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Perspectiva

versión impresa ISSN 0102-5473versión On-line ISSN 2175-795X

Perspectiva vol.36 no.4 Florianopolis oct./dic 2018  Epub 30-Jul-2019

https://doi.org/10.5007/2175-795x.2018v36n4p1378 

Artigos de Demanda Contínua

A IDEOLOGIA DO AGRONEGÓCIO NA EDUCAÇÃO BÁSICA

THE IDEOLOGY OF AGRIBUSINESS IN BASIC EDUCATION

LA IDEOLOGÍA DEL AGRONEGOCIO EN LA EDUCACIÓN BÁSICA

Victor Hugo Junqueira1 
http://orcid.org/0000-0001-9320-2530

Maria Cristina dos Santos Bezerra2 
http://orcid.org/0000-0003-3130-9433

1Universidade Federal de São Carlos, UFSCar

2Universidade Federal de São Carlos, UFSCar


Resumo

O agronegócio tornou-se uma realidade no campo brasileiro desde a década de 1990. Porém, sua atuação não se limita à produção e comercialização de mercadorias em nível internacional. Nesse sentido, partindo do conceito marxista de ideologia como representação das relações sociais de produção e componente da luta de classes, com interferências materiais na reprodução das relações de produção, analisamos o agronegócio como expressão ideológica da classe dominante. Trazemos argumentos do discurso do agronegócio e sua utilização no programa educacional ‘Agronegócio na Escola’, desenvolvido pela Associação Brasileira do Agronegócio na região de Ribeirão Preto-SP. Os resultados mostram a importância da educação como instrumento ideológico para internalizar na consciência dos sujeitos, desde a infância, a importância social do agronegócio, garantindo a reprodução das relações de produção.

Palavras-chave:  Ideologia; Agronegócio; Educação

Abstract

Agribusiness has become a reality in the Brazilian countryside since the 1990s. However, its performance is not limited to the production and commercialization of goods at the international level. In this sense, starting from the Marxist concept of ideology as a representation of the social relations of production and component of the class struggle, with material interferences in the reproduction of the relations of production, we analyze agribusiness as the ideological expression of the ruling class. We bring arguments of the agribusiness discourse and its use in the educational program 'Agribusiness in School' developed by the Brazilian Association of Agribusiness in the region of Ribeirão Preto-SP. The results show the importance of education as an ideological tool to internalize in the subjects’ consciousness, since childhood, the social importance of the agribusiness to ensure the reproduction of production relations.

Keywords:  Ideology; Agribusiness; Education

Resumen

El agronegocio se ha convertido en una realidad en el campo brasileño desde la década de 1990. Sin embargo, su actuación no se limita a la producción y comercialización de mercancías a nivel internacional. En este sentido, partiendo del concepto marxista de ideología como representación de las relaciones sociales de producción y componente de la lucha de clases, con interferencias materiales en la reproducción de las relaciones de producción, analizamos el agronegocio como expresión ideológica de la clase dominante. Presentamos argumentos del discurso del agronegocio y su utilización en el programa educativo 'Agronegocio en la Escuela' desarrollado por la Asociación Brasileña del Agronegocio en la región de Ribeirão Preto-SP. Los resultados muestran la importancia de la educación como instrumento ideológico para internalizar en la conciencia de los sujetos, desde la niñez, la importancia social del agronegocio, garantizando la reproducción de las relaciones de producción.

Palabras clave:  Ideología; Agroindustria; Educación

Introdução

Desde a década de 1990, o campo brasileiro vem passando por uma série de transformações econômicas, tecnológicas e comerciais, como produto do movimento de reestruturação produtiva do capital e da financeirização da economia. Soma-se a isso a participação do Estado, que, a partir dos anos 2000, passou a dispender volumes enormes de recursos financeiros para promover o desenvolvimento da agricultura capitalista no país, tornando o país um dos principais exportadores mundiais de commodities.

Essas condições garantiram um campo de prosperidade para latifundiários e frações da burguesia integradas ou diretamente ligadas ao setor, aprofundando o domínio das grandes corporações no controle da produção e da comercialização de mercadorias de origem agrícola.

Este novo estágio de subordinação da agricultura ao capital e os consequentes aumentos de produção e produtividade são difundidos agora sob a denominação de agronegócio.

A origem desse termo está nos estudos de John Davis e Ray Goldberg, professores da Universidade de Harvard (EUA), realizados em 1957 nos Estados Unidos e publicados no livro Concept of Agribusiness. Na obra, os autores definem o agribusiness como “a soma total das operações associadas à produção e distribuição de insumos agrícolas, das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas, e dos itens derivados” (SOUZA, 2011, p. 55).

No Brasil, esta concepção de agribusiness é utilizada desde a década de 1980, quando a integração técnica entre capital financeiro e industrial na agricultura passou a ser denominada por Complexo Agroindustrial (DELGADO, 1985). Entretanto, somente na década de 1990 e, sobretudo, na década seguinte, o termo agronegócio passou a ser disseminado na academia, na mídia e na política, na formulação dominante, como conjunto integrado de atividades produtivas e econômicas que vão da concepção da produção à comercialização, tendo como eixo articulador a agropecuária.

Partindo dessa contextualização, o objetivo deste artigo é analisar como o agronegócio se expressa enquanto a ideologia da classe dominante e quais os interesses e implicações materiais dessa ideologia para os processos educacionais. Para exposição dessa análise, o texto está dividido em duas partes: na primeira, a partir do conceito marxista de ideologia, apresentamos os argumentos que fundam as bases ideológicas do agronegócio; e na segunda, examinamos o projeto “Agronegócio na Escola”, desenvolvido pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) na região de Ribeirão Preto-SP.

Agronegócio: as bases ideológicas do capitalismo no campo

O conceito de ideologia, definitivamente, não é um dos mais simples no campo das ciências humanas. Segundo Terry Eagleton (1997), ideologia tem uma gama de significados, nem todos compatíveis entre si, e tentar comprimi-los em uma definição única seria inútil, senão impossível. Assim, o conceito de ideologia utilizado neste texto parte da compreensão marxista da ideologia1 enquanto representação das relações sociais de produção e como um componente da luta de classes, com interferências materiais na reprodução das relações de produção.

