SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.36 número4Escrita na prisão: linhas de invenção e resistência índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Perspectiva

versão impressa ISSN 0102-5473versão On-line ISSN 2175-795X

Perspectiva vol.36 no.4 Florianopolis out./dez 2018  Epub 30-Jul-2019

https://doi.org/10.5007/2175-795x.2018v36n4p1419 

Artigos de Demanda Contínua

O domínio dos tipos textuais no Ensino Básico em Portugal: relato de uma experiência pedagógica

Mastering textual types in Basic Education in Portugal: report of a pedagogical experience

La maitrise des types textuels dans l’école élémentaire au Portugal: rapport d'une expérience pédagogique

1Universidade do Minho, UMinho, Portugal

2Universidade do Minho, UMinho, Portugal


Resumo

O presente estudo resultou da investigação e da prática pedagógica no quadro de um Mestrado em Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico e de Português e História e Geografia de Portugal no 2.º Ciclo do Ensino Básico1 1, desenvolvido na Universidade do Minho e em escolas cooperantes.Visa descrever e refletir sobre atividades e estratégias promotoras do conhecimento acerca da composicionalidade dos textos, em rigor sobre o que define e distingue diferentes tipos textuais; no quadro destes, é dedicada especial atenção ao género de divulgação científica mediática, especialmente por contraste com outros géneros.É importante que os alunos desenvolvam estratégias para a compreensão de textos e aumentem o domínio das regras de construção de diferentes tipos de texto, uma vez que estes mostram ter dificuldades, quer na receção/compreensão, quer na produção/estruturação de textos. Para o efeito, este estudo reconhece e fundamenta-se no relevo do conhecimento linguístico, ao nível macrotextual, para a promoção das competências de leitura e escrita. E não ignora que, na formação dos futuros docentes, o conhecimento da composicionalidade textual não pode ser negligenciado.

Palavras-chave:  Texto; tipologia textual; discurso de divulgação científica mediática

Abstract

This study is the result of research and pedagogical practice in the framework of a Master’s in Teaching of the 1st Cycle of Basic Education and of Teaching Portuguese and History and Geography of Portugal in the 2nd Cycle of Basic Education, developed in the University of Minho and in cooperating schools. It aims at describing and discussing activities and strategies that promote knowledge about the compositionality of texts and about what defines and distinguishes different textual types; in the context of these, special attention was given to the genre of dissemination of science in the media, especially in contrast to other genres. It is important for students to develop strategies for understanding texts and to increase the mastery of the rules of construction of different types of text, as they show difficulties in receiving/understanding and in producing/structuring texts. To this end, this study recognizes and is based on the importance of linguistic knowledge, at the macro-textual level, for the promotion of reading and writing skills. It also underlines that in the training of future teachers, the knowledge of textual compositionality cannot be neglected.

Keywords:  Text; text typology; media science dissemination text

Résumé

La présente étude est le résultat de recherches et de pratiques pédagogiques dans le cadre d'un Master en enseignement du 1er Cycle de l'Education de Base et du Portugais et de l'Histoire et la Géographie du Portugal dans le 2ème Cycle de l'Education de Base développé à l'Université de Minho et dans des écoles coopérantes. Elle vise à décrire et à réfléchir sur les activités et les stratégies de promotion des connaissances de la compositionnalité des textes, sur ce qui définit et distingue les différentes typologies textuelles. Dans ce contexte, une attention particulière a été accordée au genre de diffusion de la science dans les médias, spécialement par contraposition face à d’autres genres. Il est important que les élèves développent des stratégies pour comprendre les textes et pour augmenter la maîtrise des règles de construction des différents types de textes, car ils montrent des difficultés à recevoir / comprendre et à produire / structurer des textes. À cette fin, cette étude reconnaît et s'appuie sur l'importance des connaissances linguistiques, au niveau macrotextuel, pour la promotion des compétences en lecture et en écriture. Et il n'ignore pas que, dans la formation des futurs enseignants, la connaissance de la compositionnalité textuelle ne peut pas être négligée.

Mots-clés:  Texte; typologie textuelle; texte de de diffusion de la science dans les médias

1. Introdução

No Ensino Básico, a articulação entre o desenvolvimento de competências de oralidade e as de leitura e escrita assume um papel de grande relevo. Por isso, é comum identificar-se, desde os primeiros anos de escolaridade, uma ligação forte entre a exploração do vocabulário dominado pelos alunos, assim como o seu alargamento progressivo, e a (des)codificação das primeiras palavras (ou seja, a leitura e a escrita iniciais). Contudo, há que considerar que, como Bakhin[e] (2006) há muito assinalou, não falamos (ou lemos, ou escrevemos) usando palavras ou frases isoladas, mas enunciados (ou textos/discursos). Neste quadro, como o autor também assinala, dominar o modo de organização dos diferentes tipos de texto e os seus fundamentos teóricos auxilia a tarefa de interpretar de forma adequada e eficaz os textos que constantemente ouvimos e lemos (SILVA, 2012).

Esta ideia ganha relevo em função das avaliações institucionais, que assinalam haver dificuldades por parte dos alunos, quer na compreensão, quer na elaboração/estruturação de textos (IAVE, 2013; 2015; 2017). Importa, portanto, pensar sobre o papel que pode/deve assumir o ensino da leitura e escrita de textos no Ensino Básico e refletir e assinalar as diferenças entre os conceitos de classificação textual e de tipologia textual, assim como as suas implicações no ensino.

Neste quadro, o Programa e Metas Curriculares de Português para o Ensino Básico (BUESCU et al., 2015) insiste no estudo de “textos diversos” (expressão que ocorre no documento dezenas de vezes); determina, nomeadamente, que, no 1.º ano de escolaridade, sejam estudados textos narrativos, informativos e descritivos; e que, no 6.º ano, sejam abordados textos do tipo narrativo, descritivo e expositivo.

É sobre a questão do domínio da tipologia e dos géneros textuais desde os primeiros anos de escolaridade que que o presente estudo se debruça, assumindo o objetivo de apresentar e discutir uma experiência pedagógica realizada no 1.º e no 6.º anos de escolaridade. Nesta, são selecionados textos expositivos, e comparadas as suas caraterísticas e funcionamento face a textos narrativos e instrucionais (num caso) e face a textos narrativos (no outro caso).

