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Perspectiva

versão impressa ISSN 0102-5473versão On-line ISSN 2175-795X

Perspectiva vol.37 no.1 Florianopolis jan./mar 2019  Epub 18-Jul-2019

https://doi.org/10.5007/2175-795x.2019.e53021 

Dossiê Imagens, Mídias e Práticas Corporais

O corpo-ambiente virtual

The virtual body-environment

1Università Cattolica del Sacro Cuore, Milão, Italia


Resumo

A reflexão hodierna sobre o “mundo da vida” husserliano não pode eximir-se de considerar que hoje, o “mundo da vida” é mediatizado, é um ambiente midiático ou simplesmente um meio, um continente/dispositivo habitado pela neotecnologia digital que torna o tecido do mundo num tecido comunicativo como um todo. Especificamente, o artigo examina o corpo-ambiente virtual, um aspecto do mundo da vida ainda não plenamente realizado nas suas potencialidades, mas destinado a incidir cada vez mais sobre as práticas da vida. O corpo-ambiente virtual se caracteriza como um ente de tipo novo, imersivo e interativo, ontologicamente híbrido porque é ao mesmo tempo interno e externo, coisa e imagem. O artigo identifica em algumas formas de arte as possibilidades de habitar o corpo-ambiente virtual de modo não passivo.

Palavras-chave:  Estética do virtual; Corpo-ambiente virtual; Arte digital; Interatividade

Abstract

Nowadays “Lebenswelt” must be considered as a mediatic environment or simply a medium, a continent/device inhabited by new digital technology that makes the fabric of the world, on the whole, a communication source. The article specifically examins the virtual body/environment, an aspect of Lebenswelt, which has still to reach its full potential, but will increasingly continue to influence our lifestyle. The virtual body/environment is a new entity immersive and interactive, ontologically hybrid because it is internal and external, and both a thing and an image. The article focuses on same forms of art that allow the possibility to live the virtual body/environment in a non passive way.

Key words:  Aesthetic of the virtual; Virtual body-environment; Digital art; Interactivity

Riassunto

La riflessione odierna sull’husserliano “mondo della vita” non può esimersi dal considerare che oggi il “mondo della vita” è mediatizzato, è un ambiente mediale o semplicemente un medium, un continente/dispositivo abitato da neotecnologie digitali che rendono il tessuto del mondo nel suo insieme una stoffa comunicativa. L’articolo ispeziona in particolare il corpo/ambiente virtuale, un aspetto del mondo della vita ancora non pienamente realizzato nelle sue potenzialità, ma destinato a incidere sempre di più sulle pratiche di vita. Il corpo/ambiente virtuale si caratterizza come un ente di tipo nuovo, immersivo e interattivo, ontologicamente ibrido perché insieme interno ed esterno, cosa e immagine. L’articolo individua in alcune forme d’arte l’indicazione per abitare in modo non passivo il corpo/ambiente virtuale.

Key words: Parole chiave: Estetica del virtuale; Corpo-ambiente virtuale; Arte digitale; Interattività

O ambiente hipermídia

Ainda hoje é importante lembrar o convite feito por Husserl na Crise: refletir sobre o “mundo da vida”, a célebre Lebenswelt, ou seja, sobre aquele mundo que é produzido por “qualquer atividade vital [...], por qualquer práxis humana, por qualquer vida pré-científica [...] uma vida que se agita, avança e molda a humanidade intersubjetiva e seu mundo: um mundo imenso e anônimo” (HUSSERL 1961, p. 142-143). Este mundo extraordinário e banal, “imenso e anônimo” é, para Husserl, antes de tudo, o mundo da “experiência pura”, que não é de todo a experiência de “dados sensíveis”, mas sim a doxa, oceano tempestuoso em variação contínua – manto de arlequim movido pelo vento, no qual cada pedaço de tecido muda de cor sem parar, no qual as costuras entre os tecidos se movem incessantemente mudando as fronteiras – e também as decisivas roupas, os estilos e, no final das contas, também aqueles saberes que chamamos de científicos.

A doxa é, obviamente, uma forma de experiência que é saber, um saber que dá forma ao espaço-tempo da experiência cotidiana, que orienta e se especializa em seu propósito e constitui o arcabouço em que acontecem os jogos da vida, o “campo” do exercício, uma experiência que é multiforme e tão variada quanto são os campos frequentemente sobrepostos e inter-relacionados dos nossos capitais e dos nossos processos de simbolização. Como sempre, a doxa está conectada a dispositivos de interação, que hoje são tecnologias complexas, a serem examinadas cuidadosamente em sua estrutura e por seus efeitos. Tudo isso é óbvio, mas deve ser considerado.