Dessa forma, ao definirmos que o agronegócio se expressa enquanto ideologia, estamos afirmando, primeiro, que este se relaciona com as bases materiais do desenvolvimento do capitalismo no campo, na medida em que as produções ideológicas não flutuam no tempo e no espaço, mas se comunicam com a história, exercendo um papel importante na representação de uma realidade que possivelmente não tenha sido necessária em outros momentos históricos. Segundo, a ideologia da classe dominante procura persuadir e convencer a sociedade de que os seus valores particulares são universais. E terceiro, que esta ideologia atua materialmente para a reprodução da estrutura social.

Como já escrito anteriormente, a origem do termo agronegócio deriva do termo americano agribusiness e, a partir da década de 1990, passa a ser amplamente difundido no Brasil como representativo de uma nova fase da agricultura.

Nesse contexto, destacam-se a publicação, em 1990, do livro Complexo Agroindustrial: o agribusiness brasileiro, de Ney Bittencourt de Araújo, Ivan Wedekin e Luiz Antônio Pinazza, e a criação da Associação Brasileira do Agribusiness (ABAG) em 1993, tendo à sua frente Ney Bittencourt de Araújo e Roberto Rodrigues (BRUNO, 2009).

Na obra anteriormente citada, os autores incorporam a definição de agribusiness de Davis e Goldberg (1957) como processos produtivos que ocorrem “antes da porteira” (mercado de insumos e fatores de produção), “dentro da porteira” (processos que ocorrem na unidade produtiva) e “depois da porteira” (processamento, transformação e distribuição) para defender a transição da “era da agricultura” para a “era do agribusiness”.

Com base nessa conceituação, os autores realizam uma caracterização do agribusiness brasileiro como “o maior negócio do país”, salientando a sua importância para a integração do Brasil à economia mundial.

Desde então, o termo agribusiness passou recorrentemente a substituir o Complexo Agroindustrial, tornando-se expressão dominante não apenas na literatura especializada, mas também nos meios midiáticos.

A criação da ABAG foi outra decisão política importante para a consolidação e a difusão do termo agribusiness e a representação dos interesses da classe dominante no campo no país. No discurso de criação da entidade, no Congresso Nacional no dia 10 de março de 1993, o presidente fundador Ney Bittencourt de Araújo, após dissertar sobre as transformações da agricultura brasileira, afirmava que a entidade nascia com uma visão e uma missão.

A visão é a de que a vocação, a capacitação e os recursos brasileiros no agribusiness podem, se adequadamente administrados, contribuir de forma decisiva para vencer os quatro grandes desafios da sociedade brasileira: o desenvolvimento sustentado, a integração à economia internacional, a melhoria da distribuição de renda através da desconcentração de polos de desenvolvimento e o respeito ao meio ambiente.

A missão, penosa, ambiciosa e difícil, é sistêmica e se encadeia em múltiplas tarefas. A primeira, e a maior delas, é a de conscientizar os segmentos formadores de opinião e decisórios do País – os políticos, os empresários, os sindicatos, os acadêmicos, os líderes da comunicação – para a importância e a complexidade do sistema do agribusiness, a relevância do seu papel no desenvolvimento econômico e social, e a necessidade de tratá-lo sistemicamente, sem o que torna-se impossível otimizá-lo. (ABAG, 2013, p. 12)

A ABAG, desde a sua gênese, colocou o convencimento social como sua principal missão à frente, inclusive, de ser um instrumento de apoio e representação dos interesses políticos do setor, sua segunda grande missão. Em 2010, a entidade passou a se chamar Associação Brasileira do Agronegócio. A nacionalização do termo agribusiness representou, essencialmente, uma estratégia de marketing para popularizar e ampliar a difusão dos valores da agricultura capitalista.

Já na sua fundação, a ABAG iniciou um processo de congregação de diferentes setores2 da produção agropecuária, que atuam “antes e depois da porteira” (BRUNO, 2009), entre os quais se destacam: os ligados à produção e à comercialização de tratores, máquinas, sementes, agrotóxicos e fertilizantes; empresas responsáveis por armazenamento e processamento de produtos agrícolas; transnacionais do setor agrícola; além de bancos (públicos e privados), empresas públicas de pesquisa agropecuária e empresas diretamente ligadas ao capital financeiro internacional, tornando-se, assim a principal entidade de representação do Agronegócio brasileiro e de sua difusão ideológica.

Em 2002, a ABAG publicou o livro Agribusiness brasileiro: a História, patrocinado por grandes corporações do setor, como a Monsanto, Basf, Bunge Fertilizantes e Syngenta, no qual salienta o papel da agropecuária e, atualmente, do agronegócio na história do país.

Contudo, a despeito da importância do setor, a conclusão do livro é de que a população brasileira, em sua maioria urbana, não conhece esta realidade e tem preconceitos infundados contra o setor. Segundo os autores, até mesmo a mídia, apesar de terem seções sobre o agronegócio,

de tempos em tempos, levam o leitor a passear por alguma ‘califórnia’ interiorana, onde fazendeiros, estejam comprando caminhonetes zero quilômetro, construindo casarões ou fazendo algum tipo de extravagância – o que diga de passagem, tem sido um acontecimento cada vez mais raro. (ABAG, 2002, p. 208)

Em outros momentos,

Há algum espaço para as manifestações políticas dos sem-terra, dos fazendeiros e de parlamentares quando ocorre alguma queda de braço da ‘bancada ruralista’ com o governo. O trivial se completa com os ecos da violência no campo. A disputa pela terra tem feito muitos mortos nas últimas décadas, e raramente um ano passa sem que haja denúncias de trabalho escravo em algum recanto do país – mais de um século após a Lei Áurea. Essas ocorrências não contribuem para estabelecer laços de solidariedade entre a cidade e o campo. (ABAG, 2002, p. 208-209)

Nessa representação ideológica, não há uma negação da existência dos conflitos de terra, “da bancada ruralista”, da violência no campo, do trabalho escravo. Todavia, o agronegócio procura desvincular sua imagem dessas ocorrências que, conforme argumentam, prejudicam a solidariedade entre o campo e a cidade. Além disso, o discurso ideológico, que em determinados momentos propagandeia a prosperidade de uma “Califórnia brasileira”, em outros se ressente de a mídia divulgar a imagem de poderosos fazendeiros.

