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Perspectiva

Print version ISSN 0102-5473On-line version ISSN 2175-795X

Perspectiva vol.36 no.4 Florianopolis Oct./Dec 2018  Epub July 30, 2019

https://doi.org/10.5007/2175-795x.2018v36n4p1321 

Artigos de Demanda Contínua

Aproximações entre as teorias de Wallon e Vygotsky no campo da educação: um olhar sobre a afetividade

Approaches between Wallon´s and Vygotsky´s theories in the field of education: a look on affectivity

Aproximaciones entre las teorías de Wallon e Vygotsky en el campo de la educación: una mirada sobre la afectividad

Tamiris de Oliveira Hahn1 
http://orcid.org/0000-0002-7807-4566

José Luís Schifino Ferraro2 
http://orcid.org/0000-0003-4932-1051

1Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS

2Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS


RESUMO

Tomando como referência a importância da afetividade em processos de ensino e aprendizagem, o presente trabalho tem como objetivo explorar, a partir das teorias de Wallon e Vygotsky, as possíveis relações entre afetividade e o campo educacional na literatura científica. Ambos, ao conceberem a natureza social do ser humano, consideram a relevância das interações vivenciadas no ambiente escolar como fonte de experimentação - e experienciação - ao contribuírem para o desenvolvimento pessoal, cognitivo e emocional dos estudantes. Além disso, ao sustentarem o argumento de que a educação deve contemplar elementos tanto cognitivos, quanto afetivos, trilham juntos o caminho para a construção de relações pedagógicas mais harmônicas e humanizadas, com maior potencial de transformação subjetiva. Assim, as linhas que seguem buscam contextualizar as investigações que vêm sendo feitas no entrecruzamento da educação com afetividade a partir de uma aproximação entre Wallon e Vygotsky como autores referência, evidenciando sua importância para um constante repensar sobre intervenções relacionadas ao ensino e a aprendizagem de estudantes na perspectiva de uma educação integral e menos excludente.

PALAVRAS-CHAVE:  Afetividade; Ensino E Aprendizagem; Educação

ABSTRACT

Taking as reference the importance of affectivity in teaching and learning processes -, the present work aims to explore, from Wallon´s and Vygotsky´s theories, the possible relations between affectivity and the educational field in scientific literacy. Both, in conceiving the social nature of the human being, consider the relevance of lived interactions in school´s environment as a source of experimentation – and experience – by contributing to the personal, cognitive and emotional development of the students. Besides, by sustaining that education should contemplate cognitive and affective elements as argument, both authors follows the same path that leads to more harmonics and humanised pedagogical relations, with a biggest potential of subjective transformation. Thus, the following lines contextualises the investigations that are been done in the intertwine of education and affectivity, taking as reference Wallon and Vygotsky, highlighting it´s importance to a constant (re)thinking about interventions related to student´s learning and teaching in the perspective of a less excluding and more integral education.

KEYWORDS:  Affectivity; Learning And Teaching; Education

RESÚMEN

Tomando como referencia la importancia de la afectividad en los procesos de enseñanza y aprendizaje, el presente trabajo tiene como objetivo explorar, a partir de las teorías de Wallon y Vygotsky, las posibles relaciones entre afectividad y el campo educacional en la literatura científica. Ambos, cuando conciben la naturaleza social del ser humano, consideran la relevancia de las interacciones vivenciadas en el ambiente escolar como fuente de experimentación – y experiencia – al contribuir para el desarrollo personal, cognitivo y emocional de los estudiantes. Además, al sostener el argumento de que la educación debe contemplar elementos cognitivos y afectivos siguen juntos en el camino para la construcción de relaciones pedagógicas más harmónicas y humanizadas, con un potencial más grande de transformación subjetiva. Así, en las líneas que siguen se busca contextualizar las investigaciones que se están realizando en el entrecruzamiento de la educación con la afectividad a partir de una aproximación entre Wallon y Vygotsky como autores referencia, evidenciando su importancia para un constante repensar de las intervenciones relacionadas a la enseñanza y a la aprendizaje de los estudiantes en la perspectiva de una educación integral y menos excluyente.

PALABRAS-CLAVE:  Afectividad; Enseñanza Y Aprendizaje; Educación

Introdução

O debate em torno da distinção entre conhecimento e saber está marcado pela natureza subjetiva na qual este se produz na relação dos sujeitos com o primeiro. No entanto, ainda é comum que nos deparemos com discursos que supervalorizam o conhecimento, que nasce no núcleo das distintas áreas do conhecimento, das disciplinas, em detrimento as inúmeras possibilidades do saber. A partir dessa realidade, a escola contemporânea – com suas raízes, ainda, na modernidade - se apresenta no epicentro dessa discussão ao se constituir como autoridade pedagógica que centra o trabalho pedagógico em procedimentos didático-metodológicos que desconsideram a capacidade intelectual e os potenciais criativos e afetivos dos estudantes.

