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Perspectiva

versão impressa ISSN 0102-5473versão On-line ISSN 2175-795X

Perspectiva vol.36 no.2 Florianopolis abr./jun 2018  Epub 27-Jul-2019

https://doi.org/10.5007/2175-795x.2018v36n2p627 

Artigos de Demanda Contínua

Educação do campo e educação de jovens e adultos no estado de mato grosso: um percurso instável

Field education and youth education and adults education in the state of mato grosso: an unstable route

Educación Rural y Educación de Jóvenes y Adultos en el estado de Mato Grosso/Brasil: un camino inestable

Leonir Amantino Boff2 
lattes: 8142422252722683

1Universidade do Estado de Mato Grosso, UNEMAT

2Universidade do Estado de Mato Grosso, UNEMAT


Resumo

Neste artigo, trata-se da Educação do Campo e da Educação de Jovens e Adultos no estado de Mato Grosso, em uma perspectiva que apresenta elementos da trajetória dessas duas modalidades de educação a partir da década de 1990. O artigo resulta de estudos teóricos, da experiência dos autores como docentes da Educação de Jovens e Adultos e da Educação do Campo, assim como de pesquisa empírica realizada em uma Escola do Campo do município de Nossa Senhora do Livramento, a qual atende a quatorze salas anexas na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. As reflexões desenvolvidas apontam a década de 1990 como um período contraditório, tendo em vista o desenvolvimento de políticas públicas de viés neoliberal ao mesmo tempo em que se estabelecia como a década de educação para todos. No final do período, eclode um novo conceito na sociedade brasileira, o de Educação do Campo. É a partir do ano 2000 que surgem mudanças significativas no campo do direito e das políticas públicas, ao serem instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (Parecer CNE/CEB nº 11/2000) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação do Campo (Parecer CNE/CEB nº 36/2001), tendo sido criados organismos na estrutura de Estado para desenvolvê-las. Contudo, a atualidade aponta para instabilidade e retrocessos dos avanços conquistados em pouco mais de uma década.

Palavras-chave:  Educação do Campo; Educação de Jovens e Adultos; Políticas Públicas

Abstract

This article discusses the education field and the Youth and Adults Education in Mato Grosso state with a view to present trajectory of the elements of these two education modalities from the 1990s. The same results from theoretical studies, experience as teachers of the Youth and Adults Education and Field Education, and also from empirical research in a school of the city of Nossa Senhora do Livramento, which covers fourteen rooms attached in the form of Youth and Adults Education. The developed reflections point to the 1990s as a contradictory period when public policies were developed in the neoliberal perspective, while the decade of education was established for all and in the same time a new concept of Field Education in the Brazilian society emerges. It is from the year 2000 that significant changes in then the education area arises and public policies are instituted in the National Curricular Guidelines for Youth and Adults Education (CNE / CEB 11/2000), and the National Curriculum Guidelines for Field Education (CNE / CEB 36/2001), and organisms were created in the state structure to develop them. However, the present points to instability and setbacks of the advances made in just over a decade.

Keywords:  Field Education; Youth and Adults Education; Public policy

Resumen

Este texto presenta el tema de la Educación del Campo y Educación Jóvenes y Adultos en el estado de Mato Grosso en Brasil, cuyo interés es mostrar algunos elementos de la trayectoria de estas dos modalidades de la educación desde la década de 1990. Este estudio es resultado de estudios teóricos, de la experiencia como maestros de la Educación de Jóvenes y Adultos y Educación del Campo, así como de la investigación empírica en una escuela rural en el municipio de Nossa Senhora do Livramento, que tiene catorce clases adjuntas de educación de jóvenes y adultos. Las reflexiones desarrolladas señalan que la década de 1990 fue un período contradictorio al desarrollar políticas públicas en la perspectiva neoliberal, al mismo tiempo en que se establece la década de la “Educación para Todos”. También importante señalar que a finales de la década surge un nuevo concepto: el concepto de Educación del Campo en la sociedad brasileña. Así, a partir del año 2000 se producen cambios significativos en la esfera de los derechos y las políticas públicas, y se instituyen las Directrices Curriculares Nacional de Jóvenes y Adultos (CNE/CEB 11/2000) y las Directrices Curriculares Nacionales para la Educación del Campo (CNE/ CEB 36/2001), creándose organismos en la estructura del estado para desarrollarlas. Sin embargo, en la actualidad se está viviendo un clima de inestabilidad y retrocesos de los avanzos logrados en poco más de una década.

Palabras-clave:  Educación Rural; Educación para Jóvenes y Adultos; Políticas públicas

Introdução

Este texto aborda a Educação do Campo (EdoC) e a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no estado de Mato Grosso, buscando apresentar elementos e reflexões a respeito dessas duas modalidades de educação a partir da década de 1990. Partimos, portanto, de estudos teóricos, da experiência como docentes da EJA e da EdoC, assim como de pesquisa empírica1 realizada em uma Escola do Campo do município de Nossa Senhora do Livramento entre meados de 2015 e 2016, tendo como sujeitos três professoras, dois gestores e o atual coordenador das salas anexas da escola pesquisada. A produção de dados para análise se deu com observação participante, e, como técnica de coleta de dados, utilizaram-se entrevistas, posteriormente gravadas e transcritas, além do registro das observações feitas durante as várias idas à escola-sede. A referida instituição possui, além das turmas de primeiro ao nono ano do ensino fundamental, outras vinte e cinco turmas, sendo quatorze na modalidade de EJA, distribuídas em vinte e cinco comunidades, nas chamadas salas anexas2.

Grosso modo, nas últimas duas décadas, os estudos sobre a EdoC têm aumentado consideravelmente, bem como a sua divulgação. Além desse fator, por meio de programas governamentais, tem havido um aumento significativo de cursos que atendem a essa modalidade de educação no Brasil3. Nesse aspecto, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD, 2007)4 menciona a criação dos cursos como avanço, inclusive considerando a importância da contribuição dos movimentos sociais para esse acontecimento. Na mesma direção, aponta a criação de Fóruns Estaduais da Educação do Campo em vinte e quatro estados da federação desde o ano de 2003, cuja intenção fora fomentar discussões para subsidiar a elaboração de propostas e reivindicações pertinentes à implementação de programas, políticas e instrumentos de avaliação para a EdoC.

Em se tratando da Educação do Campo, observa-se vinculação direta entre esta modalidade de educação e os Movimentos Populares, com especial destaque ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e, nos últimos períodos, por volta de 2003 em diante, a inserção da Via Campesina/Brasil5, assim como, no campo sindical, a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e, com menor expressão, a Federação Nacional dos Trabalhadores(as) na Agricultura Familiar (Fetraf)6. A escola tomada como locus da pesquisa não possui vinculação direta com qualquer movimento popular ou sindical, entretanto assume a perspectiva da EdoC a partir da política estabelecida pela Secretaria de Estado de Educação do Mato Grosso (Seduc/MT).

Para situar brevemente a EdoC, como conceito e materialidade que viria a contrapor a então educação rural em muitos aspectos, ainda que tenha partido dela, cumpre esclarecer que ela surgiu de demandas e necessidades do MST, no Primeiro Encontro Nacional dos(as) Educadores(as) da Reforma Agrária (Enera), ocorrido no ano de 1997. Esse encontro foi articulador da Primeira Conferência Nacional “Por Uma Educação Básica do Campo”, ocorrida em Luziânia/GO, em julho de 1998, contando, além do MST, com a participação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef); da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco); e da Universidade de Brasília (UnB)7.