2. Quadro teórico geral

2.1. Tipologia textual

Classificar textos “requer uma metodologia que torne a classificação simultaneamente coerente, exaustiva, adequada e, por isso mesmo, útil” (SILVA, 2012, p. 33). Neste quadro, importa assinalar as diferenças entre os conceitos de classificação textual e de tipologia textual.Silva (2012) esclarece que uma classificação textual pode fundamentar-se em um ou mais critérios, de acordo com os objetivos em causa, e que as classes estabelecidas constituem um conjunto aberto, sempre disponível a incluir novas classes, em função de novos critérios.

Quanto à tipologia textual, o autor afirma que esta será construída com base em um único critério, aplicável a todos os textos (tanto os que já foram produzidos, como os que surgirão no futuro) e permitindo uma adequada diferenciação entre os vários tipos. Os tipos que a tipologia compreende constituem um conjunto fechado.

Deste modo, todas as tipologias textuais são classificações textuais, mas o inverso não se verifica, assim como todos os tipos são classes, mas nem todas as classes são tipos (idem, ibidem).

Werlich (1975, apudSILVA, 2012), na sua proposta de classificação de tipos textuais, fundamenta-se nos mecanismos cognitivos envolvidos na produção textual, assim como na seleção e na organização típica dos conteúdos. Aquele autor distinguiu cinco tipos de textos diferentes: narrativos, descritivos, argumentativos, expositivos e instrucionais. A cada tipo de texto associou um mecanismo cognitivo dominante:

  • os textos narrativos associam-se à perceção dos acontecimentos no tempo;

  • os textos descritivos associam-se à perceção das entidades no espaço;

  • os textos argumentativos associam-se à avaliação e tomada de posição;

  • os textos expositivos associam-se à análise e síntese de representações;

  • os textos instrucionais à previsão de comportamentos futuros.

Contudo, de uma forma geral, os textos não são blocos monolíticos e uniformes, antes se caracterizam por heterogeneidade composicional; em face disso, J.-M. Adam (1992) propõe uma teorização da organização dos textos baseada na noção de sequência. Para este autor, as sequências prototípicas são unidades que possuem autonomia sintática no nível da linearidade do texto e este é o produto da combinação de diferentes tipos de sequências. J.-M. Adam define as sequências como

unidades textuais complexas compostas de um número limitado de conjuntos de proposições-enunciados: as macroposições. A macroposição é uma espécie de período cuja propriedade principal é a de ser uma unidade ligada a outras macroposições, ocupando posições precisas dentro do todo ordenado da sequência. Cada macroposição adquire seu sentido em relação às outras, na unidade hierárquica complexa da sequência. Nesse aspeto, uma sequência é uma estrutura (2011, p. 205).

Para Adam, a sequência é uma estrutura porque é uma “rede hierárquica” e uma “entidade relativamente autônoma, dotada de uma organização interna que lhe é própria, e, portanto, em relação de dependência-independência com o conjunto mais amplo do qual faz parte (o texto)” (idem, ibidem). O autor distingue cinco tipos de sequências: narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal (idem, 1992). Um texto pode conter uma, várias ou todas a sequências ao mesmo tempo, formando a heterogeneidade que carateriza, de uma forma geral, os textos. Para Adam, as sequências são modelos pré-textuais, com a potencialidade de facilitarem a receção/interpretação e a produção de textos.

De entre os tipos textuais que podem ser caraterizados com base nas propostas articuladas de Werlich e de Adam, interessa, para os propósitos do presente estudo, recortar três: o texto narrativo, o texto instrucional e o texto expositivo. Estas designações remetem igualmente para o “Dicionário Terminológico”, um instrumento do Ministério da Educação e Ciência de Portugal que regula a metalinguagem que deve ser utilizada no ensino básico e nacional. Seguem-se as caraterizações sumárias destes três tipos textuais.

2.1.1. Texto narrativo

Silva, retomando as ideias de Werlich (1975), acima já evocadas, define os textos de tipo narrativo como aqueles “a que subjaz o mecanismo cognitivo de perceção dos acontecimentos no tempo” (2015, p. 16); além disso, assinala como relevantes as relações de causalidade que se estabelecem entre estes acontecimentos, protagonizados por entidades que sofrem uma evolução ao longo da diegese; e há a assinalar a existência de uma moralidade final, explícita ou implícita. Do ponto de vista da materialidade linguística, os textos narrativos apresentam tipicamente adverbiais temporais e inscrevem os estados de coisas (dominantemente eventos) no passado através do uso de formas verbais no pretérito perfeito simples.

Retomando as ideias de Adam (2011), Silva (2015), apresenta uma descrição da sequência narrativa que se concilia com a que é apresentada acima:

um segmento de texto que evidencia um conjunto específico de fases (ou proposições) e, por isso, uma estruturação expectável dos conteúdos já mencionados a propósito dos textos de tipo narrativo (denotação de eventos que se sucedem cronologicamente, etc.); é parte integrante de uma classificação fechada, na qual se opõe às classes sequência descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal, e que se aplica a qualquer texto de qualquer tipo de discurso, e não apenas a textos literários (2015, p. 16).

2.1.2. Texto instrucional

De acordo com Silva, “os textos instrucionais são de natureza factual e têm objetivo prático, que consiste em auxiliar o alocutário a concretizar uma tarefa, a realizar algo” (2012, p. 117). Este tipo de texto contém instruções que indicam, através de enumerações, os passos a seguir, de modo a obter o resultado esperado. As formas verbais utilizadas (presente do indicativo com sujeito indeterminado, presente do conjuntivo, infinitivo não flexionado ou imperativo) têm valor ilocutório diretivo. Ocorrem, ainda, frequentemente, adverbiais temporais e marcadores discursivos com o intuito de assinalar a ordenação cronológica das eventualidades denotadas (idem, ibidem).

