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Perspectiva

versión impresa ISSN 0102-5473versión On-line ISSN 2175-795X

Perspectiva vol.36 no.4 Florianopolis oct./dic 2018  Epub 30-Jul-2019

https://doi.org/10.5007/2175-795x.2018v36n4p1241 

Artigos

A formação inicial de professores de Geografia no Brasil e em Portugal: aspectos da constituição da identidade profissional docente

The initial geography teacher training in Brazil and Portugal: aspects of the constitution of professional teacher identity

La formación inicial de maestros de geografía en Brasil y en Portugal: aspectos de la constitución de la identidad profesional docente

Maria Anezilany Gomes do Nascimento1 
http://orcid.org/0000-0002-8559-7904

Sérgio Claudino Loureiro Nunes2 
http://orcid.org/0000-0001-9783-7250

1Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC

2Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC


Resumo

O trabalho visa tratar da formação inicial de professores de Geografia no Brasil e em Portugal, considerando: as diretrizes curriculares e os Decretos-Lei que, nos dois países, regulamentam e orientam essa formação, pautados pelas orientações internacionais que influenciam sobremaneira a normatização dos currículos; um olhar para a articulação entre os campos territoriais e educativos da formação, nomeadamente a escola e a universidade, sobretudo no âmbito dos projetos institucionais que orientam a formação. Tendo como referências curriculares quatro licenciaturas em Geografia do estado do Ceará, Brasil, e duas de Lisboa, Portugal, o estudo utiliza como principais recursos metodológicos a análise de documentos legisladores e de reformulações curriculares que pautam a profissionalização para a docência, incluindo a concepção de projetos pedagógicos de licenciatura em Geografia, bem como de matrizes curriculares de formação inicial. Espera-se contribuir com a leitura de aspectos dessa formação que dizem respeito à constituição da identidade profissional docente pela via de uma efetiva aproximação teórico-prática nesse percurso.

Palavras-chave:  Formação docente; Identidade profissional; Universidade

Abstract

This paper aims to treat the initial teacher training of geography in Brazil and Portugal, considering: the national curricular guidelines and the law-decrees which in the two countries legislate on this formation, guided by the international guidelines; a look at the articulation between the territorial and educational fields of training, namely the school and the university, especially in the scope of the institutional projects that guide the training. Based on four undergraduated degrees in Geography in Ceará and two master degrees in Lisbon, Portugal, the study involves a documentary analysis of the legislative documents that guide the professionalization of teaching. It is hoped to contribute to the reading of fundamental aspects about this initial teacher training, which relate to the constitution of the professional teacher identity by means of an effective theoretical-practical approach.

Keywords:  Teacher training; Professional identity; University

Resumen

El trabajo se dirige a la formación inicial de profesores de geografía en Brasil y Portugal, considerando: las directrices curriculares nacionales y los decretos-ley que en los dos países regulan sobre esa formación, pautadas por las orientaciones internacionales que influencian sobremanera en esa normatización de los currículos; una mirada a la articulación entre los campos territoriales y educativos de la formación, en particular la escuela y la universidad, sobre todo en el marco de los proyectos institucionales que orientan la formación. Con el plan de estudios de cuatro grados en la geografía del estado de Ceará, Brasil y dos maestrías en Lisboa, Portugal el estudio incluye, como principales recursos metodológicos, análisis bibliográfico y documental acerca de los documentos legisladores y los cambios curriculares que guía profesional para la enseñanza superior portuguesas. Se espera contribuir con la lectura de aspectos fundamentales acerca de esa formación inicial, los cuales se refieren a la constitución de la identidad profesional docente por la vía de una efectiva aproximación teórico-práctica.

Palabras clave:  Formación docente; Identidad profesional; Universidad

Introdução

Em 1890, o pedagogo Manuel António Ferreira-Deusdado, autor do primeiro livro publicado em Portugal sobre o ensino de Geografia (CLAUDINO, 2001), defendeu que “O professor é a alma do ensino” (FERREIRA-DEUSDADO, 1890, p. 3-4) – afirmação que, na sua simplicidade, traduz bem a centralidade do papel do docente no ensino e, desde logo, no ensino de Geografia. Saltando no tempo, esta centralidade continua a ser reconhecida: como afirma a Comissão de Educação Geográfica da União Geográfica Internacional, na renovada Carta Internacional da Educação Geográfica, “teachers are the key to improvement in education” (COMISSION ON GEOGRAPHICAL EDUCATION, 2016, p. 6). Assumindo o papel e a relevância da formação inicial na constituição da profissionalidade docente, este artigo visa a uma breve apresentação dessa formação em Portugal e no Brasil, centralizando o recorte dessa profissionalização no Ceará e em Lisboa, com enfoque nas reformulações curriculares que atravessaram esses territórios nos últimos anos e na articulação entre a universidade e a escola na preparação para a atuação profissional.

A formação em Portugal

Em Portugal, não se pode falar de formação de professores quando da instauração do sistema de ensino liberal, muito embora esta formação tenha sido uma preocupação dos responsáveis (CLAUDINO, 2001). A Escola Normal Primária de Lisboa abriu as portas apenas em 1862, apesar de criada legalmente em 1824.

Na ausência de cursos de formação, os candidatos a docentes eram sujeitos a exames de admissão para a profissão, tanto na instrução primária como na instrução secundária, nos quais eram avaliados sobre o seu domínio dos conteúdos, sem qualquer preocupação com a formação pedagógico-didática. Assim, por exemplo, em 1856, no Liceu de Lisboa, os candidatos à docência de Geografia e História foram sujeitos a um exame apenas centrado nos respectivos conteúdos científicos (Edital de 12 de julho).

Em 1859, em Lisboa, surgiu o Curso Superior de Letras, com a assumida preocupação de preparar os futuros docentes liceais para os conteúdos disciplinares (CARVALHO, 1986, p. 593), e deste Curso estava ausente a formação em Geografia, porém não em História. Persistiu a carência de docentes, após uma série de reprovações nos exames públicos (FERREIRA-DEUSDADO, 1890, p. 3-4). Na ausência de docentes preparados cientificamente para o ensino de Geografia, o compêndio escolar era, de forma ainda mais reforçada, o grande guia das aulas.

