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Perspectiva

versión impresa ISSN 0102-5473versión On-line ISSN 2175-795X

Perspectiva vol.37 no.1 Florianopolis ene./marzo 2019  Epub 18-Jul-2019

https://doi.org/10.5007/2175-795x.2019.e52561 

Dossiê Imagens, Mídias e Práticas Corporais

Imaginário, mídias e formação: o que pode o professor no espaço universitário?

Imaginary, media and training: what can the teacher in the university space?

Imaginario, medios y formación: ¿qué puede hacer el docente en el espacio universitario?

Valeska Fortes de Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0002-8295-1007

Vanessa Alves da Silveira de Vasconcellos2 
http://orcid.org/0000-0001-5239-8012

1Universidade Federal de Santa Maria, UFSM

2Universidade Federal de Santa Maria, UFSM


Resumo

O texto que ora apresentamos faz uma reflexão sobre as mídias referenciada no campo do imaginário social, na qual discutimos nossas invenções midiáticas e as relações que criamos com elas. A empiria que expomos nesta discussão trata dos professores universitários, suas relações e as imagens, que são produzidas com base nas significações construídas frente ao estudante e à aula universitária, a fim de compreender as suas práticas pedagógicas a partir do imaginário social. Os docentes universitários que fizeram parte da investigação, e que aqui são centro do debate, participaram do Curso de Formação e Desenvolvimento Pessoal e Profissional Docente, desenvolvido pela Unidade de Apoio Pedagógico (UAP) do Centro de Ciências Rurais (CCR) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Evidencia-se que a abordagem metodológica escolhida para a construção da investigação baseou-se no enfoque biográfico, que oportunizou aos professores pensar, refletir e tomar consciência dos saberes e fazeres que estão construindo na docência, (re)significando suas práticas. Compartilhar e produzir conhecimento em um espaço/tempo referenciado no campo do imaginário social é um convite e um exercício constante de pensar o que instituímos como nosso, como sociedade que somos. Dessa forma, acreditamos que, nessa relação, a leitura do instituído prevê também um instituinte, inventando outras formas de ensino e de aprendizagem no espaço universitário, bem como outras formas de ser professor e viver numa sociedade da cultura de mídias.

Palavras-chave:  Imaginário; Mídias; Formação; Professor Universitário

Abstract

The text presents a reflection of the media referenced in the context of the social imaginary where we discuss our media inventions and the relationships we create with them. The empiricism we point out in this discussion deals with university professors, their relationships and the images that are produced based on the meanings built in front of the student and the university class, in order to understand their pedagogical practices from the social imaginary. The university professors who were part of the research and who are the center of the debate participated in the Training and Personal Development and Professional Development Course, developed by the Pedagogical Support Unit of the Center for Rural Sciences, at Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). It is evident that the methodological approach chosen for the construction of the research was based on the biographical approach, which made it possible for teachers to think, reflect and become aware of the knowledge and actions they are building in teaching, (re)meaning their practices. To share and produce knowledge in a space time, referenced in the context of the social imaginary is an invitation and a constant exercise of thinking what we institute as ours, as society that we are, the forms of life that we have invented and our relations with our creations. In this way, we believe that in this relationship, the reading of the instituted also provides an institute, inventing other forms of teaching and learning in the university space, as well as other ways of being a teacher and living in a society of media culture.

