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Perspectiva

versão impressa ISSN 0102-5473versão On-line ISSN 2175-795X

Perspectiva vol.36 no.4 Florianopolis out./dez 2018  Epub 30-Jul-2019

https://doi.org/10.5007/2175-795x.2018v36n4p1281 

Artigos de Demanda Contínua

Cultura escolar a partir da escrituração escolar e das fontes orais: uma análise acerca da Escola Garibaldi

School culture through bookkeeping and oral sources: an analysis about Garibaldi School

Culture de l'écoleà partir des dossiers scolaires et lessourcesorales: une analyse de l'École Garibaldi

Renata Brião de Castro1 
http://orcid.org/0000-0002-5724-6621

Patrícia Weiduschadt2 
http://orcid.org/0000-0001-6804-7591

1Universidade Federal de Pelotas, UFPel

2Universidade Federal de Pelotas, UFPel


Resumo:

Este artigo tem como objetivo analisar as fontes da escrituração escolar presentes no arquivo da Escola Garibaldi (Pelotas/RS) durante os anos de 1929 a 1950. Estuda-se um livro de notas de exames finais e dois livros de notas distribuídas por disciplinas. Para complementar, utilizam-se narrativas de ex-alunos da Escola Garibaldi. Como principais pontos, ressaltam-se os índices de aprovação e reprovação durante o recorte de tempo estabelecido, a transformação das disciplinas escolares ao longo dos anos, a frequência das séries escolares na escola. Ainda serão utilizados alguns documentos da legislação municipal para contextualizar as fontes da escola. Teoricamente, busca-se apoio em autores que tratam de cultura escolar e instituição educativa, tais como Julia (2001), Viñao Frago (1995), Chervel (1990). Ademais, elenca-se a relevância de as escolas salvaguardarem seus documentos, os quais podem se transformar em materiais de pesquisa importantes para os estudos no campo da História da Educação.

Palavras-chave:  Escola isolada; registro escolar; cultura escolar

Abstract:

This article aims to analyse the sources of school bookkeeping found in the files of Garibaldi School (Pelotas, RS, Brazil) from 1929 to 1950. A book of final grades and two books of grades distributed by subject were studied. To complement, narratives by former students were used. Main highlights were success and failure rates during the period studied, the transformation of school subjects along the years, the frequency of school series. City legislation will also be used, to contextualize school sources. In what concerns theory, we search for support in authors who approach school culture and education institutions, such as Julia (2001), Viñao Frago (1995), Chervel (1990). In addition, we highlight how relevant it is that schools preserve their documents, which can turn into important research material for studies on History of Education.

Keywords:  isolated school; school records; school culture

Résumé:

Cet article a le but d’analyser les sources de l’écriture scolaire presents dans les archives de l’Ecole Garibaldi pendant les années 1929 à 1950. On étudie les livres de notes des épreuves finales et deux livres de notes distribuées par matières. Pour complémenter, on utilize des récits d’anciens éléves de l’Ecole Garibaldi. Les principaux points soulignés sont: les índices des résultats des exames à la fim de l’année scolaire (réuissite ou echéc) pendant le temps défini, la transformation des matières scolaires au fil des ans, la fréquence des classes d’élèves à l’école. Quelques documents de la législation municipale seront utilisés pour les confronter aux sources de l’ecole. En théorie, on cherche um support auprés des auteurs qui abordent la culture scolaire, tels que Julia (2001), Viñao Frago (1995), Chervel (1990). En outre, on rend evidente l’importance de la protéction des documents scolaires, qui peuvent se transformer em importants matériaux de recherche pour le études dans le champo de l’Histoire d’Education.

Mots-clés:  École isolée; archives scolaires; culture de l'école

Introdução

O propósito principal deste estudo é analisar as fontes da escrituração escolar presentes no arquivo da Escola Garibaldi durante os anos de 1929 a 1950. O recorte temporal justifica-se pelo fato de este texto fazer parte de um estudo maior alinhado na trajetória do professor José Rodeghiero na instituição escolar. Os referidos documentos da escrituração escolar são:um livro de atas de exames finais mais dois livros de notas, as quais estão distribuídas por disciplinas. Com esses documentos, iremos elencar aspectos da cultura escolar dessa instituição educativa. Para tanto, utilizamos as categorias de instituição educativa e cultura escolar para embasar teoricamente as fontes mobilizadas.

Esses documentos foram produzidos para que a escola pudesse exercer as suas funções.Por se tratar de uma escola pública, haveria uma fiscalização. Desta forma, são fontes consideradas oficiais, ou seja, necessários a organização da escola. Neles são encontrados dados referentes aos exames finais dos alunos da escola, onde é possível construir dados sobre os índices de aprovação e reprovação durante os anos analisados, bem como o número de alunos que realizavam essas provas. Com os livros de notas faremos reflexões relativas a trajetória das disciplinas escolares, suas transformações ao longo dos anos. Para tratar dessas questões, apoiamo-nos em Chervel (1990), Julia (2001). Ademais, usaremos alguns documentos da legislação municipal para contextualizar e estabelecer alguns comparativos. Ainda cotejamos trechos das realizadas com os ex-alunos da Escola Garibaldi. Essa instituição escolar iniciou suas atividades no ano de 1929 como uma escola multisseriada na zona rural do município de Pelotas/RS, sob a regência do professor Rodeghiero. A Escola Garibaldi existe até os dias atuais, porém com uma configuração diferente da qual foi criada, desde a década de 1990, é uma das escolas-polo da região.

Assim, este texto propõe-se a analisar estas fontes presentes no arquivo da Escola Garibaldi estabelecendo diálogo com os autores referenciados.

Sobre cultura escolar e instituição educativa

Primeiramente, iremos abordar um pouco da teoria acerca da cultura escolar e instituição educativa para, na sequência, analisarmos as fontes presentes no arquivo da Escola Garibaldi.