A difícil articulação entre formações e instituições

Em 1901, ocorreu uma importante reforma. Instituiu-se o ensino de Geografia e o Curso Superior de Letras passou a habilitar para o respetivo ensino liceal. Criou-se um curso de habilitação para o magistério que associava a preparação científica disciplinar à formação pedagógica (Decreto nº 5, de 24 de dezembro de 1901). Tinha duração de quatro anos, um ano a mais do que o necessário ao curso frequentado por quem não pretendia a docência liceal. Os futuros professores frequentavam, no terceiro ano, duas cadeiras de Pedagogia. No 4º ano, estava prevista a Iniciação ao exercício do ensino secundário, asseguravam-se aulas a alunos requisitados ao Liceu de Lisboa, que participavam de conferências em que se refletia sobre os programas e o ensino das disciplinas – nas quais o ensino de Geografia era associado ao de História. Com a instauração da República, em 1911, o Curso Superior de Letras deu origem à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e surgiu idêntica Faculdade na Universidade de Coimbra. Reforçou-se o ensino de Geografia, e apenas os bacharéis em Ciências Históricas e Geográficas estavam habilitados para o ensino de História e Geografia. Criaram-se Escolas Normais Superiores nas Universidades de Lisboa e de Coimbra, onde funcionavam, entre outros, cursos de dois anos de habilitação para o magistério liceal. As vagas eram maioritariamente asseguradas por docentes das Faculdades de Letras e de Ciências, mas apenas em regime de acumulação às funções que já exerciam. Com as Escolas Normais, acentuou-se a diferenciação entre a formação teórica e a prática. Desse período, sobrou-nos apenas o testemunho de umas poucas dissertações impressas. Nelas, abordavam-se as questões pedagógicas, a concepção científica de Geografia e algumas considerações sobre o seu ensino, em textos marcadamente acadêmicos, dos quais estavam notavelmente ausentes o registro e a reflexão sobre as práticas escolares que os jovens autores acabavam de vivenciar (CLAUDINO, 2005).

Em 1926, foi associada à formação de professores de Geografia e de História a preparação também em Filosofia. Amorim Girão, o primeiro professor doutorado em Geografia em Portugal, criticou a associação da Geografia à História, por impossibilitar a formação naturalista dos futuros professores. Em alternativa, defendeu uma formação universitária autônoma em Geografia ou a sua associação às Ciências Geológicas (CLAUDINO, 2005). Ao encontro dessas posições, em 1930, as autoridades instituíram uma licenciatura autônoma de Ciências Geográficas (Decreto nº 18.003, de 25 de fevereiro de 1930). No mesmo ano, o governo extinguiu as Escolas Normais Superiores, sob justificativa de mau funcionamento logo no primeiro ano, situação que se tornou ainda pior no ano seguinte. Instituiu-se um novo modelo de formação (Decreto nº 18973, de 16 de outubro de 1930): diferenciou-se a formação teórica, que passou a ser assegurada por Seções de Ciências Pedagógicas das Faculdades de Letras, da formação prática, desenvolvida em dois Liceus Normais, um em Coimbra e outro em Lisboa. O Estágio passou a ter a duração de dois anos, sob a direção do professor metodólogo. Este modelo perdurou, mas deixou de responder manifestamente às necessidades de formação de professores por todo o país. Assim, em 1969, acelerou-se a profissionalização dos docentes, cada vez mais centrada nas escolas: o Estágio foi reduzido a um ano, e quem o frequentava passou a auferir salário, tendo sido permitida também a sua abertura em qualquer liceu ou escola técnica.

A tentativa efêmera de centrar a formação na escola

Com a revolução de 1974, extinguiram-se as já decadentes Seções Pedagógicas, bastando a realização do Estágio, agora tutelado pelo orientador (CLAUDINO, 2005). Em 19801, o novo regime democrático instituiu a profissionalização em serviço, um modelo inovador. Apostou-se na escola secundária como instituição e espaço de formação, pretendendo-se com isso abrir a escola à comunidade, bem como inauguraram-se Núcleos de Estágio por todo o país, e não apenas nas principais cidades do litoral. Esse modelo teve uma duração efêmera: (i) a formação teórica dos jovens professores dependia, quase totalmente, da pesquisa que efetuavam, (ii) o novo sistema continuou a revelar-se incapaz de responder ao número crescente de docentes e, sobretudo, (iii) as escolas tinham dificuldade em assumir o papel de entidades formadoras para o qual eram solicitadas e, por fim, (iv) era um modelo de elevados custos (CLAUDINO, 2005).

Esse modelo não teve continuidade no novo arranjo de formação em serviço2. Com este, retomou-se a formação teórica em instituições de Ensino Superior vocacionadas para a preparação de docentes, instituições essas espalhadas por todo o país, muitas das quais surgidas nos anos 1980. Nelas, fequentavam-se as cadeiras de Ciências da Educação, de Didática Específica e Tecnologia Educativa; no segundo ano, desenvolvia-se um projeto de formação com o apoio de um docente formador, o delegado do grupo. Com reajustamentos à formação em serviço, conseguiu-se, finalmente, a profissionalização docente de muitos milhares de professores que já se encontravam a lecionar.

A universidade assume a formação inicial de professores

Antes, em 1971, surgiu, nas Faculdades de Ciências, o Ramo de Formação Educacional, a funcionar a par do ramo de especialização científica3. Essas faculdades e as novas universidades criadas a partir de 1973 adotaram o modelo de licenciatura em Ensino: nos primeiros anos, predominava a formação de base disciplinar, após o que surgiam, em número crescente, cadeiras pedagógico-didáticas, que preparavam para o Estágio no 5º e último ano, numa escola básica e secundária. O estagiário era considerado um professor da escola e trabalhava em duas turmas, sob a orientação de um professor do ensino básico e secundário, cuja atividade era coordenada por um professor do respectivo departamento universitário.

Em 1986/87, os alunos das Faculdades de Letras e da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, onde funcionavam os cursos de Geografia, exigiram de suas instituições universitárias que lhes fosse assegurada a formação docente inicial, como sucedia já noutras universidades. Essas reivindicações iam ao encontro dos próprios objetivos governamentais de, com a integração de Portugal à Comunidade Europeia, apressar a profissionalização dos seus docentes, para alcançar patamares semelhantes aos dos demais membros da Comunidade. Assim, a partir de 1987, por pressão direta do Governo português, à semelhança do que ocorreu noutras áreas disciplinares, a formação inicial de professores de Geografia passou a ser assumida pelos quatro departamentos universitários de Geografia das três Faculdades de Letras e da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, e a regulamentação do Estágio Pedagógico foi publicada no ano seguinte4.

Nos primeiros anos, funcionou um curso transitório de formação de professores. Após a conclusão da licenciatura, os futuros professores frequentavam, no primeiro ano, cadeiras de Ciências da Educação e também de Didática e Metodologia. Estas últimas eram lecionadas por docentes dos departamentos disciplinares, e as primeiras por professores das Faculdades de Psicologia e Ciências da Educação (FPCE). No segundo ano, funcionavam o Estágio e o Seminário. Ultrapassada a fase de transição, a Universidade Nova de Lisboa prosseguiu com o modelo de formação bietápica: após a licenciatura em Geografia, de quatro anos, sucedia-se o curso de dois anos de formação docente, nos moldes indicados para o modelo provisório. Esse modelo pretendeu salvaguardar uma forte formação científica em Geografia, sem a prejudicar pela introdução de cadeiras pedagógicas na licenciatura.

As restantes universidades seguiam, no essencial, o modelo da licenciatura em ensino. Essa formação mereceu um acolhimento geralmente positivo entre responsáveis pelo ensino da Geografia em Portugal (CLAUDINO, OLIVEIRA, 2006, 2007; LEMOS, 2004).

A contestação a uma formação bidisciplinar de História e Geografia

Em 1999, a Declaração de Bolonha deu origem ao processo de reforma do ensino superior europeu, iniciado em Portugal com a aprovação do Decreto-Lei nº 74, de 24 de março 2006. A formação docente inicial passou a ser efetuada através de dois ciclos: o primeiro com a duração de três anos (licenciatura), dedicado à formação científica específica, e o segundo, de dois anos (mestrado), centrava-se na formação pedagógico-didática (CLAUDINO, 2006).