A EJA, por sua vez, tem sido uma demanda histórica da parte de populações e povos (em se tratando de indígenas) que, em muitos casos, nem a reivindicavam como direito, pelo fato de sequer se darem conta de tal necessidade. Nesse caso de “não existência da educação” como política estatal estruturada, Paiva (2003) argumenta que essa negação da oferta de educação popular8, desde a invasão colonial, deu-se propositalmente, e não como casualidade. Desse modo, a educação de adultos, conforme aponta a autora, só passaria a receber notoriedade em programas da política institucional na década de 1940 e, mesmo assim, ainda fora tratada como um problema independente da educação popular/geral.

Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2015), assim como argumentos apresentados por Romão e Gadotti (2007), apontam que, no Brasil, quanto mais avançada a idade das pessoas, maiores os índices de analfabetismo que apresentam. Assim, as taxas mais elevadas estão entre a população com idade igual ou superior a 45 anos, evidenciando que os inúmeros programas “de combate e erradicação” criados no passado foram grandemente frustrados ou, sob um olhar mais crítico, criados mesmo para serem algo paliativo.

Nos últimos anos, muitos estudiosos do tema tratam a questão como dívida histórica, e, nesse aspecto, Oliveira e Barbosa Filho (2011), ao refletirem sobre a temática da EJA e da EdoC no estado do Espírito Santo, fazem uma dupla afirmação: trata-se de dívida para com as populações analfabetas em geral e, do mesmo modo, com relação à população do campo, devido aos números do analfabetismo sempre serem muito mais altos na área rural. Essa dívida histórica foi e continua perpassada por tamanho preconceito por parte da sociedade, que fazia e faz com que a pessoa analfabeta de leitura e escrita se sentisse e ainda se sinta culpada pela situação, a ponto de não se perceber, em muitos casos, a ausência do Estado e da educação como direito fundamental.

Ferraro (2004), ao refletir sobre os números do analfabetismo brasileiro desde o período imperial, aborda como desconceitos as nomenclaturas utilizadas em referência ao analfabetismo e aos analfabetos(as) no Brasil, enfatizando o preconceito e a exclusão. Desse modo, elucida os termos utilizados - os desconceitos - tomando como exemplo: esse mal, ignorância, cegueira, preguiça, doença, erva daninha, incapacidade, periculosidade etc. Além disso, aponta que, durante muito tempo, o analfabetismo e, da mesma maneira, as pessoas analfabetas foram tratadas como cultura da ignorância e da estupidez absoluta, chaga, subnutridos de pão do espírito, massas inconscientes e, em última instância, vergonha do país.

Este texto aponta para a necessidade de continuar a discutir e problematizar a EdoC e a EJA, acima de tudo neste momento, em que há políticas nacionais instituídas por resoluções e pareceres para essas modalidades de educação. De alguma maneira, os pareceres e resoluções que tratam de ambas as situações, postos em vigor a partir dos anos 2000 e 2001, são, sem dúvida, avanços significativos. De outro modo, ao olharmos para a falta de acesso à escolarização no contexto do campo, dada a sua inexistência ou mesmo a sua oferta mínima, veremos que se trata de políticas educacionais e programas bastante tardios. Diante disso, há de se considerar o caráter neoliberal desse período, que, em síntese, força as conquistas populares a retrocederem ou a se inserirem nos seus objetivos: se, de um lado, o Estado é forçado a conceder, de outro, articula estratégias para em breve retirar (de forma sutil ou nem tanto). Diante disso é que a discussão deste texto pretende abordar a instabilidade do percurso da EdoC e da EJA.

Educação do campo e EJA no estado de Mato Grosso: da década de 1990 aos dias atuais

O final da década de 1990 é emblemático do ponto de vista da Educação do Campo, pelo fato de ter coincido com a eclosão de um novo conceito na sociedade brasileira. Trata-se de uma educação de novo tipo em sua pretensão, que é a Educação do Campo, e não mais educação rural, uma educação urbanizada no campo, como até então fora tratada, conforme destacam Arroyo (2004) e Ribeiro (2013). Ressaltamos, entretanto, que essa nova nomenclatura, conforme já afirmado, deriva da luta de setores populares organizados do campo, em um momento de avanço do neoliberalismo. Nesse contexto, em que, por um lado, havia certo espaço para demandas específicas – das diversidades –, de outro, os governos, em sua maioria, cumpriam a agenda de privatizações, ‘enxugando o Estado’ – para os empobrecidos, obviamente. Diante dessa lógica, a EdoC parece surgir como contradição e, mais que isso, para afirmar que setores empobrecidos exigiam políticas públicas em contraposição às políticas de Estado mínimo.

Assim a Educação do Campo desponta como um grande movimento, ao revés do que estava desenhado nas políticas públicas, fazendo existir pela primeira vez, oficialmente, um Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) com vistas à formação educacional e técnica em áreas de assentamentos da reforma agrária. Ainda que o início das discussões da EdoC tenha se dado em meados da década de 1990, tendo como marco o Pronera, o Parecer nº 36 do Conselho Nacional de Educação (CNE), que a institui, é do ano de 2001, complementado com a Resolução nº 1/2002, da Câmara de Educação Básica (CEB) do CNE. As reivindicações da EJA, por sua vez, têm se arrastado por bem mais tempo, demandando por uma política apropriada, a fim de institucionalizá-la e, acima de tudo, de fazer com que deixasse de ser arremedo feito por vontade ou por falta de vontade de outrem. O que se teve no Brasil, ao longo dos tempos, em termos de EJA, conforme pontua Ferraro (2004), foram programas incipientes, e não políticas para enfrentar o problema do analfabetismo de fato.

Considerando que, a partir da década de 1940, essa modalidade de educação passou a ser amplamente debatida e efetivada por meio de programas diversos, grande parte deles descontinuados, rasos e sem recursos próprios, (ROMÃO; GADOTTI, 2007), foi somente no ano de 2000, com o Parecer CNE/CBE nº 11 e a Resolução CNE/CEB nº 1, que se admitiu, em documentos próprios e legislação específica, a EJA nas etapas do Ensino Fundamental e Médio, bem como na Educação Profissional. Ela já vinha sendo tema de ampla discussão pelo país afora, mas a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei nº 9.396/1996, subestimou a sua importância, na medida em que deu maior ênfase aos exames de certificação e ao Ensino Supletivo do que ao fato de fazer educação continuada ao longo da vida, embora, com a referida lei, tenha havido a incorporação da EJA à Educação Básica (BOFF, 2002; ROMÃO; GADOTTI, 2007).

Romão e Gadotti (2007) destacam ainda que, em meados da década de 1990, considerada a Década da Educação para Todos, o Brasil permanecia com cerca de 15% da população analfabeta e, entre os países mais populosos do mundo, ocupava o sétimo lugar no ranking do número de analfabetos(as). E isso não sem razão, pois o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral 1967-1985), programa desenvolvido durante o período militar, fora um fracasso, embora o governo do período apresentasse cifras exorbitantes a respeito do número de alfabetizados, as quais não condiziam com a realidade.