As principais lideranças do setor também procuram contrapor latifúndio ao agronegócio, como expressões históricas diferentes, representativas de distintos processos e relações de produção. Em um artigo intitulado Entre o passado e o futuro, Kátia Abreu3 afirma que:

O latifúndio é o passado. A moderna empresa rural, o presente e o futuro. O latifúndio corresponde a um Brasil superado, que se baseava em terras improdutivas, baixa tecnologia, ausência de conhecimento na utilização da terra, desrespeito à natureza, condições muitas vezes subumanas de trabalho e em formas de coronelismo político. A moderna empresa agrícola é de alta produtividade, com uso intensivo de tecnologia, aplicação do conhecimento na utilização da terra, respeito à natureza, observância de condições humanas de trabalho e respeito ao Estado de Direito. (ABREU, 2013, s.p.)

Essas são algumas das nuances do discurso ideológico presente no decorrer do livro, no qual os “termos ausentes garantem a suposta veracidade daquilo que é explicitamente afirmado” (CHAUÍ, 2006, p. 16). Os processos de exploração do trabalho escravo, bem como o destino dos recursos públicos ganham caráter de impessoalidade, a grilagem e os conflitos pela posse da terra desaparecem e estabelece-se uma ruptura do processo histórico a partir da segunda metade do século XX, com o desenvolvimento tecnológico e a emergência de novos ‘atores’.

A própria entidade reconhece que há “uma imagem arraigada de que fazendeiro além de pouco eficiente, é manhoso, ficando sempre à espreita de uma boa oportunidade para subtrair ‘algum’ erário” (ABAG, 2002, p. 209). Essa visão que a população possui da agricultura ou do agronegócio associada ao atraso, para os representantes do setor, constitui um empecilho às políticas governamentais. Por isso, a universalização dos interesses particulares é um aspecto fundamental para estabelecer a solidariedade dos laços políticos entre o urbano e o rural, pois “é justamente, com esse tipo de vínculo que as lideranças rurais gostariam de contar, para conseguir o atendimento de suas demandas pelos governos” (ABAG, 2002, p. 209, itálico nosso).

Outro elemento presente nas produções ideológicas dos representantes do capitalismo no campo é o seu apelo à união e à solidariedade popular em favor do agronegócio, como única alternativa ao progresso nacional. O trecho a seguir é característico deste discurso:

No Brasil, por toda sua história, e por sua diversificada realidade edafoclimática, por sua gente e sua tecnologia, há um verdadeiro determinismo sócio-econômico-ambiental: o de ser, como se fala há décadas, o grande celeiro do mundo. Para que isso aconteça, e é necessário que aconteça ainda no primeiro quarto deste século XXI, a lição de casa deverá ser feita: agricultores, a agroindústria, a sociedade e o governo precisam se dar as mãos para fortalecer o maior negócio do país. Afinal, é nas asas da agricultura que o Brasil viajará com segurança para o primeiro mundo. (ABAG, 2002, p. 225)

O apelo nacionalista completa-se com a naturalização e o determinismo da vocação agrícola do país, da valorização da diversidade ambiental, social e tecnológica e a ausência de respostas para problemas estruturais da nação, quando pronuncia que “o Brasil, contudo, jamais venceu o problema da fome” (ABAG, 2002, p. 201). Essa resposta, obviamente, não pode ser dada pelos representantes do agronegócio, sob o risco de arruinar o discurso que pretendem edificar.

Dessa forma, a disseminação da ideologia do agronegócio está estruturalmente arraigada no discurso da emergência de um “novo e único” modelo possível de produção no campo, ao mesmo tempo que se torna cada vez mais necessário ocultar as relações exploratórias e predatórias que são imanentes à produção capitalista sejam no campo ou na cidade. Para isso, vale-se intensamente da utilização de instrumentos que buscam persuadir a população, entre eles as propagandas nas diferentes mídias, canais de televisão próprios4, colunas em jornais, revistas especializadas e a inserção nas redes educacionais.

O agronegócio na escola

A região de Ribeirão Preto-SP, desde a década de 1990, tem se transformado em uma das principais áreas de produção do agronegócio nacional, especialmente pela produção canavieira. Com efeito, a cidade de Ribeirão Preto – que atualmente ostenta o título de “Capital brasileira do Agronegócio” – tornou-se um polo de serviços e negócios ligados ao agro, promovendo, inclusive, a maior feira comercial do ramo: a Agrishow. A cidade também sedia uma subseção da Associação Brasileira do Agronegócio – ABAG/RP, que se empenha em criar e difundir, no imaginário social, a grandeza do agronegócio e os seus benefícios para a população.

A ABAG/RP foi fundada em 2001, abrangendo uma área de 86 municípios nas regiões administrativas de Araraquara, Barretos, Ribeirão Preto, São Carlos e Franca. Já no momento de sua criação, o imperativo do convencimento social sobre a importância do agronegócio colocou-se como objetivo central, por meio do qual se projetava obter cada vez mais apoio governamental no atendimento às suas reivindicações. Esse foi o tom dos discursos na cerimônia de fundação da entidade em Ribeirão Preto. A fala do então presidente nacional da ABAG, Roberto Rodrigues, é clara: “sem uma imagem positiva, não há políticas positivas” (ABAG/RP, nº 2, 2001, p. 4).

Na mesma direção, a diretora-executiva da entidade nascente, Mônika Bergamaschi, defendia:

Enquanto a opinião pública for negativa em relação ao agronegócio, não haverá política nenhuma de apoio ao campo e nem mesmo condições favoráveis de negociação. Por isso, uma das principais missões da ABAG/RP é mudar a imagem do setor rural e do agrobusiness perante a imensa maioria do eleitorado.