Inesperadamente, a proposta governamental trazida à discussão pública unificou a formação inicial dos professores de Geografia e de História no âmbito do Mestrado em Ensino da História e da Geografia. Apesar das tomadas de posição por parte de universidades e associações socioprofissionais que rejeitavam essa unificação da formação inicial, ela veio a ser aprovada em 20075. Ingressavam no Mestrado em Ensino de História e de Geografia diplomados em qualquer área, desde que possuíssem 120 créditos de História e Geografia e, pelo menos, 50 créditos em cada uma das áreas – ou seja, quem tivesse menos de um ano de formação acadêmica em Geografia ou História. Assim, em 23 de maio de 2011 foi desencadeada, em Portugal, a Petição Pública Nacional intitulada Por uma formação autónoma dos professores de Geografia e História. Por uma formação inicial de qualidade. Esta iniciativa partiu de um pequeno grupo de professores e foi liderada a partir da universidade, à que se associaram, depois, as principais associações socioprofissionais de Geografia e de História6 (CLAUDINO, 2011).

Com a primeira parte do título da Petição, define-se a sua finalidade: retomar a formação autônoma dos professores de Geografia e de História; com a segunda parte do título, identificou-se a necessidade de a formação possuir a qualidade necessária, o que não era possível com a escassa formação que os graduados em História tinham em Geografia e vice-versa. Esta iniciativa inédita de professores foi bem-sucedida. Em 2014, o novo regime jurídico7 retomou a autonomia da formação de professores de ambos os grupos disciplinares, o que constituiu uma vitória histórica desta movimentação .

Os Tabelas 100 e 200 sintetizam os dois regimes jurídicos pós-Bolonha, aprovados em 2007 e em 2014:

Quadro 1 – Componentes de Formação do Mestrado em Ensino, de acordo com o regime jurídico de 2007 

Componentes de Formação Créditos (entre 90 e 120)
Formação Educacional Geral/FEG 25%
Didáticas Específicas/DE 25%
Iniciação à Prática Profissional/IPP 40%
Formação cultural, social e ética Créditos incluídos em FEG, DE e IPP
Formação em metodologias de investigação educacional Créditos incluídos em FEG, DE e IPP
Formação na área da docência 5%

Fonte: Decreto-Lei nº 43, de 22 de fevereiro 2007.

Quadro 2 – Componentes de Formação do Mestrado em Ensino, de acordo com o regime jurídico de 2014 

Componentes de Formação Créditos (total: 120)
Área Educacional Geral/AEG Mínimo de 18
Didáticas Específicas/DE Mínimo de 30
Iniciação à Prática Profissional/IPP Mínimo de 42
Área de docência Mínimo de 18
Área cultural, social e ética Créditos incluídos nas outras áreas

Fonte: Decreto-Lei nº 79/, de 14 de maio de 2014.

Assim, o atual modelo de formação consagra como grandes áreas: Ciências da Educação; Didáticas Específicas; nas escolas básicas e secundárias, Iniciação à Prática Profissional; e, por último, Área de docência – esta muito limitada em 2007, com um mínimo de 5% dos créditos, alargados em 2014 para pelo menos 15%. A Área cultural, social e ética surge integrada nas restantes e, de 2007 para 2014, desaparece a área de Metodologias de Investigação Educacional. Mas não é esta a única alteração entre as duas datas: reforçam-se as Didáticas Específicas, e a formação em Ciências da Educação surge claramente desvalorizada, muito embora as instituições de ensino tenham agora maior liberdade de intervenção na organização curricular dos créditos. Há, afinal, uma orientação geral neste novo regime jurídico: para se ser um bom professor, deve-se dominar bem os conteúdos programáticos que se leciona. Assim, por exemplo, para se ser professor de Geografia, já não basta possuir um mínimo de 50 créditos nesta área científica, é preciso possuir 120 créditos. O mesmo se repete em relação a outras áreas disciplinares na mesma legislação.

O Mestrado em Ensino de Geografia entrou em vigor em 2015/16. Em relação ao Mestrado em Ensino de História e Geografia, podemos identificar dois grandes modelos, o da Universidade de Lisboa, em que os alunos se deslocavam às escolas, em Iniciação à Prática Profissional, ao longo dos quatro semestres dos dois anos, num esforço de interação entre a formação teórica e prática, e um segundo modelo, em que, no primeiro ano, há a formação “teórica”, e no segundo ano, os alunos têm a totalidade da mesma Iniciação à Prática Profissional nas escolas. Como notam Maria Teresa Estrela e Albano Estrela (2001, p. 15), em crítica à separação dos espaços e tempos de formação, este é o “ponto crítico da formação inicial e contínua, lembrando que a transposição da teoria para a prática não é simples nem linear”.

A profissionalização para a docência em Geografia no Brasil

São diversos os marcos que contam a trajetória de formação de professores de geografia no Brasil, incluindo desde os referentes à profissionalização para a docência de ordem mais geral, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional do Brasil (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que, em substituição à Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, dedica um Título aos profissionais da educação, estabelecendo a formação superior como condição para atuação na Educação Básica, bem como a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Formação dos Professores da Educação Básica (BRASIL/CNE, 2002), até marcos específicos dessa formação, como a criação das faculdades de Educação, Ciências e Letras, nos anos 1930, que passaram a abrigar cursos de Geografia, assim como a gradativa supressão da Geografia (e da História), nos anos 1970, com a criação da componente Estudos Sociais (Lei nº 5.692/71) nos currículos escolares, no âmbito das reformulações na Educação Básica, que influenciaram a formação de professores daquelas áreas, no contexto do golpe militar vigente no referido período.

Sobretudo a partir dos anos 1990, ao mesmo passo em que organismos internacionais, como Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a União Geográfica Internacional (UGI), na Carta Internacional da Educação Geográfica (1992, 2016), reafirmavam a importância de preparar o futuro profissional para o exercício de uma Geografia voltada à cidadania (SOUTO GONZÁLEZ; CLAUDINO, 2004), constatava-se uma das maiores fragilidades intrínsecas à formação inicial docente, qual seja, a desarticulação teórico-prática. A evidência, nos cursos de licenciatura, dos fossos entre ação e reflexão, ensino e investigação, formação e atuação, perspectivaram uma reconstrução paradigmática dessas relações, sustentadas fundamentalmente nas concepções: a) do professor como profissional reflexivo – ideia amplamente difundida pela obra de Schon (1983) acerca da epistemologia da prática como base de uma formação profissional que valorize a experiência e a reflexão sobre a docência –; b) do saber e da experiência docentes (TARDIF, 2014) e c) da postura investigativa do professor na construção de suas práticas curriculares e educativas (STENHOUSE, 1971, 1975), horizontes pelos quais se pudesse vislumbrar:

    1. a identidade do professor em formação e em atuação com a pesquisa como condição permanente de sua prática;

    2. a aproximação entre todos os sujeitos e espaços envolvidos nesse amálgama teórico-prático que diz respeito à formação.