Certamente, a respeito dos efeitos dos dispositivos hodiernos, hoje se coloca a questão de uma revisão da fenomenologia e, portanto, a questão da relação entre empírico e transcendental, visto que, se a variação eidética tem como ponto de partida “um ego em geral, que já existe na consciência um mundo, um mundo do nosso bem conhecido tipo ontológico” (HUSSERL 1960, p. 101), hoje, em comparação com uma forte conotação de virtualidade, o “tipo ontológico” do mundo não é mais o “bem conhecido”, nem mesmo, relativamente, o “ego em geral” (DIODATO 2017). Desse modo, ainda mais amplamente, devem ser examinadas as condições do espaço-tempo de hoje, inextricavelmente natural e cultural, sobretudo as ligadas a dispositivos neotecnológicos de caráter midiático, cada vez mais difundidos para produzir um efeito difuso que dificulta a compreensão do que está em situação midiática e do que não está.

A esse respeito, podemos lembrar o que Stiegler (2004, p. 154-155) escreveu:

[...] as conexões individuais não cessam de se multiplicar, um indivíduo conectado a redes globais, geolocalizado inconscientemente em uma trama de malha variável, transmite e recebe mensagens de e para servidores de rede em que a memória do comportamento coletivo é registrada, como a formiga que segrega seus feromônios inscrevendo o seu comportamento no território do formigueiro [...]. No momento em que o sistema cardinal-calendário integrado leva os indivíduos a viver cada vez mais em tempo real e no presente, para desindividualizar-se perdendo a sua memória – tanto aquela do eu o quanto aquela do nós, a que pertencemos – acontece como se aqueles agentes cognitivos que ainda somos tendessem a se tornar agentes “reativos”, puramente adaptativos, e não mais inventivos, singulares, capazes de adoptar comportamentos excepcionais e, portanto, imprevisíveis, “improváveis”, até mesmo radicalmente diacrônicos, em resumo, “ativos”.

Trata-se, portanto, de recompor uma memória cultural que trabalhe dentro dos dispositivos, uma memória-tempo que seja também um projeto capaz de escapar da passividade das técnicas de pré-mediação, se é verdade que as mídias digitais, mais que remediar, pré-mediam, como Grusin (2010, p. 4; p. 48) enfatiza:

A pré-mediação opera no atual regime de segurança para garantir que sempre haverá dados suficientes em qualquer futuro, particular, potencial ou imaginável, de modo a saber de antemão que algo está prestes a acontecer antes que aconteça, [...] o futuro sempre é remediado no momento em que se torna presente, já que o mundo é sempre totalmente hipermídia, é impossível que algo aconteça fora de sua pré-mediação.

Não apenas o passado mas o futuro é assim colocado sob controle. Agrega-se a isso o fato de que, agora, as tecnologias não são apenas instrumentos mas o nosso ecoambiente, ou seja, o meio-ambiente natural e social da nossa vida (CALI 2017); de que as tecnologias de comunicação são essencialmente potentes/poderosas, já que o ser humano é essencialmente uma relação comunicativa; de que o termo medium, como perfeitamente destaca Benjamin, indica a modo pelo qual se organiza a percepção. Em síntese, como McLuhan (1967, p. 26) escreveu há meio século: “Qualquer entendimento de mudança social e cultural é impossível sem o conhecimento dos modos como as mídias atuam como ambiente.”

Portanto, nosso atual “ambiente” comum, no qual constantemente buscamos adaptação e reequilíbrio, hoje tem os traços do imaginário midiático e do relativo regime de desejo próprio da época. O aspecto particular do ambiente de mídia que é importante focalizar agora é o corpo-ambiente virtual, possibilitado por dispositivos tecnológicos que interagem, nem sempre mas principalmente, com organismos protetizados, organismos que não são mais apenas biológicos mas biotecnológicos. Então, perguntamo-nos o que é a experiência em geral e, particularmente, a experiência estética nesses ambientes, mas, acima de tudo, tentamos esclarecer o que pode ser entendido com a expressão “corpo-ambiente virtual”, que designa uma gama diferenciada de ambientes midiáticos.

O corpo-ambiente virtual

Com a expressão “corpo-ambiente virtual”, podemos entender, em primeiro lugar e num sentido amplo, uma imagem digital interativa, o “fenomenizar-se” de um algoritmo em formato binário na interação com um usuário-fruidor. Trata-se se de algo específico, sobre o qual a experimentação estética internacional trabalha há anos, ou seja, todos os objetos-ambientes informáticos com os quais um fruidor pode interagir através dos periféricos de um computador, que pode assumir a forma de prótese biorrobótica projetada para permitir graus de imersão muito elevados.

Com tais ambientes informáticos, elaborados ​​principalmente não por um individual e singular autor-(eventualmente)artista mas por uma mente coletiva, às vezes um usuário que interage através de seus avatares, os alter ego virtuais que parecem agir dentro de tais ambientes produzindo transformações, outras vezes um usuário com função espectadora que coincide com o ser ator da situação. Atualmente, as transformações ou modificações “estéticas” produzidas pelos usuários nos ambientes informáticos ou virtuais são possíveis porque as imagens sensíveis (visual, auditiva, tátil, etc.) que eles percebem/produzem não são nada além de diferentes fenomenizações de uma matriz algorítmica, não são nada além de diferentes atualizações estéticas possíveis permitidas pelo programa.