Para Buffa (2002),

[...] investigar o processo de criação e de instalação da escola, a caracterização e a utilização do espaço físico [...], o espaço do poder [...], a organização do uso do tempo, a seleção de conteúdos escolares, a origem social da clientela escolar e seu destino provável, os professores, a legislação, as normas e a administração da escola. Essas categorias permitem traçar um retrato da escola com seus atores, aspectos de sua organização, seu cotidiano, seus rituais, sua cultura e seu significado para aquela sociedade (BUFFA, 2002, p. 27).

Por esse prisma, identifica-se que, ao abordar uma instituição educativa, são muitos os itens passíveis de serem analisados, desde as estruturas físicas da escola até o cotidiano escolar. Nesse viés, algumas dessas categorias podem ser pensadas para analisar a instituição pesquisada.

Pensando neles como um conjunto do que acontece no interior da escola, sendo possível, a partir disso, analisar o currículo escolar, as normas da instituição educativa, os agentes da escola – alunos e professores -, além das práticas, inferir sobre o que acontecia no cotidiano escolar.

Vidal (2009) escreve que as práticas escolares se produzem como uma operação, decorrendo disso dois problemas: a localização dos registros e a diferença entre o prescrito e o praticado. Nesse ponto, é permissível pensarmos sobre a localização dos registros, ou seja, onde há preservados esses vestígios da cultura material escolar que possibilitam estudar a instituição educativa e a cultura escolar. Sendo assim, após localizar as fontes, é necessário refletir sobre o que elas poderão responder sobre essas categorias e se, a partir desse material,será possível compreender as práticas escolares ou não.

A respeito da cultura escolar:

[...] poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIA, 2001, p. 10).

Na perspectiva de Julia, descrevendo a cultura escolar como um conjunto de normas e de práticas, pretende-se analisar as fontes empíricas da pesquisa também sob essa categoria. É possível, a partir dos documentos da escrituração escolar, das entrevistas realizadas, pensar a instituição escolar.

Nessa perspectiva, as entrevistas poderão fornecer alguns indícios das práticas escolares e, portanto, do cotidiano escolar. Nos documentos da escrituração, essa possibilidade de percepção fica um tanto limitada.

No que se refere ao currículo da escola, busca-se uma investigação das disciplinas escolares a partir do livro de notas da Escola Garibaldi, compreendendo que a regulamentação para esse currículo da época não era algo específico dessa instituição analisada, mas sim fazia parte de alguma normativa da época.

Nesse sentindo:

É de fato a história das disciplinas escolares, hoje em plena expansão, que procura preencher esta lacuna, identificando tanto através das práticas de ensino utilizadas na sala de aula como através dos grandes objetivos que presidiram a constituição das disciplinas, o núcleo duro que pode constituir uma história renovada da educação. Ela abre, em todo caso, para retomar uma metáfora aeronáutica, a “caixa preta” da escola, ao buscar compreender o que ocorre nesse espaço particular (JULIA, 2001, p. 353-382).

Assim, o estudo pretende analisar as diversas disciplinas escolares ministradas pela Escola Garibaldi, bem como a frequência e a regularidade dessas. A análise dessas disciplinas, que se configuram como o currículo, abriria, conforme o autor, a “caixa preta” da instituição escolar, dando a possibilidade de se conhecer o que foi ensinado para os alunos através das variadas disciplinas escolares da época. Entretanto, é importante observar que provavelmente essas disciplinas estavam dentro de um contexto maior e não faziam parte exclusivamente do currículo dessa escola. Nesse sentido, Justino Magalhães (2011), ao escrever sobre o município pedagógico, esclarece que é importante estar atento ao local pesquisado para entender as generalidades ou especificidades da pesquisa.

As disciplinas não são abstratas, universais e estáticas. Elas nascem e evoluem, surgem e desaparecem, mudam seus conteúdos e denominações. São espaços de poder a disputar, espaços que agrupam interesses e ações (VINÃO FRAGO, 1995, p. 66). Assim, as disciplinas escolares não constituem um campo estático ou imparcial de aprendizado, mas estão dentro de uma finalidade para a qual estão sendo ministradas e a sua análise possibilita visualizar melhor a instituição escolar. Esse aspecto vai ao encontro da história das instituições escolares, uma vez que pensar nessa categoria abrange abordar o que acontecia no interior da escola, compreender as normas e as práticas defendidas por Julia.

Para ViñaoFrago (1995), é mais adequado falar em culturas escolares, no plural. Para o autor, a cultura escolar é um conjunto de aspectos institucionalizados, os quais caracterizam a escola como organização e possuem vários níveis. ViñaoFrago explica o termo “conjunto de aspectos institucionalizados”, o qual inclui práticas e condutas, modos de vida, hábitos e ritos, entendendo a cultura escolar como toda a vida escolar, ressaltando que uns aspectos da cultura escolar são mais relevantes que outros, dando os contornos e definindo-a (1995, p. 68). Para o autor, a cultura escolar é toda a vida escolar.

Dentro da cultura escolar, há vários elementos possíveis de serem analisados. Alguns estarão mais alinhados a uma conjuntura da época, como, por exemplo, o currículo escolar, entendendo que a maneira como se registrava nos documentos não necessariamente acontecia na prática. Outros itens da cultura escolar serão mais específicos de cada instituição analisada. No caso da Escola Garibaldi, ressalta-se os sujeitos que atuam no local ou, no caso desta pesquisa, a relação com a cultura local e as questões étnicas do grupo, as quais influenciaram a cultura escolar da localidade e na história da instituição educativa. Dentro dessa conjuntura da cultura escolar, é importante pensar se há itens específicos da instituição pesquisada ou se fazem parte de uma generalidade. Como exemplo, as disciplinas escolares, em determinado período histórico, não fazem parte da especificidade de uma ou outra escola, mas estão dentro de um contexto onde a maioria das instituições escolares ministravam essas disciplinas. Outro ponto nessa discussão seria a escrituração escolar em determinado período histórico, principalmente acentuadas no governo de Getúlio Vargas, quando houve normatizações para o registro das atividades escolares e isso não é específico de nenhuma instituição, mas de um período. Na instituição escolar pesquisada, algo que se pontua como uma especificidade da Escola Garibaldi é a preservação desses materiais da escrituração escolar desde o início das atividades na instituição. É algo não recorrente nas instituições escolares, sobretudo as públicas. A maioria das escolas e, de forma especial, as públicas, não mostram, na maior parte das vezes, interesse em salvaguardar a sua documentação. Há escolas que preservam seus acervos, sim, mas elas constituem uma minoria. Alguns autores salientam, acerca da preservação de acervos escolares, que não há uma política pública instaurada, mas, sim, depende da boa vontade pessoal de alguém ou grupo de pesquisa interessado em salvaguardar esses materiais (ARRIADA; TEIXEIRA, 2012; OLIVEIRA, 2014).