Segundo os mesmos autores, em 1990, o governo Collor instituiu a comissão do Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC), mas, um ano depois, sem maiores explicações, acabou com a iniciativa. “Com todas as dificuldades, foi mantida a mobilização nacional em torno das questões da alfabetização e da educação básica. Mas, infelizmente, as centenas de planos enviados pelos estados e municípios continuavam ‘enfeitando as prateleiras do MEC’” (ROMÃO; GADOTTI, 2007, p. 89). Fora isso, os documentos da Declaração Mundial da Conferência Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, no ano de 1990, sequer foram traduzidos num primeiro momento e, quando isso ocorreu, deu-se por iniciativa de alguns intelectuais9 que acharam por bem fazê-lo.

No estado de Mato Grosso, de acordo com Boff (2002), a leitura do que se teve como EJA na década de 1990 não pode ser dissociada dos programas existentes nas duas décadas anteriores, a saber: os Centros de Estudos Supletivos (CES), de 1974; os Núcleos de Estudos Supletivos (NES), do período de 1983-86; o Programa Logos II, criado em 1981; e os Núcleos de Estudos Permanentes (NEP), instituídos a partir de 1988. Segundo o autor, no ano de 1991, com a Resolução nº 137 do Conselho Estadual de Educação, os CES, os NES e os NEPs foram extintos e, no lugar deles, criadas as Escolas de Suplência, fator esse avaliado como um grande retrocesso, devido à descontinuidade no que vinha sendo feito até então enquanto concepção e prática educacionais.

Com as Escolas de Suplência, passaram a ser ofertados cursos presenciais de primeiro e segundo graus, cursos de magistério semipresenciais e alfabetização, por meio dos projetos Alfa, criados em 199710, e Futuro Certo, que durou apenas de 1994 a 1995. No ano de 1995, houve também o projeto GerAção, em etapas parceladas, funcionando mediante o estabelecimento de parcerias entre várias entidades locais e a Seduc/MT, uma das quais a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). Não poderíamos deixar de pontuar ainda que o fato de a Organização das Nações Unidas (ONU) ter declarado 1990 o Ano Internacional da Alfabetização e, posteriormente, a Década da Alfabetização impulsionou discussões e pressionou governos de todos os países a apresentarem ações e resultados nesse período. Mas, como se percebe, as parecerias efetuadas não fizeram a educação acontecer, o que demonstra que não havia orçamento para cumprir as metas.

Ainda segundo Boff (2002), no ano 2000, o Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso publicou a Resolução nº 180, restringindo a criação de cursos semipresenciais e na modalidade a distância na EJA. Com relação a isso, o artigo 10 da Resolução CNE/CEB nº 1/2000 evidencia o seguinte:

No caso de cursos semipresenciais e a distância, os alunos só poderão ser avaliados, para fins de certificados de conclusão, em exames supletivos presenciais oferecidos por instituições especificamente autorizadas, credenciadas e avaliadas pelo poder público, dentro das competências dos respectivos sistemas, conforme a norma própria sobre o assunto e sob o princípio do regime de colaboração. (BRASIL/CNE/CEB, 2000a, p. 2).

No novo milênio, de acordo com estudos de Mello (2014), foram extintas as Escolas de Suplência no estado, mais precisamente em 2002, ao passo que, de 2004 a 2007, esteve em vigor o projeto LetraAção, que também pouco avançou no tocante à alfabetização de jovens e adultos. Entre 2006 e 2009 vigorou ainda outro projeto, chamado de Beija-Flor, que, segundo a autora, sumiu sem muitas explicações por parte da Seduc/MT, embora tenha iniciado com salas de EJA em 57 dos 141 municípios do estado e parecesse ser abrangente quanto à organização curricular: “Presencial; Presencial por Disciplina; Presencial Terceirão; Semipresencial para a População Indígena; Semipresencial para a População do Campo; Semipresencial para Finais de Semana; Semipresencial Aprendizagem” (MELLO, 2004, p. 34).

Como este foi mais um dos projetos que deixou de ser operacionalizado, sobre o qual não há estudos publicados com uma avaliação mais precisa, ponderamos que os fatores que contribuíram para seu malogro podem estar ligados tanto a questões de ordem política, relacionadas às metas da Seduc/MT, à não aposta dos municípios devido à sua fragilidade estrutural, até às muitas mudanças repentinas que sofrera, as quais dificultaram a compreensão da proposta e causaram desentendimentos entre os entes envolvidos. Contudo, a nós nos parece, diante do que se apresentava na proposta, inclusive as várias modalidades em que poderia acontecer, que o programa não contava com estrutura ou preparação suficientemente da parte dos professores para dar conta da promessa.

Outro aspecto importante a considerar é que, no ano de 2007, com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e dos Profissionais da Educação (Fundeb), passou a haver um interesse maior por parte das instituições estaduais em oferecer cursos de EJA, devido ao fato de receberem recursos desse fundo. Nesse mesmo ano, a Seduc/MT, por meio da Portaria nº 392/2007, constituiu uma comissão interinstitucional, estabelecendo

[...] o mapeamento de cada unidade escolar que ofertava a Modalidade de Ensino EJA, tanto Estadual quanto Municipal, a construção coletiva de uma proposta curricular que atendesse aos anseios da Comunidade Escolar, [com vistas a] analisar as capacidades físicas, materiais e humanas necessárias para o desenvolvimento desta Nova Proposta, visando imprimir qualidade aos resultados esperados; adequação dos Programas TURMALINA E SIGESCOLA para atender esta Proposta de redimensionamento da Educação de Jovens e Adultos. (SCARPARO; FERNANDES, 2016, p. 5).

Conforme se pode perceber, em 2007 foram colocados outros Programas em funcionamento, praticamente simultâneos à criação de 24 Centros de Educação de Jovens e Adultos (Ceja) em 20 municípios do estado, sendo escolhidos aqueles dentre os mais populosos, com altos índices de ‘evasão’ e também em processo de desenvolvimento econômico. Nesse contexto, estudos de Mello (2010) enfatizam que o governo do Mato Grosso foi nitidamente pressionado pelo setor empresarial para formar mão de obra qualificada, e, por outro lado, verificava-se a ausência de acompanhamento avaliativo e interativo, além da desintegração de equipes de trabalho e da não qualificação de alfabetizadores dos Cejas, os quais foram implantados entre 2008 e 2009.

Segundo a pesquisadora, no ano de 2010, verificou-se que grande parte dos professores atuantes nesses centros ainda não havia entendido a proposta e, então, constatou-se que até aquele momento a Seduc/MT ainda não havia distribuído os respectivos materiais orientativos, sob a justificativa de estarem em processo de elaboração. No ano de 2011, o Conselho Estadual de Educação veio a estabelecer a Resolução Normativa nº 5, fixando as normas de funcionamento da EJA no estado, mas elas em nada diferiram do que já havia sido estabelecido pelo Parecer CNE/CBE nº 11/2000.

Ao analisar a situação da EJA no estado, a partir dos estudos realizados, bem como da pesquisa in loco, podemos evidenciar alguns aspectos bastante contundentes, que merecem ser pensados e problematizados. A EJA ainda se encontra numa situação de precarização em muitos sentidos: os estudos em que nos baseamos apontam que a formação de professores para essa modalidade específica de educação é frágil, ou seja, tem havido pouca oferta nos cursos de Licenciatura em Pedagogia.

Boff (2002), que estudou o tema com profundidade em sua dissertação de mestrado, já apontava que, entre as décadas de 1990 e 2000, os docentes que assumiam essa modalidade de educação, em sua maioria, não detinham qualificação específica, e o faziam pressionados por necessidade financeira. A precariedade também era evidente pelas condições improvisadas com que se revestiam os locais de funcionamento das turmas, visto que, por um lado, os alunos e as alunas se sentiam constrangidos ao frequentarem turmas em escolas regulares e, por outro, havia carência de espaços institucionais adequados, por isso se buscava por centros comunitários, salões, igrejas etc., para o funcionamento da EJA.