No entanto, deve-se notar que o grau de interatividade desses objetos informáticos muda conforme a interação, se for com base em matrizes algorítmicas “rígidas” – que preveem as interações possíveis – ou com base em matrizes “flexíveis” que “aprendem” e se modificam através da interação. Quando a interação implica experiência estética no sentido deweyano, isto é, um aperfeiçoamento da experiência que assume características típicas, as quais mencionaremos, e constrói o sentido do objeto-evento, do corpo-imagem ou ambiente virtual qualificando-o como uma obra de arte, então a interação é propriamente interatividade.

A esse respeito, seria necessária uma descrição do campo, uma fenomenologia dos corpos virtuais que os distingue com base no grau de imersão e interatividade que eles permitem. No entanto, neste momento, isso não será possível aqui; limitar-nos-emos a enfatizar que, atualmente, as tecnologias estabelecem pelo menos uma diferença significativa entre ambiente “virtual” na tela (tela do computador, que obviamente não é a televisão) e, portanto, também, mas não necessariamente, na rede (web), assim como pode fenomenizar-se na tela o que chamaremos de ambiente virtual no sentido próprio.

Essa é uma diferença essencial, que permite a produção de experimentações artísticas e de poéticas muito, quase completamente diferentes. No que diz respeito à experiência mediada pela tela, encontramos dois campos de interseção, divididos; de um lado, os hipertextos narrativos construídos especificamente para a rede, entre os quais os blogs narrativos assumem papel de destaque, e de outro os chamados net-arts, com outras formas que podem ser inventadas na segunda vida. Estes campos distinguem-se pela prevalência da linguagem verbal, em geral alfabética, ou de imagens e sons, mas ambos são caracterizados pelo aparecimento constante de escritas hipertextuais, que se fenomenizam nos limites das possibilidades intrínsecas à tela.

Isso implica formas específicas de programação de interatividade, entendendo-se por interatividade “tanto a ação do usuário quanto as retroações e feedbacks que envolvem essas ações na interface (principalmente os automatismos e as ações de feedback)” (ZINNA, 2004, p. 219). Trata-se de operações de escrita informática, entendida essencialmente como uma montagem de objetos-escrita que deriva de uma ideia fundamental de hipertexto, como um “documento eletrônico que prevê um acesso interativo aos seus conteúdos e às unidades descontínuas reunidas pela montagem, [em que] em relação aos outros documentos eletrônicos, a interatividade estrutura-se em seus componentes” (ZINNA, 2004, p. 220) e, em última análise, são os pontos de intervenção ou botões de conexão ou links, que permitem diferentes formas de interatividade e transformam o fruidor em fruidor-usuário. Portanto, a especificidade estética do hipertexto, seu excedente sistêmico com relação a qualquer forma textual, mesmo digital, consiste na qualidade dos links e, consequentemente, na experiência interativa possibilitada pelas conexões.

Uma estética da rede e, portanto, do hipertexto nessa rede provavelmente implica uma revisão da noção de esquema corporal, da relação Körper-Leib e da relação percepção-imaginação, ou seja, daquelas dimensões estratégicas da relação homem-mundo que temos absorvido, e até agora pensamos como óbvias, da tradição fenomenológica: o que constitui uma dificuldade quase insuperável para os programadores, dar vida ao avatar na tela e fazê-lo navegar na rede como se tivesse um corpo vivo e, portanto, de modo a transmitir em tempo real ao habitante do avatar os processos estético-noéticos da presença, é provavelmente um desafio para o pensamento, que é forçado a elaborar novas categorias para dar conta da inexperiência relativa da rede. Além desse aspecto genericamente hipertextual da escrita eletrônica, há uma linha de pesquisa que provém de esculturas imateriais aos ambientes sensíveis com interfaces naturais, aos corpos protetizados [que se prolongam] em ambientes telemáticos, até as primeiras experiências de ambientes virtuais propriamente ditas. Nesse sentido, as experimentações artísticas no campo da bioestética telemática e aquelas que tentam uma conexão ou coexistência entre o corpo protetizado e as redes telemáticas mereceriam uma discussão à parte.

A interface além da tela

Como agora os corpos-ambientes virtuais propriamente ditos vão além das telas, é oportuno refletir sobre a ideia da tela (CARBONE, 2016). A esse respeito, Lev Manovich, em seu conhecido livro The Language of New Media, desenha uma genealogia sugestiva da tela como uma interface que permite uma arte da comunicação. Manovich liga estreitamente os conceitos de interface e de tela há mais de uma década: “A realidade virtual, a telepresença e a interatividade são permitidas pela recente tecnologia do computador digital. Mas se tornam reais graças a uma tecnologia muito mais antiga: a tela” (MANOVICH, 2004, p. 128).