No âmbito desse delineamento histórico, pretende-se, nesta seção, abordar, com enfoque nas licenciaturas em Geografia do estado do Ceará, como se reorganizou essa formação inicial docente em face das novas normativas, tendo como marco referencial superior as políticas e diretrizes curriculares empreendidas a partir dos anos 2000, sobretudo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, que instituíram princípios norteadores e objetivos formativos calcados em competências e habilidades para essa profissionalização, no contexto da reformulação dos cursos existentes.

A formação no Ceará, Brasil

A formação inicial de professores de Geografia no Ceará é uma marca da trajetória das instituições de Ensino Superior do interior do Estado. Relaciona-se com o contexto sócio-histórico de evolução do sistema educativo e da sociedade em geral (como sucede em Portugal – Conselho Nacional de Educação, Universidade do Algarve, 2015), o que trouxe num movimento da capital para o interior, novas exigências para o exercício da profissão docente, passando a certificação destes professores a ganhar cada vez mais relevância para o Estado, na viabilização de profissionais devidamente habilitados para assegurar as crescentes exigências de Educação Básica. Trata-se, portanto, de um contexto categórico para compreender a necessidade de profissionalização destinada ao exercício da docência, como prioridade vocacional dessas faculdades/universidades nos territórios onde as escolas apresentavam, à época, uma grande solicitação por professores com as qualificações mínimas para a atuação.

Muito embora este artigo tenha como recorte nomeadamente as licenciaturas em Geografia de quatro instituições de Ensino Superior cearenses, a saber: a Universidade Estadual do Ceará (Uece), a Universidade Federal do Ceará (UFC), a Universidade Regional do Cariri (Urca) e a Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA), vale destacar que a profissionalização para a docência nessa área vem se expandindo no Estado também entre os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).

A Geografia no ensino universitário do estado do Ceará surgiu em meados dos anos 1940, no que correspondia à Faculdade de Filosofia do Estado do Ceará. Tal histórico coaduna-se com a criação das licenciaturas nas antigas Faculdades de Filosofia do Brasil, a partir dos anos 1930, como lembra Pereira (1999), no âmbito de uma regulamentação que viabilizasse a preparação de docentes para a escola secundária.

Vale lembrar que é nessa década que surge, no Brasil, no ano de 1946, o primeiro curso de formação inicial de professores de Geografia de nível universitário, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCLH/USP). A vinda dos professores franceses Pierre Monbeig e Pierre Deffontaines no referido ano visava à organização do primeiro curso de Bacharelado em Geografia. A Licenciatura, que consistia em uma extensão de mais um ano, com disciplinas em geral ofertadas pela Faculdade de Educação, destinava-se àqueles que almejavam a carreira docente. É nesse contexto que surgem outros cursos de Licenciatura em Geografia a difundirem-se pelo país.

Era um contexto político de um mundo em ebulição, marcado por uma forte crise global, que destruiu economias inteiras, pela afirmação de ideologias e regimes socioeconômicos conflitantes, como o socialismo e o nazismo; um cenário de pós-segunda guerra mundial e início de uma guerra fria, no qual se acirraram profundas tensões diplomáticas entre Estados Unidos e União Soviética. Esse foi o período em que surgiram as principais organizações intergovernamentais e agências multilaterais de promoção dos direitos humanos e de desenvolvimento econômico, controle e regulação, tais como a ONU, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM). Nesse ambiente político-econômico, assistimos ainda a grandes avanços no campo científico-tecnológico, com a criação do computador e do transístor, assim como o recrudescimento de inovações e tecnologias imprescindíveis à reprodução das relações sociais de produção.

O Brasil desse início do II Pós-Guerra, inserido nesse contexto internacional, constituía-se em um território de profunda excitação político-econômica. O período coincidiu com a fase de experiência democrática havida entre as duas ditaduras da história brasileira. Entre o fim da Era Getúlio Vargas (1945) e o golpe militar de 1964, que depôs o presidente João Goulart, o país viveu um significativo momento de efervescência política e social. Vivenciou avanços no processo de industrialização, a mudança da capital para Brasília, no interior do país, e o crescimento de uma produção cultural em várias áreas.

Não obstante, é preciso reconhecer que, antes mesmo da abertura política, ainda no âmbito da fase inicial da ditadura Vargas (década anterior), foram criadas importantes instituições, que contribuíram sobremaneira para o conhecimento e a discussão do território nacional e, dessa maneira, para a ampliação da dinâmica e do reconhecimento da Geografia no Brasil. Foi nesse contexto que se criaram o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)8, a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), a USP e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Eclodiam no Ceará, nesse período, muitas lutas sociais, sobretudo em sítios de centralidade, como Fortaleza, e também nos centros regionais do interior. Houve greves do operariado, principalmente ligado à indústria têxtil, de organizações de trabalhadores do campo e da cidade, na luta contra a exploração patronal e em defesa da reforma agrária. Por outro lado, movimentos estudantis exigiam um posicionamento do Brasil no contexto da Segunda Guerra. Este conflito armado de proporções globais deixaria profundos vestígios na paisagem urbana e na ordem político-econômica e cultural do Estado, principalmente na capital, Fortaleza, onde a redefinição de áreas centrais, a explosão populacional e a dinamização do conhecimento tecnológico influenciaram o ordenamento territorial e urbano9.

Portanto, no caso do Ceará, essa ‘coincidência’ de conjunturas históricas entre o pós-guerra e o fim da primeira ditadura conformou o ambiente essencial para a ampliação de debates e o surgimento de entidades e instituições culturais e acadêmicas. Nesse cenário, foi criada, em 1947, a Faculdade Católica de Filosofia do Ceará. Com a edição do Decreto 22.977, foram autorizados os cursos de habilitação para as áreas de Filosofia, Letras Clássicas, Letras Neolatinas, Letras Anglo-Germânicas, Matemática e História/Geografia – sublinhe-se a bidisciplinaridade da Licenciatura em História e Geografia, uma formação mista.

Depois de uma crise, nos anos 1960, que levaria ao fechamento da Faculdade, um movimento de intelectuais e professores engajados na causa acadêmica e na retomada de vestibulares para dar continuidade ao ingresso e à manutenção da universidade assegura o resgate da Faculdade Católica (1966), que passa a denominar-se Faculdade de Filosofia do Ceará, transferinda posteriormente para a esfera do Estado, compondo o que atualmente corresponde à Universidade Estadual do Ceará (1975).

Portanto, depreende-se desse processo que foi através da Faculdade Católica de Filosofia, posteriormente denominada de Faculdade de Filosofia do Ceará, que emergiu o movimento geográfico no Estado do Ceará, de caráter acadêmico, que se configuraria nas quatro universidades cearenses objetos desta pesquisa: a Uece, com cursos de Geografia em Fortaleza e em Limoeiro do Norte e, atualmente, com um Programas de Pós-Graduação em Geografia – mestrado e doutoramento – em Fortaleza; a UFC, com habilitação de bacharelado e licenciatura em Geografia, em Fortaleza, e também com um Programa de Pós-Graduação em Geografia – mestrado e doutorado – nesse mesmo campus); a Urca, sediada no Crato, Sul do Estado, com oferta de licenciatura em Geografia; e a UVA, situada em Sobral, Norte do Estado, com a oferta de licenciatura em Geografia e um programa de mestrado acadêmico nessa mesma área.