Rezende (2008, p. 59)11, ao tratar dos(as) educadores(as) da EJA, identificou dois aspectos: no projeto Alfa, devido às inúmeras parcerias estabelecidas para mantê-lo, não estava claro o papel de cada um(a) e, assim, os professores recebiam seus salários “[de modo] pingado, um pouco de cada um”. Além disso, os materiais pedagógicos eram insuficientes, e os professores acabavam adquirindo, por conta própria, outros recursos pedagógicos para a complementação das aulas.

Nossa pesquisa na Escola do Campo do município de Livramento evidencia essa mesma situação complexa com relação à EJA. O cenário dessas especificidades, até ano de 2016, ainda não tinha alterado elementarmente. Muitas turmas de EJA continuam em andamento em locais improvisados e, consequentemente, precários. Das quatorze turmas atendidas nas salas anexas da escola, somente quatro funcionam nas dependências de prédios escolares. Uma delas numa instituição estadual, e outras três em instituições municipais; as demais estão sediadas em espaços pertencentes a associações comunitárias, em escolas rurais já desativas ou mesmo na casa das professoras.

Sobre esse fator, o aspecto positivo é que a ‘escola12’/turma funciona mais ou menos próxima ao local de moradia dos alunos e alunas, nas comunidades, possibilitando às pessoas se alfabetizar ou completar os seus estudos. Com relação ao acesso, isso parece ser fundamental, visto que no campo não há transporte público para o deslocamento dessas pessoas, que, em grande medida, não conseguiram frequentar escolas quando crianças e adolescentes justamente devido a esse fator, além da inexistência de escolas. O aspecto negativo, entretanto, está no fato de que a estrutura é sempre mínima: não há biblioteca nem acesso à internet; a luminosidade é inadequada; e as condições climáticas, adversas; além da falta de cadeiras, carteiras e quadro pedagógico, os alunos e alunas têm que suportar o calor excessivo.

Em entrevista, o então coordenador das salas anexas afirmava que, em muitos casos, é a própria comunidade que dá um jeito para conseguir cadeiras, a fim de equipar as salas, e ele acaba sendo um articulador para fazer as salas funcionarem. Desse modo, ao invés de ele, na função de coordenador, dar a devida atenção aos aspectos pedagógicos, ao que se refere à aprendizagem e aos problemas a serem enfrentados no campo pedagógico, acaba tendo que gastar tempo em função da estrutura e seus problemas. Outra questão, colocada por uma das professoras que atuam numa das salas anexas no campo, em que a turma ocupa um espaço cedido pela Associação de Moradores, é que ela mesma é responsável pela limpeza do local, assim como por fazer a alimentação da turma, todos os dias. Relatava-nos que, durante a manhã, ela se ocupa em fazer a alimentação para a turma da tarde e depois a transporta até o local onde ministra as aulas, necessitando do auxílio de uma pessoa de sua família.

Outra professora da EJA, desta mesma escola, que também é responsável por uma turma, que funciona em sua própria casa, demonstra muito gosto por essa modalidade de educação, enfatizando principalmente o aspecto de sua valorização por parte dos(as) alunos(as) bem como o interesse que essas pessoas têm pelo ato de aprender. No relato, ficou evidente o quão gratificante é essa relação do docente com seus discentes, mas, em contrapartida, as demais pessoas de sua família perdem a privacidade durante os períodos de aula.

Em conversa com as docentes e com o atual coordenador, percebemos que a educação é feita com grande empenho por parte dos docentes, parecendo ser inerente à EJA no campo muito esforço e até sacrifício devido às condições do trabalho: longe da escola-sede, para acesso a materiais e alimentação escolar; mesas e quadro pedagógico improvisados; pouca luminosidade frente aos problemas de visão dos alunos idosos, os quais são a maioria naquele contexto; muito calor e falta de ventiladores, ao menos. As professoras disseram também que telefonam para os alunos quando eles não comparecem, para saber o que houve, com vistas a não os perder. Não raras as vezes, elas os visitam quando doentes e hospitalizados, parecendo ser obrigação sua.

Em geral, o número de matrículas nas turmas é de quinze a vinte, mas o número de frequentadores diários é quase a metade, devido aos mais variados problemas. Assim, as professoras se veem pressionadas a manter o número de alunos matriculados, evitando que eles abandonem a classe, pois a inexistência de uma turma implica diretamente em perda de trabalho para as docentes. Em nosso entendimento, esse tem sido, juntamente com a questão da formação de professores, um dos maiores gargalos ou pontos nevrálgicos a serem analisados e considerados pelos poderes públicos, em todos os âmbitos. No que nos foi mostrado pela realidade analisada, a flexibilidade instaurada pelo neoliberalismo, no sentido em que abordamos na introdução do texto, apresenta-se de tal maneira que, não obstante a existência de amparo legal e legislação específica a partir do ano 2000, essa mesma legislação negligencia aspectos fundamentais das condições de trabalho desses profissionais, que, em sua grande maioria, são contratados, e não concursados.

Todas as profissionais da Escola de Livramento, com exceção do coordenador das salas anexas, são contratadas e por isso se veem premidas pela obrigação de ‘manter’ a turma (a qualquer custo) para continuarem no emprego. O que acompanhamos é uma situação que chega ao absurdo, tendo em vista o que precisam fazer esses profissionais, muito além de sua condição de docentes, para manter as pessoas frequentando ou fazer com que voltem a frequentar a turma. Em alguns casos, ao perceberem o grau de ‘esforço’ dos profissionais, os(as) alunos(as) chegam a declarar que sabem que a professora precisa deles(as), pois, se desistirem, ela fica sem emprego/salário, evidenciando uma relação de dependência. Na reflexão que segue, Romão e Rodrigues (2011, p. 18) defendem a ideia de que a

[...] alfabetização também está associada ao ‘empoderamento’ de um povo, quando lhe permite que, ao fazer uso da leitura e da escrita em seu cotidiano, ele seja inserido, cultural e socialmente, no mundo, com vistas a tomar decisões mais qualificadas sobre si mesmo, especialmente se for um mundo grafocêntrico.

Esta deveria ser a perspectiva que diríamos humanística e humanizadora da EJA, porém as condições socioculturais parecem não ter permitido chegar até aí. Desse modo, se os alunos foram negados e – diria Freire (1978) – desumanizados pela dureza da vida e por todas as faltas que a vida lhes impôs, também eles, desde sua percepção desumanizante, ainda que oprimidos, hospedam em si a figura do opressor. Perguntas que colocamos diante da questão: por que os professores se submetem a essas condições? Por que precisam demonstrar estar sempre agradando? Quanto tempo resta aos professores que assumem as funções de limpeza e alimentação, assim como a de ‘assistentes sociais’ para uma boa preparação das aulas, a fim de que a EJA possa ser um ensino de qualidade?

Romão e Rodrigues (2011, p. 19) argumentam: “O analfabetismo está umbilicalmente associado à condição de pobreza de um povo.” Em complementação, diríamos que não se trata de pobreza material somente, mas ela é um dos fatores da pobreza cultural e, por assim dizer, um obstáculo à possibilidade de pensar de maneira mais abrangente. Os autores seguem fazendo a seguinte afirmação: “Não é possível dissociar a questão da desigualdade social, promovida pela péssima distribuição de renda, do descaso para com a educação”, isso nos leva a refletir sobre a falta de políticas públicas; no caso da EJA no/do campo, basta verificar os inúmeros programas de curta duração empreendidos pelos governos sucessivamente.