Essa espécie de diretriz “cultural” – de “um” conhecimento se sobrepondo às múltiplas formas do saber - tem sido propagada na medida em que - até o início do século XVIII -, se difundiram nas escolas concepções dualista de ensino (LEITE, 2012). Assim, se produz uma distinção entre a educação familiar e escolar. Enquanto a tarefa da escola estaria circunscrita a uma educação puramente acadêmica, a família, por sua vez, passa a desenvolver um importante papel no que tange à educação doméstica: relacionada aos cuidados físicos e emocionais (CARVALHO, 2004). Com isso, observa-se a emergência de um modelo dualista, onde o duplo razão/emoção se materializa provocando uma ruptura entre ambos, fazendo-nos os perceber em sua possibilidade de dissociação. Assim, estabelece-se como conceito central a ideia de que razão e emoção são dissociáveis em contexto educativo, ou seja, os elementos cognitivos deveriam ser desenvolvidos com base na razão e não na emoção (LEITE, 2012). A explicação para essa exclusão da afetividade nas relações pedagógicas seria a crença de que “[...] apenas o pensamento leve o sujeito a atitudes racionais e inteligentes [...]. Já os sentimentos, vistos como ‘coisas do coração’, não levam ao conhecimento e podem provocar atitudes irracionais.” (VASCONCELOS, 2004, p. 617).

Em contrapartida, com o passar dos anos, estruturou-se a concepção monista de ensino na qual cognição e afeto se associam nos processos de ensino e aprendizagem de maneira a favorecer o desempenho escolar discente e o trabalho docente. Diante disso, as escolas passaram a desempenhar suas atividades com a colaboração de uma equipe diversificada de profissionais, tais como, psicólogos, psicopedagogos e fonoaudiólogos, pois além de suas tradicionais tarefas relacionadas aos elementos cognitivos, também se preocupam com o bem estar emocional dos estudantes (NOGUEIRA, 1998). Nessa perspectiva, atualmente, as escolas têm desenvolvido uma educação pautada na formação integral dos estudantes, isto é, “[...] a criança não desenvolve na escola somente habilidades cognitivas e conteúdos curriculares, mas valores que irão contribuir para o seu futuro e para sua construção social.” (TAVARES E NOGUEIRA, 2013, p. 49).

Diante deste cenário educacional em que a afetividade ganha espaço, pesquisas científicas têm discutido essa temática. Como exemplo, em apenas um grupo de pesquisa, coordenado pelo Dr. Sérgio Antônio da Silva Leite da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), desde o final dos anos 1990 até o ano de 2011 foram produzidos 22 trabalhos, sendo dois de doutorado, seis de mestrado e catorze de iniciação científica (LEITE, 2011).

Os estudos acadêmicos, nessa perspectiva, têm destacado como referencial teórico Henri Wallon e Lev Vygotsky. Ambos os pesquisadores estudaram o desenvolvimento humano em uma perspectiva monista, isto é, conciliando afeto de intelecto. Para Wallon o desenvolvimento humano ocorreria por meio da integração de quatro campos funcionais – afetividade, cognição, motricidade e pessoa – no decorrer de cinco estágios (MAHONEY, 2010; GALVÃO, 1995). Além disso, ao longo desses estágios, fatores afetivos e cognitivos oscilam em nível de preponderância, desenvolvendo-se de maneira recíproca (WALLON, 1975a; GALVÃO, 1995). Vygotsky, por sua vez, a partir da premissa de que o indivíduo aprende para se desenvolver, definiu dois níveis de desenvolvimento – zona de desenvolvimento real e zona de desenvolvimento potencial –, sendo a zona de desenvolvimento proximal a distância entre estes dois níveis (VYGOTSKY, 1998a). Em sua teoria também são bastante presente os conceitos de medição simbólica e linguagem (VYGOTSKY, 1998a, 1998b). Ainda, como ponto de convergência entre os autores, temos que os elementos orgânicos se modificam, a partir da interação do homem com o contexto social, ao longo de seu desenvolvimento. Como exemplo, podemos citar, segundo Wallon (1975a), a influência do meio e das interações sociais na definição e consolidação da personalidade do indivíduo, visto que a herança biológica não representa o único fator que rege o destino da criança. Na perspectiva vygotskyana, esse pressuposto se expressa, por exemplo, quando o autor afirma que as capacidades intelectuais já existem desde a infância, no entanto, emergem por meio da interação do sujeito com indivíduos mais experientes culturalmente (VYGOTSKY, 1998a).

Nesse contexto, o presente trabalho que se estrutura como ensaio, propõe uma discussão em torno do tema da afetividade em contextos escolares a partir das teorias de Wallon e Vygotsky, mais especificamente no que tange o binômio afetividade/cognição. Para tanto, o texto que segue apresenta o que consideramos como elementos importantes de ambos teóricos, a partir de nossas incursões neste campo. Ao estuda-los, nosso objetivo circunscreve-se ao desejo de apontar possíveis aproximações entre os mesmos no campo da educação.