A formação inicial de professores de Geografia que se realizou nessas unidades acadêmicas, do final dos anos 1960, (final dos anos 1980, no caso da Urca) até o ano de 2007, esteve profundamente ancorada no modelo 3+1, seguindo os moldes de preparação para a docência dos demais cursos nas universidades cearenses e brasileiras, nesse mesmo período: três anos de uma formação fortemente centrada nos conteúdos específicos de Geografia, sucedida de um último ano, no qual se enfatizam as componentes curriculares de natureza pedagógica. Calcada no paradigma da racionalidade técnica (CLAUDINO, OLIVEIRA, 2006, 2007; PEREIRA, 1999; PÉREZ-GOMES, 1992; SCHON, 1983, 1987), incorporava uma formação de natureza vigorosamente disciplinar, com abordagem marcadamente fragmentária.

As reformulações empreendidas pelas DCNs no Brasil (BRASIL/MEC/CNE/CP, 2001, 2002), que encetaram mudanças significativas nos currículos de todos os cursos de licenciatura no país, implicaram, por conseguinte, em novas propostas curriculares para a Geografia e os demais cursos de formação inicial dessas quatro universidades.

No plano mais amplo, o Brasil vivenciava, desde o final dos anos 1990, o Período Técnico-Científico Informacional (SANTOS, 1994, 1996), contexto em que as transformações em curso no mundo impulsionavam também reformas no cenário da Educação. Trata-se de uma conjuntura em que as novas formas e lógicas organizacionais, produtivas, culturais e políticas se fundiam nas relações sociais, o que culminava, entre outros processos, em diversas crises: crise ambiental, crise política e crise de valores. O cenário foi determinante para o recrudescimento dos debates político-educacionais sobre como os sujeitos se inserem e podem intervir e modificar a realidade.

Esse contexto, compreendido entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000, foi fundamental para o despoletar de debates acerca das palavras de ordem do discurso da globalização e do neoliberalismo, às quais já aludimos anteriormente, tais como flexibilidade, produtividade, eficiência, competitividade – sobretudo quando se mapeava que esses ditames se relacionavam com as metas das agências internacionais para a educação e o ensino, no Brasil e no mundo. Constituiu um âmbito oportuno para que a Geografia, as Ciências Sociais e as Ciências da Educação contribuíssem para dialéticas desse contexto e apresentassem caminhos de intervenção e enfrentamento.

Era imprescindível reconhecer os impactos das determinações econômicas, políticas e culturais sobre as reformas educacionais que se desenrolavam e sobre as mudanças curriculares que se desenvolviam. Tão importante quanto esse reconhecimento, era imperativo questionar como esse novo currículo se inseriria no contexto desafiador do ensino e da docência no Brasil, que não avançava positivamente, sobretudo no que dizia respeito às condições de realização do trabalho docente.

Além disso, fortalecia-se o entendimento sobre o papel crucial do professor na construção do desenvolvimento pessoal/intersubjetivo do aluno e no acesso ao conhecimento, o que pressupunha o domínio cada vez mais profundo nessa área de especialidade (científica/específica e pedagógica/educacional), como aquela que forma profissionais analistas críticos da sociedade, para nela intervirem por meio da sua atividade docente; estes profissionais compõem uma comunidade, portanto, científica, pelo que devem ser formados na universidade, lugar da produção social do conhecimento, da circulação e exercício da crítica histórico-social (LIBÂNEO; PIMENTA, 1999).

Conforme lembram estes últimos autores, foi entre os anos de 1997 e 1999 que os debates sobre a necessidade de uma orientação mais geral para a formação pedagógica ganharam contornos mais concretos – como sucedeu, por exemplo, com a criação do Documento Norteador para a Elaboração de Diretrizes Curriculares para os Cursos de Formação de Professores (1999). As orientações normativas gerais viriam com as Diretrizes Curriculares Nacionais (2001), mas os debates que as antecederam já reforçavam, muito claramente, algumas dimensões como a prática, que precisava estar presente desde o início do processo formativo, rompendo com a formação tecnicista que até então predominava.

Especialmente a partir da Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), a noção de projeto político-pedagógico (PPP) assume um importante lugar nos debates sobre educação, escolaridade e gestão. Esse instrumento é assumido como importante ferramenta de orientação para a organização de currículos e o desenvolvimento de trabalhos pedagógicos coletivos (GADOTTI, 2000; GANDIN, 1991; VEIGA, 2003). Este debate volta-se inicialmente para o planeamento e a gestão na escola e vai ganhando espaço no ensino superior, sobretudo nos cursos de formação inicial de professores. Tal fato explica-se, naturalmente, pela eclosão das políticas curriculares para a graduação — consubstanciadas nas DCNs — e pela própria natureza da inter-relação entre esses dois espaços formativos (universidade e escola) na profissionalização para a docência.

Uma das recomendações das DCNs consistiu na (re)elaboração dos PPPs dos cursos de graduação, os quais deveriam constituir-se como elementos norteadores da formação. Ao contrário, a reformulação dos currículos deveria pressupor a adequação a alguns aspetos fundamentais enquadrados nessas DCNs, tais como o perfil do licenciando, o princípio norteador do curso de licenciatura, os objetivos da formação e os mecanismos de avaliação contínua de cada curso.

Perante esta orientação, os cursos de licenciatura, por todo o país, vivenciaram processos de reformulação curricular. Foi de valiosíssima contribuição nesse processo o trabalho desenvolvido por pesquisadores da área da educação no Brasil10, que sublinhavam a importância de dimensões elementares na construção dos projetos e na reformulação dos currículos. Destacamos, dentre essas dimensões:

  • os fundamentos filosóficos e sócio-políticos que norteavam teórico-metodologicamente a construção de cada processo;

  • o marco situacional de cada contexto, que define o “onde estamos” como condição sine qua non para o “onde queremos chegar”;

  • e o marco pedagógico ou operativo que orienta as ações educativas que perpassam o processo (DALMÁS, 2002; DEMO, 1998; GEMERASCA; GANDIN, 2000; PADILHA, 2002; VEIGA, 2003).

As DCNs, fortemente ancoradas no debate acerca desses fundamentos, determinavam que os currículos fossem (re)formulados por meio da elaboração dos PPPs, que deveriam apresentar e descrever metodologicamente como se encaminharia a formação a partir de alguns elementos imprescindíveis, tais como:

  • princípio norteador do curso;

  • perfil do licenciado que se pretende formar;

  • objetivos da formação;

  • competências e habilidades específicas àquela área de conhecimento;

  • estratégias pedagógicas (formação contínua, interação entre ensino e pesquisa, articulação entre a graduação e a pós-graduação, formas de avaliação contínua do Projeto e da formação);

  • organização da componente prática, que deve estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor, não se restringindo ao estágio, nem se desarticulando do restante do curso;

  • integralização curricular (reorganização das componentes e redefinição da matriz);

  • ementário das disciplinas.

Além disso, pretendia-se que a elaboração desses PPPs fosse sustentada tanto na participação ampla e democrática – ou seja, a partir do envolvimento de representantes diversos da comunidade acadêmica – como no respeito às necessidades e interesses dessa comunidade.