No contexto da EdoC, aponta-se para uma realidade ambígua, conforme já vimos pontuando: essa modalidade de educação é uma conquista na contramão do neoliberalismo e por esse motivo debate-se para poder se efetivar diante das condições de permanência das famílias no campo, cada vez mais empurradas pela ação do agronegócio, ancorado em políticas públicas e favorecido pelo Estado, inclusive em Mato Grosso. A Escola do Campo em que desenvolvermos a pesquisa mostra bem este cenário: a cada início de semestre, os professores torcem para que chegue um número de alunos maior do que o dos que saem ao concluírem o Ensino Médio ou antes mesmo de seu término. Esse cenário não é uma questão de ‘torcida’, mas sim de prioridade das políticas de Estado em favor de um ou de outro setor.

A saída dos alunos, ou melhor, a falta de condição para sua permanência é simples de entender: muitas famílias migram, pois seus integrantes são peões de fazenda e, desse modo, tem havido um rodízio bastante considerável, afirmou uma professora em entrevista. Outro fator, segundo os relatos dos gestores, é que, quando aparece emprego para os jovens, “eles se vão”, pois, se perderem a oportunidade em um período, pode não surgir outra, e, desse modo, preferem garantir o primeiro emprego que surge ao concluírem o ensino médio, ficando os estudos para uma promessa futura.

Sobre a situação das Escolas do Campo no Brasil, segundo a Seduc/MT (2007), 57% dos estabelecimentos de ensino possuem turmas exclusivamente multisseriadas, sendo apenas 20% das matrículas em turmas unidocentes, e o restante em mistas. Apenas 5,2% dessas instituições possuem biblioteca e 28,5% não possuem energia elétrica. Na comparação entre campo e cidade, estudantes do Ensino Médio com idade entre quinze e dezessete anos, no campo, correspondem a apenas 22,1% do total das matrículas, ao passo que, na cidade, este percentual chega a 49,4%.

Outros dados da mesma fonte, referentes ao transporte escolar, mostram que, no ano de 2005, 42,6% dos alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental e 42% dos alunos dos anos finais eram transportados para a zona urbana. O Parecer CNE/CBE nº 23/2007 destaca que no Ensino Médio, no ano de 2006, a situação tornou-se ainda mais crítica: 91,35% dos alunos eram transportados do campo para a cidade. Sobre os professores, o documento da Seduc/MT (2007) pontua que no campo há maior rotatividade e sobrecarga de trabalho, além do difícil acesso e salários inferiores, por causa da menor formação.

Sobre a situação dos professores, verificamos sobrecarga de trabalho quando se trata da EJA no campo, pois a falta de estrutura pública adequada faz com que os professores assumam dupla jornada, embora contratados por 20 ou 30h/aulas. Uma das professoras da EJA nos relatava que, uma parte da hora atividade ela pode utilizar para o preparo da alimentação, mas, na realidade, nem o total de horas-atividade (10 horas semanais) seria o suficiente, além do fato de prejudicar o tempo destinado à preparação das atividades e avaliações. Com relação à formação de professores, todos os docentes da escola-sede possuem formação acadêmica, mas a quase totalidade estudou em instituições particulares, com apenas uma exceção. Quando perguntados sobre o motivo, nos foi dito que essa foi a maneira encontrada de continuarem as atividades docentes e, ao mesmo tempo, se qualificarem. Logo, estudar em uma instituição pública, no caso, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) ou a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), não estava ao alcance desses profissionais.

A Unemat desenvolveu dois cursos específicos para formação de Educadores do Campo. O primeiro, Pedagogia da Terra, foi realizado no campus Universitário de Cáceres, entre o final da década de 1990 e o início dos anos 2000, atendendo especificamente educadores do MST do estado de Mato Grosso e de diversos outros estados do país. O segundo curso, Pedagogia dos Educadores do Campo, foi realizado no campus Universitário de Sinop entre os anos de 2010 e 2015, atendendo Educadores e Educadoras do Campo da região Norte do estado, tendo sido organizado metodologicamente pela Pedagogia da Alternância. Além disso, a UFMT tem atuado fundamentalmente na formação de educadores(as) do campo na Pós-Graduação lato e stricto senso. Mas, conforme demonstramos, além da pouca oferta para formação específica com vistas à atuação qualificada em Escolas do Campo, o acesso a esses cursos é limitado, devido à distância existente entre os municípios dos interessados e os locais de qualificação presencial. Assim, procura-se por cursos a distância ou semipresenciais em instituições privadas.

Ainda no que tange à formação de professores, segundo a Secad (2007), foi desenvolvido o projeto Saberes da Terra, visando à qualificação docente para a Educação Básica nos seguintes estados do país: Bahia, Paraíba, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rondônia, Tocantins, Minas Gerais, Pará, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, entre 2005 e 2006. No estado do Mato Grosso, devido a uma decisão posterior, o Projovem Campo – Saberes da Terra foi realizado a partir de 2008, atendendo 28 turmas de estudantes no Ensino Fundamental, distribuídas nos territórios da cidadania, inicialmente no Portal da Amazônia e, em seguida, nos Territórios da Baixada Cuiabana e Baixo Araguaia, assim como em 9 municípios com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH). Também foi realizada uma especialização, por meio de parceria entre a Seduc/MT e o Instituto Federal São Vicente, com o objetivo de capacitar professores para essas turmas.

Do Programa Projovem Campo – Saberes da Terra desdobrou-se o Programa Nacional de Educação de Jovens Integrada com Qualificação Social e Profissional para Agricultores(as) Familiares, implementado pelo MEC por meio da Secadi. Coordenado pela Gerência da Educação do Campo, da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, esse programa foi desenvolvido com a metodologia da Pedagogia da Alternância, realizando-se, nas sextas, sábados e domingos, o tempo-espaço escola; e de segunda a quinta, o tempo-espaço comunidade.

Segundo o que pudemos acompanhar e vivenciar, o Projovem foi importante e estratégico para a Educação do Campo, pois articulava a Educação de Jovens e Adultos no campo, elevando o nível de escolarização das populações, proporcionando estudos na área de agroecologia e incentivando aprendizagens e práticas agroecológicas na agricultura familiar. Orientava-se no sentido de desenvolver aprendizagens de socioeconomia solidária e organização social e política. Esses conteúdos temáticos deveriam ser trabalhados numa relação direta com as práticas sociais dos jovens atendidos, condizendo com o pensamento de Freire (2007, p. 30) quando afirma:

Dessa forma são tão importantes para a formação dos grupos populares certos conteúdos que o educador lhes deve ensinar, quanto a análise que eles façam de sua realidade concreta. E, ao fazê-lo, devem ir, com a indispensável ajuda do educador, superando seu saber anterior, de pura experiência feito, por um saber mais crítico, menos ingênuo.

Embora o Projovem Campo – Saberes da Terra tenha sido desenvolvido a partir de 2008, a EdoC, na Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso, começou a ser pensada a partir do ano de 2004, quando foi realizado o primeiro Seminário Estadual da Educação do Campo e também criado o Comitê Interinstitucional Permanente da Educação do Campo, institucionalizado através da Portaria Seduc/MT nº 145/2006, publicada no Diário Oficial do Estado em 7 de junho de 2006 (RECK, 2007). No ano de 2005 foi criada a Gerência de Educação do Campo, institucionalizada através do Decreto Governamental nº 9, de 10 de janeiro de 2007 (SIQUEIRA; ROSSETTO, 2015).