Henri Wallon: a teoria da psicogênese da pessoa completa

Henri Wallon estudou o desenvolvimento humano com base na integração de quatro campos funcionais – cognitivo, afetivo, motor e pessoa –, os quais se intercomunicam nas atividades humanas e impactam no campo funcional pessoa (MAHONEY, 2010; GALVÃO, 1995). Tal desenvolvimento está organizado em cinco estágios sucessivos: (I) impulsivo emocional (0 a 1 ano); (II) sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos); (III) personalismo (3 a 6 anos); (IV) categorial (6 a 11 anos) e; (V) puberdade e adolescência (11 anos em diante) (MAHONEY, 2010).

No estágio impulsivo emocional, o campo funcional que prepondera é o afetivo, pois o recém-nascido estabelece relações sociais com quem está a sua volta por meio das emoções (GALVÃO, 1995). Até o terceiro mês de vida as sensações de bem ou mal estar se manifestam por uma impulsividade motora. Após, expressões como o choro e o sorriso são utilizadas para comunicação (DUARTE; GULASSA, 2010).

Assim, nesse período “[...] o movimento é tudo o que pode dar testemunho da vida psíquica [...] pelo menos até o momento em que aparece a palavra.” (WALLON, 1975a, p. 75). Além disso, para Wallon (1975a), o bebê necessita ser interpretado e assistido constantemente em virtude de sua inaptidão física. Ao fim desse estágio a criança inicia a prática das atividades circulares que representam a repetição intencional de movimentos a fim de investigar suas causas e efeitos (DUARTE; GULASSA, 2010).

Em relação ao sensório-motor e projetivo a predominância é do campo funcional cognitivo porque a criança se interessa pelo contato e exploração do meio físico (GALVÃO, 1995). Nesse período, observa-se na criança a mentalidade projetiva, isto é, o momento “[...] em que a criança se exprime tanto pelos gestos como pelas palavras, em que parece querer representar por gestos o seu pensamento que facilmente fraqueja [...].” (WALLON, 1975a, p. 80).

Aqui as atividades circulares são aguçadas e a construção do eu corporal se consolida, ou seja, o sujeito reconhece seu corpo como sentido por si próprio e visto pelos demais membros do grupo social (GALVÃO, 1995). Ainda se destacam os movimentos de imitação – reprodução de um modelo externo – e simulacro – idealização de uso de um objeto ausente (COSTA, 2010).

No estágio correspondente personalismo a preponderância afetiva retorna porque a personalidade está em processo de formação (GALVÃO, 1995). Intermediada pela linguagem, a afetividade não necessariamente se expressa pelo contato físico (GALVÃO, 1995). Ademais, se consolida a formação do eu psíquico; a criança já não faz menção a si mesma na terceira pessoa (WALLON, 1975b).

Este período se caracteriza por três fases: oposição; sedução ou idade da graça e imitação. A fase de oposição marca a crise do não-eu, a criança se impõe diante do outro de forma a se sentir independente (BASTOS; DÉR, 2010). Na fase da sedução a criança sente a necessidade de ser prestigiada (BASTOS; DÉR, 2010). Entretanto, este prestígio pode não corresponder às expectativas, tornando-a ciumenta. O ciúme, segundo Wallon (1975a, p. 211): “Consiste ao mesmo tempo numa espécie de alienação de si frente ao rival e na pretensão de substituir-se a ele.”. Na imitação a criança quer para si as qualidades do outro, logo: “Em vez de ser simples gestos, a imitação passará a ser dum papel, duma personagem, dum ser preferido e muitas vezes invejado.” (WALLON, 1975b, p. 137).

No estágio denominado de categorial, os elementos cognitivos voltam a preponderar, pois a criança novamente busca explorar e conquistar o meio físico (GALVÃO, 1995). Nesse momento, os movimentos, por serem organizados previamente em pensamento, são mais precisos (AMARAL, 2010). Há, ainda, a consolidação das disciplinas mentais as quais permitem à criança ter controle voluntário da motricidade, assim sendo, capaz de se atentar ao que for de seu interesse desconsiderando estímulos externos (GALVÃO, 1995; AMARAL, 2010).

Além disso, o pensamento categorial substitui o pensamento sincrético – caráter global e indiferenciado do pensamento infantil (GALVÃO, 1995). No pensamento categorial, que caracteriza a inteligência discursiva, intelectualmente se formam categorias que são utilizadas como unidades de classificação para auxiliar na organização da realidade (AMARAL, 2010). Na inteligência discursiva se observa “[...] a existência de elementos que estão sempre aos pares. [...] Todo termo identificável pelo pensamento, pensável, exige um termo complementar, com relação ao qual ele seja diferenciado e ao qual possa ser oposto.” (WALLON, 1989, p. 30).

Por fim, é na puberdade e adolescência, que ocorre a reconstrução da personalidade devido às modificações que o corpo sofre em virtude da ação hormonal. Por essa razão, há o retorno da preponderância afetiva (GALVÃO, 1995). Diante de tais modificações, Wallon afirma que: “A criança sente-se como que desorientada em relação a si mesma, tanto do ponto de vista físico, como do ponto de vista moral.” (WALLON, 1975a, p. 218).