Felgueiras (2005) pontua que é importante motivar os docentes a salvaguardar o patrimônio educativo das escolas. Na Escola Garibaldi, é perceptível esse cuidado e preservação que houve e há por parte dos profissionais da instituição.

As fontes analisadas: livros de atas de exames finais e livro de notas

As fontes da escrituração escolar são constituídas pelo livro de atas de exames finais e dois livros que contêm o registro das notas distribuídas pelas disciplinas. Neste ponto, ressalta-se que esses documentos são importantes para compreender como estava estruturada a instituição escolar no período de tempo estabelecido para a pesquisa. No que se refere aos anos dos documentos encontrados, o livro de atas vai de 1929 a 1979, ou seja, desde o início das atividades na escola. O livro de registro de notas, por sua vez, abrange os anos de 1939 a 1966. Necessário pontuar que, com essas fontes, é possível pensar muitas vertentes de pesquisa e organizar as fontes para o que a investigação se propõe. Como observou Certeau (1982), organizar e distribuir os dados é um dos primeiros passos do pesquisador. Outras arranjos e combinações poderiam ter sido feitos a partir desses documentos.

As atas da escola, no referido período, descrevem os exames escolares, o número de alunos nos exames finais, os índices de aprovação e reprovação. Dentro disso, interessou-se analisar a aprovação escolar nesses exames finais e, para isso, foram elaboradas tabelas a fim de mostrar esses números, bem como uma distribuição em qual ano escolar a reprovação era maior, conforme será demonstrado a seguir. O livro de notas, por sua vez, traz a nota dos exames realizados pelos alunos, divididos pelas disciplinas ministradas na escola. Como esses livros de notas vão do ano de 1939 ao ano de 1966, é possível ver as mudanças na composição das disciplinas escolares. Nesses dois documentos da escrituração escolar, é possível também observar a fiscalização que existia nesse período acerca do ambiente escolar. Ao longo dos livros de atas e de notas, encontram-se alguns comentários sobre como o professor deveria ter registrado as notas. A produção desses livros, pode-se depreender, era uma prática comum na época, dada a fiscalização das escolas. No entanto, a sua preservação ao longo dos anos é algo importante a ser ressaltado, visto que não são mais documentos utilizados no cotidiano escolar. Nos relatórios da Intendência do Município, aparecem esses livros da escrituração escolar para os registros escolares, conforme o documento:

Da escripturação dos livros escolares.

Estão todas as nossas escolas dotadas de livros especiaes destinados à sua escripturação. Um livro de matrícula geral, um de matrícula por classes, um ‘ponto’ por classe, um de consistência, um de cargo de material e outro de actas e de promoções e exames (RELATÓRIO DA INTENDÊNCIA, 1929, p. 138).

Seguindo nessa direção, o regimento interno dos grupos escolares e escolas isoladas do município, o qual foi aprovado pelo decreto nº 78 de 04 de novembro de 1944, lista vários itens da organização escolar e um desses tópicos refere-se à escrituração escolar, descrevendo quais livros as escolas municipais adotariam, sendo estes distribuídos pelo poder público.

Esses materiais, conforme os relatórios, seriam fiscalizados pela administração municipal. Observando as anotações nos livros da Escola Garibaldi, percebe-se a fiscalização nos documentos, pois é possível encontrar anotações das pessoas que fiscalizavam esses livros. Isso denota vigilância por parte do poder público em relação às escolas, sobretudo, ao pensar no período da nacionalização do ensino e na configuração da Escola Garibaldi, por estar situada numa comunidade de descendentes de imigrantes italianos.

Ao examinar as fontes, identificam-se mudanças na forma de fazer o registro das informações no decorrer dos anos e, neste momento, primeiramente, serão examinadas as características do próprio documento. Acerca do livro de registro de notas, é possível ver claramente a maneira diversificada de nele escrever. Inicialmente, nos primeiros anos do livro de registro de notas, o professor lista os alunos e coloca as notas das respectivas disciplinas ministradas e itens avaliados. Depois, começa a colocar os nomes das crianças divididos por sexo, feminino e masculino.Mais adiante, separa por alunos alfabetizados e não alfabetizados e segue a divisão por sexo. Outra descrição é a do número de alunos da escola e quantos fizeram os exames, como, por exemplo, no ano de 1949, de 51 alunos, apenas 30 realizaram os exames finais e, no ano de 1950, de 39 alunos, 31 fizeram essas provas. No documento, constam alguns alunos “eliminados”. Infere-se que esses eliminados são os que não realizaram as sabatinas e não os reprovados, pois estes já estavam organizados num tópico específico para a reprovação.

Quanto ao formato do registro das notas, estas são escritas de duas formas: num primeiro momento, somente a nota que o aluno obteve em cada uma das disciplinas avaliadas e, posteriormente, o professor passa a colocar do lado da nota os termos “aprovado” ou “reprovado”, conforme o caso. E, neste momento, é possível perceber que amédia estabelecida para o aluno ser considerado aprovado era obter nota superior a 06. A partir de 1947, o professor anota, ao final de cada ano, a porcentagem dos alunos aprovados, divididos por anos escolares.

