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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.40  Belo Horizonte  2024  Epub 12-Ene-2024

https://doi.org/10.1590/0102-469848078 

Resenha Avaliativa

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL GENERATIVA NO CONTEXTO DA TRANSFORMAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE1

GENERATIVE ARTIFICIAL INTELLIGENCE IN THE CONTEXT OF THE TRANSFORMATION OF TEACHING WORK

INTELIGENCIA ARTIFICIAL GENERATIVA EN EL CONTEXTO DE LA TRANSFORMACIÓN DEL TRABAJO DOCENTE

1Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais (MG), Brasil.


INTRODUÇÃO

A análise do estudo denominado “Aplicação de Técnicas de Inteligência Artificial para Classificação de Fuga ao Tema em Redações”, possibilitou uma reflexão a respeito das possibilidades e/ou potencialidades da Inteligência Artificial (IA) na área da Educação. Em especial, problematizamos as perspectivas que se abrem no campo do trabalho docente em um contexto de maior desenvolvimento da IA generativa.

Em novembro de 2022 houve uma certa euforia e também assombro quando a empresa OpenAI abriu, para acesso ao público, a sua inteligência artificial denominada ChatGPT. Trata-se de uma IA generativa, ou seja, que é capaz de produzir conteúdo a partir de uma imensa base de dados distribuída pela Internet ou localmente. Esta produção, apesar de ser aparentemente autoral, por não ser detectável em termos de plágio ou cópia, funciona sob uma lógica computacional denominada modelagem de linguagem, na qual o computador, depois de terem sido inseridos os parâmetros de pesquisa, gera uma resposta prevendo os textos e palavras seguintes a partir de sua ampla base de dados e aprendizagens realizadas. De acordo com OpenAI (2023), o ChatGPT “aprende sobre associações entre palavras, e esses aprendizados ajudam o modelo a atualizar seus números/pesos. O modelo então usa esses pesos para prever e gerar novas palavras em resposta a uma solicitação do usuário” (traduzido pelo autor).

Esta forma de produzir conteúdo é inovadora, sob o ponto de vista do uso computacional, devido aos computadores até então apresentarem respostas previsíveis, diretamente relacionadas às linhas de comando de entrada e respostas esperadas pelo usuário. Quando eu digito um texto, espero que a letra digitada apareça na tela. Ou quando produzo um material didático multimidiático, espero que os elementos técnicos que planejei se vinculem aos conteúdos produzidos.

O que uma IA generativa, que apresenta um conteúdo novo baseado nas bases de dados existentes, possui de novidade, sobretudo na área de Educação, é exatamente esta característica de se apropriar dos conhecimentos construídos e acumulados pela humanidade e permitir o apoio a estudantes e/ou professores para obterem respostas que poderiam ser obtidas por outros meios, mas com o dispêndio de mais energia e tempo.

APROPRIAÇÕES DA IA NO TRABALHO DOCENTE

Em um dos livros clássicos que abordam conceitualmente a Inteligência Artificial (IA), Ertel (2017), nos apresenta as dimensões e os dilemas desta tecnologia, sobretudo no que diz respeito ao que potencialmente se constrói em torno da inteligência artificial, sob uma perspectiva dela dar conta de ações humanas nas quais somos ainda melhores e sob a perspectiva da adaptabilidade de programação, a partir da qual os sistemas inteligentes se autodesenvolvem sob a perspectiva de desenvolverem melhor as atividades para as quais foram elaborados.

Inteligência Artificial envolve dimensões baseadas nos algoritmos e programação e questões éticas da maior importância para a humanidade, sobretudo no que diz respeito às decisões de máquina que impactam diretamente a vida, a saúde, a convivência social e as estruturas de estado.

No que diz respeito especificamente à Educação, a Inteligência Artificial generativa é incipiente nas iniciativas elaboradas internacionalmente. Por um lado, conforme Durso & Arruda, (2022) afirmam, trata-se de uma área de estudos lacunar em todos os níveis educacionais, tanto no Brasil quanto no restante do mundo. Conforme apresentado anteriormente, trata-se de uma tecnologia nova, cuja temporalidade ainda não nos permitiu tecer considerações científicas mais elaboradas. Ao mesmo tempo, trata-se de uma tecnologia de mudança célere, cujas novas gerações de IA trarão modificações significativas na maneira como tratamos e utilizamos tal tecnologia no cotidiano.

