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Perspectiva

Print version ISSN 0102-5473On-line version ISSN 2175-795X

Perspectiva vol.36 no.3 Florianopolis July/Sept 2018  Epub July 29, 2019

https://doi.org/10.5007/2175-795x.2018v36n3p943 

Artigos

Conselho de classe: sentidos compartilhados por professores

Teachers’ meeting: shared senses

Conseil de Classe: des sens partagés par des enseignants

Márcia Maria Rodrigues Tabosa Brandão1 
http://orcid.org/0000-0001-8889-8975

Kátia Maria da Cruz Ramos2 
http://orcid.org/0000-0002-5203-1250

Fatima Maria Leite Cruz3 
http://orcid.org/0000-0002-9620-4424

1Universidade Federal de Pernambuco, UFPE

2Universidade Federal de Pernambuco, UFPE

3Universidade Federal de Pernambuco, UFPE


Resumo

Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa que teve como objetivo analisar as representações sociais de conselho de classe partilhadas por professores da Rede Municipal do Jaboatão dos Guararapes. A teoria das Representações Sociais proposta por Serge Moscovici e a abordagem culturalista de Jodelet foram o referencial teórico-metodológico de base para análise dos dados coletados através de questionários de associação livre de palavras e entrevistas semiestruturadas e interpretados pela técnica da análise de conteúdo de Bardin. Os resultados revelam sentidos ambíguos das representações sociais de conselho de classe por professores indicando perspectivas progressista/tradicional. Tais perspectivas se constituem da conjunção de distintos elementos que se inter-relacionam agregando sentidos à avaliação e à democratização das relações. Essas representações sociais de conselho de classe apontam para uma ação avaliativa que é objetivada no ensino e na aprendizagem do professor e do aluno simultaneamente, bem como, se conserva restrita à aprendizagem e/ou não aprendizagem do aluno. A ancoragem remete à condição de democratização das relações, por meio da reflexão dialogada, mas também se utiliza dessa condição para a manutenção da figura de poder do professor.

Palavras-chave:  Conselho de classe; Representações sociais; Gestão democrática

Abstract

This article presents the results of a study that aimed to analyze the social representations of teachers’ meetings, shared by teachers of the Municipal Education System of Jaboatão dos Guararapes. The theoretical and methodological framework adopted in the research was the Theory of Social Representations proposed by Serge Moscovici and the culturalist approach proposed by Jodelet. This framework constituted the basis for the analysis of the data which was collected through questionnaires of free association of words and semi-structured interviews and interpreted by the technique of content analysis of Bardin. The results reveal ambiguous senses of social representations of teachers’ meetings shared by teachers, indicating progressive/traditional perspectives. Such perspectives constitute a conjunction of interrelated distinct elements, adding senses attributed to the evaluation and to the democratization of relations. Not only these social representations of teachers’ meetings point to an evaluative action that is objectified in the teaching and learning of the teacher and the student but also are simultaneously kept restricted to the learning and /or non-learning of the student. The anchorage refers to the condition of democratization of relations through dialogic reflection as well as using this condition to maintain the power figure of the teacher.

Keywords:  Teachers’ meeting; Social representations; Democratic management

Resumé

Cet article présente les résultats d’une recherche qui a eu comme but analyser les représentations sociales du conseil de classe partagées par des enseignants le Réseau Municipal de Jaboatão dos Guararapes. La Théorie des Représentations Sociales proposée par Serge Moscovici et l’approche culturaliste de Jodelet ont été les principales références théoriques et métodologiques en ce qui concernait l’analyse des données qui ont été réunies à travers des questionaires d’association libre de mots et des entretiens semi-directifs. Ces données ont été interprétées à partir de la technique d’analyse de contenu de Bardin. Les résultats ont dénoncé des sens ambigus concernant les représentations sociales de conseil de classe par des enseignants, plutôt ciblées vers les approches progressiste/traditionelle.Ces approches se constituent de la conjonction d’éléments distincts qui se relient, en ajoutant des sens à l'évaluation et à la démocratisation des relations. Ces représentations sociales du conseil de classe visent à une action évaluative qui est envisagée dans l’enseignement et dans l’apprentissage du professeur et de l’apprenant simultanément, mais aussi se limite à l’apprentissage et/ou au non-apprentissage de l’apprenant. Cet ancrage remet à une condition de démocratisation des relations à travers la réflexion dialoguée, mais il arrive aussi à profiter de cette condition pour la perpétuation de l’image de pouvoir de l’enseignant.

Mots-clés:  Conseil de clase; Représentations sociales; Gestion démocratique

Introdução

O conselho de classe, pretensa instância colegiada de cunho avaliativo na prática pedagógica da educação escolar, configura-se como um dos momentos mais complexos desse processo por requerer a configuração da avaliação enquanto uma ação coletiva. Todavia, no espaço educacional, convivem diversos sentidos compartilhados pelos distintos segmentos que o compõem. Essa instância avaliativa reflete marcas e signos de vários tempos históricos, representativas de díspares concepções de sociedade, de educação e de currículo.

Essa ordem de acontecimento expressa o entendimento de Perrenoud (1999), quando ele afirma que a teoria avaliativa já avançou bastante, entretanto, o fazer avaliativo no cotidiano da escola apresenta, ainda, resquícios de uma avaliação coercitiva, punitiva e mensuradora.