A evolução tecnológica subsequente e a atual realidade comercial confirmam o sucesso da forma-tela a tal ponto que a novidade recente e difundida consiste na evolução da relação de mediação com a tela, ou seja, na relação física estabelecida pelo touch-the-screen, tocar-a-tela. No entanto, este nível é apenas um ponto de partida tanto para o pensamento quanto para as práticas futuras, e é necessário problematizá-lo. Trata-se de pensar a relação entre o toque e a imagem: o que se toca é uma imagem, que, por sua vez, é o resultado de um processo de digitalização. Ainda estamos diante de uma forma fraca de virtualidade, mas que já nos permite definir algumas questões.

Em relação ao conceito de tela, Manovich desenvolve uma ideia que se encontra em muitos autores, segundo a qual as transformações tecnológicas afetam nossas capacidades perceptivas, as próprias possibilidades de sentir antes de nossas ideias e modos de pensar, e modificam essas capacidades primeiramente a nível inconsciente: aquele inconsciente “ótico” de que falava Benjamin é, ao mesmo tempo, acústico e tátil, e a primazia do visual, que então caracterizou a reorganização da experiência sensível, agora se complica. Manovich articula uma história da tela segundo uma hipótese explicitamente continuísta, baseada na força da ideia básica de moldura, de separação e articulação entre mundos diferentes e coexistentes, o espaço da realidade e o da representação.

A reivindicação histórica da ideia da tela, da janela albertiana até a tela dinâmica do cinema, é simultaneamente afirmação do regime de ilusão, da potência de atração do olhar espectatorial na vida da tela, e da realização da transparência derivada das estratégias de hipermediação. Para Manovich, esta estratégia se conserva, embora na tela do computador mais janelas aparecem, ou podem aparecer simultaneamente, sem o domínio de nenhuma. Isso nos permitiria assinalar uma diferença essencial e uma novidade: a superfície-tela digital não tende a desaparecer, não se desvanece, não se abre em profundidade: ela mantém a atenção em sua superfície, toque a toque, como se tocasse o olhar, repropondo-se explicitamente a si mesma.

A multiplicação de molduras elimina, enfim, a ordem teórica da moldura. Mas, para o continuísmo de Manovich (2004, p. 131), não há ruptura, mesmo se a diferença é enfatizada:

[...] a tela do computador normalmente mostra uma série de janelas coexistentes, ou melhor, a coexistência de várias janelas sobrepostas é um princípio fundamental da interface [...]. A interface de uma janela tem mais a ver com o design, que trata a página como um conjunto de blocos de dados diferentes e igualmente importantes – texto, imagens e elementos gráficos – que com a tela de cinema.

O fim da tela acontece apenas com o trânsito para a virtualidade em um sentido forte, como o autor admite:

[...] com a realidade virtual, a tela desaparece completamente [...] os dois espaços – o espaço físico real e o espaço virtual simulado – coincidem. O espaço virtual, anteriormente confinado em uma pintura ou em uma tela de cinema, agora abrange completamente o espaço real. A visão frontal, a superfície retangular, a diferença na escala dimensional falharam. A tela desapareceu. (MANOVICH, 2004, p. 132).

Porém, num olhar mais atento, se a tela falhou, a interface não, e os procedimentos perceptivos mais uma vez modificam a hibridização tecno-natural que somos. Teremos então que dizer algo sobre o conceito de interface e também compreender o que se entende por realidade virtual, para finalmente reexaminar o tocar neste nível adicional.

O termo interface deriva do latim inter facies, em que o termo faces pode significar “face”, “aspecto”, “aparência”, mudando progressivamente da materialidade para a imaterialidade. Portanto, interface indica uma estrutura relacional, conotando particularmente o lugar ou traço da relação, aquilo que está entre os elementos e os mantém conectados; assim, o significado do termo depende dos elementos que conecta, da qualidade da conexão, que é uma condição de possibilidade, e da sua própria estrutura, sendo no final das contas a interface desse terceiro elemento, que possui uma função propriamente relacional e conectiva.

Frequentemente, ou quase sempre, os “elementos” conectados pela interface não são nada simples, são mais ou menos complexos, e seria oportuno chamá-los de “sistemas”; o termo interface, portanto, assume o significado de “lugar em que dois sistemas independentes interagem ou se comunicam” (ONG, 1977, p. 350), “lugar” que, por sua vez, é um sistema. Porém, assim definido, o conceito de interface faz emergir problemas difíceis, decorrentes dos significados que podemos atribuir ao conceito nada claro de um “sistema independente”, bem como do sentido nada óbvio das palavras “interação” e “comunicação”.

Como vimos, Manovich entendia a interface como conectada ao design, como se fosse quase um produto de tal atividade; mas, se o design é entendido como uma atividade de projeto que visa determinar as propriedades formais de objetos industrialmente replicáveis, e se “a interface é o domínio em que se estrutura interação entre usuário e produto de modo a permitir operações efetivas”, então, se tais definições estiverem corretas, “o design é sobretudo projeto de interface” (BONSIEPE, 1993, p. 42).