Kerres (2021) considera que as tecnologias digitais, de maneira geral, ainda são difíceis de serem integradas ao cotidiano educacional. Este mesmo autor mostra que países como Alemanha, apesar de serem referência no desenvolvimento tecnológico, possuem inúmeras resistências para incorporação de tecnologias digitais no ambiente escolar (KERRES, 2020).

Em um contexto no qual a Educação se caracteriza pela produção de conhecimento e que há processos de ensino e de aprendizagem envolvidos em tal processo, é possível perceber que a IA generativa pode impactar significativamente esta área, sobretudo porque uma das principais características destas tecnologias é construir respostas a questões elaboradas por humanos (ou até mesmo por outras IAs). É também neste contexto que emergem questões relacionadas ao trabalho docente, sobretudo sobre as perspectivas que se abrem a respeito de substituições deste trabalho por máquinas treinadas para responderem questões elaboradas por humanos.

Pudemos observar este movimento no manuscrito “Aplicação de Técnicas de Inteligência Artificial para Classificação de Fuga ao Tema em Redações”, ao acompanharmos a possibilidade de se substituir, em determinadas etapas, o trabalho humano de correção de avaliações do ENEM por máquinas treinadas especificamente para determinados tipos de provas elaboradas por estudantes.

Ao mesmo tempo em que tal possibilidade emerge como aquela que tensiona a relação entre os trabalhos humanos e a substituição pelas máquinas, também apontam para outras perspectivas de transformação do trabalho docente a partir da integração de IA generativa em seus processos laborais.

Conforme dito anteriormente, as respostas geradas por IA generativa envolvem previsão textual com coerência relacionada ao comando enviado pelo usuário. Ou seja, inúmeros equívocos podem ser apresentados como respostas verdadeiras por tais tecnologias. Entretanto, inúmeros estudantes e até mesmo professores já começam a estabelecer as IA como referência para a obtenção de respostas, ainda que passíveis de aprimoramento. Há casos em que escolas norte-americanas começaram a adotar tutores inteligentes, que são, na verdade, aplicações com acesso a tecnologias como o ChatGPT ou Bard da Google e que possuem treinamentos mais elaborados e vinculados aos conteúdos ministrados pela escola (NEW YORK TIMES, 2023). A Universidade de Harvard, inclusive, já iniciou a oferta de um curso vinculado à codificação de programas que utiliza IA generativa como tutor virtual individual do estudante (HARVARD, 2023).

Observa-se, portanto, que a educação já começa a receber iniciativas que envolvem o uso de IA generativa, bem como os próprios estudantes já incorporam direta ou indiretamente o uso de IA para geração de respostas a questões vinculadas às atividades pedagógicas.

Sob esta perspectiva, considero que situações como as apontadas por Arruda e Mill (2021), nas quais os sistemas escolares de diferentes níveis criam resistências às tecnologias digitais, tornam-se perigosas, na medida em que retira do espaço educacional a prerrogativa de discutir e problematizar os caminhos e possibilidades para utilização crítica de tais mecanismos no processo educacional.

A retirada deste protagonismo da Educação incorre na dificuldade em se construir dinâmicas e experiências que possam incorporar vantagens aos processos de trabalho do professor ou amplificar as dinâmicas de gestão e organização das escolas. Conforme afirmam Yu e Lu (2021), o campo da gestão científica pode experimentar vantagens ao alavancar a organização, integração e desenvolvimento de sistemas inteligentes para mineração de dados e aprendizagem profunda.

Estudo realizado pelo grupo de pesquisa sobre ensino superior de Intelligent.com detectou que cerca de 30% dos estudantes americanos utilizaram em 2023 o ChatGPT para trabalhos escolares. Akinwalere et all, (2022) em estudo preliminar sobre IA no ensino superior, demonstra haver potencialidades para processos relacionados à pesquisa, à previsão de aceitação de um artigo científico ou mesmo a alimentação de chatbots para atendimentos personalizados a estudantes.