Nessa fase também ocorrem novos conflitos de oposição ao outro. Por esse motivo Wallon afirma que a personalidade se forma a partir de uma sucessão de incorporação e expulsão do outro, portanto: “A sua evolução não é uniforme, mas feita de oposições e de identificações. É dialética”. (WALLON, 1975b, p. 92). Esse estágio chega ao fim para dar início à fase adulta quando se observam escolhas e objetivos definidos para o trabalho e os estudos (DÉR; FERRARI, 2010).

Em relação à definição das idades e às características próprias de cada estágio é válido salientar a influência do meio social sobre esses fatores, isto é: “A constituição biológica da criança ao nascer não será a lei única do seu futuro destino. Os seus efeitos podem ser amplamente transformados pelas circunstâncias sociais da sua existência, donde a escolha pessoal não está ausente.” (WALLON, 1975a, p. 165). Para Wallon esse fenômeno ocorre porque o sujeito é geneticamente social a fim de atender suas necessidades pessoais (WALLON, 1975a).

Ademais, a partir da alternância de preponderância entre os elementos afetivos e cognitivos, surge, dentre outros, o conceito integração funcional. Esse conceito aponta que afetividade e cognição evoluem em reciprocidade, pois quando um campo funcional reaparece como preponderante em um estágio ele incorpora os avanços do estágio anterior, adquiridos pelo outro campo funcional (GALVÃO, 1995). Este conceito está diretamente relacionado à “[...] lei de alternância entre as fases orientadas para a realidade das coisas ou para a edificação da pessoa [...]” (WALLON, 1975a, p. 69). Isto é, ao longo do desenvolvimento humano, quando o interesse da criança está voltado para a exploração do mundo externo, os elementos cognitivos se sobressaem sobre os afetivos. Por outro lado, ocorre o processo inverso quando o sujeito está com o foco voltado para o conhecimento de si mesmo.

Diante do exposto até aqui é possível circunscrever algumas contribuições de Wallon ao campo da educação. Implicitamente o autor deixou nítida a importância de a equipe escolar propiciar à criança um meio favorável que atenda às demandas de cada fase de seu desenvolvimento (ALMEIDA, 2010). Nesse sentido, Wallon ressaltou que nas escolas de educação infantil, para o bem estar das crianças, torna-se imprescindível uma relação com as educadoras semelhante aos cuidados maternos (WALLON, 1975a). O referido autor ainda salientou a importância de a escola formar os indivíduos em sua totalidade, integrando os fatores cognitivo, afetivo e motor (ALMEIDA, 2010).

Nessa perspectiva, a escola deve se preocupar com as interações sociais que propõe, pois à medida que elas são diferentes das relações familiares contribuem para a formação da personalidade da criança (GALVÃO, 1995). Desse modo, os ambientes de ensino e aprendizagem como meio, representam espaços que aglomeram condições físicas e naturais diversas, as quais são modificadas conforme o grupo de pessoas que o compõe (WALLON, 1975a). Portanto, são passíveis de moldar a personalidade dos estudantes (WALLON, 1975a).

A teoria walloniana ainda destacou o poder de contágio das emoções, isto é, as emoções despertam - no outro -, reações similares ou antagônicas (WALLON, 1995). Esse fator, em relação à educação, é aplicável no que diz respeito ao professor contagiar com sua razão estudantes abalados emocionalmente e não o processo inverso. (GALVÃO, 1995). Além disso, Galvão (1995) aponta que o professor que reconhece as peculiaridades de cada estágio do desenvolvimento, proposto por Wallon, é capaz de solucionar com mais facilidade conflitos de sala de aula como, por exemplo, os conflitos de oposição ao outro (GALVÃO, 1995).

O desenvolvimento humano na perspectiva de Lev Vygotsky

Vygotsky teve por intuito caracterizar os elementos do comportamento humano, bem como propor como esses elementos se formaram e evoluíram ao longo da vida do sujeito e na história da humanidade (VYGOTSKY, 1998a). Isto é, Vygotsky se dedicou ao estudo das funções psicológicas superiores, típicas do homem por se tratar de ações conscientes, voluntárias e intencionais (REGO, 2011). As funções superiores, diferentemente das funções elementares as quais são de origem biológica, se desenvolvem por meio de interação recíproca e dialética entre homem e meio físico e social (REGO, 2011). Essa interação é intermediada pela mediação simbólica, ou seja, sofre a intervenção de um elemento mediador (OLIVEIRA, 1999).

Vygotsky definiu como elementos mediadores os instrumentos e os signos. O instrumento “[...] é orientado externamente [...]. Constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e domínio da natureza. O signo [...] constitui um meio da atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientado internamente”. (VYGOTSKY, 1998a, p. 72-73, grifo do autor). Segundo Moreira (2011), instrumentos e signos são construções culturais, as quais o indivíduo internaliza por meio de interação social favorecendo o desenvolvimento cognitivo e apresentando uma perspectiva sócio-histórica.