Tal descompasso fica notório quando se considera o processo de institucionalização do conselho de classe no Brasil desde a década de 1970, auge da ditadura militar. Essa instância, fundamentada pela perspectiva tecnicista, tinha por fim definir a (re)aprovação de alunos (DALBEN, 2004). Na década dos anos de 1980, com a abertura política, as contribuições resultantes das concepções progressistas na educação escolar repercutiram na consideração do conselho de classe como espaço de diálogo sobre ensino e acerca dos percursos de aprendizagens. Na esteira do avanço teórico, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394 (BRASIL, 1996), além de propor a reorganização do sistema educacional numa perspectiva democrática, faz referência à avaliação formativa. Nessa conjuntura, o conselho de classe passa a ser apontado como espaço de reflexão coletiva sobre a prática pedagógica, na direção de permitir ressignificar as concepções de ensino, de aprendizagem e de avaliação.

Apesar das mudanças legais e do reconhecimento dos avanços no campo teórico que reverberaram na forma de organizar as escolas, entendemos que o conselho de classe nessa segunda década do século XXI ainda se configura como espaço avaliativo marcadamente fundamentado numa perspectiva conservadora de mensuração.

Cabe pontuar que a proximidade da primeira autora com os conselhos de classe da Rede Municipal do Jaboatão dos Guararapes, por nela atuar, possibilitou-nos observar discursos distintos durante a construção do objeto de pesquisa. Tais discursos dos professores tanto enalteciam, em menor proporção, essa instância enquanto lócus de reflexão sobre o processo pedagógico com possibilidade de troca de experiências exitosas e de proposições para as demandas expostas por seus componentes, quanto expunham e legitimavam a visão de conselho de classe como um momento de julgamento do desempenho do aluno, com destaque para o aspecto quantitativo da avaliação, focando a aprovação/reprovação. Principalmente, observava-se nessas ocasiões que havia um interesse dos professores no que se refere a um enquadramento do aluno referenciado no parâmetro de sistema de cálculo aritmético e à atribuição de notas ao término de um período, sem se considerar o seu desenvolvimento ao longo do percurso pedagógico.

Vimos instalada e enaltecida uma cultura avaliativa classificatória e punitiva, que, segundo Santos (2006), centra a atenção no produto como indicador do grau de aprendizagem dos conteúdos trabalhados, cujo resultado, apresentado pelo aluno, por si justificaria o sucesso ou fracasso escolar. Também foi possível observar, naquela ocasião, referências explícitas ao conselho de classe, mesmo havendo a participação de outros segmentos representativos da comunidade escolar, como uma instância de decisão dos professores, em termos de reconhecimento da autoridade e da autonomia docente para tomar decisões a respeito da vida escolar do aluno.

Víamos um processo contraditório entre o que se afirma no campo teórico e o que se estabelece na prática acerca do conselho de classe. Cabe, assim, a indagação sobre o motivo do desacerto entre o avanço no domínio epistemológico sobre o conselho de classe em relação à lógica avaliativa apresentada pelos professores.

Consideramos o conselho de classe como objeto de representação pela polêmica que se cria em torno dele, ou seja, reconhecemos que, ao longo do tempo, distintos sentidos e significados foram conferidos a esse objeto social, devido às mudanças na maneira de se organizar a escola. De início, o conselho de classe teve como fim deliberar sobre a vida estudantil dos alunos, para tanto, originalmente, apresenta-se como instância exclusivamente avaliativa das questões relativas à aprendizagem e da não aprendizagem dos alunos, ou seja, o conselho de classe em sua origem valida a culpa polarizada no aluno pelo fracasso escolar.

Tal ordem de acontecimentos nos levou ao questionamento das representações sociais de conselho de classe dos professores da Rede Municipal do Jaboatão dos Guararapes e sobre as possibilidades de concretização do conselho de classe tanto como foco a (re)orientação dos processos de ensino e de aprendizagem como constituir-se, conforme defendem Vargas (2008) e Camacho (2010), numa instância representativa, avaliativa, consultiva e deliberativa.

Este estudo discute resultados de uma pesquisa que teve como objetivo analisar as representações sociais de conselho de classe partilhadas por esses professores. Nomeadamente, a partir da Teoria das Representações, tendo como eixo condutor a compreensão de que o modo como os professores pensam e se posicionam em relação ao conselho de classe decorre dos sentidos de avaliação em que se ancoram e que atribuem a essa instância.

Para tanto, o texto congrega três pontos: o primeiro trata de considerações acerca do conselho de classe em diálogo com a Teoria das Representações Sociais, na perspectiva de situar elementos teóricos que embasam o estudo. A caracterização do percurso metodológico da pesquisa é objeto de atenção do segundo ponto; e, no terceiro ponto, são apresentados resultados, através da explicitação de categorias que emergiram dos dados. Por fim, são tecidas as considerações finais.

Conselho de Classe em diálogo com a teoria das Representações Sociais

Para situar a concepção de conselho de classe, recorremos aos estudos de Cabral (2011); Dalben (1994, 2004); Rocha (1984); Santa’anna (2014); Santos (2006) que evidenciam a compreensão dessa instância como um órgão colegiado, de natureza consultiva e deliberativa, cuja composição interdisciplinar conta também com a participação de outros membros da comunidade escolar e é primordial para a avaliação e a reorientação do processo pedagógico.

Esse entendimento acena para a relevância do caráter avaliativo do conselho de classe, para além de tratar da aprendizagem dos alunos, considerar as práticas de ensino dos docentes, os objetivos a serem alcançados, os resultados das metodologias empregadas, os critérios e instrumentos adotados, a adequação da organização curricular, entre outros aspectos, na direção da reorganização das ações educativas (DALBEN, 2004).