No que tange à fiscalização desses documentos, encontram-se, nesses livros da escrituração escolar, alguns comentários. Em uma das páginas dos livros, há o seguinte comentário: “Devia ter escrito a média da prova em ordem decrescente. W. N. Goulart, 1941”. Ao longo do livro, localizam-se outras observações de como deveria ser feita a inscrição das informações nesses documentos. No final de cada ano, houve as assinaturas dos fiscais nas instituições escolares. Desta forma, infere-se que as mudanças dos registros nesses livros escritos pelo professor Rodeghiero iam ao encontro das determinações da administração pública municipal. Quanto ao livro de atas da escola, o documento apresenta mudanças em relação à forma de registrar a nota desses exames finais. As alterações são, basicamente, as mesmas do livro de registro de notas. Num primeiro momento, as notas obtidas nos exames finais eram divididas apenas pelo ano (série) dos alunos e, posteriormente, passam a ser divididas por masculino e feminino também. A nota, primeiramente, colocava-se somente com o número e, após 1938, começa-se a escrever “reprovado” ou “aprovado” ao lado das notas.

No desenvolvimento da pesquisa, foi encontrado o Regimento Interno dos grupos escolares e escolas isoladas do Município, o qual é redigido pelo poder público e orienta de forma detalhada como devem ser preenchidos os documentos da escrituração escolar, bem como calcular a média dos alunos e as avaliações a serem realizadas.

Um dos itens observados, como mencionado, é a taxa de aprovação dos alunos. Esse índice foi realizado a partir das notas que constavam no livro de atas dos exames escolares e, com base nesse mesmo documento, quando o professor escreve “aprovado” ao lado da nota dos alunos com média superior a 6. Sendo assim, nos anos em que não aparece essa conceituação de “aprovado” ou “reprovado”, realizou-se essa porcentagem estabelecendo a média 6 para a aprovação, visto que, nos anos posteriores, essa é a média de acordo com as anotações do professor.

Optou-se por construir uma tabela que mostra o índice de aprovações nesse período de 1929 a 1950:

Tabela 1 - Aprovação dos alunos que realizaram os exames finais. 

Ano Aprovação Ano Aprovação Ano Aprovação
1929 54% 1937 72% 1944 42%
1930 100% 1938 100% 1945 59%
1931 100% 1939 61% 1946 75%
1932 100% 1940 30% 1947 61%
1933 96% 1941 37% 1948 61%
1934 91% 1942 32% 1949 63%
1935 100% 1943 66% 1950 45%
1936 88%

Fonte: Tabela elaborada pelas autoras, 2015.

É necessário relativizar essa porcentagem de aprovação dos alunos com o fato de que nem todos os alunos que estavam matriculados na escola realizavam esses exames. Algumas inferências podem ser feitas a partir dos motivos que levavam alguns alunos a não realizarem esses exames finais.

Natália Gil (2007) escreve que, entre os alunos matriculados na escola, a prática era o docente indicar para fazer os exames finais aqueles alunos que tinham condições de serem aprovados. A autora escreve acerca das escolas do Estado de São Paulo. Porém se pode pensar que o mesmo poderia ocorrer em Pelotas e na Escola Garibaldi. Em um período posterior (década de 1950), na documentação de uma das escolas englobada pela Garibaldi no período da nucleação do campo, percebe-se a anotação de que alguns alunos não realizarem os exames finais por não estarem aptos à sua realização.

No estado do Rio Grande do Sul, Hawat (2014) analisa as atas dos exames finais da cidade de Porto Alegre, num período um pouco anterior ao da Garibaldi e percebe que os alunos que realizaram essas provas são em menor número em relação aos matriculados.

É provável que, na Escola Garibaldi, não ocorresse essa “maquiagem” dos registros pelo professor, porque, em alguns momentos, ele escreve que alguns alunos não foram para os exames finais, mas, de qualquer forma, nem todos chegavam a participar dessas provas. O que se pontua é o fato de que esses alunos que não realizavam os exames poderiam não estar aptos a fazer tal prova e o professor indicava que não fizessem os exames.

Teixeira de Freitas (1948 apudGil, N., 2007) explica que os alunos que não realizavam os exames finais não eram considerados aprovados nem reprovados e, no ano seguinte, eram “alunos novos”, não configurando reprovação.

Esses números que constam na tabela acima são com base no número de alunos que realizaram os exames escolares, sendo que, se fossem incluídos os que não chegavam a fazer essas provas finais, a taxa de aprovação seria logicamente menor da que consta na tabela.

Como é notável na tabela 7, o índice de aprovação é bem variável conforme o decorrer dos anos. Em alguns anos, por exemplo, todos aos alunos são aprovados e, em outros, o percentual fica em 32%. Pode-se perceber que, nos anos em que o índice de aprovação é menor (de 1940 a 1942), há um índice de aprovação muito inferior aos demais anos escolares.

Outro item observado é uma diferença na maneira como os alunos são aprovados. O professor refere-se como alunos aprovados com distinção, plenamente, e simplesmente e por último, os reprovados, sempre nessa ordem. Essa era uma nomenclatura da época para classificar os alunos de acordo com as notas.

Observando esses dados e cruzando-os com as entrevistas, pode-se inferir que um dos motivos que poderiam levar à reprovação é o aspecto linguístico. Conforme as narrativas das entrevistas, tanto as do banco de dados quanto as realizadas pela pesquisadora, na escola, sempre se ministrou o ensino em português e isso poderia ocasionar uma dificuldade na alfabetização, sobretudo no 1º ano, pois, até os anos da Segunda Guerra Mundial, ainda existia na localidade o predomínio do italiano.

Em conformidade com a contextualização do capítulo 2, nesse período, com a política da nacionalização, foram proibidas as línguas consideradas “estrangeiras”. Pesquisando nos relatórios do município de Pelotas, encontra-se esse discurso acerca da nacionalização do ensino, trazendo, inclusive, exemplos de escolas e professores que desrespeitavam essa normativa. Os relatórios trazem esses dados referentes às escolas que ministrariam o ensino na língua alemã, porém a proibição de outros idiomas incluía também o italiano. Infere-se que, nessa época, a fiscalização das escolas era maior e talvez se exigisse dos alunos um maior nível de aprendizado do que anteriormente, o que vai influenciar a sua aprovação.

Ao analisar os documentos e organizar os dados, percebe-se que um dos menores índices de aprovação é no 1º ano quando se tinha a exigência da alfabetização e talvez a questão da língua dificultasse a adaptação escolar.