No ano de 2003, o Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso já havia aprovado o Parecer nº 202-B e a Resolução nº 126, que instituiu as Diretrizes Operacionais da Educação do Campo para o Estado de Mato Grosso, acompanhando as Diretrizes Nacionais da Educação Básica das Escolas do Campo (Parecer CNE/CEB nº 36/2001 e Resolução CNE/CEB nº 1/2002). Conforme pode-se perceber, a criação e a institucionalização desses organismos foram fundamentais para proposições e articulações de políticas públicas e programas de Educação do Campo para o Estado de Mato Grosso. No campo das políticas, podem ser citados a existência de Escolas do Campo com currículo próprio e a construção de alguns espaços novos ou o recebimento de verbas para reforma de prédios, com acesso à internet, sala de informática e outros laboratórios. Do ponto de vista dos programas, houve acesso ao que vinha sendo oferecido pelo MEC.

Entre 2005 e 2014, pelo que acompanhamos devido a nossa inserção em comitês regionais e também à atuação no fórum estadual da EdoC/MT, a Secretaria de Estado de Educação conseguiu fortalecer o atendimento nas escolas rurais intracampo, numa perspectiva de educação com a identidade firmada na EdoC. Para isso, foram realizados vários seminários de formação com os professores, juntamente com um intenso trabalho nas escolas do meio rural, a fim de reconstruir os seus currículos e Projetos Políticos Pedagógicos. Essa tarefa foi desempenhada pela equipe da Gerência da Educação do Campo, pelos Comitês Interinstitucionais da Educação do Campo (estadual e regionais) e pelos professores formadores que compunham a equipe de formação dos Centros de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica (Cefapro)13. Além disso, em algumas regiões, as próprias escolas foram se organizando e desenvolvendo seminários para troca de experiências entre si, algumas com mais apoio de setores públicos locais, outras com menos.

A composição das equipes de formação dos Cefapros, com um professor formador qualificado nessa modalidade educacional, foi uma conquista das demandas que chegavam ao fórum estadual e, assim, ao gerente de Educação do Campo. Nesse caso, as escolas rurais não estavam mais no esquecimento a ponto de não saberem por onde começar a implementar propostas de EdoC propriamente ditas, entretanto dependiam muito da pressão política exercida por professores sobre os órgãos municipais e regionais. E, ainda assim, os avanços ou pequenas-grandes conquistas ocorriam quando docentes, gestores e militantes de movimentos sociais angariavam esforços numa mesma direção.

O Parecer 36/2001 homologado pela Resolução nº 01/2002 constitui em um conjunto de princípios e procedimentos para adequar o projeto institucional das escolas do campo, enfatizando os seguintes valores: o exercício da cidadania, a justiça social, a solidariedade, o diálogo entre todos, a expressão de todos os setores, o espaço público de investigação, estudo do mundo do trabalho, desenvolvimento social economicamente justo e ecologicamente sustentável. (SIQUEIRA; ROSSETTO, 2015, p. 5).

Com base no parecer acima citado, agentes educacionais cobravam implementação do que estava previsto e, assim, houve demanda para a construção de escolas novas nas regiões de assentamentos e nas de maior incidência da agricultura familiar, assim como para reforma e ampliação de escolas já existentes, a fim de garantir-lhes luz elétrica, internet e computadores. Contudo, essa ação não atingiu a totalidade das escolas e comunidades do campo necessitadas, permanecendo ainda distante das condições ideais de atendimento. Ao mesmo tempo em que temos uma história de negação da educação escolar plena às populações do campo, as políticas públicas educacionais da década de 1990 mostraram-se desastrosas para o atendimento escolar dessas populações, quando foi desativada a maioria das escolas localizadas nas comunidades rurais e em assentamentos, transportando-se crianças e jovens estudantes para as escolas da cidade.

O argumento utilizado pelos gestores públicos para justificar o transporte das crianças e jovens do campo para escolas localizadas nas cidades era fundamentalmente que o ensino nas escolas rurais tinha pouca qualidade, devido à precária infraestrutura, à multisseriação de turmas e à baixa qualificação dos professores. Na verdade, a justificativa escondia duas outras realidades relacionadas a esse evento: o interesse no crescimento da indústria do transporte escolar, iniciado na década de 1990; e o fortalecimento do modelo agrícola hegemônico no estado de Mato Grosso, focado no agronegócio, que forçava a migração das populações do campo para a cidade, liberando os espaços rurais para esse sistema de agricultura.

Na tentativa de resolver o problema da multisseriação, a Gerência da Educação do Campo da Seduc/MT, em 2008, procurou trabalhar em duas perspectivas: garantiu, em portaria, a redução do número de alunos por turma para as Escolas do Campo; noutro sentido, procurou assegurar formação continuada aos professores e metodologias adequadas para trabalhar com a multisseriação. Essas medidas podem ser consideras avanços, pois partiram de um olhar mais atento sobre a situação complicada das Escolas do Campo, historicamente deixadas de lado, como se, para elas, o mínimo de educação oferecida, ‘do jeito que se podia’, já fosse o bastante.

A formação de professores(as), sobretudo, apesar de pareceres, resoluções e programas (bem mais programas descontínuos do que políticas duradouras), continuava e continua sendo um problema. Conforme mostrou nossa pesquisa, as Universidades até oferecem linhas de pesquisa voltadas para a EdoC ou Pós-Graduações lato senso, mas os professores não têm condições de acessá-las. Ademais, além da falta de formação específica, sem negar a importância dos seminários e encontros regionais que foram acontecendo, os professores, em sua maioria, trabalhavam e trabalham com turmas multisseriadas, ‘aprendendo como se faz, fazendo’.

Contudo, o que poderia resolver realmente o problema da multisseriação seria o desenvolvimento de uma política pública de fôlego, com planejamento adequado, que aglutinasse o atendimento intracampo de diversas comunidades, conforme orienta o Parecer CNE/CEB nº 3/2008 e a Resolução CNE/CEB nº 2/2008. O atendimento escolar intracampo, aglutinando comunidades, possibilitaria o aumento de alunos por turma, e com isso haveria a necessidade de concurso para selecionar profissionais da educação para atuar no campo com mais segurança – e não somente profissionais contratados temporariamente –, além de infraestrutura adequada, tendo-se a garantia de permanência da escola por haver público contínuo para ser atendido.

No ano de 2007 foi implantado o Ensino Médio Integrado14 em três Escolas do Campo no estado de Mato Grosso e, no ano seguinte, expandidas essas experiências a outras escolas, localizadas em regiões de maior incidência de assentamentos e agricultura familiar, tendo sido incentivada a criação de cursos na área de agroecologia. Essa formação de nível médio dá aos jovens do campo a possibilidade de permanecerem no campo, trabalhando com uma qualificação técnica básica para desenvolverem seu trabalho. Também os incentiva a ingressar em algum curso superior, entretanto é uma experiência muito pequena se comparada ao que veio sendo injetado de recursos para o setor empresarial vinculado ao complexo do agronegócio no estado.