Tal configuração reverbera numa possibilidade de mudança no campo educacional, no sentido de que os sujeitos escolares passem do polo de simples cumpridores de normas pensadas externamente por pessoas que nem sempre são conhecedoras da real problemática da área para o polo daqueles que vivenciam, pensam, propõem e respondem pela diversidade das necessidades de sua comunidade escolar.

Nessa perspectiva, tivemos o contato com declarações de professores que apontavam outro sentido de conselho de classe: o de reconhecimento como único espaço na escola, na maioria das vezes, de reflexão e de diálogo formativo possibilitador da construção de novos conhecimentos a respeito dos fazeres e dos saberes pedagógicos, mesmo enfrentando desafios no cotidiano escolar, tais como difíceis condições de trabalho, questões disciplinares, falta de apoio das famílias, entre tantos outros problemas.

Para além do caráter classificatório e punitivo, ainda ficava patente, por um lado, a prevalência da compreensão de conselho de classe baseada na ideia de ‘delegacia’ composta pelo professor enquanto delegado e o aluno como acusado. Nesse quadro, a compreensão de conselho de classe enquanto uma instância colegiada comprometida com a (re)orientação dos processos de ensino e de aprendizagem passa ao largo, bem como no âmbito do sentido de gestão democrática defendido por Vargas (2008) e Camacho (2010). Essa instância se reduzia a uma correlação de forças desproporcional. Em consonância com esse entendimento, Cabral (2011) destaca que a avaliação se perde quando é deturpada e constituída de impressões pessoais, ficando, assim, estereotipada, visto que um julgamento não é destituído de subjetividade, prejudicando a percepção do outro como sujeito de direitos, no caso, o aluno, que é julgado por um lado, de forma condenatória, e, por outro, fica impossibilitado de discutir sobre seu trajeto escolar.

Entendemos que, com a Lei nº 9.394/96, as escolas passam a ter autonomia para propor, criar e definir diferentes formatos de conselho de classe, entrelaçados à ideia de avaliação da aprendizagem, podendo gerar, assim, um debate mais formativo e regulador, além de fomentar a avaliação institucional com o fim de visualizar o ensino, as condições de trabalho, os tempos institucionais.

Esse cenário se consolidou embasado numa concepção pedagógica que valoriza o processo de burocratização das escolas, com ênfase excessiva na organização dos meios, com uma visão de avaliação presa à supervalorização do acerto e busca da nulidade de erro, devido à aproximação com a Teoria do Reforço, que considera a tríade estímulo-resposta-reforço. Com o reconhecimento das abordagens construtivista e sociointeracionista da aprendizagem humana e o debate sobre a gestão democrática, a proposta é avaliar distintos aspectos pedagógicos que se entrelaçam ao desempenho escolar e docente, entre eles: a aprendizagem dos alunos, as condições institucionais que reverberam nos processos de ensino e de aprendizagem, os professores na interação com seus alunos, a gestão do ensino por todos os sujeitos escolares: profissionais da educação, alunos e família.

É pertinente esclarecer que aderimos à Teoria das Representações Sociais, concebida por Moscovici (1978), desenvolvida e divulgada por Jodelet (1993) e que recorrer teórica e metodologicamente a essa perspectiva de representação acenou para a compreensão de que grupos ou sujeitos, em seu próprio contexto, podem apropriar-se e construir definições específicas sobre um conhecimento científico. Nesse processo de apropriação, os sujeitos criam suas teorias de senso comum sobre determinados objetos sociais através da filtragem de alguns elementos e inserção de outros.

Sendo assim, a relevância dessa teoria se justifica por possibilitar compreender e explicar a construção do conhecimento do senso comum, produzido através da interação e comunicação, que orienta práticas e comunicações (MOSCOVICI, 2003). Cumpre ressaltar que tal conhecimento é regido por uma lógica social e cognitiva, construído a partir da articulação dos aspectos mentais, afetivos, sociais, cognitivos, de linguagem e, particularmente, de comunicação.

A escolha dessa teoria se justifica também pelo fato de a representação social constituir-se enquanto fenômeno psicossocial, decorrendo de uma conjunção de fatores, entre eles: históricos, cognitivos, culturais, intrapsíquicos, antropológicos, que ao inter-relacionar-se, colaboram para a constituição de conceitos e imagens dos fatos, processos e comportamentos de sujeitos e grupos. As representações são vistas como instrumentos que viabilizam a análise das articulações entre as ideias coletivas nos diversos domínios, sejam eles, históricos, regionais ou institucionais. Assim sendo, a escolha dessa teoria objetiva entender os fenômenos educativos implicados no conselho de classe, tendo em conta os contextos e circunstâncias em que eles são produzidos. Para tanto, é preciso atentar para os aspectos de caráter psicossocial que engendram e repercutem nessa complexa trama de relações.

No caso, essa teoria torna familiar o não-familiar, busca explicar e dar sentido ao objeto social, assim como orienta a forma como os sujeitos vão construir suas relações e organizam o ambiente, através de dois processos dialeticamente relacionados, quais sejam: a objetivação e a ancoragem. Em conformidade com Moscovici (1978), a objetivação configura-se num mecanismo que visa tornar real um esquema conceitual, outorgando à imagem uma contrapartida material. Nesse processo, ocorre a reabsorção de uma demanda de significações que resulta na sua concretização, transplantando a inferência ou o símbolo para o nível do observado, enquanto a ancoragem consiste no enraizamento social da representação. Ao incluir um objeto num sistema de pensamento já existente, possibilita-se que as novas ideias sobre o objeto social possam ser relacionadas aos significados dos conhecimentos construídos culturalmente.