Tabela 2 – Anos escolares e a aprovação dos alunos 

Ano (séries escolares Índice de aprovação
1º ano 65%
2º ano 79%
3º ano 70%
4º ano 73%
5º ano 100%

Fonte: Tabela elaborada pela autora, com base nos livros de exames finais da Escola Garibaldi, 2016.

Outro item examinado a partir dos dados organizados do livro de atas de exames refere-se aos anos (séries) escolares e à regularidade destas. A tabela a seguir mostra o período em que foi ministrado cada ano escolar.

Tabela 3 - Frequência das séries escolares nos anos entre 1929 e 1950. 

Anos escolares Regularidade
1º Ano 1929 a 1950
2º Ano 1929 a 1950
3º Ano Exceto nos anos de 1929, 1934, 1937 e 1938
4º Ano Somente após 1941
5º Ano Somente em 1946 e 1949

Fonte: Tabela elaborada pelas autoras, 2015.

Conforme pode ser notado, o primeiro e o segundo ano foram ministrados em todos os anos que a pesquisa abrange, ou seja, de 1929 a 1950. O terceiro ano já não foi realizado em todos os anos. O quarto ano em menor período ainda e o quinto ano somente em dois anos. Esses dados nos indicam, primeiramente, que a maioria das crianças estudava apenas nos anos iniciais, o 1º e o 2º. A maioria não completava o 5º ano. O índice de reprovação também poderia ser indicativo dessa não regularidade dos anos finais, pois, se não tivessem alunos aprovados, por exemplo, no 3º ano, não se teria a possibilidade de formar no ano seguinte a série subsequente. Porém, ao olhar esses documentos e observar o número de aprovações em determinado ano letivo, no ano subsequente, esse mesmo número de crianças deveria estar na 2ª série. Entretanto, não era o que acontecia. A fim de exemplificar, no ano de 1930, a primeira série contou com 40 alunos que realizaram os exames finais, sendo todos aprovados e, no ano seguinte, 1931, havia na segunda série somente 06 alunos. Nesse sentido, começou-se a questionar sobre o porquê de tantos alunos não estarem na escola. Uma das possiblidades seria o que se pretendia com a educação em uma área rural nesse período, ou seja, ter as noções de escrita, leitura e operações matemáticas e, logo que fossem aprendidas, as pessoas saíam da escola. Uma das entrevistas converge nesta direção:

E quando a senhora estudava como era a escola?

Só ele era o professor [José Rodeghiero], tinha duas turmas de manhã e de tarde, até a 5ª série. Eu saí na 4 porque eu já estava muito grande e não quis mais ir na escola, já que eu não iria seguir, para que ir. Só tinha aquela sala onde é o museu (M. E. C, 2015).

Ao entrevistar alguns dos alunos da Escola Garibaldi, eles relatam não lembrarem se eram aprovados ou reprovados ao longo dos anos em que estudaram. Neste sentido, pode-se pensar que existiam esses exames no intuito de fiscalizar. Entretanto, o aluno não lembra ou não sabia se era reprovado. O trecho a seguir mostra uma das falas que corroboram esta discussão: “[...] no fim do ano tinha os exames, provas, eu nem sei se rodei, deve estar marcado lá, não me lembro mais” (O. C., 2015). Outro aspecto relevante, no que tange à aprovação escolar, é a rememoração, por parte dos alunos entrevistados, de que, naquela época, não havia reprovação escolar. Conforme as narrativas, era muito difícil algum aluno ser reprovado. Segue o excerto a seguir:

[...] Ah ele tocava, aquilo não podia ser reprovado, tinha que passar, ah todo mundo ...era difícil ser um reprovado. [...] Ah não reprovava. Eu acho, porque quando não sabia ele insistia até aprender, insistia, insistia. Quando é amanhã voltava “olha tem aquela matéria, tu não sabes ainda, tem matemática”, repetia quase uma semana uma matéria quando o cara estava atrasado até gravar. Eu custei aprender matemática, mas depois gravei aí sim, até hoje de matemática eu sou bom (J. C., 2015).

Nesta perspectiva, ao analisar os livros de atas de exames finais da escola, percebe-se um índice de reprovação considerado alto, na década de 1940. Entretanto, os entrevistados falam da não reprovação. Assim, é possível que o professor não revelasse o resultado até pela concepção da educação que se tinha na época: nessas escolas isoladas, os pais queriam que os filhos se alfabetizassem, aprendendo a ler, a escrever e a realizar as primeiras operações.

Como a Escola Garibaldi era multisseriada, no ano seguinte, os alunos continuariam estudando todos juntos, independentes da aprovação ou da reprovação escolar. Dessa forma, isso pode ter facilitado para que a memória da reprovação escolar não fosse algo marcante para esses alunos. Para Pollack (1992, p. 203) “[...] a memória é seletiva. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica registrado”. Ainda, nessa discussão sobre o que a memória seleciona para lembrar, escrevem as autoras:

[...] Ao tentar se reconstituir o passado, omitindo partes, ou extrapolando fatos, ou mesmo contando fragmentos de um todo maior, o pesquisador tenta reconstruir o passado, tenta escrever uma história. Ou seja, não está necessariamente a reproduzir acontecimentos com fidedignidade absoluta (WEIDUSCHADT; FISCHER, 2009, p. 67).

Tendo em vista as reflexões feitas anteriormente acerca do campo da memória, esta é seletiva, constituída de lembranças e esquecimentos, pode não ter sido consolidada essa memória da reprovação escolar, pelo fato de os alunos estarem todos na mesma sala. Ou os alunos não sabiam se eram aprovados ou reprovados. Neste sentido, é possível pensar no que se constituía como normativa e como operava a escrituração desses documentos controlados pela fiscalização e o que realmente acontecia na prática.