Atualmente, são de interesse da reflexão estética alguns aspectos do design da interface em programas de computador (MANOVICH, 2010), uma área híbrida entre design gráfico e design industrial, particularmente os projetos de interface computador-usuário relacionados a algumas trocas comunicativas específicas, aquelas que não se resolvem nas trocas de informação nem em simulações de ambientes com objetivos comerciais e lúdicos. E isso não acontece porque se acredita que o produto com valor estético pertence à esfera do “desinteresse” ou deveria ser uma alternativa à funcionalidade prática, mas porque assim emergem aquelas propriedades específicas da virtualidade (intermedialidade, interatividade, imersão) que tornam esses produtos lugares participativos em que pode ocorrer uma peculiar experiência estética.

Tais produtos ou interfaces digitais não são confináveis ao ponto de fenomenizarem-se na tela de um computador e envolvem o âmbito mais amplo dos ambientes sensíveis e dos ambientes virtuais. Talvez, neste outro nível, o ambiente perceptivelmente mais semelhante ao virtual, pelo menos no que diz respeito ao sentimento complexo e imediato de presença, seja o do sonho.

Sonho e virtualidade

Em outra ocasião, examinamos a complexa relação sonho-virtualidade, e neste momento, sem retomar a análise (DIODATO, 2012), queremos apenas estabelecer um ponto: quando há um sonho? Quando existe um sonho? Qual é o seu diferencial ontológico? Existe sonho quando existe o tocar, quando a imagem como produto da minha imaginação pode ser tocada e assim se torna, no mesmo momento em que é interna, externa. Primeiramente, a imagem do sonho é tátil – e, portanto, sonora, olfativa, gustativa –, enquanto as imagens do meu fantasiar não o são; somente no momento singular em que a vigília se transforma em sono, as imagens se tornam, repentinamente, táteis: eu posso tocar (mas é um poder que não é meu poder: é um poder do eu quando o eu está em outro lugar). A imagem onírica transgride o visual: é um corpo-imagem, como o corpo-imagem virtual. É absolutamente imersivo, é absolutamente interativo ou, se queremos, vivente: como evento, acontecimento, e se manifesta, por seu tato, como imagem.

Desse ponto de vista, é interessante retomar o que Foucault escreveu em sua introdução ao Sonho e Existência, de Binswanger: “O sonho não é uma modalidade de imaginação; é a condição primeira de possibilidade” (FOUCAULT, 1993, p. 73). O conteúdo perceptivo irreal, no sentido sartreano, próprio da imagem, faz-se tocar no sonho. Por que isso é possível? O que isso significa para a imagem? Foucault escreve: “Por meio do que imagina, a consciência olha, portanto, o movimento originário que se revela no sonho. Sonhar, portanto, não é uma maneira singularmente forte e vivaz de imaginar. Imaginar, ao contrário, é ver-se no momento do sonho; é sonhar-se sonhador” (FOUCAULT, 1993, p. 76).

Tocar a imagem própria do sonho não deriva de um fortalecimento da imagem como tal, mas da posição da realidade que é própria do sonho, uma realidade que vem antes da imagem e da coisa, e é uma condição de possibilidade. A experiência onírica do tocar a imagem é um testemunho de uma consciência subjetiva que, conservando-se, não é mais ela mesma, na medida em que entra em um regime pré-subjetivo, em um regime transcendental constitutivo, a existência subjetiva em seu surgir: “No movimento da imaginação, sou sempre eu mesmo que me torno irreal como presença neste mundo; e eu sinto o mundo (não outro, mas este mesmo) como inteiramente novo para a minha presença” (FOUCAULT, 1993, p. 76). Nesse nível, a imagem é apenas um ponto de instante, uma petrificação ou fixação na quase-presença daquele dinamismo constitutivo transcendental que chamamos imaginação, uma mera recuperação visual, que coloca uma distância às vezes preenchida com o trabalho de análise.

Penetra assim no surgimento do mundo, na sua dinâmica constitutiva:

[...] durante o sonho o movimento da imaginação avança para o primeiro momento de existência em que se realiza a constituição imaginária do mundo [...] quando a consciência vigilante, dentro deste mundo constituído, tenta apreender esse movimento que o interpreta em termos de percepção e o direciona para a quase-presença da imagem. (FOUCAULT, 1993, p. 82).

Tocar a imagem dos sonhos de que somos feitos é tocar a existência, no sonho a imaginação revela o seu ser realidade, mundo. Mas “o momento do sonho não é a forma definitiva em que a imaginação se estabiliza” (FOUCAULT, 1993, p. 83): para Foucault, e para uma tradição antiga, a forma da imagem que não trai o poder da imaginação é a poesia, em que se estabelece simplesmente a verdade da imagem como estilo, destinado a se tornar história em seu sentido irredutível e original.

Semelhante experiência perceptiva e cognitiva ao sonho é a experiência possibilitada pelo corpo-ambiente virtual, na qual se expressa a densidade significativa de um ambiente que se reduz a uma estrutura relacional imaginária, um ambiente imersivo e interativo que permite a revisão da diferença entre coisa e evento e entre objeto e imagem. Agora, o corpo-imagem corporal e virtual existe enquanto a virtualidade é sua condição de possibilidade, e é por isso que nos resta indagar na direção de uma potência do toque.