Com a elaboração dessa teoria por Moscovici (2009), a subjetividade passa a ser investigada à luz do fenômeno representacional. Isso porque seu intuito era compreender como se dá a relação do sujeito com a sua realidade e em que medida o sujeito, construtor da realidade, configura-se nessa relação. A representação é sempre representação de alguma coisa, expressa dessa forma, a relação do sujeito com o objeto, compreendendo uma atividade de construção e de simbolização.

Para Jodelet (2009), a caracterização do sujeito das representações sociais ocorre considerando o lugar ocupado na estrutura social à qual ele pertence, além do contexto de interações, mediadas pela comunicação. Tal processo demanda um trabalho de simbolização pelo modelo de triangulação sujeito-outro-objeto, com destaque para o poder de atribuição de sentidos.

De acordo com Jodelet (1993), a representação social é um sistema de interpretação que contribui para a construção de uma realidade comum a um grupo e rege a relação dos sujeitos com o mundo devendo ser entendida em seu contexto de produção, mediante as funções simbólicas e ideológicas que desempenham. Com efeito, Jodelet (2001) considera as representações sociais como fenômenos complexos em ação na vida social, que compreendem elementos informativos, normativos, cognitivos, ideológicos, valores, crenças, opiniões, atitudes e imagens. Elas se estabelecem na qualidade de totalidade significante, desse modo, servem de guia para as ações, permitem a leitura da realidade, propiciam os códigos de comunicação e admitem uma visão de concordância dos grupos.

É possível visualizar, no âmbito dos estudos acerca dessa temática desenvolvidos no Brasil, a pesquisa de Galdino (2002). A referida autora demonstrou interesse pelos sentidos e significados atribuídos ao conselho de classe, inaugurando o debate a respeito dessa instância, entretanto, tal aspecto ficou silenciado na produção científica brasileira por mais de uma década, com retomada da discussão à luz das representações sociais com a pesquisa aqui relatada.

Reconhecemos a relevância de buscar entender o conselho de classe, a partir da Teoria Moscoviciniana, considerando-se que as construções simbólicas produzidas possibilitam a comunicação entre os sujeitos, assim como a compreensão da realidade. Além disso, não há como deixar de considerar as contribuições no avanço do estudo dessa teoria e, mais especificamente, no que se refere à compreensão dos fatos da educação, bem como da função das significações sociais no âmbito educacional. Para tanto, recorremos a Gilly (2001), que afirma ser a área educacional um domínio singular para perceber como se dá a gênese, evolução e transformação das representações sociais nos grupos sociais e a repercussão dessas construções nas relações entre sujeitos.

No que diz respeito ao conselho de classe enquanto instância de avaliação, o levantamento realizado permitiu a identificação de reflexões sobre a possibilidade de reorganização da prática pedagógica, enquanto corresponsabilidade dos sujeitos envolvidos nesse processo, visando à promoção do desenvolvimento tanto do aluno quanto do professor. Contudo, esses trabalhos ratificam o quanto ainda é preciso avançar nesses debates devido às incongruências apresentadas e de como elas se materializam no cotidiano. Assim sendo, o conjunto desses trabalhos permite corroborar a afirmação de Santos (2006) de que, ao associar o conselho de classe à avaliação da aprendizagem, é possível desvendar que a comunidade escolar ainda está em processo de descoberta dos benefícios de tê-los como aliados da aprendizagem dos alunos e do ensino pelos professores.

Também quanto a esse levantamento, o interesse pelo conselho de classe à luz de estudos sobre democratização da gestão, principalmente, em torno da reflexão sobre a materialização de espaços de participação coletiva plena, ratifica a pertinência do acolhimento da opinião dos sujeitos envolvidos. Ainda, aponta para a relevância de tratar o conselho de classe numa perspectiva crítico-transformadora, conforme bem declara Santos (2012) em termos de permitir a construção de uma escola mais solidária, humana e justa devido ao envolvimento cada vez maior da comunidade escolar em suas atividades.

Além disso, é possível reconhecer o cuidado em analisar as formas de apropriação dos preceitos legais sobre conselho de classe no cotidiano escolar numa perspectiva histórica. Cabe, assim, destacar, como bem anuncia Leite (2012), que as reformas educacionais e políticas públicas têm o poder de operar sobre o cotidiano dos sujeitos, alterando suas rotinas, tendo implicações na cultura escolar.

Ainda que as pesquisas verifiquem a relevância do papel do conselho de classe para a prática pedagógica, alguns trabalhos reconhecem o descompasso entre as práticas do conselho de classe em relação ao que se determina pelos dispositivos legais. Essa conjuntura divulga não apenas as limitações da escola em vivenciar essas novas propostas, mas também estimula a reflexão acerca dos distintos sentidos que os professores conferem ao estabelecido pelas instâncias normativas.

Com base nesse entendimento, delineamos o percurso metodológico, objeto de atenção a seguir.