O Comitê Interinstitucional Permanente da Educação do Campo, composto por representantes de órgãos do governo, universidades, Escolas do Campo, sindicatos, organizações sociais e movimentos sociais, possuía a função de discutir, propor, acompanhar e avaliar políticas públicas de Educação do Campo no estado de Mato Grosso, realizando15 encontros bimestrais, com todas as representações. Os encontros eram financiados com recursos públicos da Gerência da Educação do Campo, o que facilitava a participação dos representantes, principalmente dos movimentos sociais que não dispunham de recursos de outras fontes para essa finalidade.

Esse Comitê era relevante pelo fato de articular a Educação de Jovens e Adultos do Campo, principalmente através da participação dos movimentos sociais. Para o atendimento da alfabetização de jovens e adultos utilizou-se, no período de 2008, os recursos do Programa Brasil Alfabetizado, do governo federal, e a escolarização era ofertada com recursos oriundos da Secretaria de Educação do Estado, aplicando-se diversas metodologias, entre as quais a Pedagogia da Alternância.

Em 2008 também foi construído, com ampla participação da sociedade organizada, o Plano Estadual de Educação, contendo pela primeira vez um capítulo específico para a Educação do Campo. O Plano foi aprovado na Conferência Estadual de Educação e homologado pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso através da Lei nº 8806, de 10 de janeiro de 2008. O capítulo 11, dedicado à Educação do Campo, estabeleceu os seguintes objetivos:

Universalizar a oferta da educação básica no campo; Garantir infraestrutura adequada para o acesso e a permanência dos alunos no campo; Construir com as comunidades escolares locais uma proposta pedagógica voltada à realidade, superando a fragmentação do currículo e respeitando as diferentes metodologias que consideram os sujeitos com suas histórias e vivências, e as legislações que regem os sistemas de ensino; Diversificar a oferta de cursos nas escolas do campo; Melhorar a gestão nas escolas do campo; Proporcionar formação específica para os profissionais da educação do campo; Melhorar as condições de trabalho e perspectivas das educadoras e educadores que atuam nas escolas do campo; Garantir espaços de debate para o fortalecimento da política de educação no campo; Oportunizar ações pedagógicas diretamente relacionadas à realidade cotidiana do campo, com resultados práticos de melhoria da qualidade de vida; Promover a pesquisa como meio de fortalecimento da educação do campo. (SIQUEIRA; ROSSETTO, 2016, p. 7).

No ano de 2013 o Conselho Estadual de Educação aprovou a Resolução Normativa nº 3/2013, que estabeleceu princípios para a oferta da Educação do Campo no estado de Mato Grosso. O conteúdo da Resolução havia sido discutido pelo Comitê Interinstitucional Permanente da Educação do Campo e encaminhado pela Gerência da Educação do Campo ao Conselho Estadual de Educação. O dispositivo legal afirma as competências do estado para instituir e implementar políticas de Educação do Campo que garantam a superação de defasagens históricas no que tange ao acesso, permanência e qualidade da educação escolar destinada às populações do campo; à manutenção e ao desenvolvimento da Educação do Campo, garantindo-lhe energia elétrica, saneamento básico, água potável, alimentação adequada, transporte intracampo e outras condições necessárias ao funcionamento das Escolas do Campo.

Também estabelece a necessidade de erradicar o analfabetismo e promover a inclusão digital, ampliando o acesso e conexão à rede mundial de computadores e a outras tecnologias, assim como de alcançar a equidade entre escolas situadas nas áreas urbanas e rurais no âmbito do sistema escolar mato-grossense. Nesse aspecto, entende-se que, apesar de todos os documentos assinados e validados pelo governo do estado para a EdoC, as lacunas estavam postas, pois admite-se haver escolas sem água potável, sem energia elétrica, sem biblioteca etc.

De uma maneira, um conjunto de ações fez com que a Educação do Campo no estado de Mato Grosso avançasse significativamente de 2004 a 2014, mesmo persistindo inúmeros problemas e, de outra, a partir da entrada do novo governo em 2015, esse processo sofreu significativo retrocesso. Para exemplificar: a equipe da Gerência da Educação do Campo foi reduzida; os encontros bimestrais do Comitê Interinstitucional Permanente da Educação do Campo não foram mais financiados pela Seduc/MT e por isso deixaram de acontecer; e as equipes de professores formadores dos Cefapros foram, em muitos casos, impedidas de fazer o acompanhamento direto nas escolas, sob alegação de corte de gastos, além de corte de pessoal.

Considerações Finais

A Educação do Campo e a Educação de Jovens e Adultos, ambas têm seus fundamentos na educação popular e se desenvolvem fundamentalmente com essa perspectiva. Têm suas origens numa dívida histórica com os meios populares, as populações do campo marginalizadas e fragilizadas em seu processo de educação escolar, caminhando no sentido de tornar-se direito amplo devido às muitas lutas empreendidas. Essas lutas, por vezes, contavam com o apoio de pessoas e setores governamentais, mas as iniciativas eram grandemente populares, sempre em tensão e disputa diante da formulação e da execução de políticas ou programas públicos. Reivindicavam-se políticas, mas, conforme pode-se perceber, o que acabou por ser implementado, em sua maioria, eram e são programas.

Se a década de 1990 foi considerada a Década de Educação para Todos, a perspectiva neoliberal da política brasileira e também a do estado de Mato Grosso não permitiu que a Educação do Campo e a Educação de Jovens e Adultos se estabelecessem como direito de fato. Foi a partir da década de 2000, com a institucionalização das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (Parecer CNE/CEB nº 11/2000) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação do Campo (Parecer CNE/CEB nº 36/2002), que se teve significativo avanço no campo do direito. No estado de Mato Grosso, o Conselho Estadual de Educação também estabeleceu suas diretrizes, acompanhando o Conselho Nacional de Educação, mas isso não significou que o direito passaria a ser pleno, tampouco que se estabeleceria sem inúmeras formas de pressão.

As resoluções e pareceres que garantiam o direito, por sua vez, não foram criados por pura e simples vontade política dos setores governamentais. Eles são, acima de tudo, fruto de ampla mobilização popular de setores que se perceberam negados nesses direitos há muitas décadas. A partir desses instrumentos e da pressão social exercida sobre a estrutura de Estado, também foram criados órgãos importantes, como a Secad, atualmente Secadi, integrada à estrutura do MEC; a Gerência da Educação do Campo, vinculada à Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso; e Coordenações da Educação do Campo, instituídas em muitas secretarias municipais de educação. Em alguns municípios, esses gestores de EdoC, que também tratavam da EJA no Campo, entendiam a proposta dessas modalidades de educação com nitidez, mas, em outros, tinham de ser ‘empurrados’ pela realidade, e assim pouco se avançava concretamente.

Nossa pesquisa na escola mostrou uma realidade complexa, para não dizer tensa e insegura o tempo todo, no que se refere à EdoC e à EJA, que no momento atual pode ser generalizada a outras localidades do estado de Mato Grosso. Desde que a escola assumiu a perspectiva da EdoC, há uma luta constante para manter essa instituição funcionando, pois, mesmo com mais de cem alunos matriculados na sede, ela é alvo de possível fechamento por parte do governo estadual. O número de estudantes nas salas anexas ultrapassa quatrocentos, e dez delas funcionam em locais improvisados. Além da grande precariedade de recursos didáticos, os docentes são obrigados a trabalhar nas condições mais adversas.