No Brasil, uma democracia em evolução, a opinião pública urbana vê a agricultura como um setor atrasado, indolente, explorador e incompetente. (ABAG/RP, nº 02, 2001, p. 4)

No editorial do Informativo AGROnegócio (nº 9, 2001), Bergamaschi – após apresentar os resultados de uma pesquisa com pessoas residentes nas cidades que consideravam os fazendeiros como um dos setores que atrapalhavam o progresso do país – afirmava que a opinião pública tem um peso grande nas decisões políticas e que havia um desconhecimento da população sobre o agronegócio. Segundo ela:

A falha é do próprio setor. É passada a hora de investir em imagem. Não se trata da contratação de mágicos e nem de um trabalho de convencimento. É preciso apenas mostrar a dimensão do agronegócio. Levar a público o conceito de cadeias produtivas para que possa relacionar o jornal, o jeans, o sofá, o sapato e a cervejinha com o trabalho no campo. É educação. (ABAG/RP, nº 09, 2001, p. 1)

Para educar a população sem a “pretensão do convencimento”, a entidade desenvolve uma Campanha de Valorização Institucional da Imagem do Agronegócio, na qual procura demonstrar a importância da agropecuária na vida das pessoas e para o desenvolvimento econômico e social das cidades, da região e do país. A campanha realiza-se por meio de inserções publicitárias nas principais redes de televisão na região5, pelo prêmio ABAG/RP de Jornalismo, pelas publicações do Informativo AGROnegócio6 e pelo programa Agronegócio na Escola.

Nessa perspectiva, a persuasão ideológica do agronegócio executa um conjunto de estratégias que procuram atingir o grande público. Para tanto, utiliza os grandes meios de comunicação, especialmente, propagandas televisivas, além de informar aos jornalistas as dimensões do agronegócio e atuar junto aos jovens e adolescentes nas escolas públicas.

Romão (2006) analisou como o discurso veiculado pela entidade nas inserções publicitárias televisivas atua no sentido de marcar o prestígio do agronegócio e o seu vínculo com o homem comum. Nessas inserções publicitárias, é comum a presença de cantores, atletas e políticos conhecidos que contribuem para a costura de:

uma imagem poderosa para/do agronegócio, engendrando efeitos de (oni)potência e poder, vinculando o cotidiano do homem comum a práticas da agricultura monopolista e silenciando os sentidos indesejáveis, que possam inscrever rachaduras e equívocos no lugar dessa suposta pujança. (ROMÃO, 2006, p. 12)

Nesse discurso, segundo Romão (2006, p. 01-02), há “um banimento das relações que regem o mundo dos trabalhadores, abolindo outros sentidos que não aqueles dados pela voz do capital”. À vista disso, a monocultura, os valores da agricultura camponesa, os problemas ambientais são silenciados, de modo que “o discurso do agronegócio constrói uma tessitura de sentidos de potência e riqueza como se eles fossem partilhados igualmente por todos, distribuídos de maneira homogênea e geradores de um bem-estar coletivo”.

Grosso modo, esses mesmos elementos discursivos estão presentes no programa Agronegócio na Escola, considerado estratégico para a entidade, na sua campanha de valorização institucional, pois sua inserção na rede escolar garante um “lugar privilegiado de poder, em que os saberes são institucionalizados e instituídos como oficiais” (ROMÃO, 2006, p. 13).

O programa Agronegócio na Escola surgiu em 2001 como um projeto piloto em parceria com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo na diretoria de ensino de Jaboticabal, atendendo a 04 municípios (Jaboticabal, Guariba, Pradópolis e Monte Alto), 07 escolas, 180 professores e 970 alunos do primeiro ano do ensino médio.

No lançamento do programa, a entidade destacou, em seu Informativo AGROnegócio (nº 3, 2001), que ele visava levar aos alunos informações sobre o desenvolvimento histórico e o funcionamento das atividades do setor, bem como as oportunidades profissionais geradas por essas atividades.

Na edição nº 11 de outubro de 2001, após levar os alunos a conhecerem as empresas do agronegócio e destacar que o setor é um mercado aberto, dinâmico e repleto de possibilidades, a entidade concluía que:

É exatamente esse o grande objetivo da ABAG/RP com o projeto ‘O agronegócio na escola’: levar a realidade para dentro da sala de aula ou a sala de aula para a realidade. Somente assim será possível ampliar os horizontes, oferecer perspectivas, resgatar valores e, principalmente, fazer que os estudantes conheçam e se orgulhem da região onde vivem.

O projeto dá oportunidade para que os adolescentes formem suas próprias opiniões a respeito do setor agroindustrial. Não se trata de convencimento. Alunos e professores estão conhecendo a realidade tal qual ela é, sem fantasias ou preconceitos relacionados às atividades do campo. (ABAG/RP, nº 11, 2001, p. 3)

Sob o viés da neutralidade e da impessoalidade, o programa iniciou suas atividades destacando a necessidade da articulação entre teoria e prática, ausente nas atividades cotidianas escolares. Para a entidade, “este ‘distanciamento’ entre o que acontece no mundo e o que é dito por professores, ou impresso nos livros, tem sido um fator de desestímulo para os alunos” (ABAG/RP, nº 15, 2002, p. 1). Por isso, ao levar os alunos a conhecerem as empresas do setor e a “realidade” do agronegócio, o programa estaria contribuindo para reduzir a evasão escolar.

Em 2002, continuando sua parceria com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP), o programa foi se expandindo para outros 05 municípios (Bebedouro, Barrinha, Pitangueiras, Pontal e Sertãozinho), passando a envolver 20 escolas, 500 professores e 6.208 estudantes.

Desde então, o programa apresentou um movimento ascendente, chegando ao ápice em 2007, quando atuou em 83 municípios em 10 diretorias regionais de ensino (Araraquara, Barretos, Franca, Jaboticabal, Pirassununga, São Carlos, São Joaquim da Barra, Sertãozinho, Taquaritinga e Ribeirão Preto), totalizando 141 escolas, 1800 professores e 24.500 alunos, conforme expresso na tabela a seguir.

Tabela 1 – PROGRAMA AGRONEGÓCIO NA ESCOLA ENTRE 2001 E 2008 PARCERIA COM A SEE/SP 

Ano Municípios Escolas Professores Estudantes
2001 4 7 180 970
2002 9 20 500 5.100
2003 15 40 700 8.200
2004 32 68 1.090 12.100
2005 41 90 1.200 17.240
2006 53 114 1.430 18.900
2007 83 141 1.800 24.500
2008 23 29 700 4.800

Fonte: ABAG/RP (2011). Organizada pelos autores

No processo de expansão do programa, a entidade foi ampliando e diversificando suas ações e estratégias no interior das escolas estaduais, abrangendo um calendário anual que envolvia a capacitação de professores, coordenadores e educadores, distribuição da Cartilha “Agronegócio sua vida depende dele”, visita de professores e alunos às empresas do setor e à Agrishow, concurso de frases e desenhos e premiação de professores que desenvolvam atividades que trabalhem o agronegócio no currículo escolar.