Percurso metodológico

O estudo em tela buscou correlacionar a teoria das Representações Sociais em uma pesquisa qualitativa por elas serem permeadas pela subjetividade, permitindo, assim, melhor apreensão do objeto de estudo (MINAYO, 2007). Elegemos como campo de pesquisa a Rede Municipal do Jaboatão dos Guararapes por ter sido o lócus que despertou o interesse pelo estudo dos sentidos e significados diversos conferidos pelos professores a essa instância. Do universo de escolas da rede municipal em pauta, três foram selecionadas: uma Escola Regular Rural (ERR), que atende a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e a Educação de Jovens e Adultos, da qual participaram 22 professores; uma Escola de Tempo Integral (ETI), que contempla a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, em que contamos com 17 professores; uma Escola Regular Urbana (ERU), que oferta o Ensino Fundamental e a Educação de Jovens e Adultos, de que fizeram parte 38 professores. Situamos que o critério de adotar escolas com organizações e geopolíticas diversas teve como objetivo cotejar as diferentes construções, a partir dos distintos contextos institucionais.

Os questionários de associação livre de expressões foram aplicados a 77 professores e da entrevista participaram 20 professores. Os dados coletados foram sistematizados e analisados fundamentados em Bardin (2011), através da análise temática dos sentidos contidos nesses discursos. As respostas dadas no questionário ao enunciado “Para você conselho de classe é...” foram nomeadas por núcleos de sentidos, e tais núcleos foram agrupados e constituíram temas de significação que, ao passarem por novo agrupamento, formaram categorias e subcategorias. Para analisar os dados da entrevista semiestruturada, tomamos por base tais categorias e subcategorias que foram ratificadas e aprofundadas. A seguir, passamos a apresentar os sentidos e significados de conselho de classe que compuseram cada categoria.

Conselho de classe como tomada de decisão

A primeira categoria, Tomada de decisão, caracteriza-se pelo posicionamento e atribuição de significado ao conselho de classe acerca da demanda pedagógica e transversaliza as três escolas, apresentando quatro sentidos distintos: solucionar problemas do aluno; diagnosticar avanços/problemas do aluno; definir a vida escolar do aluno; atender demandas das avaliações externas.

Conselho de classe como tomada de decisão para solucionar problemas do aluno

No âmbito dessa subcategoria, 36% dos professores apresentaram o entendimento de conselho de classe enquanto instância que permite a análise do desempenho do aluno num determinado período letivo com vistas a encontrar formas de resolver as dificuldades apresentadas. Para ilustrar essa subcategoria, trazemos os depoimentos a seguir:

É o encontro entre professores e supervisão para avaliar o comportamento sócio-afetivo dos alunos, o rendimento escolar e a assiduidade, fazendo possíveis intervenções para resgatar o aluno para o convívio escolar (PERU36).

Momento onde professores junto com a supervisão fazem uma reflexão sobre quantitativo de estudantes que estão com baixo rendimento e indisciplina, visando à busca de solução (PETI11).

Nos depoimentos, apesar da menção a palavras tais como intervenção e reflexão, a ênfase no âmbito do conselho de classe recai na tomada de decisão do professor sobre um problema localizado no aluno. Tal sentido acena na direção do que Collares e Moysés (1994) denominam de visão patologizada da escola e do processo de aprendizagem, sendo considerada a escola um espaço clínico, e a não aprendizagem do aluno é ancorada como distúrbio. Em menor proporção, houve depoimentos que acenaram a aproximação com uma visão mais formativa de avaliar o aluno que prima pelo desenvolvimento pleno das potencialidades humanas, sinalizando para além dos aspectos cognitivos e comportamentais, na direção de colaborar para a integralidade:

É um momento de análise coletiva e multidisciplinar dos processos da aprendizagem percebida em cada aluno, de forma a estabelecer estratégias de recuperação e melhor desenvolvimento [...] em todas as áreas, seja cognitiva, social, física e psicológica (PERU38).

Conforme Moscovici (2009), pessoas e grupos constroem representações no decurso da comunicação e cooperação. Ao serem criadas, elas adquirem vida própria, permitindo o surgimento de novas representações ao passo que antigas representações morrem. Para o referido autor, a compreensão e a explicação de uma representação requer começar por aquela, ou aquelas, das quais ela surgiu. Vejamos depoimentos relativos à maneira de ver o conselho de classe ao longo do tempo:

Enquanto aluno, era aquela questão de ver aqueles alunos que tinham certas dificuldades e de professor ‘detonar’ alunos. Aquela coisa de: ‘Eita, é o momento que vai dizer [...] quem está bem e quem está ruim’. Na visão de professor aqui na rede, [...] que eu tenho é a do diagnóstico e do professor ter um momento para resolver os problemas do alunado [...]. Ele vê os alunos que estão bons ou ruins e o que fazer com aqueles que estão ruins (PERU15).

A gente tinha um conselho muito numérico e não se pensava na necessidade, na dificuldade do aluno e hoje, [,,,] a gente já vê o aluno com outro olhar. [...] a gente tem que procurar uma maneira de sanar (PERU8).

Ao fazer tal leitura, reconhecemos a dimensão simbólica que sustenta a permanência de discurso explicitamente tradicional de considerar o aluno como detentor de problemas, colaborando para delimitar as relações travadas entre os sujeitos escolares. Nesse quadro, há de se frisar a isenção de uma reflexão dialogada sobre o processo pedagógico.

Conselho de classe como tomada de decisão para diagnosticar avanços/problemas do aluno

A segunda subcategoria congrega 26% dos professores que apresentaram o entendimento de conselho de classe como instância de diagnose que tem por fim apenas a compreensão do processo de aprendizagem do aluno, sem ter em vista pensar um plano de intervenção. Vejamos o depoimento a seguir:

O momento destinado aos professores, juntamente com a supervisão e gestão, compartilharem experiências vivenciadas por cada turma ao longo do bimestre. [...] É no conselho de classe que os professores devem expor as dificuldades sentidas e sucessos obtidos por cada aluno e ao refletir sobre elas compreender como se deu o processo de aprendizagem do mesmo (PERU12).