Segundo o mesmo autor, existe uma semelhança entre os textos instrucionais e os textos preditivos, que constam de uma proposta de Adam (1985) anterior à tipologia que adotou desde 1992. Essa semelhança radica na orientação prospetiva que ambos adotam, visto que ambos apontam para eventualidades que terão lugar num momento posterior ao da enunciação.

2.1.3. Texto expositivo

Relativamente aos textos do tipo expositivo/explicativo, Silva (2006) afirma que o ato de explicar decorre da posição assimétrica entre o locutor e o alocutário, relativamente aos conhecimentos que ambos detêm sobre os conteúdos que são objeto de explicação. Segundo o autor, “a sequência explicativa é suscitada por uma dúvida ou pelo desconhecimento que um dos sujeitos revela acerca de uma dada questão” e “a explicação proposta visa modificar o sistema de representações do alocutário” (2006, p. 12). Contudo, este tipo sequencial pode surgir mesmo que o alocutário não tenha apresentado ignorância perante um determinado assunto nem tenha solicitado qualquer explicação (idem, ibidem). Ainda de acordo com Silva, “os textos de natureza didática e científica estão entre os que integram mais frequentemente sequências do tipo explicativo” (idem, p. 2).

Segundo Adam (2011), as sequências explicativas são constituídas por três macroposições:

  • Esquematização inicial/Problema (questão) – (porquê?);

  • Explicação (resposta) – (porque)

  • Ratificação/avaliação

Esta sequência é constituída por três momentos: o primeiro momento corresponde ao questionamento (porquê?), onde é explicitada uma dúvida; o segundo momento corresponde à explicação/resposta (porque) à questão suscitada no momento anterior; no terceiro momento, é expressada uma afirmação ou um juízo de valor em função da resposta dada no segundo momento (idem, ibidem).

2.2. O estudo das tipologias textuais no Ensino Básico

O estudo das tipologias textuais no Ensino Básico exige o conhecimento dos documentos orientadores, para que sejam cumpridos todos os descritores de desempenho prescritos para cada ano de escolaridade. Neste sentido, importa analisar o que as Metas Curriculares de Português do Ensino Básico indicam como descritores de desempenho ao nível do 1.º ano do 1.º Ciclo do Ensino Básico (CEB) e do domínio da leitura e da escrita: “desenvolver a consciência fonológica e operar com fonemas”; “conhecer o alfabeto e os grafemas”; “ler em voz alta palavras, pseudopalavras e textos”; “ler textos diversos”; “apropriar-se de novos vocábulos”; “organizar a informação de um texto lido”; “relacionar com o texto conhecimentos anteriores”; “monitorizar a compreensão”; “desenvolver o conhecimento da ortografia”; “mobilizar o conhecimento da pontuação” e “transcrever e escrever textos” (BUESCU et al., 2015, p. 44-46).

A Gramática, ou o funcionamento da língua, é, também, um dos domínios da disciplina de Português considerados no Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico. Conforme este documento, ao nível do 1.º CEB, “pretende-se que o aluno se aperceba das regularidades da língua e que, progressivamente, domine regras e processos gramaticais, usando-os adequadamente nas diversas situações da Oralidade, da Leitura e da Escrita” (idem, ibidem, p. 8). Neste domínio, surgem como descritores de desempenho: “descobrir regularidades no funcionamento da língua” e “compreender formas de organização do léxico” (idem, ibidem, p. 47).

No que diz respeito ao 2.º CEB, o documento Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico assegura que “um dos objetivos é o da progressão do trabalho, pela leitura e pela escrita de textos mais ricos e complexos” (idem, ibidem, p. 19). Neste ciclo, ao nível do 6.º ano e do domínio da leitura e da escrita, surgem os seguintes descritores de desempenho: “ler em voz alta palavras e textos”; “ler textos diversos”; “compreender o sentido dos textos”; “fazer inferências a partir da informação prévia ou contida no texto”; “organizar a informação contida no texto”; “avaliar criticamente textos”; “planificar a escrita de textos”; “redigir corretamente”; “escrever textos narrativos”; “escrever textos expositivos/informativos”; “escrever textos de opinião”; “escrever textos diversos” e “rever textos escritos”.

No domínio da gramática, no 2.º CEB, o documento Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico prevê que os alunos “dominem o essencial dos termos gramaticais adequados a este nível de ensino”, possuam “um conhecimento reflexivo e explícito das regras gerais da língua e das suas ocorrências mais frequentes, e apliquem esse conhecimento fazendo bom uso do português nas diversas situações de oralidade, de leitura e de escrita, de forma contextualizada e crítica” (idem, ibidem, p. 20). Neste quadro, ao nível do 6.º ano e do domínio da gramática, surgem os seguintes descritores de desempenho: “explicitar aspetos fundamentais da morfologia e da lexicologia”; “conhecer classes de palavras” e “analisar e estruturar unidades sintáticas” (idem, ibidem, p. 73).

Em ambos os casos, parece haver um entendimento de que as questões da organização textual/discursiva se configuram como questões de leitura e escrita (sobretudo ao nível da compreensão dos textos) e não questões de “gramática”, neles entendida como a gramática da palavra e da frase, mas não do texto/discurso.

2.3. Virtualidades do estudo de textos de divulgação científica no contexto escolar

Como foi anunciado acima, o presente estudo não apresenta e discute estratégias e possibilidades de exploração de todos os tipos textuais, mas seleciona como o seu foco as potencialidades didáticas do tipo expositivo, particularmente concretizado no género de divulgação científica. A abordagem é feita por contraste com as caraterísticas e o funcionamento de outros tipos textuais (narrativo e instrucional).

No que respeita ao estudo de textos expositivos na escola, os de divulgação científica apresentam virtualidades a assinalar. Em particular, e talvez paradoxalmente, se se tratar de textos destinados a crianças e jovens, mas que não tenham sido produzidos originariamente para o contexto escolar, antes encontrem nos media o seu suporte físico. Em virtude das suas condições de leitura típica, que os obrigam a recorrer a estratégias fortes de captação do interesse do leitor, estes textos constituem recursos interessantes e apresentam configurações composicionais que o professor deve considerar.