Nesse período, o número de visitas monitoradas a empresas do setor e o processo de capacitação de professores foram crescentes. Em 2007, segundo a entidade, foram realizadas 426 visitas, com 32 roteiros diferentes. Todavia, em 2008, atendendo às novas orientações da Secretaria da Educação do Estado, que passou a dificultar a saída de professores para atividades externas às salas de aula, ficou a cargo das Diretorias Regionais de Ensino a opção pela continuidade da parceria com a ABAG/RP. Em 2008, das dez diretorias regionais que haviam participado no ano anterior, seis optaram pela continuidade do projeto (Araraquara, Barretos, Jaboticabal, Pirassununga, São Joaquim da Barra e Ribeirão Preto).

Em 2009, encerrou-se definitivamente a parceria entre a Secretaria da Educação do Estado e a ABAG/RP, que nesse momento passou a realizar parcerias com as secretarias municipais de educação da região. O programa passou então a ser destinado a alunos do 8º e 9º anos do ensino fundamental.

Nesse primeiro ano da nova fase do programa, apenas o munícipio de Ribeirão Preto desenvolveu atividades, totalizando 25 escolas, 135 professores e 5.260 estudantes. A partir de então, o programa voltou a se expandir ampliando as parcerias com os municípios. Em 2013, foi desenvolvido em 83 escolas de 32 cidades atingindo 13.078 alunos das duas últimas séries do ensino fundamental, jovens na faixa etária de 13 a 14 anos de idade (ABAG/RP, nº 129, 2013).

Tabela 2 – PROGRAMA AGRONEGÓCIO NA ESCOLA ENTRE 2009 E 2013 PARCERIA COM AS SECRETARIAS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO 

Ano Municípios Escolas Professores7 Estudantes
2009 1 7 135 5.260
2010 14 66 87 11.900
2011 23 74 120 12.955
2012 25 75 120 14.000
2013 32 83 - 13.078

Fonte: ABAG/RP (2011). Organizada pelos autores

Os objetivos do programa também foram reformulados no decorrer dos anos. Atualmente, segundo a ABAG/RP, o objetivo do programa é levar para a sala de aula os conceitos principais e a realidade do agronegócio, possibilitando conectar a teoria à prática, e assim revelar a “interdependência campo-cidade, a dimensão e a importância do setor para a economia, valorizar as atividades agroindustriais locais e, com isso, a comunidade onde o aluno está inserido, e resgatar o orgulho de pertencer a esta região” (ABAG/RP, 2013, s.p.).

A passagem da parceria com a Secretaria Estadual da Educação para as secretarias municipais não implicou em grandes alterações no desenvolvimento do programa, com exceção da redução de visitas monitoradas às empresas do setor. A abertura anual do programa continuou a cargo do ex-ministro da agricultura Roberto Rodrigues, com a realização de uma palestra direcionada aos professores para que “descubram o que o setor representa para a região, para o estado e para o país, e a partir disso, formem suas opiniões, sem paixões, sem preconceitos, para depois iniciar o trabalho dentro da sala de aula” (ABAG/RP, nº 28, 2003, p. 2).

Segundo Roberto Rodrigues, a palestra aos professores é um momento especial, para expor os argumentos centrais do agronegócio a serem reproduzidos em sala de aula ao longo do ano letivo. Sem ressalvas, em 2006, disse claramente após sua palestra que:

É preciso educar a sociedade para que ela compreenda a importância da agricultura e das cadeias produtivas, de tal forma que ela pressione por políticas públicas que valorizem esta atividade. O Brasil é um país que está se caracterizando permanente e sistematicamente por uma mudança de perfil populacional, cada vez ele é mais urbano, cada vez mais gente tem que ser atraída para a beleza do agronegócio, portanto é um trabalho que não vai terminar. (ABAG/RP, nº 59, 2006, p. 3)

Para a entidade, os professores compreendem um grupo importante para a valorização da imagem do agronegócio e sua afirmação perante a sociedade, uma vez que o setor é alvo de preconceitos devido à opção pelo Estado, após a década de 1950, por um modelo urbano-industrial a partir da qual:

A agricultura foi relegada a uma atividade de segunda categoria, ridicularizada inclusive na literatura com a criação do personagem Jeca Tatu. Aquela imagem do agricultor desdentado, de chapéu de palha, ignorante e indolente foi absorvida pela academia, pela mídia e pelo Estado. (ABAG/RP, nº 72, 2007, p. 2)

A ausência da historicidade do desenvolvimento da agricultura capitalista no Brasil, que se fez sobre a tutela do Estado, confunde-se com a generalização de que a população urbana enxerga o homem do campo como o Jeca Tatu, personagem criado por Monteiro Lobato no início do século XX, para mostrar o trabalhador rural abandonado pelo Estado e sujeito às enfermidades e à miséria.

Como discurso da classe dominante, que busca ocultar a exploração do trabalhador e a natureza desigual do desenvolvimento da agricultura, o agronegócio transveste-se de Jeca e reclama do preconceito social para obter ainda mais recursos estatais, ao mesmo tempo em que conclama aos professores que “por favor não generalizem pela exceção”, como fez Rodrigues na palestra de lançamento do programa em 2004, referindo-se a ideias ultrapassadas, como a relação entre a imagem do produtor agrícola com a do Jeca Tatu; e a da incompatibilidade entre produção rural e preservação ambiental (ABAG/RP, nº 37, 2004, p. 2).