Ao dar importância ao meio social, Vygotsky salienta que os fatores biológicos são secundários no processo de maturação orgânica. De acordo com o referido autor, “[...] a mente da criança contém todos os estágios do futuro desenvolvimento intelectual; eles existem já na sua forma completa, esperando o momento adequado para emergir.” (VYGOTSKY, 1998a, p. 32). No entanto, Vygotsky afirma que no início da vida há a preponderância dos elementos biológicos sobre os culturais. Desse modo, há duas vertentes de origem distintas no processo de desenvolvimento humano, uma de origem biológica – funções elementares – e outra de origem social – funções superiores. Assim: “A história do comportamento da criança nasce do entrelaçamento dessas duas linhas.” (VYGOTSKY, 1998a, p. 61, grifo do autor).

No que concerne à mediação simbólica, ainda convém lembrar que no desenvolvimento humano, primeiramente, o sujeito realiza tarefas com o auxílio de um mediador. Mais tarde, será capaz de desenvolvê-las independentemente de ajuda alheia (REGO, 2011). Portanto, segundo Vygotsky (1998a, p. 75): “Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual [...].”.

O autor ainda atribuiu importância à linguagem que representa o sistema simbólico característico dos seres humanos e que se desenvolve a partir da necessidade em se comunicar (OLIVEIRA, 1999). Nesse sentido, as palavras “[...] constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de contato social com as pessoas.” (VYGOTSKY, 1998a, p. 38).

O processo de desenvolvimento da fala está organizado em três estágios. No primeiro estágio, pré-intelectual, observam-se comunicações difusas, tais como, o choro e o sorriso as quais não tem significado preciso, mas que representam tanto contato social quanto alívio emocional. No segundo estágio, pré-linguístico, ainda não há o domínio da fala, mas a criança já é capaz de atuar no ambiente com o uso de instrumentos. Por último, em linguístico a criança tem a capacidade de falar, pois pensamento e linguagem estão associados (REGO, 2011; OLIVEIRA, 1999).

Esse processo, ainda está subdividido em três momentos: discurso socializado; fala egocêntrica e discurso interior. O discurso socializado consiste na comunicação social. Na fala egocêntrica, no intuito de resolver um problema, há a vocalização sem a presença de um interlocutor (REGO, 2011; MOREIRA, 2011). Assim, a fala egocêntrica “[...] deve ser vista como uma forma de transição entre a fala exterior e a interior.” (VYGOTSKY, 1998a , p.36). Já no discurso interior, o discurso socializado foi internalizado, isto é, a criança organiza um diálogo consigo mesma sem vocalização (REGO, 2011).

Assim como os instrumentos e os signos, o significado das palavras também são construções sociais em constante transformação representando a mediação simbólica entre homem e meio (OLIVEIRA, 1999). Os significados das palavras são considerados sob o ponto de vista do significado propriamente dito e o sentido da palavra. O primeiro diz respeito à compreensão que as pessoas têm de uma palavra, já o segundo se refere às experiências afetivas que cada indivíduo tem com uma determinada palavra (OLIVEIRA, 1999).

Vygotsky também afirmou que o ser humano se desenvolve por meio de suas aprendizagens, estando assim implícito que “[...] o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam”. (VYGOTSKY, 1998a, p. 115). Nesse sentido, o autor determinou dois níveis de desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real que está relacionado às aprendizagens concretas as quais o indivíduo realiza sem o auxílio de mediador. E o nível de desenvolvimento potencial que representa as aprendizagens que a criança é capaz de desenvolver, no entanto, com a ajuda de outra pessoa mais experiente culturalmente (REGO, 2011). A distância entre estes dois níveis, Vygotsky denominou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), isto é, “[...] funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação [...] aquilo que é a zona de desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã [...]”. (VYGOTSKY, 1998a, p. 113).

Diante dos pressupostos aqui apresentados, percebe-se que Vygotsky, assim como Wallon, contribuiu para a educação. A partir do conceito de ZDP é possível afirmar que o papel da escola está vinculado a estimular o desenvolvimento da zona de desenvolvimento potencial e assumir a zona de desenvolvimento real como ponto de partida para novas aprendizagens (REGO, 2011; OLIVEIRA, 1999; MOREIRA, 2011). Além disso, os professores precisam reconhecer a ZDP em diferentes idades, pois, determinadas tarefas como, por exemplo, exercícios aritméticos, dependendo da maneira como a solução é apresentada, mesmo com o auxílio de um indivíduo mais experiente a criança não será capaz de compreender (VYGOTSKY, 1998a).

Vygotsky também atribuiu valor à educação quanto ao processo de construção de conceitos científicos. Ao longo do desenvolvimento, o homem constrói conceitos espontâneos e conceitos científicos. A consolidação dos primeiros ocorre por meio de experiências. Os conceitos científicos, por sua vez, são construídos por intermédio de interação social em ambientes de ensino e aprendizagem (REGO, 2011). Nesse sentido, Vygotsky (1998a) afirma que os processos de ambos os conceitos estão intrinsecamente relacionados, mesmo seguindo direções opostas. Portanto: “É preciso que o desenvolvimento de um conceito espontâneo tenha alcançado um certo nível para que a criança possa absorver um conceito científico correlato”. (VYGOTSKY, 1998b, p. 135). Além disso, o processo de formação de conceitos não se faz por meio de um ensino transmissivo: “Um professor que tenta fazer isso geralmente não obtém qualquer resultado, exceto o verbalismo vazio, uma repetição de palavras pela criança [...].” (VYGOTSKY, 1998b, p. 104).