Em síntese, a tese é a seguinte: o que não pode ser provado, aquele estado primordial do sensível, carne do mundo encharcada de imaginário que o sonho exibe de maneira exemplar e que o virtual expõe no estado de vigília, pode ser tocado, somente tocado. É por isso que o tocar é refratário ao típico reducionismo operado contra a qualia [sensação subjetiva dos sentidos], reducionismo em alguns aspectos eficaz na comparação entre o ver e em particular e o ver a cor.

Em relação ao tocar, não se coloca o problema da diferença entre parecer e ser, tipicamente enfrentada em discussões sobre qualia: qual é, por exemplo, a relação entre parece-vermelho e é-vermelho? O parecer talvez permita a construção de uma classe de afirmações incorrigíveis e, portanto, fundamentais e antecedentes? Se eu posso estar enganado quando digo que esta coisa é vermelha, como posso estar enganado quando digo que esta coisa parece vermelha para mim neste momento? E, contudo, sempre pode ser objetado que, para afirmar que algo parece vermelho, eu devo primeiro ser capaz de entender o conceito de vermelho e, portanto, o ser vermelho, e por isso, a afirmação de que algo é vermelho é conceitualmente antecedente ao parecer vermelho, e portanto, o discurso sobre a aparência não pode ser autônomo.

Mas, no caso de tocar uma imagem, como acontece no sonho, como acontece com os corpos virtuais, a questão se complica, e saímos do horizonte desse “mundo” dado. Temos assim uma grande dificuldade: traduzir a experiência de tocar a imagem em um relato, porque a réplica de tal experiência é muito instável, dada sua natureza intrinsecamente interativa e não reconduzível a um tipo comum: o relato não inferencial do tocar a imagem não pode, neste caso, agir como especificação de uma descrição de um gênero particular modelado em réplicas.

Nenhuma universalidade ou lógica neste tocar, que é ao mesmo tempo muito simples e complexo demais para se prestar ao jogo de tradução; a ocorrência do tocar, aqui, não implica conhecer ou acreditar em algo, nem implica a posse de qualquer conceito: é a gravura esculpida do imaginário que não pode ser descrita com as distinções basilares sobre as quais qualquer teoria, física, fisiológica, psicológica deve organizar. Se o tocar é em si mesmo obscuro e difícil, como dizia Aristóteles (1993, p. 422-424.) – de fato é obscuro se o tato for diversos sentidos ou um único sentido, como se fosse a própria característica sensorial da faculdade tátil ou ainda se for a única coisa a ela subjacente (ypokeimenon), que é para tocar o que o som é para ouvir, etc. –, o toque virtual além da tela é, em suma, mais ainda. Começamos, assim, um reconhecimento sobre a natureza ontológico-estética da virtualidade; agora é necessário mencionar o significado que essa natureza pode ter para uma revisão do sistema ontológico e o que ela pode ter, por sua essência quiasmática, para a estética, de modo a mostrar mais claramente a trama estético-ontológica emergente.

A novidade ontológica do virtual

O corpo-ambiente virtual no sentido próprio é estruturalmente relacional e essencialmente interativo; as características essenciais e conectadas de sua ontologia são intermediariedade e virtualidade. Os corpos virtuais são realidades intermediárias por duas razões fundamentais: o corpo ambiente-virtual, ao se fenomenizar na interatividade, escapa da dicotomia entre “interno” e “externo”: não é nem produto cognitivo da consciência nem uma imagem da mente – já que o usuário tem a consciência de experimentar uma realidade outra, mesmo no sentido de uma duplicação sintética e paradoxal da percepção –, é “externo” a ela, ainda que dependa da ação do fruidor.

O corpo-ambiente virtual é, portanto, externo-interno (ainda que seja possível discutir esse aspecto considerado essencial, é importante que o entendimento dos termos “interno” e “externo” não seja ingênuo, ou “naturalista”, ou privado de “sentido fenomenológico”). Isso significa que os corpos virtuais não devem ser propriamente entendidos como representações da realidade, mas como realidades construídas de maneira essencialmente diferente daquelas constituídas pela participação circular do corpo vivo com o mundo, que, através da visão-percepção, atravessa o corpo e se torna um gesto, movimento do corpo, possivelmente mediado por instrumentos de reprodução analógicos e, portanto, imagem.