Tais potencialidades que emergem podem ser analisadas sobre uma perspectiva absolutamente crítica, sob a égide da proletarização ou do risco de desaparecimento da profissão docente. Mas também podem ser analisadas sob a perspectiva de que o desenvolvimento tecnológico pode transformar processos de trabalho e ele parece ter chegado à docência com o aparecimento das IA generativas, já que possíveis substituições de trabalhadores docentes por máquinas até então não eram aventadas, mas passa a fazer parte de um escopo significativo de profissões em risco.

Apesar da precarização fazer estar no horizonte do trabalho docente, consideramos pertinente discorrer sobre as perspectivas de transformação do trabalho do professor que se apresentam com a IA generativa. Compreender estes aspectos permite a construção de olhares mais críticos e analíticos com vistas a integração desta tecnologia sob um contexto mais favorável ao docente.

A IA generativa possibilita uma personalização de aprendizagem, ou seja, um atendimento genérico realizado por máquina, a partir de demandas específicas e individuais de estudantes analisadas por meio de dados de avaliações, documentações produzidas pelos estudantes, erros e avaliações elaboradas. Esta interação pode ser humanizada pelo docente por meio da produção de dados analíticos pela IA que potencialize as práticas pedagógicas, as interações humanas e as estratégias de retenção e constituição de vínculos educativos com estudantes.

Bauman (2001) nos apresenta uma análise interessante a respeito de nosso vínculo com as máquinas: é extremamente fácil, confortável e sem qualquer constrangimento desconectar de qualquer rede constituída por computadores. Considero que ele se aplica a uma IA ou tutor inteligente. O trabalho docente sob o acompanhamento individualizado de uma IA constitui-se sobretudo na permanência do vínculo que mantém o estudante interessado na aprendizagem escolar, na medida em que ele é sujeito de histórias, de dificuldades e de superações - ou seja, é capaz de demonstrar características humanas que o identifiquem aos seus estudantes.

A capacidade de tratamento de grandes quantidades de dados é outro aspecto importante a ser considerado no uso de IA generativa no ambiente educacional. Isso porque este tratamento inicial realizado por uma IA pode servir de apoio ao docente para a compreensão em nível macro e micro de dificuldades gerais dos estudantes relacionadas ao seu componente curricular. A sistematização de dados, tais como: componentes em que os estudantes se saem melhor, pior, tipos de dúvidas, cruzamento de dados com tipo de aula ministrada ou tipo de material didático utilizado, podem fornecer dados importantes para tomadas de decisão do docente em relação à sua prática pedagógica.

Uma outra potencialidade criada pela IA generativa é a capacidade de atendimento do estado a estudantes com diferentes tipos de deficiência. As IA conseguem, mesmo nesta primeira geração, gerar textos acessíveis, criar traduções automáticas, desenvolver adaptações como audiodescrição de ambientes e pessoas. As diferentes acessibilidades têm a capacidade de incluir inúmeros estudantes em um contexto de dificuldades de produção de materiais adequados.

Compreender estes aspectos possíveis não significa integrar a IA generativa no contexto educacional a curto prazo ou se ater a um posicionamento sem críticas. Significa estabelecer um posicionamento de compreensão acerca do que o conhecimento computacional apresenta à área educacional, quais as suas potencialidades e quais os elementos que precisarão ser repensados e rediscutidos em termos de trabalho, de formação e de práticas docentes.

A humanização da IA apresenta-se como possível em um contexto em que profissionais da Educação estabelecem vínculos constitutivos com esta tecnologia e desenvolvem estratégias de fortalecimento das relações entre os sujeitos. Os aspectos éticos envolvidos no desenvolvimento ou consumo de conteúdos gerados por IA necessitam ser debatidos e entendidos no ambiente escolar, sob o risco de se tornarem elementos teóricos que não adentram os muros das escolas em suas preocupações cotidianas.