Analisando-se por outro viés ou agregando-se mais reflexão à análise, as salas anexas são, por sua vez, a única possibilidade de alfabetização ou complemento de estudos para uma população negada nesse direito até então. Outra percepção da pesquisa mostra aquilo que os índices de analfabetismo destacam: o maior número de analfabetos(as) de leitura e escrita estão no campo, devido à falta de escolas ou de acesso a elas em décadas passadas. Por isso a EJA no Campo tem sido fundamental, muito embora a formação dos profissionais que atuam nessa modalidade de educação deixe a desejar, por falta de políticas públicas de formação específica. As condições a que são submetidos os profissionais dessas salas anexas para se manterem com trabalho são desumanizadoras, o que nos leva a afirmar que, de fato, se trata de um percurso instável.

A instabilidade da trajetória da EdoC e da EJA é perceptível diante da análise dos inúmeros programas em contraste com as poucas e tardias políticas institucionais. Além disso, quando instituídas as políticas por parte de órgãos públicos, a demora para efetivação, por falta de condições estruturais ou mesmo pelo excesso de burocracia, tem impedido a sua concretude. Assim, no caso da educação, seja EdoC ou EJA do Campo, fica evidente, a partir da pesquisa, que recai sobre os(as) professores(as) e gestores(as) escolares a responsabilidade de fazer a ‘educação funcionar’, mesmo diante das condições mais adversas e precárias. E uma evidência disso é que a grande maioria dos professores da EJA do Campo é contratada, portanto está sob risco iminente de perder o emprego, devido às desistências dos alunos da turma.

O que ora se apresenta, em âmbito nacional, é o desmonte da Secadi, com a demissão de quase metade do quadro de pessoal, além da extinção do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), cuja função era desenvolver políticas agrícolas e agrárias para a agricultura familiar e camponesa. Além disso, houve redução de financiamento pelo Pronera, programa esse criado para construir e fortalecer ações no campo educacional, em especial os cursos de formação de Professores do Campo e projetos de Educação de Jovens e Adultos nos assentamentos de reforma agrária e em comunidades rurais. Neste momento político (2018), em que o governo federal é assumido pelo então vice-presidente da República, empossado a partir do impedimento da ex-presidenta Dilma Rousseff, muitos programas e ações estão em suspenso – ou sob avaliação, segundo se diz.

No estado de Mato Grosso, desde o ano de 2015, a equipe da Gerência da Educação do Campo foi reduzida significativamente e, por consequência, o acompanhamento dos projetos educacionais nas Escolas do Campo. De igual modo, a formação continuada por parte dos professores formadores dos Cefapros deixou de acontecer e também não foram mais realizados os encontros do Comitê Interinstitucional Permanente da Educação do Campo, nem os seminários estaduais de formação da Educação do Campo.

Esses acontecimentos, por sua vez, demonstram que o processo de inclusão e o esforço político social para garantir direitos educacionais a uma parcela significativa da sociedade brasileira, as populações do meio rural e dos meios populares, depois de um pouco mais de uma década em ação, estão sofrendo cortes e interrupções – um visível retrocesso, novamente. O que se espera é uma reação por parte de movimentos sociais, organizações populares, educadores, educadoras e intelectuais desse país a esse retrocesso em curso. Ademais, é preciso que a sociedade se dê conta que, acima de tudo, está se passando por cima do estabelecido em legislações, ferindo assim a democracia, que conquistou tais direitos após amplos processos de luta e de participação popular.

Tanto no Brasil, em geral, quanto no caso específico do estado de Mato Grosso, direitos mínimos, há pouco conquistados e ainda em fase de efetivação, com muitas contradições e tensões, conforme já pontuado, vêm sofrendo franca retaliação. As populações do campo e os povos indígenas (povos da floresta) muito recentemente começaram a aprender que poderiam ter acesso à educação em modalidades específicas, mas, neste momento, pairam dúvidas, muitas dúvidas sobre o que terá continuidade e o que será interrompido. Há crise política, sem dúvida, mas, ao que tudo parece, as populações mais vulneráveis e empobrecidas são as mais atingidas pela instabilidade nas políticas sociais e educacionais.

1Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participar da pesquisa.

2As salas anexas compreendem turmas específicas de alunos, em grande medida multisseriadas, situadas a longas distâncias da escola-sede. Assim, são vinculadas pedagogicamente à escola, entretanto o trabalho é desenvolvido em espaços diversos, tais como: associações de moradores, escolas rurais desativadas, centros comunitários, igrejas, e, em alguns casos, nas próprias moradias das docentes.

3Um projeto específico de formação de professores para atuarem na EdoC se deu por meio do Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, instituindo a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica. Com este Programa foram abertos cerca de 40 cursos em Instituições de Ensino Superior que se candidataram ao Edital MEC-Secadi (2012).

4Atualmente, Secadi – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão.

5A Via Campesina Brasil aglutina as seguintes organizações: MST, Movimento de Mulheres Camponesas (MMC); Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Movimento dos Pequenos Agricultores; Pastoral da Juventude Rural (PJR), Comissão Pastoral da Terra (CPT); Federação dos Estudantes de Agronomia (Feab), Associação Brasileira de Estudantes de Engenharia Florestal (Abeef). A partir da VI Assembleia Internacional da Via Campesina, ocorrida em junho de 2013, na Indonésia, passaram a compor a Via brasileira o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) e a Coordenação Nacional de Comunidades Quilombolas (Conaq). Como movimento internacional, a Via Campesina foi fundada em Mons, na Bélgica, em 1993, congregando organizações agrícolas, mulheres rurais e comunidades indígenas da Ásia, África, América e Europa e atualmente está articulada em 79 países, contando com 164 organizações (CONTE, 2014).

6.A nomenclatura também utilizada recentemente pelo movimento sindical tem sido Condraf – Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil.

7Anexo n. 01 – documentos da Conferência Nacional de 1998. In: ARROYO, Miguel Gonzalez; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna (Orgs.). Por uma educação do campo. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2004.

8A autora trata de educação popular aquela destinada à população em geral, portanto o termo não segue o mesmo sentido da educação popular segundo a concepção freiriana.

9Os documentos foram traduzidos por Moacir Gadotti, Carmen Emília Perez e José Eustáquio Romão.

10Este Projeto foi extinto no ano 2000.

11.Também apresenta um estudo em profundidade no Estado de Mato Grosso, em dissertação de mestrado apresentada na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

12Aqui estamos nos referindo ao município de Nossa Senhora do Livramento/MT.

13.Os Cefapros são Centros de Formação e Atualização dos Profissionais de Educação Básica. No estado de Mato Grosso existem 15 unidades distribuídas estrategicamente nas regiões. Os Cefapros foram criados por meio de Decreto Estadual, que regulamenta sua estrutura organizacional, “com vistas a ‘[...] auxiliar os professores da rede pública de ensino a refletirem sobre a repercussão social de sua prática’ (MATO GROSSO, 1998, p. 3). Nesse sentido, o Centro de Formação e Atualização do Professor nasce com o propósito de atuar em programas de formação continuada e formação de professores não habilitados” (GOBATTO; BERALDO, 2014, p. 38).

14.O Ensino Médio Integrado à Educação Profissional compõe a política do MEC, por meio do Programa Brasil Profissionalizado, e enfatiza “a educação científica e humanística, por meio da articulação entre formação geral e educação profissional, considerando a realidade concreta no contexto dos arranjos produtivos e das vocações sociais, culturais e econômicas locais e regionais” (MEC, 2007, p. 4).

15Os encontros do Comitê Interinstitucional da Educação do Campo deixaram de ser realizados desde 2015, com o ingresso do novo governo estadual.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 22 de Agosto de 2016; Aceito: 13 de Outubro de 2018

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