Pensando acerca da composição das disciplinas escolares e a memória dos entrevistados sobre elas, contrapondo-as aos livros de registros da escola, compreende-se que os entrevistados não mencionem todas as disciplinas que constam nos livros da escola. A partir disso, pode-se pensar que essas disciplinas relembradas pelos narradores são as que tinham maior frequência e regularidade na organização curricular. Eram as disciplinas consideradas básicas para as escolas do meio rural. Um dos entrevistados traz essa lembrança: “Olha escola antigamente, iam aprender a escrever e fazer as primeiras contas neh e isso aí” (O. C., 2015). As lembranças acerca da instituição escolar são, em alguns momentos, evocadas como um período difícil, por se tratar de uma escola multisseriada onde havia várias séries no mesmo espaço e só um professor para conduzir.

O mesmo entrevistado ressalta a diferença de idade existente entre os alunos, aoestudarem vários anos escolares juntos. Em outra narrativa, é feita alusão de que o ensino só melhorou na localidade quando foi construído o atual prédio da Escola Garibaldi na década de 1970. Sobre esse ponto, podem ser feitas algumas considerações no que diz respeito à desvalorização das escolas multisseriadas diante das seriadas. Estas se estabeleceram como um novo modelo educacional que viria como algo melhor que a multisseriação. Neste sentido, esse pensamento da dificuldade das escolas multisseriadas está imbuído nessa conjuntura que valoriza a seriação. Novamente recorrendo à teoria sobre a memória, entende-se que a sua evocação é algo construído, ou seja, relembra-se a partir do presente e logicamente está imbuída de vivências posteriores ao tempo relembrado, o que corrobora a assertiva do que Janaína Amado (1995) traz sobre o vivido e a memória. Assim, nos dias atuais, tem-se como modelo de escola a seriada e, por conseguinte, é “natural” a relação de que, na escola onde havia várias turmas no mesmo espaço com um único professor, seria mais difícil o ensino. Aqui se pode fazer a discussão a partir da “extinção” das escolas multisseriadas e a política de nucleação das escolas rurais, a qual concentra alunos em uma localidade, transferindo os alunos de outras escolas para a chamada escola-polo. A Escola Garibaldi, objeto deste estudo, transformou-se numa escola-polo a partir dos anos de 1990, recebendo mais seis escolas. A partir disso, pode-se pensar algumas questões no sentido do que essa mudança representou para a comunidade e, de certa forma, se manifesta de forma implícita na fala dos sujeitos entrevistados para esta pesquisa.

Fagundes e Martini (2003) escrevem acerca do impacto que causou em algumas comunidades rurais o fechamento das escolas para efetivar a nucleação. Para as autoras, a escola cumpria, nestas localidades, um papel que ia além do espaço escolar, mas também um ambiente de socialização e confraternização para os moradores locais. A escola era o lugar onde a comunidade participava de comemorações do Dia das mães, Dia dos Pais, enfim, os pais eram partícipes da vida escolar e, com o fechamento da escola, perder-se-ia esse sentimento, digamos, de identidade com a instituição escolar. Aliado a isso, soma-se a questão do transporte escolar e as longas distâncias por vezes percorridas pelos alunos para se chegar à escola-polo. Com isso, pretende-se abordar a Escola Garibaldi a partir da fala dos entrevistados da pesquisa e tendo em mente a reflexão acima sobre o modelo de escola seriada e a implantação das escolas-polo com a política da nucleação. A comunidade da Colônia Maciel, ao mudar do tipo de escola multisserriada para seriada e, depois, com a nucleação a Escola Garibaldi, torna-se uma das escolas polos da região. Desta forma, a comunidade que participava da vida escolar continuou da mesma forma, tendo em vista que aos moradores da Maciel não foram sentidas mudanças quando da transformação da escola multisseriada nem quando a Garibaldi vira escola maior, visto que continuou no mesmo espaço territorial.

Desta forma, ao rememorar como era a Escola Garibaldi na década de 1940 enquanto escola multisseriada, os entrevistados trazem que era um período difícil pela quantidade de alunos e ser somente um professor. O que está se problematizando é o fato de que os entrevistados desta pesquisa, hoje, são os pais e ou avós dos atuais alunos da Garibaldi e, sendo assim, as rememorações estão imbuídas do que significa também hoje a escola na localidade, que representou um ganho para a comunidade quando foi construído o atual prédio da instituição. Um dos entrevistados ressalta a permanência da escola, o fato de que mesmo sendo difícil, às vezes, o ensino, vindo crianças de outras localidades distantes, a escola nunca fechou e continua até os dias atuais com boa estrutura.

Interessante observar que os entrevistados relembram o bom ensino da época. Eles reforçaram, nas falas, que o professor ensinava bem e ficava gravado o que ele falava.

Estudando o livro de registro das notas e dando ênfase às disciplinas escolares, sua trajetória e permanência, podem ser realizadas algumas análises do currículo da época. No livro de notas da Escola Garibaldi, consta uma lista de 19 disciplinas, porém algumas não eram ministradas pela escola. Importante observar que o documento trata como disciplinas alguns itens que não são propriamente disciplinas, mas, sim, itens a serem avaliados, a saber, comparecimento, comportamento e número de faltas. Ao longo dos anos, vai-se modificando a estrutura do número de disciplinas, umas deixam de serem ministradas, juntam-se disciplinas formando uma só, enfim, vão-se alterando com o tempo.

Constam, no livro de notas da escola, os seguintes itens e disciplinas: comparecimento, número de faltas, comportamento, centro de interesse, português, matemática, história pátria, geografia, sciencias1 físicas e naturais, educação moral e cívica, educação higiênica, educação doméstica, desenho, trabalhos manuais, cultura física, puericultura, datilografia, música e higiene.

Chervel (1990) analisa a história das disciplinas escolares. Para o autor, “é às circunstâncias de sua gênese e à sua organização interna que as disciplinas escolares devem o papel, subestimado, mas considerável, que elas desempenham na história do ensino e na história da cultura” (1990, p. 221).

Ressalta-se que essa análise relativa às disciplinas escolares situa-se entre os anos de 1939 a 1950, pelo fato de não haver registros anteriores a esses anos. Desta forma, embora o recorte temporal do projeto dissertativo abranja um período anterior a 1939, no que tange a esse estudo das disciplinas do currículo da época, abordar-se-á a partir desse ano.