De acordo com Neves e Massarani (2008),

experiências educacionais vêm demonstrado que o público infantil tem grande capacidade de lidar com temas da ciência. No entanto, (…) essa capacidade não tem sido explorada em sua plenitude, especialmente em um espaço fora da educação escolar. (…) A divulgação científica bem feita pode ser um instrumento útil para a consolidação de uma cultura científica na sociedade. (…) Enquanto a divulgação científica formal tem encontrado fóruns importantes de discussão, são reduzidos os espaços para discutir a divulgação científica (…) [para o público infantojuvenil] (p. 8).

De acordo com Charaudeau (2008), a divulgação científica mediática estabelece e cumpre um contrato de comunicação que prevê um conjunto de restrições:

    a. restrição de visibilidade, que incide sob as seleções temáticas da imprensa, levando a que sejam escolhidos temas com reconhecimento e repercussão social;

    b. restrição de legibilidade, que exige simplicidade ao nível discursivo e apoio iconográfico eficaz;

    c. restrição de seriedade, associada à autoridade e à credibilidade de que o enunciador é algo previamente e/ou que constrói no seu discurso;

    d. restrição de emocionalidade, manifestada nos recursos capazes de emocionar, chocar, surpreender ou, de alguma forma, envolver afetivamente o leitor (p. 137).

Todas estas restrições são enfatizadas quando o destinatário é o público infantojuvenil, principalmente as restrições de seriedade e de emocionalidade, que se evidenciam como uma aparente contradição pelo facto de se conjugarem simultaneamente (GIERING, 2009, 2012; RAMOS, MARQUES e DUARTE, 2015). Conforme Giering (2008), o leitor encontra-se numa fase inicial do processo de aprendizagem, onde “as temáticas ligadas ao domínio das ciências são de antemão alheias aos interesses imediatos dos leitores infantis” (p. 186). A autora afirma que é necessário emocionar e sensibilizar o leitor para os temas de teor científico, a fim de causar curiosidade para ler os textos e interesse pela leitura (idem, 2012). Isto vem corroborar a necessidade de os textos de divulgação científica mediática para crianças e jovens se caracterizarem pela capacidade de informar (fazer-saber), competencializar (fazer-compreender) e captar (fazer-sentir) (SOUZA e GIERING, 2008; GIERING, 2009, 2014; GIERING e SOUZA, 2013).

3. Metodologia

O presente estudo foi realizado numa escola básica do concelho de Braga, Portugal, em duas turmas do Ensino Básico, em dois semestres distintos: num primeiro momento, numa turma do 1.º ano de escolaridade, composta por vinte e um alunos e, num segundo momento, numa turma do 6.º ano de escolaridade, constituída por vinte e cinco alunos. Todos os alunos provêm de meios socioeconómicos relativamente favorecidos.

3.1. Primeira intervenção

Na intervenção no 1.º ano de escolaridade, o objetivo adotado foi o de realizar uma sensibilização precoce (dominantemente oral) para os diferentes tipos de textos, a partir de algumas das suas propriedades elementares, e associar esse trabalho à aprendizagem da leitura e da escrita, numa fase em que os alunos ainda aprendem as correspondências grafema-fonema e a noção de texto se encontra em fase incipiente de desenvolvimento. Tendo em conta que o principal objetivo do ensino da leitura é compreender textos e construir significados a partir de um texto escrito, foram estudados os tipos de texto narrativo, instrucional e expositivo, com o objetivo de sensibilizar os alunos para as diferentes formas de organização dos textos/discursos. O tipo de texto instrucional, embora não conste como conteúdo de aprendizagem no Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico, foi incluído no estudo, uma vez que auxilia os alunos na compreensão do que define e distingue os tipos de texto, na medida em que permite perceber a força que um texto escrito, sob determinada estruturação, exerce no dia a dia das pessoas.

Neste sentido, as atividades deste projeto foram planeadas e organizadas em cinco sessões de intervenção, durante os meses de janeiro e fevereiro.

Numa primeira fase, na fase diagnóstica, foi possível encontrar um tema que fosse do interesse do grupo turma. Através das observações feitas no mês de outubro, nas aulas de Estudo do Meio, sobre os gostos e preferências, verificou-se qual o animal preferido dos alunos. Na produção de um desenho foi observável que a maioria tinha como brincadeira favorita brincar com o cão e como animal favorito também o cão. Assim, deliberou-se trabalhar as tipologias textuais, tendo por base o tema o cão.

Na tabela 1, apresentam-se descrições sumárias das sessões de intervenção.

Tabela 1 Quadro geral de atividades 1.º Ciclo 

Sessão Atividades Objetivos
1.ª sessão
(60 minutos)
Texto narrativo: exploração da obra literária Tenho em casa de um cãozinho, de José Jorge Letria. Realizar uma sensibilização precoce (dominantemente oral) para o texto do tipo narrativo.
2.ª sessão
(120 minutos)
Texto narrativo: continuação do estudo da obra Tenho em casa um cãozinho, de José Jorge Letria. Aliar a sensibilização do tipo de texto narrativo à aprendizagem da leitura e da escrita; desenvolver a noção de texto.
3.ª sessão
(120 minutos)
Sensibilização para os cuidados a ter com os animais;
Texto instrucional: elaboração de uma receita.
Reconhecer alguns cuidados e ter com os animais; Explorar um texto do tipo instrucional.
4.ª sessão
(180 minutos)
Texto expositivo: O cão Abordar um texto expositivo de divulgação científica, de modo a sensibilizar para as diferentes formas de organização dos textos/discursos.
5.ª sessão
(60 minutos)
Jogo metacognitivo: Jogo do conhecimento Colocar em prática os conhecimentos adquiridos.

