sobre o desenvolvimento de ações crítico-formativas. A realização dessa pesquisa, que teve a ação como ponto de partida, e, a reflexão teórica a partir dos(as) autores(as), sujeitos e situações mobilizados na discussão, salientam, sem dúvidas, a necessidade de problematização da formação de professores(as) da Língua Portuguesa com base na reflexão, na, sobre e pela ação dos sujeitos formadores(as). O desenvolvimento da ação crítico-formativa é apresentado como um processo dialógico, situado, contextualizado, vivenciado pelos sujeitos da pesquisa e que salienta a necessidade de articulação entre teoria e prática na formação docente, assim como também, a necessidade constante de revisão, discussão e problematização de conceitos e teorias tanto na formação quanto no ensino de Língua Portuguesa.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 19 de Dezembro de 2022; Aceito: 27 de Dezembro de 2022

<e-mail: celia.rocha@ifmg.edu.br>

Editora-Chefe: Suzana dos Santos Gomes

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