Para desmitificar esses preconceitos, uma vez que o objetivo do programa é “valorizar o agronegócio e revelar caminhos e oportunidades, sem interferir na relação aluno/professor e nem impor ideologias” (ABAG/RP, nº 48, 2005, p. 3), o primeiro argumento nas palestras é a negação das informações trazidas pelos livros didáticos e as informações distorcidas que estão vinculadas ao setor. Para a entidade, “os livros não têm conseguido acompanhar as mudanças ocorridas no Brasil e no mundo, e muitas vezes trazem informações distorcidas sobre as tendências desta nova geopolítica” (ABAG/RP, nº 102, 2010, p. 2).

Segundo a entidade, os livros didáticos não perceberam que o agronegócio traz uma nova realidade para o campo, baseada na sustentabilidade, na integração produtiva e na dependência que o sujeito urbano tem em relação ao agronegócio. Os livros estão sempre ultrapassados.

Em seguida, constrói-se o argumento acerca da necessidade do Agronegócio para resolver o problema da falta de alimentos no mundo, projetando o Brasil como potencial alimentador do mundo, sem destruir a natureza, tornando compatíveis agronegócio e sustentabilidade. Rodrigues explica aos professores:

A FAO apontou que com o crescimento da população e da renda nos próximos anos, será imensa a demanda por alimentos. Saltaremos dos atuais 6,8 bilhões para 9,1 bilhões de habitantes em 2050. Isso significa que teremos 50% a mais de gente, principalmente em áreas mais pobres do planeta, e uma demanda 70% maior por alimentos, já que nestes países quando a renda cresce aumenta o consumo de alimentos e energia. A FAO ao fazer uma análise prospectiva de quem suprirá essa demanda para o mundo imagina duas coisas: a primeira é que 80% desse crescimento virão do aumento da produtividade, via tecnologias modernas; e que os outros 20% virão de terras novas, particularmente pastos que se transformarão em áreas de cultivo alimentar, no Brasil em especial. (ABAG/RP, nº 102, 2010, p. 2)

A partir de dados estatísticos representados em gráficos e tabelas, Rodrigues procura demonstrar que há terras em potencial para o uso agricultável; que o índice de preservação de florestas primárias no Brasil é superior ao da Europa; e que a produção brasileira de grãos vem subindo a elevadas taxas percentuais, devido à aplicação de tecnologias no campo (ABAG/RP, nº 102, 2010). O que Rodrigues não explica é que o agronegócio não produz alimentos, mas sim commodities e que, na região de Ribeirão Preto, a fisionomia canavieira do agronegócio não permite que se vejam muitas árvores em meio à monotonia dos canaviais.

Entretanto, como o programa é apenas um dos componentes da estrutura de difusão ideológica da entidade, o princípio da valorização de si e da desqualificação do outro (BRUNO, 2009) é recorrente no interior das matérias relacionadas ao programa. Assim, qualquer modelo de desenvolvimento contrário ao agronegócio é atacado como retrógrado, prejudicial aos interesses do país ou ideológico.

Por exemplo, o mesmo informativo que apresentava o lançamento do programa “Agronegócio na Escola” (nº 3, 2001) trazia a opinião do então deputado federal Xico Graziano8 (PSDB-SP) sobre o custo elevado da reforma agrária, tornando-a desnecessária face às transformações no país e na agricultura. O Estatuto da Terra (1964), argumenta o deputado, referia-se a um Brasil de baixa produtividade e população rural, mas “hoje, a agricultura transformou-se num complexo produtivo, unindo campo e cidade, conhecido como agronegócio”. A resolução para os problemas nacionais, especialmente os do campo, não estaria mais na reforma agrária, mas no acesso à educação e no combate ao desemprego.

Em julho de 2001, a diretora da entidade, Mônika Bergamaschi, assinava o editorial com título “a reforma da reforma”, no qual defendia a necessidade de rediscutir o Estatuto da Terra, pois, após sua aprovação, “foram notáveis as mudanças e os avanços tecnológicos em todos os setores”, porém “decisões que podem afetar a competitividade, a geração de renda, empregos e divisas continuam sendo tomadas com base em leis ultrapassadas” (ABAG/RP, nº 08, 2001, p. 1).

Esse editorial acompanha a notícia da primeira palestra de lançamento do programa aos professores em 2001, na qual Rodrigues argumentou sobre a importância do setor para a geração de alimentos aos mais pobres, concluindo que:

para os ricos, 10% da humanidade, a comida tem pouca importância, porque se o preço do ovo ou do leite dobrar, não mexerá com o orçamento dele; mas para o pobre, significará a diferença entre a sobrevivência e a fome. (ABAG/RP, nº 08, 2001, p. 1)

O discurso do agronegócio ao mesmo tempo em que decreta o fim da reforma agrária, como política de redistribuição de terras, projeta-se como solução para o problema alimentar dos mais pobres.

Para tanto, quando é conveniente, os discursos contabilizam os números da agricultura familiar como sendo parte do agronegócio. Neste caso, não haveria mais separação entre a agricultura familiar e a comercial, as desigualdades são suprimidas pela simples diferença no tamanho da propriedade e o acesso à tecnologia. No Informativo AGROnegócio (nº 132, 2013), ao tratar da notícia de que a Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou o ano de 2014 como “Ano Mundial da Agricultura Familiar”, devido a sua importância para a segurança alimentar, a ABAG/RP explica que:

No Brasil a agricultura familiar tem 4,3 milhões de unidades produtivas, o que corresponde a 84,4% dos estabelecimentos agropecuários do país e emprega 74% da mão de obra do campo (IBGE).

Por esses números fica claro que não existe separação entre agricultura familiar e comercial. A produção e os empregos que a agricultura familiar gera entram nos números totais do agronegócio brasileiro, responsável pelo superávit da balança comercial, pelos 37% dos empregos formais, por 42% das exportações e, aproximadamente, 1/4 do PIB. (ABAG/RP, nº 132, 2013, p. 4)

O que esse discurso não pode revelar é que os 84,4% dos estabelecimentos ocupam apenas 24,3% da área destinada à agricultura, enquanto os estabelecimentos não familiares representavam 15,6% do total e ocupavam 75,7% da área de produção. Nesse sentido, ocultar a persistência dos latifúndios, da baixa geração de empregos nas grandes propriedades e suprimir as desigualdades no campo é o que garante a coerência ao discurso do agronegócio. Como afirma Chauí (2006, p. 33), “o discurso ideológico se sustenta, justamente, porque não pode dizer até o fim aquilo que pretende dizer. Se o disser, se preencher todas as lacunas se autodestrói como ideologia” (itálico da autora).