Os corpos-ambientes virtuais frequentemente são “janelas artificiais que dão acesso a um mundo intermediário” (QUEAU, 1989, p. 18), em que o próprio espaço é o resultado da interatividade, pois o mundo não acontece na forma de distanciamento, mas no sentido-sentimento de imersão, e o corpo, percebido como algo a mais, assume o sentido de sua realidade, de sua atualidade, como uma gravura esculpida imaginária, como produção de emoção e desejo, ao ponto de a sensação de realidade transmitida pelo ambiente virtual depender, em grande parte, da eficácia com que provoca emoções no usuário. Desse ponto de vista, “a realidade virtual pode produzir uma experiência capaz de autenticar-se sozinha” (BOLTER; GRUSIN, 2002, p. 195), mas precisamente como realidade, ou seja, como uma alteridade do usuário, como um ambiente em que pode agir, como corpos que pode manipular. Portanto, o corpo-ambiente virtual é um intermediário não apenas como uma mediação entre o modelo informático e a imagem sensível mas principalmente como intermediário entre o interno e o externo, como faces do mesmo fenômeno, um lugar estranho, em que a fronteira se torna território.

Portanto, corpos-ambientes virtuais não são simples imagens nem simples corpos, mas corpos-imagens que escapam da distinção ontológica entre “objetos” e “eventos”, porque, assim como os “objetos”, possuem uma relativa estabilidade e permanecem no tempo como “eventos”, existem apenas durante a interatividade. O indivíduo resultante é de fato concreto, enquanto perceptível e sujeito-objeto das ações, mas “peculiarmente sutil”, precisamente porque é interativo.

Trata-se de um híbrido com um status ontológico incerto; podemos também chamá-lo de corpo sutil de um mundo não contínuo, composto de pontos-dados que se manifestam com fluidez e densidade e saturam a percepção: um corpo tornado leve pela digitalização, que tem interatividade como condição de manifestação. Em síntese, é uma coisa do mundo natural-artificial, que se insere no espaço aberto pela célebre, potente e paradigmática distinção feita pela Física de Aristóteles (1995, p. 192):

Das coisas que existem, umas são da natureza, outras de outras causas. Por natureza são animais e suas partes, as plantas e os corpos simples, como por exemplo, a terra, o fogo, o ar e a água: esses e os outros corpos do mesmo tipo dizemos que são por natureza. E todas as coisas mencionadas acima, é claro que elas não são diferentes daquelas que existem por natureza. De fato, cada um deles tem o princípio do movimento e do repouso em si, uns de acordo com o espaço, os outros de acordo com o crescimento e o decréscimo, outros ainda segundo a alteração. Em vez disso, uma cama ou um manto, e tudo o mais desse tipo, na medida em que cada um deles é responsável por essa denominação – isto é, como são produzidos pela técnica – não possui em si mesmo qualquer tendência inata para a mudança; mas eles possuem tal impulso e tanto se estendem apenas na medida em que são de pedra, ou madeira, ou de algo misto.

O corpo virtual, uma aparência digital que existe apenas na interação, é certamente artificial, produto da técnica, e juntos possuem uma tendência “inata”, que não depende de seus componentes “naturais”, mas de sua própria “natureza” para mudar, por ser estruturalmente evento. Híbrido, portanto artificial-natural e, em certo sentido, quase sistema “vivente” ou, no atual jargão físico, sistema dissipativo (DEL GIUDICE 2004; VITIELLO 2004): não só objeto-evento mas sujeito-objeto, o corpo virtual é propriamente um ente que existe enquanto e só enquanto encontro, como se nota entre uma escrita digital e um corpo tornado sensível a ela, e portanto, como interatividade constitutiva. E isso leva a conceber a relação (o encontro) em si constitutiva da entidade e, portanto, distinta das propriedades relacionais, e a construir uma ontologia de relações, ainda em grande parte inédita, como equipamento do mundo.

Arte e virtualidade

As possibilidades artísticas da obra virtual estão ligadas às operações residuais relativas à reprodução como uma simulação da experiência “real” ou de “realidade”: enquanto as operações de simulação virtual podem dizer respeito a aspectos lúdicos e comerciais, a operação artística implica as possibilidades de realização do imaginário, que é sempre irrealidade e abertura de uma brecha no existente. Por outro lado, porém, a questão da reprodutibilidade da obra está ligada à relação entre obra e experiência: e aqui estamos diante de uma substancial novidade, uma vez que a obra de arte virtual não é intrinsecamente reprodutível, porque, enquanto interativa, incorpora de um modo inédito a ação do fruidor. Isto porque a interatividade, neste caso, não é propriamente (apenas) interação, ou ação entre, mas intervenção e modificação da matriz que permite à obra existir, bem como, obviamente, a incidência no devir estético-noético do corpo tecnologicamente hibridizado do fruidor.

Este aspecto “fundamental” da interatividade introduz, tanto na obra quanto na fruição da obra (distinguíveis só rationis [conceitualmente], já que fazem parte de um único evento ou “operação”), um elemento de imponderabilidade tal, de modo que a própria essência digital, que é numérica e, portanto, “programática” da obra, introduza um componente do indeterminismo. Essa noção de interatividade pode ser relevante também para definir as possibilidades, em um sentido amplo, da ética da arte virtual, o que não implica uma subtração, mas uma acentuação dos caracteres de irrepetibilidade e singularidade da obra (não mais “objeto” ou “evento” mas “objeto-evento”), e torna mais complexas as noções de autenticidade. De fato, a específica virtualidade do corpo virtual evidencia o fato, implícito na definição inicial de um corpo virtual, de que o corpo-imagem digital interativo nunca atualiza totalmente a virtualidade de sua matriz algorítmica (LEVY, 1995; HEIM, 1993).