A respeito do caráter do conselho de classe como instância em que se pode realizar um diagnóstico da turma, Cruz (2005) vai além desse patamar ao apontar para a dimensão de intervenção. Notadamente, tem como proposição a construção de uma proposta de trabalho pedagógico constituída por objetivos e estratégias interventivas. Cabe destacar que, seguindo a lógica desta subcategoria, o pretenso diagnóstico centra a atenção nas dificuldades em detrimento dos avanços do aluno, conforme ilustrado nos seguintes depoimentos:

Olhe, a gente é orientado pela supervisora para discutir sobre os alunos que têm dificuldades. Geralmente, a parte de ‘sucesso’ é mais vista em grupo mesmo, por exemplo, um determinado projeto que a gente fez e que deu certo. [...] O conselho de classe funciona mais como uma ‘agenda negativa’ (PETI2).

Conselho tem que falar mesmo da vivência do professor e do cotidiano da sala de aula para tentar compreender o quadro apresentado pelo aluno. O que o professor está passando naquele momento em sala de aula tem que ser discutido, tem que ser levado pra supervisão da escola, pra gestão mesmo da escola, para que aquela discussão seja aberta (PETI3).

Sendo assim, podemos considerar que o modo como se organiza esse momento e se dá a comunicação no conselho de classe podem estar colaborando para o compartilhamento pelos professores deste sentido. Quanto aos elementos que podem refletir no processo de aprendizagem, o relato a seguir salienta o ambiente escolar, como um destes elementos, uma questão que não se pode desconsiderar.

Mas o que falta são as condições de trabalho, são as soluções para os problemas que são identificados. A gente faz o diagnóstico, mas as soluções não dependem só do professor, a solução depende do sistema, [...], por exemplo, o número grande de alunos em sala, falta de material didático, salas quentes demais, tudo isso dificulta a aprendizagem e o trabalho (PERU32).

Perante tal recorte, reconhecemos que as condições materiais das escolas colaboram também para a construção deste sentido mais conservador, posto que se torna incoerente a proposição de ações novas sem concretas e adequadas condições de trabalho. Nesse aspecto, a ação docente preserva-se da reflexão dialogada, nos moldes da educação emancipatória, fazendo a blindagem ao debate pelo sentimento de impotência diante da situação.

Fazemos tal reconhecimento a partir de Santos (2005) que nos ajuda a compreender que o sujeito não é um processador de informações ou produto de uma realidade externa. Ele é ativo no que diz respeito ao processo de apropriação da realidade categorizando informações a partir de um complexo de relações com outros sujeitos.

Conselho de classe como tomada de decisão definidora da vida escolar do aluno

A terceira subcategoria, compartilhada por 6% os professores, congrega o entendimento de conselho de classe como instância em que se decreta o destino escolar do aluno no que concerne à aprovação/reprovação, sobretudo, realiza um julgamento do aprendizado do aluno, em termos da classificação: escolhem-se uns e excluem-se outros. Em referência à atribuição desse sentido classificatório e excludente ao conselho de classe, trazemos os seguintes depoimentos:

Momento para constatar e dar um veredicto sobre o rendimento do aluno (PERR2).

É o momento em que [...] se discute a evolução daquele estudante; sua aptidão para avançar. Cabe aos professores o julgamento dos alunos sob o olhar de toda equipe pedagógica (PERU14).

Nesse quadro, estabelece-se a configuração de conselho de classe como instância de julgamento sem um debate sobre a ação docente. Essa ordem de acontecimentos compreendida, a partir de Bourdieu (2014) revela posicionamentos que refletem o sistema escolar semelhante a uma máquina que recebe produtos classificados pela sociedade e os restauram, ou não, sendo classificados por ele. Os depoimentos abaixo incidem sobre os critérios utilizados pelos professores para definir a (re)aprovação dos alunos. Vejamos:

O meu critério é observar a frequência porque é nesse ponto que a rede começa a trabalhar [...], e depois a gente vê a questão da nota, a evolução daquele aluno, também a questão do comportamento [...] se o aluno tem bom comportamento [...] tem um bom relacionamento [...]. Quando o aluno é indisciplinado o foco passa a ser o comportamento (PERU14).

Um bom comportamento para um aluno que tem dificuldades, aí, sim, ele vai contar como um ponto de ajuda. [...] E já aquele que está bagunçando, você já sabe que se o resultado dele é baixo, é por causa daquilo. O comportamento dele não vai condená-lo, pode ajudar, mas não vai condenar (PERU6).

Tais depoimentos ratificam o encontrado na pesquisa de Earp (2012) sobre o julgamento dos professores em relação aos seus alunos na esfera do conselho de classe em termos dos problemas de aprendizagem. A reprovação é a maneira da escola legitimar a eliminação dos alunos indesejáveis. Desse modo, o estatuto de julgamento da atitude do aluno desconsidera possíveis avanços atingidos devido ao destaque atitudinal. Inclusive, reafirma ao professor um poder inquestionável; e o aluno se torna um depositário do conhecimento transmitido, na perspectiva de uma relação hierarquizada nos moldes da educação bancária apontada por Freire (2005). Identificamos, assim, um aspecto simbólico que esteia a conservação da questão do poder e da permanência da autoridade, amplamente tradicional, na figura do professor.