Tabela 1: Quadro geral de atividades – 1.º Ciclo

Na primeira sessão, pretendeu-se iniciar o tema em estudo a partir do desenvolvimento de algumas atividades relacionadas com a exploração de narrativas. O texto escolhido foi a narrativa em verso Tenho em casa um cãozinho, de José Jorge Letria (Clube do Autor, 2015). Esta narrativa versificada não era totalmente desconhecida do grupo turma pois, previamente, foram distribuídas partes da obra aos alunos, para que, com ajuda dos pais, memorizassem alguns versos. Posteriormente, foram gravados, declamados pelos alunos, os versos memorizados sem que os alunos se apercebessem do conteúdo total da narrativa e da finalidade da gravação. Construiu-se um vídeo usando as ilustrações e as vozes, tornando os alunos os narradores da história. Desta forma, a sessão foi estruturada em torno de cinco focos primordiais: a pré-leitura (envolvendo-se, aqui, algumas questões para antecipar conteúdos com base nas ilustrações e no título da obra); a leitura (associando-se a expressão de sentimentos e emoções, por parte dos alunos, provocados pela audição de textos); a pós-leitura (através do reconto do texto escutado); a sensibilização ao modelo de organização narrativo (através de um cartaz explicativo) e, por fim, a ilustração de um texto narrativo imaginado (em banda desenhada).

A segunda sessão deu seguimento à sessão anterior relativa ao texto do tipo narrativo. Nesta, foi fundamental consolidar os conhecimentos da estrutura do tipo de texto em análise e identificar, na obra literária em estudo, algumas características identificativas: os elementos fundamentais da história (a sequencialidade e as relações de causalidade que formam a narrativa); identificar o espaço; o tempo; as personagens; o narrador e a análise de características formais do texto, ao nível microtextual – versos, rimas, ritmo.

Na terceira sessão deu-se continuidade ao assunto da sessão anterior relativo à mensagem que foi transmitida através da leitura da obra. Na primeira parte da aula, recebeu-se uma veterinária para conversar com os alunos acerca de assuntos importantes do quotidiano, relativos ao tratamento dos animais. Na segunda parte da aula, iniciou-se a análise de um novo tipo de texto – o texto instrucional. Para abordar este tipo de texto, elaborou-se uma receita de biscoitos para cão e gato, de modo a que os alunos, com ajuda da professora, identificassem os traços característicos do texto: aspeto instrutivo; linguagem clara, direta e objetiva; apresenta os ingredientes e, sequencialmente, os procedimentos a serem adotados na realização dos biscoitos; é uma sequência de passos; possui título; a receita é, frequentemente, organizada em duas partes – a dos ingredientes e a do modo de fazer.

Na quarta sessão de intervenção, foi estudado outro tipo de texto: o texto expositivo. Através de recursos didáticos (visualização de um documentário), pretendeu-se sensibilizar os alunos para as características de um texto expositivo: é uma produção textual que aborda algum conceito ou teoria, com base no conhecimento científico através de linguagem objetiva, rigorosa e/ou científica; é específico; tem como objetivo aprofundar algum tema e tem uma função informativa/instrutiva. A par disto, foi feita uma abordagem simples sobre a divulgação científica mediática e sobre a hiperestrutura (ADAM e LUGRIN, 2000; SOUZA, 2009, 2013; GIERING, 2012) com recurso a um exemplar da revista infantojuvenil MegaPower, de modo a que os alunos compreendessem a relação entre a imagem e o texto escrito. No seguimento, elaborou-se um cartaz expositivo, apresentado a toda a comunidade educativa, onde se destacou a relação imagem/texto e se mostraram conhecimentos científicos acerca do animal cão.

Na quinta e última sessão de intervenção, realizou-se um jogo para a consolidação de conhecimentos abordados nas sessões anteriores, como substituição de uma ficha metacognitiva.

3.2. Segunda intervenção

No 6.º ano de escolaridade, o principal objetivo foi o de sistematizar o conhecimento dos alunos em relação à estrutura de dois tipos de textos – narrativo e expositivo – através de práticas de leitura e de escrita.

Neste quadro, foram planeadas atividades para sete sessões de intervenção, de 90 e de 45 minutos, durante os meses de março e junho. Na tabela 2, apresentam-se descrições sumárias das sessões de intervenção.

Tabela 2 Quadro geral de atividades – 2.º Ciclo 

Sessão Atividades Objetivos
1.ª sessão
(90 minutos)
Teste diagnóstico. Investigar os conhecimentos e as competências dos alunos sobre a compreensão e construção de tipos de textos diferentes.
2.ª sessão
(90 minutos)
Texto narrativo – exploração da obra literária O homem que tinha uma árvore na cabeça, de José Jorge Letria. Fazer inferências a partir da informação prévia; ler textos literários; relacionar partes do texto narrativo com a sua estrutura global; fazer inferências a partir da informação contida no texto; responder a questões de identificação e de manipulação da informação explícita, ou de conhecimento do mundo, ou ainda questões de opinião.
3.ª sessão
(90 minutos)
Texto narrativo – interpretação da obra literária O homem que tinha uma árvore na cabeça. Relacionar a estrutura do texto com o seu conteúdo; fazer apreciações críticas sobre o texto lido; interpretar textos do tipo narrativo; responder, de forma completa, a questões sobre o texto; relacionar partes do texto narrativo com a sua estrutura global.
4.ª sessão
(90 minutos)
Texto narrativo – construção da narrativa O homem que tinha uma árvore na cabeça em banda desenhada. Relacionar a estrutura característica de um texto narrativo com a sequência de vinhetas de uma banda desenhada; reconhecer que a narrativa pode concretizar-se em suportes expressivos diversos, verbal, icónico ou verbo-icónicas; relacionar partes do texto narrativo com a sua estrutura global.
5.ª sessão
(90 minutos)
Texto expositivo/informativo – Exploração de um texto expositivo/informativo: O que faz o nariz pingar? Mobilizar o conhecimento prévio sobre o tema e antecipar conteúdos; desenvolver estratégias de antecipação com base no título do texto; ler um texto expositivo/informativo; identificar e organizar visualmente informação determinante; analisar a estrutura global do texto; analisar a estrutura hipertextual.
6.ª sessão
(45 minutos)
Texto narrativo/Texto expositivo – comparar textos e referir as diferenças. Comparar textos e referir semelhanças e diferenças.
7.ª sessão
(90 minutos)
Texto narrativo – escrita coletiva de um texto narrativo. Planificar a escrita de textos; escrever textos narrativos; redigir corretamente; rever textos escritos.
8.ª sessão
(90 minutos)
Texto expositivo – escrita de um texto expositivo: hipertexto. Planificar a escrita de textos; escrever textos expositivos; redigir corretamente; rever textos escritos.
9.ª sessão
(45 minutos)
Ficha Metacognitiva. Avaliar os conhecimentos adquiridos.