Elementos como privacidade do estudante ou direito proprietário de professores necessitam ser redefinidos em um contexto em que docentes e discentes entendem tecnologicamente de que forma a IA generativa altera a coleta de dados produzidos, bem como se apropria das produções autorais disponíveis abertamente na rede mundial de computadores.

E, por fim, o debate que se torna mais intenso diz respeito à perda (ou não) de empregos. Trata-se de uma discussão especulativa que só se torna factível na medida em que é possível analisar as integrações entre os profissionais da educação e o desenvolvimento tecnológico contemporâneo. Tecnologias desenvolvidas sob o capitalismo destroem inúmeros postos de trabalho e, ao mesmo tempo, geram outros tipos de trabalhos. As estratégias construídas acerca da apropriação da IA no contexto educacional nos permitirá ampliar o debate acerca do futuro do trabalho docente e entender os caminhos que se abrem à educação em uma realidade social em que a IA generativa se populariza em todas as classes sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do estudo sobre a aplicação de técnicas de Inteligência Artificial na classificação de fuga ao tema em redações nos proporcionou uma reflexão profunda sobre as possibilidades e potencialidades da IA no campo da Educação. Em especial, consideramos as perspectivas que se abrem no contexto do trabalho docente em um cenário de desenvolvimento crescente da IA generativa.

A introdução da IA generativa, representa uma mudança significativa na forma como a tecnologia é usada no ambiente educacional. Esta tecnologia, que gera conteúdo com base em vastas bases de dados e aprendizado prévio, oferece respostas previstas para solicitações dos usuários. A IA generativa pode criar material educacional, fornecer respostas a perguntas e até mesmo desempenhar um papel de tutor virtual.

A IA generativa traz desafios e oportunidades para a educação. Por um lado, sua capacidade de fornecer respostas rápidas e personalizadas pode ser uma ferramenta valiosa para estudantes e professores. No entanto, também levanta questões éticas e pedagógicas, incluindo a possibilidade de substituir o trabalho docente por máquinas treinadas.

É crucial abordar essa transformação tecnológica com uma visão crítica e reflexiva. A IA generativa pode melhorar a personalização da aprendizagem, fornecer análises de dados detalhadas para informar a prática docente e apoiar estudantes com diferentes necessidades, incluindo aqueles com deficiências. No entanto, também exige discussões sobre ética, privacidade, direitos autorais e o futuro do trabalho docente.

A integração bem-sucedida da IA generativa na educação depende da capacidade dos educadores de estabelecer vínculos significativos com essa tecnologia, desenvolver estratégias para seu uso responsável e envolver os alunos em discussões sobre seu impacto. O futuro do trabalho docente é incerto, mas a IA generativa oferece oportunidades para melhorar a qualidade da educação e transformar a maneira como professores podem transformar a maneira como abordam o ensino e a aprendizagem.

Em última análise, a IA generativa é um recurso tecnológico poderoso que pode aprimorar a educação, mas seu uso deve ser cuidadosamente considerado para atender às necessidades dos estudantes e professores, ao mesmo tempo em que as dimensões éticas e sociais precisam ser consideradas em seu sentido histórico. Mais do que compreender os impactos da IA, torna-se importante participar do desenvolvimento de IA e demais tecnologias, para que a Educação se torne protagonista dessa História.

REFERÊNCIAS

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Bauman, Zigmund. Modernidade Líquida. Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2001. [ Links ]

Durso, S. O., & Arruda, E. P. Artificial Intelligence in Distance Education: A Systematic Literature Review of Brazilian Studies. Problems of Education in the 21st Century, 80(5), 679-692. 2022. https://doi.org/10.33225/pec/22.80.679 [ Links ]

Ertel, W.Introduction to artificial intelligence. Springer. p. 1-21. 2018 [ Links ]

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Yu, S., & Lu, Y.. An Introduction to Artificial Intelligence in Education. Springer. 2021 [ Links ]

Recebido: 13 de Setembro de 2023; Aceito: 04 de Outubro de 2023

<eucidio@ufmg.br>

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Editores-chefes participantes do processo de avaliação por pares aberta: Suzana dos Santos Gomes e Eucidio Pimenta Arruda.

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