INTRODUÇÃO

A presente resenha resulta de um trabalho inovador proposto pelo periódico Educação em Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGE/FaE/UFMG). A possibilidade da abertura de um diálogo sobre o texto submetido ao periódico entre os autores e os avaliadores elucida importante processo formativo, transparente e criativo. Ao considerar que um texto não termina com a sua escrita e posterior publicação, permite-nos compreender que, a partir dele, provocações revelem outras reflexões, ou seja, as ideias circulam.

Cria-se a cada leitura a oportunidade de repensar o objeto, já que o leitor não se debruça sobre o texto de forma neutra, mas é atravessado pela cultura e seu respectivo modo de agir, sentir e pensar (^{Freire, 1989}). E corroborando com esse pensamento: “Ao ler um texto, o leitor o faz com seu repertório cultural, mediando a leitura por vieses: contexto, gênero, classe social, axiologia, etc., recriando-o a partir dos seus parâmetros”. (^{Fanini, 2015}, p. 17). Assim, a cada leitura, o mesmo texto será provocativo e irá instaurar novas questões. Com essa perspectiva, o texto então submetido, além de receber um parecer circunstanciado decorrente de uma leitura atenta de pareceristas, passa por outros períodos de avaliação e releitura.

A partir do aceite dos participantes, para a realização da revisão por pares aberta, encontro de autores com avaliadoras da Educação em Revista, nova leitura é realizada e aspectos cruciais para o diálogo são delineados. O início dessa etapa é marcado pela apresentação dos autores sobre o texto submetido e avaliado. Nessa lógica, o artigo denominado “Razão instrumental e educação: reflexões sobre a escola e as novas tecnologias” foi contextualizado pelos autores que disseram que o mesmo foi produzido a partir dos resultados de uma pesquisa mais ampla. O artigo analisou a influência da tecnologia na educação moderna, destacando a relevância da discussão sobre o uso de tecnologias digitais no contexto educacional e as implicações dessa relação.

Os autores tiveram como objetivo explorar as complexas interações entre tecnologia e educação, particularmente em relação ao uso de dispositivos digitais e plataformas online nas práticas pedagógicas. A metodologia empregada consiste em uma análise crítica de casos, contextualizada no cenário contemporâneo de intensificação tecnológica, focando em como a pandemia ampliou o papel da tecnologia na educação.

Os resultados do estudo revelaram que a interseção entre tecnologia e educação constituem um panorama multidimensional e carece de análise mais profunda. Os autores observam que, embora a tecnologia possa ser vista como poderosa ferramenta para aprimorar o processo de ensino-aprendizagem, seu uso indiscriminado pode levar a desafios, como a perda da autonomia do professor e a desvalorização da relação humana na sala de aula.

A discussão entre os autores e os avaliadores revelou uma análise aprofundada das implicações sociais, culturais e psicológicas da relação entre tecnologia e educação. Ficou evidente que a pandemia trouxe à tona a aceleração e também ampliação do uso de tecnologias digitais na educação, gerando impactos tanto positivos quanto negativos. As experiências compartilhadas indicaram uma preocupação com a intensificação do uso de dispositivos e plataformas online, que pode resultar em um distanciamento das interações humanas genuínas e na perda do papel crítico do professor.

O CONTEXTO DA PESQUISA E A PANDEMIA

Ao explicarem o processo de construção, os autores do artigo “Razão instrumental e educação: reflexões sobre a escola e as novas tecnologias”, evidenciaram que o texto do artigo se compõe de uma pesquisa mais ampla que estudou a conjuntura entre o uso das tecnologias digitais na educação no período da pandemia de Covid-19. As colocações realizadas sobre os usos das tecnologias digitais se efetivaram e repercutiram de forma imensa, que provocam os autores a fazer a metáfora com os fatos terríveis vivenciados em Auschwitz. Nesse cenário, em que a presença física ficou limitada, a imposição do uso das tecnologias digitais foi se constituindo e, nesse sentido, os autores evidenciaram como a instrumentalidade na educação se configurou como disseminação de uma lógica.

Os autores deixaram em evidência, a partir de estudo de ^{Adorno (2003}), a necessidade de não permitir o retorno da barbárie. Ao analisarem a realidade, eles evidenciaram um silenciamento frente aquilo que interpela e banaliza a dignidade do humano. Nessa perspectiva, a cultura de massas se instaura sem uma detida reflexão da dialética do conhecimento. (Adorno; Horkheimer, 1985).

Com esse olhar agudo sobre a realidade da educação brasileira, os autores foram tecendo as relações da subjetivação da educação com as tecnologias digitais, instigados pelas bases filosóficas e teóricas para compreender as razões instrumentais da educação.

Os princípios adornianos foram retomados, especialmente no âmbito da ética, para refletirem sobre as regressões que afetam as razões, a autocrítica e crítica, e ao sucumbir na razão subjetiva e na valorização do fim e detrimento dos meios. Para tanto, em nome de um progresso, a ética é subtraída, a verdade é relativizada e o empoderamento se dá pelo processo eficaz.

Argumentos filosóficos foram utilizados no artigo para sustentar posições, compreendendo que para enfrentar essa realidade pungente será necessário se ancorar na contradição. Ela permite tanto aberturas para a liberdade quanto para o aprisionamento pautado nas tecnologias. Nesse sentido, ao aproximar as tecnologias e a educação se evidenciou, por parte dos autores, uma análise superficial, que denota a primazia e valorização desses elementos em relação à educação de forma ampla, de modo que os aspectos de uma educação com vieses tecnicistas esvaem os princípios da ética e da emancipação do humano. Nesse campo complexo, as contradições devem ser repensadas e atribuídas suas reais conotações às novas tecnologias, como afirmam os autores.