Keywords:  Imaginary; Media; Training; College professor

Resumen

El texto que presentamos hace una reflexión de los medios referenciada en el campo del imaginario social donde discutimos nuestras invenciones mediáticas y las relaciones que creamos con ellas. La empiria que exponemos en esta discusión trata acerca de los profesores universitarios, sus relaciones y las imágenes que se producen sobre la base de las significaciones construidas frente al estudiante y la clase universitaria, a fin de comprender sus prácticas pedagógicas a partir del imaginario social. Los docentes universitarios que participaron en la investigación y que aquí son centro del debate, participaron del Curso de Formación y Desarrollo Personal y Profesional Docente, desarrollado por la Unidad de Apoyo Pedagógico (UAP) del Centro de Ciencias Rurales (CCR), la Universidad Federal de Santa María (UFSM). Es evidente que el enfoque metodológico elegido para la construcción de la investigación se basó en el enfoque biográfico, que permitió a los profesores pensar, reflejar y concientizar el conocimiento y acciones que están creando en la enseñanza, (re) significando sus prácticas. . Compartir y producir conocimiento en un espacio / tiempo, referenciado en el campo del imaginario social es una invitación y un ejercicio constante de pensar lo que instituimos como nuestro, como sociedad que somos. De esta forma, creemos que en esa relación, la lectura del instituido prevé también un instituyente, inventando otras formas de enseñanza y de aprendizaje en el espacio universitario, así como otras formas de ser profesor y vivir en una sociedad de la cultura de medios.

Palabras clave:  Imaginario; Medios de Comunicación; Formación; Profesor Universitario

Esticando o pensamento face a tantas questões

Com inspiração spinozana, temos acreditado, cada vez mais, que pessoas e grupos, aumentam nossas energias, produzindo mais ou menos potência. Juliana Merçon (2009, p. 53-54), na sua obra Aprendizado ético-afetivo: uma leitura spinozana da Educação, aponta que

O conhecimento imaginativo segue a ordem da memória, que é para nós a ordem fortuita das afecções do nosso corpo. Assim sendo, quando o corpo é afetado, simultaneamente, por dois corpos, sempre que a mente imaginar um deles se lembrará imediatamente do outro. […] Spinoza define a paixão como um afeto, ou seja, uma afecção do corpo pela qual a potência de agir desse mesmo corpo é aumentada ou diminuída, favorecida ou impedida.

Favorecidas pela energia de um grupo organizado pela professora Mônica Fantin, nossa potência é aumentada no que chamamos, no título, de possibilidade de esticamento do pensamento. Também é pela inspiração spinozana que nomeamos nossa escrita com o título: Mídias, imaginário e formação: o que pode um professor universitário?. Traremos uma empiria realizada por ocasião de uma pesquisa que integra o projeto guarda-chuva O lugar do imaginário na formação de professores, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Imaginário Social.

Uma parte importante da investigação, realizada com professores da Universidade Federal de Santa Maria, diz respeito às suas relações com as mídias e aos desafios colocados pela geração de estudantes que frequenta nossos cursos universitários. A mudança dos corpos passivos para os corpos plugados 24/7, utilizando a metáfora de Jonathan Crary na obra 24/7: capitalismo tardio e os fins do sono, mostra a mudança ou a nova configuração de corporeidades midiatizadas. Michel Serres (2013), no seu livro Polegarzinha, aponta que

Nós, adultos, transformamos nossa sociedade do espetáculo em sociedade pedagógica, cuja concorrência esmagadora, orgulhosamente inculta, ofusca a escola e a universidade. Pelo tempo de exposição de que dispõe, pelo poder de sedução e pela importância que tem, a mídia há muito tempo assumiu a função do ensino. (SERRES. 2013, p. 18).

Outros corpos no espaço da universidade … novos imaginários

Somos uma tribo do imaginário social e compartilhamos com Juremir Machado da Silva (2017, 24-25) a ideia de que

O imaginário é um excesso, algo que se acrescenta ao real. Não há garantia de que vá funcionar e não se pode planejar a operação em todas as suas etapas, mas se pode produzir situações com alto potencial de geração de excessos capazes de formar imaginários. É o que fazem as tecnologias do imaginário. No século XX, a mais eficaz dentre elas foi o cinema. O imaginário é uma aura, uma atmosfera, um “plus”, um excedente, uma interpretação, uma significação, um sentido relevante individual ou socialmente atribuído a um acontecimento. O imaginário é um fato que passou a ter sentido para alguém. Todo imaginário é um revestimento, uma cobertura, uma sequência de camadas aplicadas sobre um acontecimento, uma obra, um fenômeno, um evento, um trauma, um feito.