Conselho de classe como tomada de decisão para atender demandas das avaliações externas

A última subcategoria compartilhada por 6% dos professores refere-se ao sentido atribuído ao conselho de classe como instância em que se trata dos índices dos resultados dos exames em larga escala, nomeadamente daqueles classificados segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), buscando os encaminhamentos coletivos em termos de atingir metas. No caso, o debate em relação aos resultados das avaliações externas visualiza apenas os índices obtidos, e não as condições das quais emergem esses resultados, as dificuldades vivenciadas no processo pedagógico e respectivas maneiras de superá-las. Nessa perspectiva, o resultado das avaliações externas se reveste de intenções políticas, visando à elevação dos referidos índices em detrimento do real aprendizado do aluno. Ratificam tal ideia os depoimentos a seguir:

Momento de buscar formas de alcançar o maior número de aprovação dos alunos, visando com que a escola atinja altos índices (PERR9).

É um espaço que tem se preocupado em discutir meios de reduzir a reprovação, o que leva a escola a atingir as metas almejadas (PETI5).

É um momento de cobrança dos professores para que procure meios de levar o aluno à aprovação (PERU9).

Tal sentido, ao tender ao incentivo a uma maquiagem dos resultados apresentados pela educação do Município, distancia-se do que apregoa a avaliação no modelo formativo que, de acordo com Hadji (2001), tem como função basilar colaborar para a regulação da atividade de ensino, levando informações pertinentes sobre o ensino e a aprendizagem. Nesse cenário, a procura por atingir metas parece estar se incorporando ao discurso dos professores, conforme o seguinte relato:

Meu propósito ao ir para o conselho é que os professores junto com a supervisão e a gestão, possam fazer uma avaliação geral do ensino na escola [...]. Procurar também, a partir daqueles pontos considerados negativos, melhorar ou amenizar esses problemas porque nós temos esse propósito, nós temos metas a atingir no ensino (PETI3).

Com efeito, a repercussão do recente debate, fortemente pautado por um modelo de gerenciamento de recursos humanos travado nessa instância, subtrai parte do potencial pedagógico de reflexão acerca do que os resultados indicam. Tal debate deixa evidente um deslocamento da questão do aluno ideal para o resultado ideal que, ao pressionar o professor para atender os índices, indicia destituí-lo da atribuição de poder para solucionar problemas, diagnosticar problemas, bem como definir a vida escolar do aluno. Essas ideias vêm se enraizando no âmbito educacional, através de uma variedade de iniciativas gerencialistas que têm objetivado alavancar o desenvolvimento educacional, entre elas, o bônus para os professores, cujo incentivo à performance de sucesso busca contribuir para o bom rendimento dos alunos a ser comprovado e reconhecido pelos indicadores.

Cumpre pontuar, assim, que todas estas subcategorias expressam um sentido tradicional conferido a essa instância, diferentemente do que demonstra a categoria, que engloba a avaliação conjunta do professor e do aluno, discutida a seguir.

Conselho de classe como avaliação do professor e do aluno

A segunda categoria, Avaliação do professor e do aluno, transversaliza as três escolas e caracteriza-se pela atribuição por 26% dos professores do significado ao conselho de classe enquanto instância privilegiada de avaliação dos processos de ensino e de aprendizagem. Especialmente na direção de situar a atividade avaliativa, congrega o caráter colaborativo no âmbito da proposição de um norte para o trabalho a ser realizado no decorrer do período letivo. Os depoimentos a seguir são ilustrativos deste significado:

Etapa do processo pedagógico para análise, reflexão e abordagem dos estágios de aprendizagem do aluno. Um momento para nortear os princípios bem como para realinhar parâmetros e reorientar as ações futuras (PERR16).

É o momento em que os professores discutem e avaliam o trabalho realizado durante o bimestre. Na oportunidade, pode haver troca de experiências, ou seja, avaliação do que foi positivo ou negativo. As sugestões são importantes para o desenvolvimento do trabalho que será realizado ao longo do ano letivo (PETI3).

Para esses professores, o conselho de classe é tomado enquanto instância prioritariamente de debate, reflexão, troca de sugestões, orientações e encaminhamentos no sentido de possibilitar a redefinição do processo didático-pedagógico. Nesse sentido, consideramos pertinente a compreensão de Vasconcellos (2012) ao afirmar que o espaço escolar pode colaborar para a construção coletiva de referenciais. Desse modo, práticas eivadas pela reflexão, ou seja, ação e reflexão enquanto modalidades que dialogam, reverberam na transformação da realidade. É de destacar o reconhecimento da proximidade entre o conselho de classe e a avaliação, de acordo com os seguintes relatos:

Olha, a avaliação é um instrumento que nós temos pra poder observar o que o aluno conseguiu assimilar diante do que a gente trabalhou. E o conselho de classe é tanto uma forma de avaliar o aluno quanto de avaliar o nosso trabalho [...]. Sabe, é uma avaliação mais formativa (PERU13).

Porque no conselho de classe, quando nós falamos do desempenho de alguns alunos, alguns professores colocam algumas atividades que eles estão fazendo [...]. Então [...] aquilo fica na nossa memória. ‘Será que se eu fizer aquilo na minha sala, vai dar certo também?’ (PETI4).