Contudo, na prática, muito dessas aspirações não se efetivaram. Em face da urgência em responder às determinações do Ministério da Educação e sem uma preocupação ampla com a compreensão do currículo e sua relação com o contexto socioespacial e político-pedagógico de cada curso, muitos projetos foram construídos apressadamente, tanto no estado do Ceará como em outros cursos de Licenciatura do Brasil, elaborados mais para responder a uma exigência normativa.

Esse contexto de mudanças na base de formação inicial foi atravessado por dificuldades as mais diversas nos vários departamentos e em outras instâncias do Brasil. Faltava uma orientação, tanto de natureza epistemológica quanto operativa. Não havia clareza, por exemplo, sobre os conceitos de habilidades e competências preconizados nos documentos do Conselho Nacional de Ensino (CNE). Não se discutia de forma profunda a organização do número de horas destinadas à formação específica e à dimensão didático-pedagógica.

Consideráveis imprecisões em torno de novos componentes curriculares que passaram a integrar a formação dificultavam sobremaneira a organização curricular. Como inserir as 400h de Atividades Práticas? No que consistiam efetivamente as Atividades Complementares, de natureza acadêmico-científico-cultural, as quais deveriam ocupar 200h da formação? Como distribuir a carga horária expandida do Estágio Supervisionado, que passou a integralizar 400h nessa formação inicial? Enfim, eram alterações significativas, que compreendiam uma clareza teórico-metodológica da dimensão pedagógica que as envolvia.

Um objetivo muito precisamente definido pelas DCNs de 2001-2002 foi a ampliação da conceção da prática, o que se mostrou muito válido, já que, de fato, essa dimensão sempre estivera mais acanhada no modelo de formação inicial 3+1.

Era profundamente necessário que a formação caminhasse rumo a uma superação dessa perspetiva fragmentária da formação. Não obstante, os processos de reestruturação curricular foram se desenhando nessa direção, em linhas gerais, com uma compreensão muito limitada, um certo esvaziamento de sentido no que concerne a uma apropriação crítica e consciente do que seja currículo. Consideramos dois fatores que contribuíram para esse cenário, além da supramencionada carência de orientação sobre as próprias Diretrizes por parte dos órgãos competentes:

    a. uma escassez histórica de diálogo acadêmico entre os formadores das áreas específicas nos cursos de licenciatura e os formadores da área da educação. Esse contato se restringia, na maioria das situações, aos momentos de organização dos horários e de definição do quadro docente relativo às disciplinas didático-pedagógicas que ocupam a matriz curricular dos cursos de licenciatura – um contato mais burocrático-administrativo. A falta desse diálogo científico-pedagógico, que não ocorria (com frequência) no âmbito mais amplo dos debates sistemáticos sobre currículos, precisou ser remediada no apogeu das reformulações;

    b. a falta de diálogo, também de longa data, entre os responsáveis pela formação inicial na universidade e os formadores que estão no exercício da profissão docente nas escolas. Esse histórico hiato entre os dois universos explica-se, em grande medida, pelo próprio paradigma que norteou a formação desses profissionais da academia e da escola, um paradigma fortemente ancorado na ideia de que a universidade é espaço de formação; e a escola, o da atuação, prescindindo este último espaço da fase de preparação para a docência. Concebendo de forma dicotômica a formação e a atuação docentes, acabam por refletir essa postura divisionista na conceção de um curso de formação que, na maioria das vezes, somente se aproxima da escola nas fases do Estágio Supervisionado. Disso decorre a estranheza em relação ao desconhecido, nomeadamente às noções de habilidades e competências, perfil profissional, dentre outras. Cacete (2015) e Scheibe & Bazzo (2013) lembram que mesmo as bases regulatórias curriculares, como as DCNs e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), também foram elaboradas de forma bastante questionável, centralizadas e sem diálogo com os professores das escolas, atores fundamentais do processo educativo, para o qual se conduziam as tentativas de mudança.

A inserção de novas componentes curriculares nos cursos de formação inicial provocou mudanças sensíveis na organização desses currículos em todo o país. As DCNs designavam como elementos constituintes do Projeto Pedagógico do Curso a introdução de:

  • 200h de Atividades Complementares, de natureza acadêmico-científico-cultural, as quais não se deveriam confundir com as Atividades Práticas, nem com o Estágio Curricular Supervisionado. Consistiam na “prática de estudos e atividades independentes, transversais, opcionais, de interdisciplinaridade, especialmente nas relações com o mundo do trabalho e com as ações de extensão junto à comunidade” (BRASIl/MEC/CNE/CES, 2004, art. 8º);

  • 400h de Prática como Componente Curricular (PCC), conhecidas como Atividades Práticas, distribuídas ao longo do processo formativo. (BRASIL/MEC//CNE/CES, 2015, art. 13);

  • 400h dedicadas ao Estágio Supervisionado, na área de formação e atuação na Educação Básica. (BRASIL/MEC/CNE/CES, 2015, art. 13)

A habitual dificuldade que as licenciaturas apresentaram em arranjar, no desenho curricular, as 400h da PCC fez-se perceber na organização dos Plano de Estudos – muito embora, em alguns Projetos Pedagógicos, esclareça-se que essa dimensão está organizada explicitamente num tronco da prática de pesquisa, mais voltado para a formação docente, e num outro, mais voltado para a Geografia Escolar. No entanto, a constituição dessa componente no Programa, em forma de disciplinas nomeadas como Oficinas, Práticas de Ensino ou Práticas Curriculares de Ensino, significa que, embora haja consenso acerca do valor conceptual dessas Práticas Pedagógicas (BRASIL/MEC/CNE, 2001) na superação da dicotomia teoria/prática, as divergências e a inexatidão acerca de como fazer o devido enquadramento, inclusive em termos de carga horária, gerou (e em alguns casos ainda gera) incômodos entre os departamentos e os cursos.

Em vista disso, é preciso refletir acerca dos conflitos epistemológicos e institucionais envolvidos na própria fase de elaboração das DCNs. Teriam sido pensadas por especialistas de cada área de conhecimento? Seriam estes especialistas profissionais da educação comprometidos com a formação de professores? Ou essa tradição ‘bacharelística’ também se alimenta na própria formulação das diretrizes, orientadoras de ‘mudança’?

Outro desafio que não se pode esquecer no movimento entre a conceção e a execução desses currículos é a superação do desajustamento dessas reformulações em relação às contingências da escola e da sociedade. Apesar dos debates que antecederam o desenho curricular e da sensível melhoria da integração teórico-prática, o desfasamento desse ajustamento curricular às solicitações da escola e da Geografia que nela se (re)produz é visivelmente exposto. O ritmo em que se efetuam as mudanças na Universidade, decorridas as determinações legais e as discussões que levam até a essas mudanças, apresenta-se invariavelmente desfasado das dinâmicas que se processam na realidade do sistema educacional brasileiro.