Para melhor refletir e trabalhar os argumentos, os autores demonstraram e exemplificaram suas constatações a partir de um evento ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, que enalteceu os usos das tecnologias, sem a devida reflexão do caráter contraditório, de como essa questão interfere na educação. Dessa forma, ao mistificar as tecnologias, deprecia e deixa sem valor os processos formativos e emancipadores.

FILOSOFIA, CONTRIBUIÇÕES PARA PENSAR A EDUCAÇÃO

O texto evidenciou clareza na exposição e também apresentou coerência e coesão. O artigo teve o seu desenho consubstanciado na teoria filosófica, especialmente de Adorno e Horkheimer, propondo uma analogia sobre a realidade da educação em relação à tecnologia. Ao trazer ao debate os argumentos filosóficos, os autores deixaram evidentes as naturalizações que acontecem historicamente e, ao fazerem analogia ao que ocorreu em Auschwitz, os autores provocam nos leitores sentimentos que exprimiram uma inquietação e questionamentos sobre as contradições que necessitam ser trabalhadas na formação do humano.

Nesse sentido de catarse, “[...] os diferentes signos textuais ou imagéticos, os campos sociais de produção, reprodução, circulação e apropriação de informações passam a ser refletidos pelo ângulo do receptor cultural, onde é privilegiado o caráter indeterminado da subjetividade e a dispersão receptiva das informações”. (^{Marteleto, 2021}, p. 24). Com essa compreensão, o artigo elaborado pelos autores teceu cuidadosamente os vários conceitos filosóficos para subsidiar as análises propostas.

O texto apresentou um ensaio sobre a temática em questão e as análises filosóficas trouxeram evidências metonimicamente de conceitos que retomam as perspectivas da Indústria Cultural, em que a barbárie e o horror estão presentes nas ações de regressão do humano. A insistência de trazer essa análise da realidade sobre os pontos em que Auschwitz aconteceu, em que se efetivou e valorizou a razão instrumental, ao banalizar o mal, foi insistir que esse processo continua se metamorfoseando nas relações estabelecidas. Assim, os autores explicitaram o perigo que essas naturalizações possam recorrentemente acontecer, pois os princípios da razão instrumental também adquirem roupagens diferenciadas. As referências utilizadas foram pertinentes com a temática em questão.

Nas palavras dos filósofos, as reações diante das imposições da cultura industrial resultam na razão instrumental que se apresenta no

[...] preço da dominação não é meramente a alienação dos homens com relação aos objectos dominados; com a coisificação do espírito, as próprias relações dos homens foram enfeitiçadas, inclusive as relações de cada indivíduo consigo mesmo. Ele se reduz a um ponto nodal das reacções e funções convencionais que se esperam dele como algo objectivo. O animismo havia dotado a coisa de uma alma, o industrialismo coisifica as almas. (^{Adorno; Horkheimer, 1985}, p. 16).

Com esse entendimento, os autores ilustraram suas argumentações ao trazer em análise as tecnologias e seus efeitos na educação. Nessa lógica, para o âmbito da educação, os autores evidenciaram que a dialética do conhecimento deveria ser o baluarte capaz de refletir e impedir os preconceitos, discriminações e, sobretudo, a falta de ética, que leva ao extermínio do próprio humano.

NAS ENTRELINHAS DA AVALIAÇÃO POR PARES ABERTA

Vale destacar aqui a importância do diálogo realizado entre os autores e as avalizadoras, pois nas entrelinhas do artigo foram destacados e analisados aspectos relativos ao artigo. Desse modo, a avaliação aberta do artigo evidenciou a importância da temática e, sobretudo, da desnaturalização de concepções que permeiam a educação.

O artigo possibilitou a significativa contribuição para o debate sobre a relação entre tecnologia e educação, destacando a importância de uma abordagem crítica e reflexiva. A análise das interações evidencia a necessidade de um equilíbrio cuidadoso entre a incorporação de tecnologias no ensino e a preservação das dimensões humanas e críticas da educação.

Outrossim, o artigo proporcionou uma reflexão profunda sobre a interação entre tecnologia e educação, enriquecida pela discussão entre os autores e os avaliadores. As análises apresentadas reforçam a necessidade de um diálogo contínuo sobre o papel da tecnologia e eventuais limites no ambiente educacional e incentivam uma abordagem crítica para otimizar seu potencial, garantindo ao mesmo tempo a manutenção de valores humanos e educacionais essenciais. Esta resenha, portanto, reconhece o valor do artigo na promoção de uma discussão ampliada e fundamentada sobre a complexa relação entre tecnologia e educação na era contemporânea.

Os aspectos salientados no diálogo da avaliação aberta ressaltaram a importância de contextualizar a pesquisa dentro da pandemia, em que as tecnologias assumiram um destaque especial e analisar as facetas da Indústria Cultural que afetam as dimensões afetivas e humanas. As avaliadoras concordaram através desses insights que o artigo pode aprimorar sua abordagem e fornecer uma contribuição significativa para o debate acadêmico sobre essa relação fundamental na sociedade moderna.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises do artigo proposto, a aceitação dos autores de participarem da avaliação por pares aberta, bem como o diálogo com as avaliadoras, abriu um campo formativo de ambos os lados. A produção do artigo em uma pesquisa mais ampla, deixou evidências latentes que foram exploradas na revisão aberta.

A temática em voga tem sido muitas vezes supervalorizada em detrimento da educação formativa, especialmente no apagamento da ação do professor. Por outro lado, existe um silenciamento dos efeitos da tecnologia e dos meios em que ela é inserida.

A proposta desse artigo foge do comum, instaura e problematiza um necessário debate para o campo da educação.