Poderíamos nos deter por horas aqui, por todo o tempo da escrita, esticando o pensamento a partir das questões que nos lança Juremir (2017) na sua última obra, sobre a definição de imaginário. Afirma o autor que o imaginário é um feito. Nós acrescentamos: o imaginário é também um a ‘ser feito’, título de uma obra de Cornelius Castoriadis (1999): Feito e a ser feito, a quem prestamos nossa homenagem por ocasião dos vinte anos de sua morte. O imaginário, na concepção que tomamos de Castoriadis (1982), assume uma dimensão que é da ordem do instituído, daquilo que criamos e inventamos como pessoas e como sociedade, bem como aquilo que está por ser criado, inventado, como um movimento instituinte, um novo, ainda não pensado ou realizado.

E, com Castoriadis, trazemos uma reflexão sobre nossas criações, nossas invenções e as relações que estabelecemos com elas. Antes, alertamos que o imaginário, na produção castoriadiana, tem como princípio fundante a ideia de criação. Somos seres de criação. Somos seres simbólicos. Nessa concepção, não somos apenas herdeiros de tradições e de um legado para realizar projetos histórico-sociais já pensados, metanarrativas já desenhadas em outros momentos históricos. Somos pessoas gratas e não gratas, capazes de inventar outras formas, ainda não vividas, mas desejadas, sonhadas. Por isso, toda sociedade constitui seu mundo como um universo de significações.

Assim, damos sentidos ao que instituímos, e deslocamos esses sentidos quando não produzem mais significado social, individualmente falando. Somos seres que inventaram que a noção de felicidade, por exemplo, passa pela ideia de consumo. Somos nós que inventamos, por exemplo, a lógica 24/7, densamente descrita e problematizada por Crary (2016, p. 85), que aponta a dissolução entre a vida pessoal e profissional, nestes termos: “A economia da atenção dissolve a distinção entre o pessoal e o profissional, entre entretenimento e informação, desbancados por uma funcionalidade compulsória de comunicação inerente e inexoravelmente 24/7.”

Ao operar com o pensamento complexo e com a lente do imaginário, percebemos que nossas salas de aula foram ocupadas por uma geração que participa do encontro ao mesmo tempo e hora em que conversa com pessoas que estão em outros territórios. Estamos presentes virtualmente em qualquer lugar e ao mesmo tempo. Somos acordados a qualquer momento, convocados a responder a um grupo que, por agilidade na comunicação, nos adicionou aos seus membros e desde então invade até mesmo nossas horas de descanso. A palavra, inventada pelo nosso imaginário, criou leis, calendário e horas, definindo os dias que devemos destinar ao trabalho e também os que são necessários para o desfrute de lazer.

Na sociedade tecnológica, há exigência de estarmos conectados 24/7. Segundo Azevedo (2016, p. 95), “O tempo e o espaço foram transformados, muito embora o ser humano tenha continuado biologicamente com suas características originais.”

Discutindo a utilização das tecnologias e as transformações no sistema nervoso humano, Azevedo (2016, p. 96) traz algumas reflexões de Carr (2011):

Carr (2011) destaca que a comunicação em rede tornou-se um meio polivalente, que coletando e concentrando informações e ideias tão amplamente espalhadas pelo mundo, de um lado, é uma dádiva para a humanidade. Mas, de outro, a variedade e o volume de informação, com base em diferentes pesquisas realizadas, vêm apontando modificações mentais, entre elas a diminuição da capacidade de concentração e contemplação. Quanto mais a web é utilizada, mais têm seus usuários que se esforçar para permanecerem focados em longos trechos de escrita.