Ademais, “[...] o desenvolvimento dos processos, que finalmente resultam na formação de conceitos, começa na fase mais precoce da infância, mas [...] amadurece, se configura e se desenvolve somente na puberdade.”. (VYGOTSKY, 1998b, p. 72). No entanto, para que esse fenômeno se solidifique na puberdade são necessárias as interações sociais. Nesse âmbito, a escola se destaca, oportunizando espaços de diálogos entre as crianças e entre outros indivíduos mais experientes culturalmente (REGO, 2011).

Embora Vygotsky seja considerado um autor que tenha se dedicado ao desenvolvimento cognitivo do sujeito, ele acreditava que o ser psicológico somente poderia ser compreendido em sua totalidade por meio da superação da ruptura entre intelecto e afeto (REGO, 2011; OLIVEIRA; REGO, 2003). Para Vygotsky: “Quem separa desde o começo o pensamento do afeto fecha para sempre a possibilidade de explicar as causas do pensamento [...] nega de antemão a possibilidade de estudar a influência inversa do pensamento no plano afetivo, volitivo da vida psíquica [...].” (VYGOTSKY, 1993, p. 25, tradução nossa). Portanto, para o autor, a dissociação entre cognição e afeto representa um dos principais equívocos da Psicologia (VYGOTSKY, 1998b). Vygotsky ainda salienta que tal separação permite que o pensamento “[...] se segregue de toda a plenitude da vida, dos impulsos, dos interesses e as inclinações vitais do sujeito que pensa [...].” (VYGOTSKY, 1993, p. 24, tradução nossa).

As emoções representam outro exemplo de fatores socialmente influenciáveis. Por intermédio de episódios sócio-históricos na fase adulta as emoções passam de um caráter primitivo - como se apresentam na infância -, a um caráter superior, deixando de apresentar origem biológica e instintiva (OLIVEIRA; REGO, 2003). Esse fato desmistifica a ideia de que as emoções são inatas, até mesmo porque cada sujeito interage com o meio de maneira particular (OLIVEIRA; REGO, 2003). Além disso, com o avanço no desenvolvimento cognitivo, o homem é capaz de autorregular seu comportamento. Circunstância que não significa que a razão suprime as emoções, mas que os sentimentos na adultez são mais complexos comparados aos da infância (OLIVEIRA; REGO, 2003).

Aproximações entre os pressupostos wallonianos e vygotskyanos

Diante – e partir – do que foi exposto, nossa intenção vai no sentido de apontar e discutir os possíveis pontos de aproximação entre as concepções de Wallon e Vygotsky à luz da educação, mais especificamente à influência da afetividade no desenvolvimento intelectual do sujeito. Nesse sentido, podemos inferir, desde já, que essa influência recíproca entre afeto e intelecto representa uma semelhança entre os autores supracitados. Tendo, então, como base as ideias wallonianas e vygotskyanas descritas anteriormente, torna-se nítida a importância que ambos atribuíram à união entre afetividade e cognição no processo de ensino e aprendizagem, sendo, portanto, Wallon e Vygotsky adeptos da concepção monista de ensino.

Sob este viés, iniciamos nossa discussão tomando como ponto de partida as considerações de Leite (2012) a respeito das aproximações entre Wallon e Vygotsky.

a) ambos assumem uma concepção desenvolvimentista sobre as manifestações emocionais: inicialmente orgânicas, vão ganhando complexidade na medida em que o indivíduo desenvolve-se na cultura, passando a atuar no universo simbólico, ampliando-se e complexificando-se suas formas de manifestação; b) assumem, pois, o caráter social da afetividade; c) assumem que a relação entre a afetividade e inteligência é fundante para o processo do desenvolvimento humano. (LEITE, 2012, p. 361).

Observa-se, então, que ambos os autores defenderam ideias semelhantes, nas quais fortemente se encontra evidenciada a correlação entre elementos biológicos e sociais no desenvolvimento humano. Percebe-se que, tanto Wallon quanto Vygotsky, conceberam o ser humano em sua natureza biológica, ressaltando que sua interação com o meio físico e social influencia em importantes fatores, tais como, aprendizagem e personalidade (WALLON, 1975a; VYGOTSKY, 1998a, 1998b). Assim, Vygotsky declarou que o desenvolvimento humano apresenta duas origens: orgânica e social, com prevalência da primeira no início da vida (VYGOTSKY, 1998a). Nesse sentido, Wallon (1975a, p. 167) complementa ao afirmar que: “Os meios onde a criança vive e os que ambiciona são o molde que dá o cunho à sua pessoa.”.