Na primeira sessão de intervenção, foi realizado um teste diagnóstico com o objetivo de averiguar os conhecimentos e as competências dos alunos sobre a compreensão e construção de diferentes tipos de texto.

A segunda e a terceira sessões de intervenção incidiram sobre o tema “Texto Narrativo – Exploração da obra literária O homem que tinha uma árvore na cabeça, de José Jorge Letria (Porto Editora, 2007)”. Para o estudo desta narrativa foi elaborado um Guião de Leitura Orientada. Neste guião, os alunos tinham de responder aos tópicos de Pré-leitura, Orientações de leitura e Pós-leitura. Nas questões de compreensão, para além de dar ênfase à metáfora (que é essencial neste texto), à caracterização das personagens e do espaço, foram abordados a estrutura cronológica e o encadeamento das ações na linha do tempo, para conceder relevo às características do tipo narrativo.

A quarta sessão de intervenção resultou na construção da narrativa O homem que tinha uma árvore na cabeça em banda desenhada, para relacionar a estrutura característica de um texto narrativo com a sequência de vinhetas de uma banda desenhada. Em grupo, os alunos construíram, usando diversos materiais, uma banda desenhada, que foi exposta na biblioteca da escola.

Na quinta sessão foi abordado o tipo textual expositivo/informativo através da exploração do texto O que faz o nariz pingar?, que apresenta uma estrutura hipertextual. Para esta sessão foi preparado um guião de leitura orientada onde os alunos tiveram de responder a questões de pré-leitura, orientações de leitura e questões de pós-leitura. Na leitura deste texto a questão que se colocava era por onde começar a ler o texto?, com o objetivo de mostrar aos alunos que estes textos não têm necessariamente uma e uma só ordem de leitura obrigatória. Nesta sessão foram ainda abordados os conceitos de divulgação científica, texto expositivo e hipertexto, elaborando uma síntese sobre as características de cada um.

Na sexta sessão de intervenção a atividade que se desenvolveu teve como objetivo comparar os dois tipos de textos estudados nas aulas anteriores, tendo os alunos de identificar as características que permitem inscrever cada texto na tipologia respetiva.

A sétima sessão incidiu na escrita coletiva de um texto narrativo. Nesta sessão, os alunos recordaram as fases do ciclo de escrita – planificação, escrita/redação e revisão. Antes de começarem a planificar a escrita do texto, os alunos leram a nota de autor que José Jorge Letria escreveu no final da obra O homem que tinha uma árvore na cabeça, onde desafia os jovens leitores a escreverem outras histórias a partir daquela. Neste sentido, os alunos planificaram uma história a partir da obra que estudaram. Na escrita do texto todos os alunos deram os seus contributos e, entre muitas ideias criativas, acabaram por produzir uma história onde imperou a ficção e a ciência. Na fase da revisão corrigiu-se a ortografia e a organização do texto. O texto foi enviado, juntamente com uma carta, ao autor José Jorge Letria.

A oitava sessão de intervenção teve lugar na sala de multimédia, onde os alunos realizaram pesquisas e escreveram um texto expositivo sobre o universo (tema abordado na narrativa estudada O homem que tinha uma árvore na cabeça). Os alunos obedeceram aos processos do ciclo de escrita, mas neste texto tiveram também a tarefa de planificar o uso de imagens, uma vez que a intenção era construir uma estrutura hipertextual. Depois de o texto ter sido revisto, dois alunos recolheram a planificação das imagens e, em casa, desenharam numa cartolina as imagens que se relacionavam com o texto escrito. Foi elaborado um hipertexto sobre o universo, que foi enviado para a redação de uma revista de divulgação para jovens, que anunciou posteriormente que o publicará.

Na nona e última sessão, os alunos responderam a uma ficha metacognitiva para avaliar a evolução dos conhecimentos adquiridos ao longo das sessões de intervenção, para serem comparados com os resultados da ficha diagnóstica.

4. Resultados e discussão

4.1. No 1.º Ciclo do Ensino Básico

No 1.º ano de escolaridade, o Jogo do Conhecimento serviu para recolher dados sobre a implementação deste estudo. A análise das respostas permite afirmar que, embora os alunos tenham errado em algumas definições dos tipos de texto, eles responderam corretamente às suas funções: identificaram que o documentário visualizado tinha uma função informativa, mas erraram todos quando se perguntou a definição de texto expositivo/informativo. Por se tratar de uma turma do 1.º ano de escolaridade, o objetivo era que os alunos compreendessem que existem textos que se estruturam de diferentes formas e que têm diferentes funções. As respostas dadas no Jogo do Conhecimento permitem verificar que os alunos assimilaram alguns conceitos relativos a estes tipos de texto, assim como reconheceram as diferenças entre eles.

Dos registos diários de cada sessão e dos dados retirados do inquérito feito aos pais, é possível afirmar que os alunos têm maior exposição ao tipo de texto narrativo, o que se justifica pelo facto de terem frequentado o jardim de infância e por este tipo de texto ser, frequentemente, utilizado pelos educadores de infância. Tendo em conta os dados fornecidos pelos pais no inquérito, pode dizer-se que mais de 50% dos alunos ouvem histórias desde o seu nascimento, têm acesso a alguns livros em casa e frequentam bibliotecas. Estas oportunidades podem explicar-se pelo grau de escolaridade dos pais, uma vez que a maioria possui estudos superiores.

Pode concluir-se que, no final desta intervenção, os alunos já possuíam a noção de que existem diferentes tipos de texto, que apresentam diferentes características e diferentes objetivos, o que não era verificável anteriormente, uma vez que os alunos ainda não tinham adquirido os conceitos de frase e de texto.

4.2. No 2.º Ciclo do Ensino Básico

No 6.º ano de escolaridade, o teste diagnóstico (ou teste a priori) apresentava dois textos, um do tipo narrativo e outro do tipo expositivo. Depois da compreensão dos textos, na III parte do teste, numa primeira pergunta, os alunos caracterizaram os textos abordados quanto ao tipo, estabelecendo correspondências. Na segunda questão, os alunos fizeram a correspondência das características pertencentes a cada um dos textos.