A tabela a seguir mostra a distribuição ao longo do período de 1939 a 1950.

Tabela 4 - Disciplinas e itens a serem avaliados na Escola Garibaldi durante os anos de 1939 a 1950. 

1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950
1. Comparecimento X X X X X X X X X X X X
2. Nº de faltas X X X X X X X X X X X X
3. Comportamento X X X X X X X X X X X X
4. Centro de Interesse
5. Português X X X X X X X X X X X X
6. Matemática X X X X X X X X X X X X
7. História Pátria X X X X X XX XX XX XX
8. Geografia X X X X X X X XX XX XX XX
9. Sciencias físicas e naturais X X X X X X X XX XX
10. Ed. Moral e cívica X X X X X XX XX
11. Ed. Higiênica X X XX XX
12. Ed. Doméstica
13. Desenho X X
14. Trabalhos manuais
15. Cultura física
16. Puericultura Leitura Leitura Leitura
17. Datilografia
18. Música X X X
19. Higiene X X X X X

Legenda: XX indica as disciplinas que formavam uma nota somente. Fonte: Tabela elaborada pelas autoras com base no livro de registros de notas. 2015

Conforme pode ser observado, algumas das disciplinas não eram ministradas pela escola em nenhum dos anos analisados, como é o caso das disciplinas de centro de interesse, educação doméstica, trabalhos manuais, cultura física, puericultura, datilografia. Porém, no livro de registro de notas, há espaço para avaliação delas, o que pode indicar que talvez houvesse uma orientação do poder público acerca das disciplinas a serem ensinadas. Esse poderia ser um documento padronizado para todas as escolas e cada instituição escolar adaptava-se conforme suas singularidades. Os três itens – comparecimento, número de faltas e comportamento – receberam avaliação em todos os anos em que se encontraram os documentos, de 1939 a 1950.

Ao observar o livro de registro das notas da Escola Garibaldi, consta no cabeçalho como sendo publicado pela “Diretoria de Educação e Saúde Pública”, ou seja, era um documento padronizado para todas as escolas, onde havia espaço para inserção das inúmeras disciplinas citadas acima.

Observando a tabela, nota-se: as disciplinas de português e matemática sempre foram lecionadas. Essas seriam as disciplinas primeiras para a alfabetização dos alunos. Por isso, foram sendo sempre ofertadas. A disciplina de sciencias físicas e naturais, geografia e história também foram ensinadas em quase todos os anos analisados. Educação moral e cívica aparece em vários anos também.

Com menor frequência, aparecem as disciplinas de educação higiênica, desenho, música e higiene. É presumível constatar que as que não possuem uma permanência no decorrer dos anos são disciplinas consideradas de menor importância, sobretudo em escolas no meio rural.

De igual modo, é interessante observar a adaptação e a transformação das disciplinas citadas no livro ao longo dos anos. Como se anunciou precedentemente, algumas disciplinas foram agregadas a outras no transcurso do tempo, formando apenas uma nota. Nos anos de 1947 e 1948, as disciplinas de história pátria e geografia formavam uma nota única; em 1949 e 1950, as disciplinas de história pátria, geografia, sciencias físicas e naturais, educação moral e cívica e educação doméstica produziam apenas uma nota.

Outro item interessante refere-se ao campo onde deveria ser colocada a disciplina de puericultura. Porém, esta nunca foi ministrada e o professor utiliza esse espaço e, nos anos de 1941 a 1943, inclui uma nova disciplina: leitura e atribui nota a esta, colocando na coluna destinada incialmente à puericultura.

Os alunos entrevistados lembram-se de estudarem as disciplinas básicas, como português, matemática e estudos sociais. As disciplinas de história e geografia eram acrescidas no 4º ou 5º ano. Novamente faz-se o cruzamento das fontes, das produzidas pela história oral com as da escrituração escolar. Há, no mencionado livro, outras disciplinas avaliadas além das relembradas pelos sujeitos da história oral. Nesse momento, são válidas as reflexões de Janaína Amado sobre o que as pessoas vivem e o que relembram. Para a autora:

[...] vivência e memória possuem naturezas distintas, devendo, assim, ser conceituadas, analisadas e trabalhadas como categorias diferentes, dotadas de especialidade. O vivido remete a ação, à concretude, às experiências de um indivíduo ou grupo social. A prática constitui o substrato da memória; está por meio de mecanismos variados, seleciona e reelabora componentes da experiência (AMADO, 1995, p. 131).

A partir dessas considerações acerca da história e trajetória das disciplinas escolares, pode-se notar que haveria, por parte do poder público municipal, normatização e indicação na organização dessas disciplinas, preconizando quais deveriam ser ministradas e quais não seriam necessárias. Igualmente, as mudanças que houve, conforme se evidenciou acima, poderiam ser reflexo de uma política e de uma legislação específica para o ensino. Por conseguinte, procurou-se localizar se havia, nessa época, alguma legislação específica para a temática acima discutida. O professor, ao fazer o registro das notas, escreve que o faz de acordo com um regimento do município atendendo ao Art. 5ª do Regimento interno dos grupos escolares e escolas isoladas deste município, aprovado pelo decreto nº 78 de 04 de novembro de 1944, o que demostra uma regularidade na forma de preencher esses documentos. Conforme este documento: “art. 5º - No dia de início do ano letivo, lavrar-se-á, no livro de atas de exames, o têrmo de abertura dos trabalhos escolares, o qual deverá ser assinado pelo diretor e pelos professores da escola” (DECRETO, nº 78, 1944).

Outro documento encontrado foi um decreto do ano de 1945, o qual versa especificamente acerca de quais disciplinas deveriam ser ministradas em cada um dos anos (séries) escolares. Esse documento é específico para as escolas primárias do município.

A partir desse documento, é possível fazer o cruzamento com os dados produzidos a partir do livro de registros de notas da Garibaldi e fazer algumas considerações e inferências a partir dessas análises.