Nesse ponto de vista, supomos que o processo de objetivação das representações sociais de conselho de classe estrutura-se na troca de experiências entre pares. Um aspecto a se realçar diz respeito ao entendimento por parte de alguns professores de mudanças, ao longo de sua trajetória, quanto aos sentidos atribuídos ao conselho de classe.

No início da minha experiência no conselho de classe, os professores se preocupavam em falar sobre a nota do aluno, citavam aluno por aluno e a supervisora ia anotando. Hoje [...] o conselho é um momento de se discutir amplamente a situação do aluno, não só dentro de sala de aula, mas enquanto cidadão em formação. [...] Está havendo uma mudança nas discussões pedagógicas dentro da escola e o conselho de classe é exatamente esse momento de troca de experiências e de avaliação do próprio trabalho (PETI3).

O conselho, anteriormente, era muito restrito à questão da avaliação apenas por nota e à questão de aprovação ou reprovação [...] eu achava que era apenas uma questão burocrática [...]. Na minha visão atual, [...] alterou muito, hoje todo mundo é responsável por aquele grupo de alunos [...], a gestão também toma essa postura, [...] e até a visão do erro e do acerto, a visão de avaliação, agora é uma avaliação mais formativa (PETI6).

Os relatos sinalizam mudanças de sentidos atribuídos ao conselho de classe, que se dão, entre outros aspectos, pela experiência nessa instância, assim como pelo discurso oficial dessa rede em sua Proposta Curricular (2011) com ares inovadores, que atribui ao conselho de classe a avaliação na coletividade, objetivando a adequação didático-pedagógica, envolvendo para tanto, o planejamento, o ensino, a aprendizagem e a avaliação, o que possivelmente refletiu na forma como professores ressignificaram sua ação nessa instância. Cabe, assim, realçar que esta categoria congrega uma visão de ordem emancipatória de conselho de classe, entre outras, ressaltando o processo e o trabalho coletivo, especialmente evidenciando que os professores considerados construíram uma representação de conselho de classe vinculada à ação avaliativa do processo pedagógico, que vem sendo ressignificada por meio da interação, da comunicação, da socialização de experiências e da aprendizagem construída na vivência enquanto professor.

Considerações finais

No âmbito dos relatos aqui discutidos, destacamos que as representações sociais de conselho de classe por professores da Rede Municipal do Jaboatão dos Guararapes são permeadas por ambiguidades, indicando perspectivas quer progressistas, quer tradicionais. Os resultados também apontaram que essas representações se constituem a partir de uma combinação de distintos elementos que se inter-relacionam, portanto, agregam sentidos conferidos à avaliação e à democratização das relações sociais.

Tais representações podem ser substanciadas/sintetizadas na dualidade dos seguintes estruturantes: uma ação avaliativa que tanto contempla o ensino e aprendizagem do professor e aluno numa visão formativa; e outra que se mantém restrita ao aprendizado e ao não aprender do aluno numa visão somativa da avaliação da aprendizagem. No caso, valendo-se da condição de democratização das relações sociais no âmbito escolar, ora os docentes parecem buscar resolver as demandas pedagógicas através da reflexão dialogada por distintos profissionais da educação, embasada por uma perspectiva dialógica, ora parece que estão se utilizando dessa condição para a manutenção da figura de poder do professor, amparados por instrumentos de controle do aluno, fundamentados na perspectiva classificatória.

Portanto, apesar de o conselho de classe possibilitar uma ação docente mais formativa, e no coletivo, poder desencadear uma reflexão dialogada sobre o processo pedagógico, visando redirecionar ações, pareceu-nos que ainda permanece amplamente disseminada uma significação pejorativa à experiência docente nessa instância. Com efeito, evidenciamos que mesmo com o avanço nos debates sobre os espaços de decisão coletivos, e a situação de se ter um momento reservado no calendário escolar na rede para essa reunião, o direito ao debate não tem garantido experiências propositivas. Porém, a forma como é pensado e direcionado o debate pela equipe pedagógica, o tipo de encaminhamentos propostos, as condições objetivas a posteriori para dar suporte ao pensado durante os debates realizados e, mesmo o apoio da escola como um todo, na busca em contribuir para a concretização de tais encaminhamentos, reverberam na conotação conservadora atribuída por esses profissionais à sua experiência nessa instância.

Esta pesquisa mostra ainda que o debate desencadeado quanto à aprovação/reprovação está ganhando novo significado que reflete no questionamento dos reais fins dessa instância, haja vista a inclusão de um novo elemento no domínio educacional, isto é, os índices dos resultados dos exames em larga escala. Tal novidade, de acordo com relatos dos professores revela, tanto implícita quanto explicitamente, uma avaliação no âmbito do conselho de classe que não contempla efetivamente um debate pedagógico para o desenvolvimento do processo educativo e, sim, torna-se uma instância de encontrar formas de atingir as metas previstas para a escola.

No caso, o debate sobre aprovação/reprovação indica o enraizamento de uma lógica gerencialista com o fim de impulsionar o desenvolvimento educacional, inclusive, abala o poder do professor de decidir sobre a vida escolar do aluno. Ao ser destituído da autoridade de fazer valer a reprovação de alunos que não se enquadram no padrão do modelo idealizado de aluno, os docentes passam a depender do coletivo do conselho de classe, bem como do percentual aceitável de reprovação acordado pela escola e/ou secretaria de educação, o que os distancia da autonomia docente e adia a consolidação de uma escola dialógica e democrática.

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Recebido: 29 de Setembro de 2017; Aceito: 30 de Julho de 2018

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