Valendo-se ainda do papel das interações sociais, para Wallon o bebê estabelece seus primeiros contatos sociais por meio das emoções – expressa pelo ato motor – (WALLON, 1975a; GALVÃO, 1995). Convergente a essa ideia, as interpretações de Oliveira e Rego (2003, p. 23) apontam que na perspectiva vygotskyana “[...] o longo aprendizado sobre emoções e afetos se inicia nas primeiras horas de vida de uma criança e se prolonga por toda a sua existência.”. Isto é, Wallon e Vygotsky concordam que as emoções estão presentes desde o início de nossas vidas e que ao longo do desenvolvimento se tornam, ainda, mais complexas. Tal complexidade ocorreria, então, por meio da palavra, ou seja: a afetividade passaria a se manifestar intermediada pela linguagem, sendo essa um meio de contato social importante para o desenvolvimento da inteligência (WALLON, 1995; GALVÃO, 1995; VYGOTSKY, 1998a).

No que tange à dimensão da linguagem, para Vygotsky, enquanto a criança não tem o domínio da fala, comunicações difusas representam contato social e/ou alívio emocional (REGO, 2011; OLIVEIRA, 1999). Wallon, por sua vez, referindo-se ao estágio impulsivo emocional, afirmou que na ausência da palavra, o ato motor, choro e sorriso expressam sensações de bem e mal estar (WALLON, 1975a; DUARTE; GULASSA, 2010).

Portanto, ao partirmos da premissa walloniana de que os elementos sociais - tal como a linguagem -, são fundamentais para o avanço intelectual, podemos relacioná-la ao pressuposto vygotskyano de que o desenvolvimento humano se dá por meio do aprendizado e esse, por sua vez, é essencialmente social. Isto, em Vygotsky, pode ser percebido a partir dos conceitos de zona de desenvolvimento potencial e zona de desenvolvimento real que se diferem no que diz respeito à necessidade ou não de um mediador para a resolução de problemas (VYGOTSKY, 1998a).

Sousa e Bastos (2011, p. 179) ainda apontam como convergência entre estes autores o fato de que para ambos “[...] nem a afetividade nem a inteligência se desenvolvem uma à margem da outra, mas conjuntamente, numa relação de filiação.”. Vygotsky tratou desse princípio ao afirmar que a separação entre intelecto e afeto inviabiliza a compreensão da totalidade do ser, o que dificulta a compreensão sobre a influência de um fator sobre o outro (VYGOTSKY, 1993). Já em Wallon, este pressuposto está implícito na ideia de que os avanços conquistados, seja pela predominância afetiva ou pela predominância cognitiva, se complementam no decorrer dos estágios do desenvolvimento. Tal pressuposto se expressa por meio da lei de alternância entre os movimentos de exploração dos mundos externo e interno, além do conceito de integração funcional (WALLON, 1975a; GALVÃO, 1995).

Por fim, com foco nos processos de ensino e aprendizagem queremos salientar que Wallon e Vygotsky rejeitavam o ensino transmissivo. Vygotsky afirmou que a metodologia transmissiva não seria capaz de contribuir para a aprendizagem dos estudantes (VYGOTSKY, 1998b), enquanto Wallon destacou a relevância na formação integral do sujeito, de modo que as demandas afetivas, cognitivas e motoras sejam supridas no intuito de que professor e aluno progridam nos processos de ensinar e aprender (MAHONEY; ALMEIDA, 2005).

Considerações Finais

Neste momento, após uma síntese das ideias de Wallon e Vygotsky serem apresentadas, desejamos tecer considerações a respeito das contribuições desses autores no campo da educação tomando a afetividade como elemento para tal articulação. Ou seja, ao partirmos das premissas walloniana e vygotskyana, nosso propósito consiste em apontar possibilidades para que os educadores, de alguma forma, possam aplicar esses pressupostos incorporando-os em suas práticas - dentro e fora das salas de aula -, no sentido de promover uma contribuição positiva em atividades relacionadas aos processos de ensino e de aprendizagem.

Primeiramente, queremos no fazer valer das palavras do próprio Wallon (1975a, p. 366): “A formação psicológica dos professores não pode ficar limitada aos livros. Deve ser uma referência perpétua nas experiências pedagógicas que eles próprios podem pessoalmente realizar.”. Isto é, a formação docente inicial ou permanente – para além da leitura de textos como este –, deve contemplar a aplicabilidade de conhecimentos teóricos.

Salientamos, no entanto, que estes conhecimentos teóricos dizem respeito, tanto aos específicos da área de formação inicial, quanto àqueles que contribuam para a formação integral do sujeito e que visam garantir uma formação pautada em valores. Isto nos remete a uma condição essencial de engajamento das escolas, bem como toda a sua equipe pedagógica, em um projeto de educação para cidadania, que deve prever o desenvolvimento de habilidades e competências para além da dimensão técnico-científica, mas também biopsicossociais. Nesse sentido, concordamos com Mahoney e Almeida (2005, p. 15) quando afirmam que “[...] ao lado dos conhecimentos teóricos, assumem relevância a sensibilidade, a curiosidade, a atenção, o questionamento e a habilidade de observação do professor sobre o que se passa no processo ensino-aprendizagem”.