O espaço universitário foi modificado pela corporalidade trazida com as linguagens audiovisuais, pelas mídias eletrônicas e pelas formas como essas mídias permitiram a comunicação e o acesso a informações. Mas, como professores, interlocutores que poderiam estar melhor qualificados, o que fazer diante de uma turma conectada todo o tempo no aparelho de celular? Temos colocado, no espaço da sala de aula, perante nossos estudantes conectados, a questão da confiabilidade da informação? Problematizamos suas buscas, suas pesquisas realizadas nas mídias? Problematizamos a exposição à que estão submetidos, muitas vezes permitindo o acesso de estranhos em suas vivências particulares e subjetivas? Desnaturalizamos questões que são postadas, que fortalecem um pensamento coletivo destituído de memória e, muitas vezes, propício a comportamentos fascistas? Esticamos o pensamento no espaço da universidade sobre as questões de diversidade e a necessidade do exercício da alteridade na formação humana? O que pode um professor no espaço da universidade?

Na obra Escola e Tecnologia: máquinas, sujeitos e conexões culturais, Filé (2011), abordando o que vem sendo chamado de “cultura de convergência”, aponta para o movimento de outros sentidos na construção de discurso, outras ofertas de lidar com os sentidos: como possibilidades. Na compreensão desse movimento, Azevedo (2016) pontua que

Isto porque, podemos em computadores pessoais produzir e assistir a vídeos, produzir e editar textos, sons e fotografias, assim como produzir desenhos. Da mesma forma um texto ou um filme pode ser visto numa televisão, num mp4, num celular etc. Acrescenta ele que estamos diante do desenvolvimento de outras capacidades cognitivas e que podem requerer algo mais que conteúdos a serem assimilados, arquivados e devolvidos. Podem demandar desafios que produzam capacidade de interligação, de forma simultânea de diferenciados elementos, de diferentes linguagens e processos de significação. (AZEVEDO, 2016, p. 100).

A sala de aula, com o professor e seu plano de ensino, que organiza metodologicamente o encontro a partir de um único dispositivo, seja ele a leitura de um livro, de um texto ou de um programa de exercícios, seja uma exposição oral, é desafiada a se ampliar. Para essa aula ampliada, é preciso uma mudança de postura, de comportamento e do paradigma com que organiza seu pensamento e suas ações. Esticando o pensamento, pelo desafio das corporeidades midiáticas, seremos capazes até mesmo, como (re)criação de outras formas de aprendizagem, de propor a aprendizagem da escuta e do olhar sensível, como uma experiência formadora que exige um tempo, um silêncio e, muitas vezes, que nos desconectemos das mídias. “As novas tecnologias nos obrigam a sair do formato espacial inspirado pelo livro e pela página. Como?” (SERRES, 2013, p. 41).

A relação, por exemplo, de muitos dos nossos estudantes, e as nossas próprias, como professores, têm sido, com a chamada mídia social, que

[...] parece estar se tornando, para muitos, a própria vida – o palco central e cada vez mais transparente da existência humana (Keen, 2012, p. 10). É possível pensar que, principalmente para os jovens, estar na mídia social é como estar em casa. (AZEVEDO, 2016, p. 104).

Essas e outras questões, precisam ser problematizadas, para que possamos estranhar um pouco nossas criações, naturalizadas como se sempre vivêssemos dessa forma, mas, sem os aparatos midiáticos, não conseguimos andar para lado nenhum, nem mesmo produzir uma experiência formadora. Olhando para nossas criações midiáticas, também podemos descobrir seu potencial mais amplo para os processos de ensino e de aprendizagem na educação. Mas é preciso perguntar: que sentido dão os professores à utilização das redes sociais para a aprendizagem? Que relação temos com as redes sociais e como podemos produzir outras experiências, capazes de deslocar os estudantes – e a nós mesmos – em direção a outros movimentos, outros pensamentos e outras ações na sociedade?

Andamos ocupados com nossos espelhos, porque narciso acha feio o que não é espelho. Preocupados com as postagens e as curtidas. É preciso dar-se o tempo para outras experiências, que nos desloquem mais por entre o outro desconhecido, que nos incomoda e, muitas vezes, nos provoca o ódio e a discriminação social. Alain Touraine (2009, p. 193), numa obra que apreciamos desde o título: Pensar outramente: o discurso interpretativo dominante, assevera: “A noção mais interessante do pensamento pós-moderno é aquela do eu dividido (divider self) à qual Jullia Kristeva deu sua forma mais elaborada ao falar do estrangeiro em si.”