Uma das primeiras análises a serem feitas foi comparar as disciplinas ministradas pela Escola Garibaldi no ano de 1945 e as que constam nesse documento do município. Conforme o livro de registro de notas da escola, no ano de 1945, foram ensinadas as disciplinas de português, matemática, geografia e sciencias físicas e naturais além da avaliação dos itens de comportamento, número de faltas e comparecimento. Ao observar as disciplinas dos anos seguintes a 1945, outras disciplinas são lecionadas, a saber, história pátria (junto com geografia), educação moral e cívica, e educação doméstica.

Ao olhar as disciplinas que esse documento de 1945 indica, percebe-se que há outras disciplinas e outras denominações. Constam em número de 13, a serem ministradas nos diversos anos escolares, conforme ilustra a tabela a seguir:

Tabela 5 - Disciplinas que constam no Programa para as escolas primárias do município de Pelotas no ano de 1945. 

Disciplinas: 1º Ano 2º Ano 3º Ano 4º Ano 5º Ano
Escrita e caligrafia X X X X X
Gramática e ortografia X X X X X
Literatura X X X X X
Estudos sociais X X X X X
Desenho e artes aplicadas X X X X X
Música X X X X X
Estudos naturais X X X X X
Matemática X X X X
Linguagem e leitura X
Leitura X
Matemática
Linguagem X X
Moral e civismo X

Fonte: Tabela elaborada pelas autoras, 2015.

A partir do exposto, pode-se notar que algumas disciplinas que estavam indicadas nesse documento não eram praticadas na Garibaldi e, em algumas, nem havia no livro de registro de notas o campo destinado, como é o caso, por exemplo, da disciplina de literatura e estudos sociais.

Primeiramente, pensou-se que algumas disciplinas não eram ministradas pelo fato de não haver nesse ano, por exemplo, a 5ª série, onde deveriam ser ministradas essas disciplinas, pensando que haveria distribuição diferente das disciplinas nas séries escolares. Porém, ao analisar mais minuciosamente o livro de registro de notas da Garibaldi, percebe-se que não há diferenças nas disciplinas ministradas nos anos escolares, ou seja, o que se ensinava no 1º ano valia para o 2º, 3º, 4º e 5º.

Finalizando essa discussão acerca das disciplinas escolares, dos índices de aprovação e reprovação da escola, bem como dos dados obtidos através dos livros da escrituração escolar, um último aspecto observado relaciona-se aos outros documentos que a Escola Garibaldi mantém.

Com a nucleaçãona década de 1990, muitos são os documentos dessas instituições escolares armazenados no arquivo da escola, tais como: registro de notas, livros de matrícula, atas dos exames finais, fichas de alunos.

Todavia, é significativo descrever os acervos dessas escolas, relativos ao mesmo recorte temporal desta pesquisa. A escola Bernardo Taveira Júnior foi criada no mesmo ano da Garibaldi e as demais um pouco depois, e conservaram essa documentação. Ao folhear os livros de registro de notas dessa escola nas décadas de 40 e 50, percebe-se que a maneira de fazer os registros é igual ao modo como o professor José Rodeghiero escrevia nos livros da Garibaldi. No que tange à reflexão da mudança das disciplinas escolares expostas anteriormente, percebe-se que as disciplinas ministradas na Garibaldi eram as mesmas ensinadas em outras escolas. Nos anos em que se identificam, nos livros da Garibaldi, várias disciplinas formando uma nota única; na outra escola, acontece o mesmo processo. Importante assinalar que, nesses livros, analisa-se o que os documentos pontuam, o que acontecia com essas disciplinas na época, podendo a prática estar distanciada.

Esses dados podem ser indicativos de que havia todo um controle e fiscalização tanto no modo de como preencher esses livros que, se observa, eram distribuídos pela administração pública, quanto na orientação das disciplinas a serem ministradas nessas escolas rurais.

Com essas fontes da escrituração, é possível enxergar, de forma mais sistematizada, como estava sendo organizada a Escola Garibaldi no período de atuação do professor José Rodeghiero.

Considerações finais

Este texto teve como objetivo primordial analisar os documentos presentes no arquivo da Escola Garibaldi, durante os anos de 1929 a 1950. Ainda, para complementar a pesquisa, faz uso de entrevistas realizadas com ex-alunos da escola.

Ao analisar os documentos da escrituração escolar, organizaram-se alguns dados. A partir do livro de atas de exames finais, foi possível observar os índices de aprovação e de reprovação dos alunos, ressaltando que, através da documentação, foi notável que nem todos os alunos matriculados participavam destas provas finais. Conforme se demonstrou, o índice de aprovação dos alunos era variável ao longo dos anos e, nos anos do Estado Novo, a reprovação era maior, o que pode ser indicativo de uma maior fiscalização e exigência na alfabetização. Através desses documentos, foi possível identificar também que, nos anos da construção da estrada de ferro, o número de alunos aumentou na escola, sendo um reflexo das crianças das famílias que se instalaram na localidade. Ainda, nota-se, nessa documentação, a fiscalização que havia por parte do poder público na instituição escolar, a partir das anotações nestes livros, de como deveriam ser preenchidos. Sobre o livro de notas da Escola, conseguiu-se visualizar, desde o ano de 1938, a composição das disciplinas escolares, bem como a permanência ou não de algumas disciplinas. As matérias consideradas básicas, por fornecerem as noções de escrita, leitura e primeiras operações matemáticas, foram, em todos os anos analisados, ministradas. Já outras disciplinas só constavam no livro, sem nenhuma nota atribuída a elas. Com esses livros da escrituração escolar, foi observado que eram um documento padrão da Diretoria de Educação, distribuído para as escolas. E estas recebiam orientações de como deveriam ser utilizados e preenchidos os documentos, conforme evidenciado na instrução redigida pelo poder público municipal nos anos de 1943 e 1944. Outrossim, a partir dos documentos das outras escolas, os quais estão salvaguardados na Escola Garibaldi, nota-se que foram organizados e preenchidos da mesma forma, bem como as mudanças, nesses livros, são semelhantes na documentação de todas as escolas, o que denota que havia uma orientação para tal tarefa.

1Manteve-se aqui a escrita original da época.

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Recebido: 21 de Janeiro de 2017; Aceito: 24 de Junho de 2018

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