Este desfasamento vai ao encontro da histórica desafinação do currículo pensando na Universidade para formar esses professores – entre as fases de reformulação, implementação e avaliação — e do currículo da escola, corolário das diligentes mudanças na estrutura social vigente, das quais o processo educativo precisará sempre dar conta; tal ocorre, sobretudo, em relação às questões de cidadania e de princípios éticos, no que se refere à construção e valorização de identidades plurais e solidárias. Se o entendimento da dinâmica social é condição fundamental para o incessante reexame do currículo escolar, a profissionalização docente deveria acompanhar essa dinâmica, constituindo-se de modo inovador, e não obsoleto, diante desse processo.

Sem embargo das avaliações positivas em relação aos avanços decorrentes das reformulações, cabe questionar: nesse intervalo histórico, entre os anos 2000 e a atualidade, em que medida caminhamos para a construção efetiva de uma racionalidade prática na formação de professores de Geografia? Avançamos, por meio dessas reformas curriculares, para a construção de uma profissionalidade docente em que se retroalimentam pensamento e ação, prática e reflexividade?

Caminhamos da racionalidade técnica rumo a uma reflexão-na-ação?

O desafio de educar geograficamente as pessoas, elaborando com elas um raciocínio geográfico, do qual fala a geógrafa belga Bernadette Mérenne-Schoumaker (Université de Liège)11, numa abordagem acerca da orientação teórica e da práxis didática, pressupõe uma revisão das concepções de ensino. Nesse sentido, uma apreciação, ainda que panorâmica, da formação em Didática Específica dos cursos de formação inicial em Geografia, no Ceará e em Lisboa (Quadro 3), Portugal, permite-nos registar uma valorização inegável da dimensão pedagógico-didática e, sobretudo no caso do Ceará, de ampliação da prática, por meio da notória expansão de unidades e componentes curriculares que reforçam essa dimensão, em relação ao currículo anterior às reformulações dos anos 2000.

Tabela 3 – Formação em Didática Específica 

Mestrados em Ensino de Geografia
(Lisboa, Portugal)
Licenciaturas em Geografia
(Projetos Pedagógicos, Ceará, Brasil)
IGOT Nova Urca UVA UFC Fafidam/Uece
Didática da Geografia Didática da Geografia I Didática Geral Aplicada à Geografia Ensino de Geografia Geografia e Ensino I e II Geografia e Ensino
Metodologia de Ensino de Geografia Didática da Geografia II Práticas de Ensino I e II Prática Curricular de Geografia I e II Oficinas em Geografia I e II Oficinas em Geografia I e II
Trabalho de Campo em Geografia Tecnologias no Ensino de Geografia Práticas de Ensino III e IV Prática Curricular de Geografia III e IV Oficinas em Geografia III e IV Oficinas em Geografia III e IV
2 opções 2 opções 3 optativas Geotecnologias aplicadas ao Ensino de Geografia 2 optativas 1 optativa

Fonte: Uece (2011), UFC (2011), Urca (2010) e UVA (2010).

Em todas as matrizes curriculares, seguindo as orientações ou do Decreto-Lei nº 43/2007, que instituiu a Formação em Didática Específica – 25 a 30 ECTS (caso português), ou das DCNs (caso brasileiro), isso fica evidente, graças, como já se explicitou, nesse último caso, ao acréscimo obrigatório de 400h expressas em PCCs.

Outro interessante aspecto positivo das reformulações diz respeito ao significativo avanço na componente investigativa e na geração de oportunidades para a reflexão acerca do ensino. Observando os casos analisados, nomeadamente no Ceará, além do Relatório de Estágio, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para obtenção do grau de licenciado constitui um ambiente potencial (Quadro 4). Orienta-se, a partir dos Projetos Pedagógicos, com maior contundência, para a inserção dos temas relativos ao ensino de Geografia, à Didática e à formação; tal constitui um progresso evidente em relação aos modelos curriculares anteriores, nos quais não se direcionavam temas, resultando na prevalência ou exclusividade de monografias sobre conteúdos geográficos das outras áreas desse conhecimento específico.

Quadro 4 – As orientações temáticas dos TCCs nos Projetos Pedagógicos de licenciatura em Geografia (CE) (continua) 

PP Geografia URCA
(versão reformulada, 2014)
“O tema/problema de estudo monográfico deverá será relacionado ao ensino de Geografia, tendo em vista que o curso é de licenciatura. Esse será um desafio que permitirá a todos os professores do colegiado do DEGEO [Departamento de Geociências] exercitarem a discussão de objetos de estudo em sua exploração/problematização no campo do ensino da Geografia escolar. Os professores orientadores serão todos os docentes vinculados ao Departamento de Geociências. A orientação de monografia é uma atividade de natureza acadêmica e que pressupõe a alocação de parte do tempo de ensino dos professores à atividade de orientação, considerando os vínculos institucionais de Dedicação Exclusiva (DE). Na escolha do professor orientador, o aluno deve levar em consideração, sempre que possível, a distribuição de acordo com as áreas de interesse dos professores, bem como a distribuição equitativa de orientandos entre eles e a carga horária semanal. A legislação da educação superior estabelece que o trabalho de conclusão de curso deve ser necessariamente na área de habilitação do aluno, assim sendo, os trabalhos de conclusão de curso da Geografia devem ser ligados à área de ensino por ser o curso de licenciatura.”
PP Geografia Fafidam/Uece
(versão reformulada, 2011)
“Projeto de Pesquisa. Dos objetivos. “Elaborar projeto de pesquisa referente a um problema específico no campo da Geografia, aplicável ao Ensino.”
“Trabalho de Conclusão de Curso. Dos objetivos. 1. Elaborar o projeto de pesquisa, referente a um problema específico ao campo temático da Geografia, na disciplina Trabalho de Conclusão de Curso I (TCC I) 2. Apresentar a realização e os resultados da pesquisa na disciplina Trabalho de Conclusão de Curso II (TCC II). […] Qualquer profissional que trabalhe com a geografia e/ou áreas afins, poderá ser co-orientador desde que apresente o título de especialista e tenha sido aprovado pelo colegiado do curso de Geografia da Fafidam.”
P Geografia UFC
(versão reformulada 2011)
“Para a obtenção do título de Licenciado em Geografia, será exigida a realização do Trabalho de Conclusão da Licenciatura [TCL], envolvendo 64 horas (4 créditos) com orientação de um dos docentes do Curso, a partir das instruções da disciplina Geografia e Ensino II, na confecção de um anteprojeto de TCL, e encerramento da prática como componente curricular. O TCL constituir-se-á em elaboração de um estudo acadêmico, cuja forma de concepção e elaboração pode corresponder a uma dessas três modalidades: a) Memorial de vivências escolares, de natureza reflexiva, como uma reelaboração das experiências e atividades desenvolvidas durante o curso e os estágios; b) Monografia como proposta teórico-metodológica de pesquisa no Ensino ou na aplicação pedagógica de uma das áreas ou campos do conhecimento geográfico, seja na sala de aula ou junto à comunidade escolar. c) Artigo de natureza acadêmica, direcionado à publicação em um veículo de divulgação científica, abordando questões teóricas e/ou empíricas vinculadas à Educação Geográfica.
PP Geografia UVA (versão reformulada 2010) Não há normatização específica para o TCC no Projeto Pedagógico da Licenciatura em Geografia dessa Instituição. O que existe, segundo a Coordenação do Curso, é uma orientação (não regulamentada documentalmente) para a realização do trabalho em forma de artigo ou monografia que deve ser direcionado à abordagem em ensino, nas suas perspetivas diversas.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Apesar desse avanço curricular e da indicação da investigação na área da educação geográfica/ensino de geografia, não há, como se verifica nos excertos dos Projetos Pedagógicos, um entendimento comum acerca da priorização do ensino de Geografia nas pesquisas em todos os cursos de formação inicial. Se em alguns programas, os documentos apontam para a necessidade desse temário como norte das pesquisas, em outros ainda se orienta, mesmo no âmbito das últimas reformulações, para uma flexibilidade temática, que permita o que se chama de “aplicabilidade para o ensino”.