É quando nos sentimos ‘estrangeiros de nós mesmos’ que podemos reconhecer e aceitar o estrangeiro. Esses são movimentos que a educação pode produzir, algumas tecnologias para que possamos ficar diante de nossos ‘outros’. Dos estrangeiros que habitam em nós e, assim, por intermédio de dispositivos que proponham um autoconhecimento e uma ampliação de repertórios, irmos esticando cada vez mais nosso pensamento e nossa forma de viver neste mundo.

Esticando mais um pouco o pensamento a partir de uma empiria: os estudantes e professores universitários

Os estudantes universitários, atualmente, possuem diferente perfis; são movimentos de interesses, vontades e capacidades que diferem das gerações anteriores. O que antigamente era uma instituição com concepção elitista, à qual somente aqueles que pertenciam às camadas mais elevadas da sociedade tinham acesso, atualmente dá lugar a indivíduos de diferentes localidades do país, de idades, etnias e classe econômicas e sociais diversas, sem falar de suas vontades, ideias e comportamentos, muitas das quais o professor não espera e, por vezes, não sabe lidar.

É em meio a essa crescente massificação da educação superior, com estudantes de características, necessidades e interesses diversos, que o professor precisa ir repensando sua prática docente, diante dessas novas formas de aprender e se relacionar com os saberes. A empiria que aqui completa este cenário de discussão diz respeito aos estudantes e professores universitários, às suas relações e às imagens que são produzidas a partir das significações por eles construídas. Os professores universitários que fizeram parte da investigação, que aqui são centro do debate, participaram do Curso de Formação e Desenvolvimento Pessoal e Profissional Docente, desenvolvido pela Unidade de Apoio Pedagógico (UAP) do Centro de Ciências Rurais (CCR) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A partir de suas significações diante do estudante universitário e da aula universitária, buscou-se compreender as suas práticas pedagógicas tendo como pano de fundo o imaginário social.

Evidencia-se que a abordagem metodológica escolhida para a construção da investigação baseou-se no enfoque biográfico, a qual oportunizou aos professores pensar, refletir e tomar consciência dos saberes e fazeres que estão construindo na docência, (re)significando suas práticas. O interesse pelo curso e a oportunidade de um espaço/tempo disponível e dedicado aos docentes, para que pudessem trazer as problemáticas vivenciadas em seu cotidiano e tomar consciência de seus fazeres, estimularam o movimento formativo, possibilitando a qualificação dos processos de ensino aprendizagem.

A utilização da abordagem biográfica na área da educação evidencia as experiências educacionais dos sujeitos, bem como potencializa o entendimento sobre os diferentes mecanismos e processos relativos à educação em seus diferentes tempos. Possibilita também adentrar em um campo subjetivo e de significações através das narrativas dos professores sobre as imagens que eles constroem dos estudantes universitários, buscando entendê-los dentro dos processos de ensino e de aprendizagem.

Aqui as narrativas tornam-se a própria produção dos dados para a pesquisa, considerando-se que o sujeito está constitutivamente vinculado à linguagem, por ser nela “[...] o lugar no qual se fabricam, ao mesmo tempo e indissociavelmente, uma ‘história’ e o ‘sujeito’ dessa história” (DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 98).

As narrativas não são apenas o meio mas também o lugar da operação discursiva, pois é através delas que que se organizam e tematizam os acontecimentos da existência do sujeito, resultando na criação, em um sentido que dá uma história à vida. “Nós não fazemos a narrativa de nossa vida porque temos uma história; temos uma história porque fazemos a narrativa de nossa vida” (DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 97).

Em vista disso, questiona-se: quais são as novas demandas dos estudantes universitários? Quem é esse grupo, cada vez mais heterogêneo no que diz respeito aos interesses, às necessidades, ás faixa etária às condições econômicas, étnicas e sociais? A formação do professor está dando conta dessa população, que chega com outras representações sobre o conhecimento e a formação no Ensino Superior?