Ao retomarmos à discussão que envolve as concepções de Wallon e Vygotsky, observamos que ambos, marcantemente, concebem o ser humano como um ser social e, além disso, defendem um ensino no qual cognição e afeto caminhem lado a lado. Assim, se tomarmos como referência o pressuposto vygotskyano de que a aprendizagem se dá por meio de interações sociais com indivíduos mais experientes culturalmente (VYGOTSKY, 1998a), queremos atentar para o papel que as instituições de ensino desempenham no âmbito dessas interações. Assim como Wallon (1975a), acreditamos que a escola se converte em um importante meio social, profícuo a desenvolver saudáveis interações entre os estudantes de modo que haja progresso no desenvolvimento pessoal, cognitivo e emocional de todos os envolvidos.

Portanto, o ser humano por ser geneticamente social, segundo a perspectiva dos autores supracitados, “[...] aprende, por meio do legado de sua cultura e da interação com outros humanos, a agir, a falar e também a sentir [...]. (OLIVEIRA; REGO, 2003, p. 23, grifo nosso). Nesse sentido, salientamos, com base em Santos (2012), que a sobrevivência humana está intimamente relacionada aos laços afetivos entre os seus. Assim sendo, o “[...] processo de aprendizagem não poderia ser diferente, pois ser admirado, valorizado, ter alguém para alimentar o ego tornam-se fatores imprescindíveis para que os resultados positivos em sala de aula sejam alcançados.” (SANTOS, 2012, p. 121-122).

Neste contexto, segundo a autora, a afetividade nas relações pedagógicas representa um elemento de motivação tanto para professores quanto para estudantes. Na perspectiva do professor, o afeto retrata a gratificação por seu trabalho e, para o aluno, a satisfação em estar no ambiente escolar (SANTOS, 2012). Diante disso, percebe-se que por trás da relevância empregada por Wallon e Vygotsky ao contexto social, a escola representa um importante espaço propício para a criação de condições favoráveis para o estabelecimento de produção e socialização de saberes entre os estudantes.

Ainda, cabe ressaltar a ênfase tanto de Wallon, quanto de Vygotsky ao binômio afeto/cognição nos processos de ensino e aprendizagem, mostrando como estes dois elementos se encontram fortemente interligados. Este é um ponto que merece nossa atenção, pois o que defendemos aqui é a dimensão afetiva fazendo referência à diferentes atitudes na prática pedagógica, tanto por parte do professor quanto por parte do estudante, aquilo que os aproxima e torna tanto o ensinar, quanto o aprender, experiências mais prazerosas.

Nesse sentido, então, a afetividade simbolizaria práticas de respeito, cuidado e colaboração mútuos o que, por consequência, possibilitaria estabelecer ou reforçar laços de amizade e carinho entre os indivíduos envolvidos. Defendemos, assim, uma sensibilização docente no que tange ao reconhecimento da influência positiva do afeto em contextos educacionais. A reciprocidade entre afetividade e cognição qualifica as relações entre professor e estudante resultando no bem-estar de ambos. Logo, essa associação contribui para a aprendizagem discente e também para o sucesso profissional do educador, aumentando possivelmente sua motivação e autoestima.

Ressaltamos, então, a partir da leitura de nosso referencial teórico, a importância da afetividade como um sentimento que pode ser expressada de múltiplas formas, também no contexto escolar: em palavras de apoio, autoestima, reconhecimento, valorização, entre outros, podendo expressar-se, também, em atitudes de acolhimento e atenção, por exemplo. Assim, é impossível negar que tais manifestações não sejam capazes de corroborar a aprendizagem dos estudantes e o aprimoramento de estratégias de ensino por parte dos professores. Mais ainda, quando nos permitimos reconhecer a indissociável relação de nossas vidas pessoais e profissionais sendo que, desse modo, um pouco daquilo que somos em casa, inevitavelmente, também somos em outros diferentes contextos, como na escola. Assim, consideramos relevante frisar a importância da conciliação entre afetividade e cognição com as palavras de Santos (2012, p. 113, grifo nosso) que corrobora ao afirmar que: “A afetividade [...] interfere diretamente no desenvolvimento afetivo emocional, cognitivo, social e em todas as relações do ser humano. [...] o ser humano necessita de afeto para viver.”.

Por fim, consideramos necessário reforçar que, de acordo com as concepções de Wallon e Vygotsky, a importância que a instância escolar representa - em termos físicos e sociais. Assim, o ambiente escolar passa a oferecer à comunidade espaços onde se desenrolam situações que se estabelecem a partir da relação entre seus membros, contribuindo para outras experiências, inclusive, mais enriquecedoras onde se reafirma a necessidade de uma educação mais humanizada, onde todos os participantes desse processo são convidados a assumir atitudes mais sensíveis, viabilizando uma efetiva conciliação entre afeto e intelecto articulada pela presença da afetividade como condição sine qua non para ocorrência de todo e qualquer processo pedagógico.

Referências

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Recebido: 22 de Maio de 2017; Aceito: 25 de Junho de 2018

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