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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 10-Jun-2023

https://doi.org/10.1590/0102-469845607 

Resenha Avaliativa

O DEBATE SOBRE UM CÓDIGO DE ÉTICA PARA A PROFISSÃO DOCENTE1

THE DEBATE ABOUT A CODE OF ETHICS FOR THE TEACHING PROFESSION

EL DEBATE SOBRE UN CÓDIGO ÉTICO PARA LA PROFESIÓN DOCENTE

ADEMILSON DE SOUSA SOARES1 
http://orcid.org/0000-0002-4056-1203

1Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte - MG, Brasil.


No artigo intitulado “código de ética para a profissão docente: percepções e opiniões de educadores” os autores apresentam percepções e opiniões 1) de estudantes de cursos de licenciatura; 2) de professores que trabalham na educação básica; e 3) de professores que atuam em cursos de formação de professores sobre a necessidade (ou não) do estabelecimento de um código de ética para a profissão docente no Brasil. Após discussão inicial sobre os fundamentos de códigos de ética já existentes em algumas profissões e sobre a necessidade sentida e percebida de construirmos coletivamente um código de ética para a profissão docente, os autores mostram os procedimentos da pesquisa e analisam os resultados alcançados.

Cinco quadros e cinco categorias apresentam e possibilitam a visualisação das respostas dos participantes da pesquisa. Os quadros analíticos sobre os participantes, o tempo de magistério, a formação acadêmica e as redes em que atuam indicam referências interpretativas das respostas e das justificativas em relação ao tema da ética docente. As respostas foram agrupadas no sentido de compreender o código de ética da profissão docente como instrumento norteador capaz de contribuir com o debate coletivo sobre a necessidade de valorizar a profissão docente de de atender adequadamente às demandas sociais.

A explicitação de claras referências éticas deve, segundo os autores, considerar a natureza do trabalho docente que supõe tomada de decisão diante de situações cotidianas que envolvem dilemas éticos. Por isso, a necessidade de democratizar a discussão e de garantir ampla participação dos atores da comunidade escolar e educacional na elaboração, na definição e no possível processo de revisão do código de ética proposto. Um código de ética, assim concebido, deve ser reconhecido e legitimado como válido e necessário para que não seja entendido como mais um marco regulatório para a profissão docente já tão controlada e regulada.

Para a continuidade do debate poposto seria necessário, entretanto, mostrar maior clareza na definição das chamadas “situações dilemáticas” presentes no cotidiano escolar e nas práticas docentes para além daqueles mencionados pelos autores com base em Denisova-Schimdt (2016). É preciso considerar a realidade cotidiana das diversas escolas brasileiras. Nesse sentido, a ampliação do grupo de participantes e o esclarecimento do lugar social que cada grupo ocupa e estabelece com a carreira docente poderiam contribuir para uma maior compreensão do que foi sinalizado como percepção e opinião sobre código de ética.

Além disso, sabemos que no século XXI as questões e os desafios éticos tornaram-se cada vez mais agudos e se manifestam principalmente no trabalho dos trabalhadores que atuam com humanos. Esse é o caso dos educadores. Por isso mesmo, seria importante atualizar as referências bibliográficas e os resultados de pesquisa sobre a temática no campo da pesquisa em educação para a reflexão proposta sobre posturas relativistas e absolutistas a partir de Kohlberg (1984) e de Anderson (2001). Parece que os autores do artigo tendem para uma posição mais relativista, mas esse posicionamento precisaria estar mais embasado e fundamentado tendo em vista o crescimento recente do niilismo moral e do descompromisso ético. Uma boa distinção entre moralidade e eticidade no sentido de superar posturas dogmáticas poderia contribuir nessa perspectiva.

Para o debate sobre integridade acadêmica, conforme sugerido por Denisova-Schimdt (2016) e ressaltado pelos autores do artigo, é importante ainda acompanhar os estudos feitos no âmbito da Comissão de Ética em pesquisa da Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd em diálogo com o Fórum Nacional das Ciências Humanas, Sociais, Sociais Aplicadas, Línguas, Linguísticas e Artes - CHSSALLA. Esse acompanhamento dessa área ampliada pode garantir maior densidade à reflexão proposta a partir da aproximação entre ética na prática docente e ética nas pesquisas sobre a prática docente ou entre ética profissional e ética na pesquisa no campo das ciências humanas, dentre outras.

A consideração do conjunto das ciências humanas e sociais pode contribuir para situarmos o tema da ética na profissão docente na relação, por exemplo, com o tema da valorização da carreira. Aqui também pode ser mencionada a relação espinhosa entre salário, carreira e formação docente. Para os gestores dos sistemas públicos de ensino a formação, muitas vezes, é apresentada como panaceia. Para as lideranças sindicais dos trabalhadores em educação o debate sobre a formação quando feito de forma isolada sem considerar as condições de trabalho, de salário e da carreira soa impertinente e inadequado. De que adianta nova formação e novo currículo escolar sem condições adequadas de trabalho? Perguntam os professores da educação básica. De que adiantaria reduzir o debate ao tema de um possível código de ética sem considerar a dimensão política e econômica da profissão docente? Perguntamos nós. É preciso um olhar crítico para situar os dilemas éticos no contexto estrutural e estruturante que condiciona a ação dos trabalhadores em educação no Brasil desde a creche até a pós-graduação.