Michel Serres (2013) nos provoca a pensar nesse estudante, que está a nossa frente, assim como nos desafia a refletir sobre uma nova forma de encarar a docência nos dias de hoje. É ele que nos diz da necessidade de conhecer esse alguém antes mesmo de pensar em querer lhe ensinar algo. Polegarzinha é o nome dado a essa nova geração de estudantes, que pensa de outra forma, conhece e escreve de um jeito diferente das gerações anteriores. “Foi por vê-los, admirado, enviar SMS com os polegares, mais rápidos do que eu jamais conseguiria com todos os meus dedos entorpecidos, que os batizei, com toda a ternura que um avô possa exprimir, a Polegarzinha e o Polegarzinho” (SERRES, 2013, p. 20).

Eles não têm mais a mesma expectativa de vida, não se comunicam mais da mesma maneira, percebem o mundo de outras formas e com outros olhares. As crianças e jovens possuem acesso a pessoas, lugares e saberes de forma instantânea:

Todos têm o tal saber que se anuncia. Inteiro. À disposição. Na mão. Acessível pela internet. Wikipédia, celular, em inúmero sites. Explicado, documentado, ilustrado, sem maior número de erros do que nas melhores enciclopédias. Ninguém mais precisa dos porta-vozes de antigamente, a não ser que um deles, original e raro, invente. (SERRES, 2013, p. 45).

Os professores colaboradores desta investigação reconhecem essas novas características da aula no Ensino Superior, bem como o estudante que ingressa na universidade:

Prof. Colaborador D: E o grande problema do aluno, hoje, é que você está falando alguma coisa em aula, e o que ele tá fazendo? Está pesquisando. Não chega a ser uma crítica, é [o fato de ]que o que ele acessa ali, nas mídias, é algo que já está lá. Então, este tipo de transmissão de conhecimento é mero banco de dados, é mera memorização [...]. É leitura imediata. Se não tiver [o que o aluno procura] nos bancos de dados que ele está acessando (por isso que eu brinco “professor Google)”, ele perdeu a capacidade, ele não consegue resolver o problema.

Prof. Colaborador L: A gente estava falando sobre educação em aula, aí eu falei de um documentário, passei umas partes para eles assistirem em casa, procurar [...]. E uma aluna já disse: “Mas eu conheço outros dois”. Aí, na hora do intervalo, ela já me mostrou, aí eu olhei um pouquinho e vi que era do contexto deles e já passei para eles. No mesmo momento tu já tens, não precisa de uma outra aula pra ver, sabe.

Prof. Colaborador C: É colaborativo.

Prof. Colaborador L: Então, se eles conseguem adequar essas tecnologias a isso, a aula rende muito mais. É muito bom.

Essas situações, bem como a ideia de que a universidade já não é mais uma instituição marginal, reservada apenas para a formação de um grupo elitista, mas sim uma instituição central muito mais ligada ao resto do sistema educativo, alteram o contexto universitário e o trabalho docente. As preocupações colocadas pelos professores colaboradores são pertinentes, já que, a partir disso, se faz necessário rever e repensar o trabalho docente nestas novas circunstâncias.

O estudante universitário está em um período de formação, portanto de aprendizagem, e considerar esse aspecto é uma outra forma de pensar a atuação docente no Ensino Superior. Diferentemente de uma concepção em que o professor universitário constrói sua formação e identidade pautadas no âmbito científico e reconhecida a partir de sua área de atuação (biólogos, engenheiros, odontologista, médicos, administradores, etc.).

O lugar em que é construída a identificação desse professor é o conhecimento sobre sua especialidade, e não o conhecimento sobre a docência, e essa identidade indefinida justifica-se pelo fato de que sua formação para a prática profissional está orientada ao domínio científico e/ou ao exercício das atividades profissionais vinculadas a ele. Sendo assim, observa-se que muitos professores acabam reagindo ao processo de aprendizagem do estudante como algo que não lhes compete diretamente, visto que o aprendizado é de inteira responsabilidade do discente, ao passo que o ensino é responsabilidade do professor.