A ambição do programa está, portanto, na construção de uma visão única para o campo a partir das premissas afirmadas como incontestáveis pelo agronegócio. Este é o discurso que deve ser repetido e reproduzido em sala de aula, com a alegação de não objetivar convencimento ou qualquer vinculação ideológica. Além da palestra inaugural, ao longo do ano são realizadas oficinas de capacitação com os professores, para reforçar os valores do agronegócio e direcionar os trabalhos com os alunos, bem como a distribuição da cartilha “Agronegócio: sua vida depende dele” a todos os alunos participantes do programa.

Nessa cartilha escrita e ilustrada de forma didática, são explicados o descobrimento da agricultura pela mulher e a invenção da agricultura moderna em 1840 com as evoluções tecnológicas, como a invenção do motor à explosão, as técnicas de pasteurização e de mudanças genéticas. Logo, a evolução recente da agricultura brasileira é assim dada a conhecer na forma de quadrinhos.

“No Brasil, até os anos [19]50, a agricultura era de subsistência, onde quase tudo era produzido em pequena escala, suficiente para a sobrevivência da população” (há um quadrinho, com casa, o trabalhador com um rastelo na mão, galinhas, porcos, vacas, hortas). No quadrinho seguinte, completa “ou grandes propriedades que se concentravam na produção de determinadas culturas que caracterizavam os ciclos econômicos” (uma casa cercada por uma monocultura). “Nesta mesma época, o país começa a se industrializar. O homem do campo deixa a terra em busca de outras oportunidades” (figura de um homem montado a cavalo sonhando com a cidade) “e a agricultura, não tem outra opção, a não ser modernizar-se também. Entra no campo a tecnologia” (um homem em uma máquina atrás de outro montado em uma charrete) (ABAG/RP, [s. d.], p. 6-7).

A partir dessa explicação, a cartilha começa a mostrar a organização da agricultura em cadeias produtivas, destacando como as atividades “depois da porteira” foram modernizadas para atender ao consumidor urbano e aumentar a produção no campo.

Nesta história, não há mais referência à questão fundiária, ou seja, após 1950 há uma lacuna no discurso ideológico que não explica a persistência dos grandes latifúndios ou das monoculturas. Do mesmo modo que não faz referência à existência de produtores agrícolas que vivem em condição de miséria.

A cartilha continua sua explicação criticando alguns países europeus, asiáticos e os Estados Unidos, que optam por comprar os produtos in natura do Brasil, alegando que isso gera emprego em outros países ou ainda que estes receberiam subsídios governamentais. Contudo, mesmo assim, a cartilha afirma que o produto brasileiro é mais barato; por isso, os países citados inventariam desculpas para não comprá-los sob o argumento, por exemplo, de “que no Brasil crianças são obrigadas a trabalhar no campo, e que não respeitamos o meio ambiente” (no quadrinho há uma criança soltando pipa e um ônibus escolar trafegando pela estrada). Em seguida, a personagem que explica o que é o agronegócio afirma “não é verdade! O governo e a sociedade vêm combatendo o trabalho infantil em todos os setores!” e, no quadrinho seguinte, completa “e o produtor sabe que da preservação ambiental depende a continuação de suas atividades” (ABAG/RP, [s. d.], p. 17).

Na continuidade da história, os quadrinhos exaltam a preservação da vegetação, dos rios, do solo e da água. Para finalizar, a cartilha procura demonstrar que todos os produtos presentes no cotidiano têm origem agrícola e conclui: “Pense um pouco: no nosso dia a dia, o que será que não vem da agricultura ou não depende dela?”.

Com base nessa cartilha, os alunos são estimulados ao longo do ano a valorizarem os supostos aspectos positivos do agronegócio, por meio de concurso de frases, redações e desenhos. Anualmente, uma das edições do Informativo AGROnegócio publica as frases e desenhos vencedores, ou ainda peças de teatros, paródias e músicas compostas pelos alunos exaltando o agronegócio como o “salvador da pátria”, “motor do desenvolvimento econômico do país”, atividade geradora de empregos e riqueza, defensor do meio ambiente, futuro de prosperidade e, por tudo isso, motivo de orgulho para a região.

Na edição de 2009, a ABAG/RP explicava que os desenhos vencedores:

mostram que o conceito de cadeia produtiva foi absorvido, desde a pesquisa até o produto final. Cada um deles, à sua maneira, retrata isto. As frases revelam um entendimento ainda maior, pois abrangem também a questão econômica e a atenção com o meio ambiente dispensada pelos atores do setor. (ABAG/RP, nº 97, 2009, p. 2)

E concluía que o programa educacional da entidade sempre esteve focado:

na ampliação da consciência dos estudantes a respeito das atividades agroindustriais da região onde estão inseridos; sobre a necessidade da preservação ambiental; sobre o resgate dos valores de cidadania e sobre a consequente melhoria na qualidade de vida de toda a comunidade. (ABAG/RP, nº 97, 2009, p. 2)

Assim, a entidade vale-se das frases e desenhos elaborados pelos alunos ao longo do ano para legitimar o seu próprio discurso ideológico. O mesmo ocorre com os professores, que, após aprenderem para ensinar, são caracterizados como autoridades para defender os valores do agronegócio ou o programa educacional.

Em 2004, em uma oficina de capacitação, os professores organizados por diretorias de ensino foram convidados a resumir o programa em uma palavra. As palavras citadas pelos professores foram: revitalização, oportunidade, dinamismo, trabalho, consciência, crescimento, desenvolvimento sustentável, avanço, envolvimento, futuro, integração, compromisso, responsabilidade social, boa vontade, valorização, cooperativismo, tecnologia, meio ambiente, empregos, informação, parceria, libertação, agrofuturo (ABAG/RP, nº 45, 2004).

A inserção do programa educacional na campanha de valorização da imagem do agronegócio explicita a importância do espaço escolar para a difusão ideológica para a classe dominante. Entretanto, como reconhece a própria entidade, diferente das inserções publicitárias em rádio, redes de televisão e internet, o programa educacional apresenta um “caráter preventivo, de efeito mais demorado e duradouro, pois envolve a educação de jovens” (ABAG, 2011).