Um dos méritos do artigo foi mostrar como os docentes tanto da educação básica quanto de cursos de formação de professores foram acolhedores e abertos em relação a esse debate. Isso indica que precisamos aprofundar as investigações críticas em torno do tema e dialogar com todos envolvidos e interessados esclarecendo e apresentando possíveis razões para a elaboração ou não de um código de ética para a profissão docente.

Dilemas éticos em geral se constituem em torno de situações espinhosas que, por não serem enfrentadas à luz do dia, podem se tornar embaraçosas e quase insolúveis. De qualquer forma, os autores argumentam que o estabelecimento de um protocolo de conduta para o cotidiano escolar pode significar um avanço em relação ao vazio que temos ainda hoje no que se refere a claras posturas éticas a serem assumidas e compartilhadas que orientem os integrantes da comunidade acadêmica e escolar na tomada de decisões.

Sabemos que há corporativismo nas categorias profissionais, mas sabemos também que existem categorias mais valorizadas do que outras. No caso da educação saltam aos olhos as melhores de condições de trabalho dos docentes e a maior valorização dos professores em escolas da rede federal de ensino e em escolas elitizadas da rede privada de ensino, ou seja, a conquista de maior equilíbrio profissional entre todos os segmentos daqueles que se dedicam à tarefa da educação é fundamental para que existam um sentimento coletivo de pertencimento comum à profissão docente. São múltiplas as situações e os vínculos de trabalho e emprego.

Somos professores municipais concursados e contratados temporariamente em mais de cinco mil municípios brasileiros. Somos professores estaduais concursados e contratados temporariamente nos 27 estados brasileiros. Somos professores federais concursados e contratados temporariamente na educação básica e no ensino superior. Trabalhamos ainda em inúmeras redes, escolas e empresas privadas de educação. Nesse contexto, o sentimento de pertencimento profissional fica dificultado e o debate sobre a ética necessária ao trabalho docente também. Essa realidade revela o quanto impera no estado brasileiro e nas políticas públicas uma postura liberal e liberalizante em que o “laissez faire, laissez passè ” impera em nome de uma falsa premiação meritocrática que incentiva a competição e camufla o descompromisso ético com a qualidade socialmente referenciada da educação nacional.

Os autores do artigo se mostram convencidos de que a ampla participação dos integrantes da comunidade escolar na definição, construção, reconstrução dos princípios norteadores de um Código de Ética da Docência pode garantir que a “regra coletiva de conduta” não seja vista apenas e tão-somente como mais um instrumento normativo, mas que o “código” possa ganhar legitimidade e ser assumido, por seu valor intrínseco, como inerente e necessário à qualificação e à valorização profissional. Por isso mesmo, é de suma importância que o tema ganhe força na formação inicial e continuada de professores para que todos possamos nos preparar coletivamente para o enfrentamento de situações dilemáticas presentes no cotidiano escolar tendo como base o conhecimento e a clareza das questões éticas envolvidas em tais dilemas.

Sabemos que valores e princípios éticos oscilam entre: 1) um sentido e/ou significado possível dentre tantos outros; e 2) um significante primordial e fundante que orienta a conduta. Qualquer escolha, seja como fundamento ou como possibilidade, revela assimetrias, tensões e disputas. A escolha feita indica posicionamento, condiciona o caminho a seguir e exige clareza sobre a distinção entre “preservar os princípios éticos” e buscar “fazer valer as normas” a serem observadas já que nem sempre preceitos normativos vigentes expressam princípios éticos fundantes. Respeito ético quase sempre exige mais que adoção e aceitação irrefletida de procedimentos e de regras socialmente predominantes (SOARES, 2021).

Nesse sentido, o debate sobre um código de ética da docência pode ser algo bastante positivo se aproximar o campo dos fundamentos do campo das possibilidades. O que nos interessa de fato é a proteção à dignidade dos sujeitos envolvidos nas atividades educacionais e escolares, sobretudo considerando que “em tempo de crescimento do negacionismo e do individualismo, a mediação da moralidade, com suas normas e seus dispositivos positivamente estabelecidos, faz-se necessária quando admitimos que somos contra qualquer tipo de constrangimento e de violência física ou psíquica” (SOARES, 2021, p, 223).

Referência:

SOARES, A. S. O Comitê de Ética em Pesquisa na UFMG. In: Ética e pesquisa em Educação [recurso eletrônico]: subsídios - volume 2 / Comissão de Ética em Pesquisa da ANPEd. - Rio de Janeiro: ANPEd, 2021, p. 219-225. [ Links ]

Recebido: 31 de Março de 2023; Aceito: 17 de Abril de 2023

<pacosoares65@gmail.com>

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Editora-Chefe participante do processo de avaliação aberta por pares: Suzana dos Santos Gomes.

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