Após a análise às respostas à primeira questão, verifica-se que 76% dos alunos identificaram corretamente o texto A como narrativo e 32% erraram, identificando o texto como dramático. Relativamente ao texto B, apenas 24% dos alunos reconheceram corretamente o texto como expositivo e 68% dos alunos referiram erradamente que o texto abordado era do tipo instrucional. No que respeita à segunda questão, observa-se que 56% dos alunos identificaram corretamente as características pertencentes ao texto A e 44% dos alunos reconheceram corretamente as características pertencentes ao texto B. Estes dados permitem concluir que o texto narrativo é aquele que apresenta uma maior percentagem de respostas corretas (76%), o que pode justificar-se por ser o tipo de texto que lhes é mais familiar. As respostas corretas relativamente ao texto do tipo expositivo apresentam uma baixa percentagem (24%), o que vem revelar que os alunos não estão familiarizados com este tipo de texto. Este facto pode justificar-se por o texto expositivo não ser abordado com tanta frequência na escola.

Desta análise, pode ainda verificar-se que, embora 76% dos alunos reconheçam corretamente o texto A como narrativo, apenas 56% destes reconhecem corretamente as suas características. No texto B, verifica-se o inverso, apenas 24% dos alunos identificam o texto corretamente, mas 44% reconhecem corretamente as características pertencentes a este tipo de texto. Estes dados vêm comprovar as dificuldades dos alunos na compreensão e na elaboração/estruturação de textos que as avaliações institucionais assinalam (IAVE, 2013; 2015, 2017).

No que concerne à ficha metacognitiva (ou teste a posteriori), esta continha uma questão de identificação dos tipos de textos estudados e uma questão de correspondência das características pertencentes a cada um dos textos. À primeira questão todos os alunos responderam corretamente, o que mostra que adquiriram os conhecimentos previstos. Relativamente à segunda questão, 76% dos alunos identificam corretamente as características pertencentes ao texto narrativo e 68% reconhecem corretamente as características do texto expositivo. Importa mencionar que as percentagens de respostas erradas (24% e 32%) referem-se a alunos que apenas responderam erradamente a uma das características.

Da ficha metacognitiva constava ainda uma pergunta para os alunos identificarem as atividades que consideram mais significativas para compreenderem melhor o que define e distingue diferentes tipos de textos. A análise às respostas a esta questão mostra que 68% dos alunos consideraram que realizar um cartaz com as características pertencentes a cada um dos textos foi a atividade mais significativa; 8% dos alunos consideraram que a escrita de um texto expositivo foi a atividade mais significativa; 8% consideraram como atividade significativa a construção da narrativa em banda desenhada e 16% dos alunos não responderam à questão. O grande número de alunos que consideraram como atividade mais significativa a construção de um cartaz vem corroborar a importância de se realizarem sínteses no final das aulas ou no final da lecionação de algum conteúdo de aprendizagem.

A última questão da ficha metacognitiva interrogava os alunos sobre a importância do estudo de textos com estrutura hipertextual nas aulas de português. 92% dos alunos responderam afirmativamente, ou seja, consideraram importante o estudo deste género textual. No entanto, 8% dos alunos responderam que não, apresentando respostas que se julgam interessantes: “Não é muito importante para as aulas de português pois não lemos muitos textos desse tipo, mas se começarmos a ler mais desse tipo passo a o considerar mais importante”; “Não, acho que é mais importante para ciência, mas falamos nele na aula porque é um texto expositivo”. As respostas dadas sugerem que os alunos apenas acham importantes os conteúdos que, por norma, são abordados e ratificados pela escola, não considerando relevantes os que circulam fora da instituição escolar.

Pode concluir-se que, da análise ao teste diagnóstico para a análise à ficha metacognitiva, se observam melhorias no conhecimento dos alunos em relação à estrutura dos dois tipos de textos estudados.

5. Notas finais

De forma breve, assinale-se que esta breve experiência pedagógica veio reafirmar o que tem sido apontado por inúmeros pedagogos ao longo das últimas décadas: que as aprendizagens são mais eficazes e a adesão às tarefas letivas é mais fácil se o aluno tiver oportunidade de construir ativamente o seu conhecimento.

Sublinha-se que o conhecimento linguístico acerca da organização dos textos surge como fundamental para a ação do professor. Claramente, “saber gramática”, no sentido tradicional de dominar as regras da língua ao nível da palavra e da frase, não responde suficientemente às exigências da ação pedagógica desde os primeiros anos de escolaridade, o que significa que não pode bastar na formação dos futuros professores. O conhecimento das dimensões macrotextual e discursiva da língua é fundamental nesta formação, e não deve ser proporcionado somente aos professores de níveis mais avançados, antes deve ser incluído na formação de todos.

Os documentos oficiais que orientam o ensino, mesmo aquele que se desenvolve nos primeiros anos de escolaridade, exigem igualmente que os alunos criem competência de receber/interpretar e produzir textos (e não só palavras ou frases isoladas), para serem capazes de interagir numa sociedade cada vez mais exigente e competitiva. Dominar os modelos organizadores dos tipos de textos facilita tanto a receção/interpretação desses textos, como a sua produção, ao nível oral ou escrito, colaborando nos objetivos de sucesso do sistema de ensino.

2Para a discussão do conceito de explicação e de divulgação, ver também Moirand, 1992 e Ramos, 2009, 2014.