Embora a entidade considere que “a grande tarefa continua sendo a de mudar a imagem do setor rural e a do agronegócio perante a imensa maioria do eleitorado brasileiro, que vive nas cidades” (ABAG/RP, nº 107, 2010, p. 1), os resultados apresentados em uma recente pesquisa9 realizada pela ABAG/RP em parceria com a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e com o Instituto de Pesquisas (IPESO) mostraram alguns aspectos positivos para o setor, como, por exemplo, que 82,8% das pessoas já ouviram falar sobre o que é o agronegócio na região de Ribeirão Preto, sendo que 75,4% sabem associá-lo a alguma atividade. Este resultado está acima dos obtidos na pesquisa realizada nacionalmente, que apontou que 59,6% afirmaram ter ouvido falar sobre o agronegócio. Além disso, 76% dos respondentes na região afirmaram ter algum interesse pelo agronegócio, percentual superior aos 55,7% da pesquisa nacional.

Entretanto, a pesquisa mostrou que é grande o desinteresse dos jovens (população com idade entre 16 e 24 anos) pelo agronegócio. Deste público 71,6% afirmam ter pequeno ou nenhum interesse pelo agronegócio. Na avaliação dos pesquisadores:

Este elevado percentual de desinteresse demonstra que embora reconheça sua importância e influência, o público urbano não vê o agronegócio como uma presença direta em sua vida, sendo necessário uma maior aproximação desse público ao complexo agro-industrial, demonstrando quanto ele é atuante, mesmo para quem está longe do campo. (ESPM; ABAG/RP; IPESO 2013, p. 52)

Este resultado indica os limites das ações de valorização institucional para os mais jovens, incluindo o programa “Agronegócio na Escola” e que, possivelmente, novas ações serão direcionadas para o convencimento deste público, para as quais certamente o espaço escolar não será descartado.

Cabe salientar que, nos últimos anos, a entidade intensificou a campanha de valorização da imagem do agronegócio, visando eliminar os “pré-conceitos” relacionados ao setor, de modo que a palavra Agronegócio passa a ser difundida como sinônimo de AgroTrabalho, AgroSaúde, AgroVida, AgroEnergia e AgroFuturo.

A associação do agronegócio ao trabalho, à saúde, à vida, à energia e ao futuro procura criar no imaginário social novos símbolos e valores do campo brasileiro que se dissociem dos processos que estão nas raízes da formação econômica do país, da região e do desenvolvimento do capitalismo na agricultura.

Considerações Finais

A análise do Programa Agronegócio na Escola da ABAG/RP é apenas um dos exemplos que revelam a importância da educação escolar para a reprodução da ideologia dominante do agronegócio, pois carrega em si o caráter de saber universalmente válido e institucionalizado.

Além deste, há inúmeros outros projetos do agronegócio em andamento nas escolas do país, tais como o Projeto Agora da União das Indústrias Canavieira (UNICA); o projeto Escola Viva da Confederação Nacional da Agricultura (CNA); o projeto Escola no Campo, desenvolvido pela transnacional Syngenta; o programa Comunidade Educativa, vinculado à Fundação Bunge.

Em todos eles há a premissa de que a consolidação de uma sociedade urbana no Brasil e o “conhecimento” ou o desconhecimento de professores e jovens sobre a realidade de um campo que não existe mais, reproduzida especialmente pelos livros didáticos, precisa ser desconstruída e transformada de modo a destacar a eficiência, a produtividade, a sustentabilidade e a geração de emprego e renda da produção capitalista.

Para tanto, o agronegócio procura internalizar na consciência dos sujeitos desde a infância a sua importância para a sociedade, garantindo a reprodução das relações de produção e, consequentemente, assegurando o apoio (presente e futuro) da sociedade para as reivindicações por políticas estatais direcionadas e em benefício exclusivo do setor.

1Esta compreensão está alicerçada nos seguintes autores: Marx e Engels (2007); Lênin (1978); Althusser (2008).

2Em 2013, a ABAG contabilizava 65 empresas e organizações mantenedoras. Disponível em: <http://www.abag.com.br/index.php?mpg=01.04.00>. Acesso em: 20 abr. 2013.

3Kátia Abreu é empresária e pecuarista no estado de Tocantins. Ocupou os cargos de Deputada Federal entre 2000 e 2006. Atualmente, é senadora e presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), uma das principais entidades patronais do país. A partir de 2015, assumiu a frente do Ministério da Agricultura.

4Há no Brasil pelo menos 06 canais de televisão destinados ao agronegócio: Agro Canal; Canal do Boi; Canal Rural; Novo Canal; Terra Viva e AgroBrasilTV.

5De acordo com a entidade, anualmente, estão sendo veiculadas mais de duas mil inserções, entre vinhetas de patrocínio e filmes institucionais (ABAG/RP, 2013b).

6O informativo é uma publicação oficial da ABAG/RP destinado a públicos diversos, distribuído inclusive em escolas públicas. Todas as edições consultadas foram obtidas na página oficial da entidade <http://www.abagrp.org.br/informativos.php>.

8Engenheiro agrônomo (ESALQ/USP, 1974), Mestre em Economia Agrária (USP, 1977), Doutor em Administração (FGV/SP, 1989). Ocupou vários cargos públicos, destacando-se os de Secretário Estadual do Meio Ambiente (2007-2010), Deputado Federal pelo PSDB/SP (1998-2006), Secretário Estadual de Agricultura (1996-98), Presidente do Incra (1995) e Chefe do Gabinete Pessoal do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995). É considerado um dos principais ideólogos do agronegócio, com diversas publicações de livros e artigos sobre o campo brasileiro.

9A pesquisa foi realizada entre 12 de dezembro de 2012 e 15 de janeiro de 2013, com amostra proporcional de 296 pessoas entre 16 e 60 anos, nas cidades de Ribeirão Preto, Franca, Araraquara e São Carlos (ESPM; ABAG/RP; IPESO, 2013).

7A entidade não informou o número de professores participantes no ano de 2013.

Referências

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Recebido: 22 de Junho de 2017; Aceito: 06 de Junho de 2018

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