Em síntese, o virtual se configura como um complexo problemático, um nó de tendências que se desenvolve em um processo imprevisível de atualização formal. Se considerarmos a este nível a experiência estética como uma relação com o que um certo sistema de práticas e valores significa o que sejam obras de arte e, portanto, dentro de uma tradição variada, mas de reconhecível tradição, então devemos pensar a experiência estética privando-a de distância, que foi uma condição de possibilidade de uma forma relevante de valor artístico, e de pensá-la na dimensão de vórtice, de ingresso do fruidor no corpo da obra e, ao mesmo tempo, da obra em seu próprio corpo, ou imaginário. Isso implica a acentuação da dimensão esculpida e sentida da relação: formar um corpo com a obra, que sofre o efeito da minha presença e modifica o meu sentir através da mudança produzida por esse sofrimento.

Desse ponto de vista, a experiência estética é uma relação empática sui generis, pois expõe plenamente a ambiguidade fundamental entre o internamento e a unificação típica da empatia, já que o movimento projetivo que anula a alteridade não pressupõe simplesmente uma dualidade polar que é superada, mas é ela mesma uma condição de possibilidade para o mínimo de polarização que permite a projeção. Portanto, a partir desse ponto de vista chamado subjetivo, o mesmo processo de transferência de si para outro é, ao mesmo tempo, um processo de constituição do outro; por outro lado, porém, tal processo de constituição é permitido pela essência virtual do ambiente e limitado pelo seu esquema oculto, por sua natureza informática e digital, que pode ser processada empaticamente só no nível do seu fenomenizar-se.

E isso envolve procedimentos em diferentes direções, estratégias de modelagem plásticas e também fluídas. Entre outras coisas, isso conduz a uma experiência sem precedentes: o corpo-ambiente virtual é assim atraído para o horizonte da percepção, possibilitando o que é impossível em um ambiente não virtual, a duplicação da percepção nela mesma: pelo menos tendencialmente, no que diz respeito aos processos primários sobre os quais se enxertam modalidades complexas de ação-fruição, no ambiente virtual com um alto grau de imersão, que o usuário “percebe” perceber.

Talvez as obras de arte que são corpos-ambientes virtuais ainda não tenham aparecido, exceto como projetos e experimentações, mas se pode indicar seu sentido, em perspectiva, na constituição de um espaço-tempo comunicativo, participativo, ativo e criativo. Esta é a simples tarefa da arte que concorda em “sujar as mãos” com tecnologias digitais. Mas para tal, a arte deve sair de si mesma (BALZOLA; ROSA 2011), e a arte sai de si mesma se for uma construção de utopias, de anticorpos simbólicos de patologias sociais, se conseguir ser um movimento de oposição aos processos de anestesia contemporânea. Essa arte, que é técnica, é aqui pensada como um laboratório em que se constitui um habitat social, uma dimensão política não em seus conteúdos imediatos, mas em sua potência formal de rearticulação da aisthesis segundo dimensões da liberdade, da precisão do olhar sobre a ausência de liberdade, sobre o sofrimento e sobre a contradição.

A constante fundamental desses processos técnico-artísticos é a busca da dimensão participativa, daquela interatividade respeitosa da parte dos atores-espectadores que constitui o próprio sentido da operação artística, a partir do qual se abre a possibilidade de uma antiga e nova memória, individual e comum, uma memória que é perspectiva para um possível habitar esta terra. A obra torna-se assim o lugar da relação, um espaço próprio do habitar humano, não mais um espaço de armazenamento, mas o lugar próprio da obra, de seu entreabrir-se: complexo problemático, nó de tendências que se desenvolve em um processo imprevisível de atualização; já que a obra interativa é capaz de incorporar de modo inédito a ação dos fruidores, torna-se a forma de uma experiência irreproduzível, que acontece como um evento no ambiente que ela mesma constitui. Tudo isso nos leva a pensar a estrutura do corpo-ambiente virtual como essencialmente relacional, ou como um lugar que existe apenas no encontro.

E, se podemos, queremos ou pretendemos chamar de obra de arte na era dos dispositivos virtuais, é devido à sua natureza interativa, entendida como uma experiência contingente e irrepetível, então, hoje, como nunca antes, é possível, em um sentido estrito, dizer que arte é experiência. Essa experiência possui natureza coletiva, visto que a obra se faz habitação e lugar incorporando em sua matriz os traços sensíveis, emocionais e cognitivos de seus espectadores-atores, reformula-se metamorficamente como um projeto participado. A obra torna-se assim um espaço midiático, reatualizando o significado original de “medium” como um “espaço público”: lugar intermediário porque lugar de encontro.1

1Texto traduzido por Monica Fantin

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Recebido: 29 de Setembro de 2017; Aceito: 17 de Agosto de 2018

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