Notas

Referências

ADAM, J.-M. Les Textes: Types et Prototypes. Récit, description, argumentation, explication et dialogue. Liège: Mardaga, 1992. [ Links ]

ADAM, J.-M. Quels types de textes?. Le français dans le monde, n. 192, p. 39-43, 1985. [ Links ]

ADAM, J.-M.; LUGRIN, G. L’hyperstructure: un mode privilégié de présentation des événements scientifiques?. Les Carnets du Cediscor (en ligne), n. 6, 2000, p. 133-149. Disponível em: http://cediscor.revues.org/327. Acesso em: 25 out. 2017. [ Links ]

ADAM, J.-M. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. 2.ª ed., rev. e aum. São Paulo: Cortez Editora, 2011. [ Links ]

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2006. [ Links ]

BUESCU, H. C., MORAIS, J., ROCHA, M. R.; MAGALHÃES, V. F. Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação, 2015. Disponível em: http://www.dge.mec.pt/portugues. Acesso em: 25 out. 2017. [ Links ]

CHARAUDEAU, P. La médiatisation de la science. Bruxelles: De Boeck, 2008. [ Links ]

GIERING, M. E. A divulgação científica midiática para crianças e os fins discursivos. Revista do Gel, v. 5, n. 1, 2008, p. 181-195. Disponível em: https://revistadogel.gel.org.br/rg/article/view/141. Acesso em: 25 out. 2017. [ Links ]

GIERING, M. E. Artigos de divulgação científica midiática para jovens e o fazer-sentir. In: MOTTA-ROTH, D.; GIERING, M. E. (Orgs.). Discursos de popularização da ciência. Santa Maria, RS: PPGL Editores, 2009, v. 1, p. 71-79. Disponível em: http://w3.ufsm.br/hipersaberes/volumeI/. Acesso em: 25 out. 2017. [ Links ]

GIERING, M. E. Divulgação científica midiática para crianças e a visada de captação. Intersecções, n. 14, 2014, p. 85-97. Disponível em: http://www.portal.anchieta.br/revistas-e-livros/interseccoes/pdf/interseccoes_ano_7_numero_3.pdf. Acesso em: 25 out. 2017. [ Links ]

GIERING, M. E. Referenciação e hiperestrutura em textos de divulgação científica para crianças. Linguagem em (Dis)curso, v. 12, n. 3, 2012, p. 683-710. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ld/v12n3/a03v12n3.pdf. Acesso em: 25 out. 2017. [ Links ]

GIERING, M. E.; SOUZA, J. A. C. Informar e captar: objetos de discurso em artigos de divulgação científica para crianças. In: CAVALCANTE, M.; LIMA, S. (Eds.). Referenciação: teoria e prática. São Paulo: Cortez, 2013, pp. 205-232. [ Links ]

IAVE. Projeto Testes Intermédios. 1º Ciclo do Ensino Básico. Relatório 2013. Lisboa: Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2013. Disponível em: http://www.iave.pt/np4/106.html#1. Acesso em: 25 out. 2017. [ Links ]

IAVE. Projeto Testes Intermédios. 1º Ciclo do Ensino Básico. Relatório 2014. Lisboa: Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2015. Disponível em: http://www.iave.pt/np4/103.html#1. Acesso em: 25 out. 2017. [ Links ]

IAVE. Provas Finais de Ciclo – Ensino Básico – 1.º CEB. Relatório Nacional: 2013-2015. Lisboa: Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2017. Disponível em: http://www.iave.pt/np4/338.html#1. Acesso em: 25 out. 2017. [ Links ]

MOIRAND, S. Autour de la notion de didacticité. Les carnets du CEDISCOR, 1 (Un lieu d’inscription de la didacticité. Les catastrophes naturelles dans la presse quotidienne), 1992, p. 9-20. [ Links ]

NEVES, R., MASSARANI, L. A divulgação científica para o público infanto-juvenil: um balanço do evento. In: MASSARANI, L. (Ed.). Ciência e criança: a divulgação científica para o público infanto-juvenil. Rio de Janeiro: Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, 2008, p. 8-13. [ Links ]

RAMOS, R. Construção dos objetos de discurso em artigos mediáticos de divulgação científica para crianças. Redis: revista de estudos do discurso, n.º 3, 2014, p. 156-183. Disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/12967.pdf. Acesso em: 8 mai. 2018. [ Links ]

RAMOS, R. O discurso do ambiente na imprensa e na escola. Uma abordagem linguística. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian / Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2009. [ Links ]

RAMOS, R.; MARQUES, M. A.; DUARTE, I. M. Hiperestrutura em textos mediáticos de divulgação científica para crianças. In: MARQUES, M. A.; SANCHÉS REI, X. M. (Eds.). Novas perspectivas linguísticas no espaço galego-português. A Corunha: Universidade da Corunha, 2015, p. 133-149. [ Links ]

SILVA, P. N. A expressão do tempo numa sequência explicativa. Lisboa: Universidade Aberta, 2006. [ Links ]

SILVA, P. N. D. Narrativo: modo, género, tipo de texto ou tipo de sequência?. In: Literatura e gramática: um diálogo infinito. Atas do 11. º Encontro Nacional da Associação de Professores de Português. Lisboa: Universidade Aberta/CELGA, 2015. Disponível em: https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/4515. Acesso em: 25 out. 2017. [ Links ]

SILVA, P. N. Tipologias Textuais: como classificar textos e sequências. Coimbra: Edições Almedina/CELGA, 2012. [ Links ]

SOUZA, J. A. C. & GIERING, M. E. (2008). Lendo e escrevendo divulgação científica: fazer-saber e fazer-sentir. In: EMEDIATO, W.; MACHADO, I. L.; MELLO, R. (Orgs). Emoções, Ethos e Argumentação: anais do III Simpósio Internacional sobre Análise do Discurso. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2008. [ Links ]

SOUZA, J. A. C. O infográfico: a multimodalidade e a semiolinguística. Revista da ANPOLL, v. 27, n. 2, 2009, p. 73-98. Disponível em: https://anpoll.emnuvens.com.br/revista/article/view/144/154. Acesso em: 25 out. 2017. [ Links ]

SOUZA, J. A. C. Texto e discurso no infográfico de divulgação científica midiática (DCM). Calidoscópio, v. 11, n. 3, 2013, p. 229-240. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/cld.2013.113.01/3760. Acesso em: 25 out. 2017. [ Links ]

Recebido: 25 de Outubro de 2017; Aceito: 10 de Maio de 2018

Email:

Email:

Revisores:

Língua Portuguesa

Ana Margarida Ramos

E-mail: anamargarida@ua.pt

Língua Inglesa

Dave Tucker

E-mail: davet2000@gmail.co

Língua Francesa

Ana Margarida Ramos

E-mail: anamargarida@ua.pt

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.