O grande desafio posto aqui é transformar a universidade de instituição de ensino em lócus de aprendizagem. A preocupação do professor deve estar voltada principalmente para a consideração dos processos e estratégias através dos quais os estudantes alcançam a aprendizagem.

Aquela tradicional tarefa de transmitir conhecimentos deve ficar relegada a segundo plano, dando espaço ao papel de facilitador da aprendizagem de seus alunos, visto que o acesso ao conhecimento, atualmente, pode ser feito através dos mais diversos meios (livros, internet, vídeos, documentários, etc.). Ao problematizar o papel docente nos dias atuais, Serres (2013) sugere uma mudança de razão, considerando a invenção como o único ato intelectual autêntico. Ele ainda enriquece a reflexão ao pensar a docência em meio a vozes, movimentos, desordem, espaços misturados, mesclados, desarrumados, com atores móveis, que circulam, mobilizam, gesticulam e trocam entre si.

Dizia o porta-voz: este é o saber estocado nas páginas dos livros. Livros estes que ele mostrava, lia, recitava. Ouçam e depois leiam, se assim quiserem. Em todo caso, porém, silêncio! Por duas vezes a oferta dizia: cale-se! Isso acabou. Com a sua onda, a tagarelice, rejeita essa oferta e anuncia, inventa, apresenta nova demanda, provavelmente de um novo saber. Reviravolta! Ouçamos também – nós, professores falantes – o rumor confuso e caótico dessa demanda tagarela, vinda dos alunos que, antigamente, ninguém consultava para saber se realmente demandavam tal oferta. (SERRES, 2013, p. 45-46).

O desafio está na ideia de o estudante universitário aprender a aprender. E isso não se encontra na acumulação de informações, sejam elas especializadas ou práticas, mas sim no desenvolvimento da capacidade de organizar a informação e de construir aprendizado a partir dela. O relato de uma das professoras colaboradoras da pesquisa alerta sobre a relação do estudante com os saberes:

Prof. Colaborador A: É esta impressão que eu tenho: eles têm a falsa impressão de que a informação está na mão deles, mas tira aquilo ali e eles não têm nada, eles se perdem, porque eles não guardaram nada. Eles acham que está tudo ali sempre.

Enquanto não houver essa preocupação, os desastres continuarão a se multiplicar no ensino universitário, no qual o aprender acaba sendo desvinculado da responsabilidade docente, e o fracasso na aprendizagem é atribuído ao discente, em razão de sua falta de capacidade, interesse e/ou conhecimento. Observa-se que aí o estudante é obrigado a passar por um processo de aprendizagem individualizado, construído sem auxílio do professor, cujo sucesso, muitas vezes, nem sempre logra alcançar, e o fracasso nessa tentativa é evidente, como fica claro na fala abaixo:

Prof. Colaborador D: Como boa parte deles não desenvolve métodos adequados de estudo, eles deixam para estudar na última hora, e eles caem sempre naquela questão: se tem uma prova amanhã ou hoje, dois dias antes ele falta todas as disciplinas para estudar. Eu sou do tempo que você tinha todas as provas concentradas em uma semana, isso obrigava os alunos a se organizarem, porque eles sabiam que não iam ter tempo de estudar, aí eles tinham que estudar antes.

Dessa forma, esquece-se que alguns dos principais componentes para que ocorra a aprendizagem são o diálogo, a aproximação, as trocas. A construção das nossas próprias ideias e o sentido que conferimos às nossas experiências se dão a partir do confronto com as ideias alheias, por isso a importância de o processo de aprendizagem ser mediado pela interação com o meio e com as pessoas que fazem parte dele: professores e colegas. Por isso a necessidade de criar espaços e tempos em que a interação e o compartilhamento de ideias e experiências entre os que estão envolvidos no processo de aprendizagem sejam possíveis.