Outra ausência diretamente relacionada a essas clivagens ensino-pesquisa, pesquisa-prática, conhecimento acadêmico-conhecimento profissional é a displicência histórica da universidade com relação à Educação Básica. Segundo Nóvoa (O LUGAR..., 2016), esta instituição comprometeu-se com outras coisas, “como a ciência, a cultura, em determinados momentos com a saúde, a medicina, mas não com a Educação Básica. E, assim, também nunca se comprometeu com a formação de professores da Educação Básica”. Esse desinteresse institucional é naturalmente patenteado pela forma como se desenvolvem os Estágios Supervisionados nos cursos analisados, tanto no caso de Portugal como no Ceará, Brasil, em grande medida sem protocolos institucionais assumidos e sem apoio efetivo à realização, monitorização e avaliação dessa prática supervisionada. Se essas instituições não viabilizam esse contato com a escola e a realidade da atividade profissional o mais cedo possível e por meio de uma incursão efetiva e organizada, adia-se o reconhecimento, a identificação ou mesmo a negação dessa profissionalidade.

Considerações finais

Quando reconhecemos avanços nas reformulações curriculares decorridas a partir dos anos 2000 nos dois territórios analisados, sobretudo pela inserção de componentes da Prática e da Didática de Geografia, também é forçoso admitir as lacunas que distanciam essa formação da profissionalidade docente. Lacunas que nos exortam a refletir sobre que diálogos foram e têm sido tecidos, no âmbito de elaboração desses currículos, com os profissionais que detêm o conhecimento obtido pela experiência no contexto, na cultura e nas circunstâncias diversas do mundo da escola, e que, dado esse acúmulo de saberes advindos dessa experiência, têm muito a dizer na construção desses currículos. Essa ausência do protagonismo docente nas reformulações esteve presente desde sempre, como lembra Torres (2000), ao destacar a “distância entre reforma-documento e reforma-acontecimento”, a partir da qual se justifica o fato de que “apesar do avanço e da sofisticação, os problemas fundamentais continuam sem se resolver, tendo sido identificados quase meio século atrás” (TORRES, 2000, p. 11).

Quando assumimos a importância de uma reforma a partir de dentro do núcleo magmático do processo educativo, e considerando os que estão “embaixo”, na base desse processo, o assumimos, com base nas ideias de Schon (1983)How professionals think in action. Melhor dizendo, esse “como os profissionais pensam na ação” consiste em um fundamental “intermédio” na construção de conhecimento e na conceção do currículo em que os saberes não sejam fragmentados, os conteúdos não estejam pulverizados em elencos de disciplinas e o compromisso com o ensino-aprendizagem de Geografia esteja curricularmente instituído, rompendo efetivamente com a dimensão tecnicista e bacharelística dessa formação.

Essa distância reforça e é reforçada até mesmo pela separação hierárquica entre a investigação e a prática, facilmente registada pela tradição acadêmica de valorização das investigações geográficas das áreas da geografia humana, física e ambiental em detrimento das investigações dedicadas à educação geográfica e à sua didática. A escola, a profissionalidade e a formação não são passíveis de teorização, de investigação e de reflexividade?

Não se pretende, aqui, desvalorizar a teoria, mas reconhecer que é efetivamente na ação que se realizam as mudanças, e exatamente por isso ela constitui um campo epistemológico fundamental para essa formação: o da epistemologia da prática. Isso só se faz possível quando se outorga o devido estatuto de conhecimento à experiência profissional na construção dos saberes docentes e escolares. Essa experiência resulta das práticas quotidianas no seio da escola, e precisamos incorporar verdadeiramente esse espaço para fundamentarmos de forma congruente nossas leituras e compreensões na perspetiva da construção de um espaço ibero-americano de formação inicial docente.

1Portaria n.º 580, de 31 de dezembro de 1980.

2Decreto-Lei nº 287, de 19 de agosto de 1988.

3Decreto-Lei nº 443, de 23 de outubro de 1971.

4Portaria nº 659, de 29 de setembro de 1988.

5Decreto-Lei nº 43, de 22 de fevereiro de 2007.

6Um dos autores deste texto foi o primeiro subscritor da Petição Pública Nacional.

7Decreto-Lei nº 79, de 14 de maio de 2014.

8O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), criado em 1934, é uma fundação pública da administração federal brasileira destinada às geociências e estatísticas sociais, demográficas e econômicas. É responsável pela realização de censos e organização de informações obtidas nesses censos, com vistas a dar suporte a órgãos de gestão nas esferas governamentais federal, estadual e municipal, assim como para suprir bases de pesquisa das diversas instituições e do público em geral. A relevância da sua formação leva a que a data da sua criação seja hoje adotada como “Dia do Geógrafo”.

9Os historiadores Lira Neto, Miguel Ângelo de Azevedo, mais conhecido como Nirez, entre outros, são importantes referências dessa contextualização histórico-geográfica. Entre as obras que tratam da questão, destaca-se: Getúlio (1930-1945) (LIRA NETO, 2013) e Fortaleza de ontem e de hoje (NIREZ, 1991).

10Embora não se esgotem aqui as valiosas referências, mencionamos a importância dos trabalhos de Dalmás (2002); Demo (1998); Gemerasca e Gandin (2000); Padilha (2002); Veiga (2003); Paixão Santos, Gadotti, Saviani, dentre outros.

11Segundo Mérenne-Schoumaker (1994), é por meio do raciocínio geográfico que se consegue compreender, interpretar e explicar as lógicas que envolvem a produção e distribuição (desigual) dos fenômenos, processos e práticas espaciais, dando sentido à Geografia acadêmica que contribui, essencialmente, para a formação do pensamento espacial. “Apprendre la géographie, ce n’est pas seulement apprendre à maîtriser des concepts, ni apprendre à utiliser des outils et des techniques, c'est encore apprendre le raisonnement géographique, c’est-a-dire lafaculté de juger correctement et d’établir des relations rigoureuses, de déceler des rapports logiques […] dans des distributions spatiales des phénomènes, leurs inégalités et leurs formes étant prises comme ovaires de pistes de recherche et éléments d’interprétation, voire de solution’ […] L’apprentissage de ce raisonnement a par ailleurs une double finalité: s’initier à une géographiescientifiqueet parallèlementcontribuer à la formation intellectuelle des élèves, au développement de leur pense logique’”. (MERENNE-SCHOUMAKER, 1994, p. 95).

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Recebido: 03 de Junho de 2017; Aceito: 10 de Junho de 2018

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