E essa atitude é exercitada por uma das professoras colaboradoras, que afirmou se comunicar via Facebook com seus alunos para criar uma proximidade com eles. Percebe-se que ela usa uma ferramenta em que eles transitam com facilidade, para então investir no processo de aprendizagem dos estudantes, auxiliando-os na construção de seu processo formativo:

Prof. Colaborador P: Eles vão lá pelo Face e me perguntam. Eu digo: “Gente, pode me fazer pergunta por lá”, porque tem gente que tem vergonha de fazer pergunta na aula [...]. Uso as redes sociais para deixar recado, para ter uma certa proximidade e os alunos sentirem que eles têm uma liberdade para perguntar, tanto que eles perguntam. Quanto a isso, está bem razoável, pode ser que eu consiga ainda fazer com que eles sejam mais engajados, que eles se preocupem.

Do estudante universitário e do reconhecimento de suas necessidades, interesses e demandas, desponta um desafio para a formação do docente desse nível de ensino, que é destinar uma de suas funções para a aprendizagem e formação do discente. Ou seja, que exista compromisso e responsabilidade ética e social para com a formação do estudante, para além da disciplina e dos conhecimentos científicos a serem ensinados.

Questões estas destacadas nas seguintes falas dos professores colaboradores:

Prof. Colaborador L: O que tu percebes é que a docência está em segundo plano, porque a questão profissional, técnica fica mais fácil, né: “Tu vês, é assim que se faz um site, então tu aprendeste, beleza, tchau”. Agora pensar que isso vai atingir um público, uma camada social, que isso vai interferir em uma comunidade, aí isso envolve muito conhecimento, muita discussão, e é um pouco isso [...]. É pensar que tu és um formador, então é um pouco de se colocar assim, em uma posição: “Eu sou um formador, um profissional que está na universidade, e a formação precisa ser ampla, e não restrita à área de conhecimento”.

Prof. Colaborador A: Então, eu acho que nós devemos fazer de tudo para que seja um aprendizado, inclusive para a maturidade deles. Eles têm que amadurecer, e não dá para deixar para amadurecer quando eles estão com o canudo na mão.

A questão do amadurecimento é um ponto mencionado por todos os professores que colaboraram com a pesquisa. Eles acreditam que o acadêmico demonstra atitudes de imaturidade diante de situações de ensino e de aprendizagem e em relação à sua própria formação. A faixa etária entre 17 e 22 anos tornou-se uma característica do estudante do Ensino Superior, que, atrelado a isso, também apresenta um perfil de passividade durante o processo de aprendizagem.

E esse ponto é trazido por uma das professoras colaboradoras desta investigação, quando se refere à aula e à postura do estudante. A colaboradora afirma que o andamento da sua aula depende das trocas que são realizadas com seus alunos e que a participação destes a estimulam, neste processo, a querer inovar nas aulas, trabalhando com diferentes práticas e métodos. Mas o que ela observa e sinaliza em seus relatos é um perfil de estudantes

Prof. Colaborador A: Totalmente passivos. E, na verdade, o conhecimento se dá quando tem a troca, é mútuo.

Essa particularidade é atribuída aos acadêmicos pelo fato de eles estarem submetido a um processo de ensino que considera a ciência como pronta e acabada, desde o período escolar. Dessa forma, eles já chegam aos centros universitários, segundo Pimenta e Anastasiou (2010, p. 229), “[...] condicionados, abdicam da necessidade de pensar e de desentranhar o sentido de uma experiência nova ou de uma ação por fazer, sendo reforçados na repetição de modelos abstratos e na aplicação mecânica desses modelos sob a forma de estratégias variadas”.

As autoras mencionam uma pesquisa, feita com 140 professores, que buscou identificar quem são os estudantes universitários, quais suas expectativas, o que sabem e a visão do profissional da área que escolheram para cursar. A descrição dos discentes, a partir dos problemas descritos pelos professores, deram forma a algumas características do perfil dos acadêmicos, a saber: a falta de interesse, motivação e comprometimento com a aprendizagem; a passividade, o individualismo e o interesse na nota e por passar de ano para obter o diploma; a falta de disciplina e a insuficiência dos estudos, bem como fatores relacionados à escolaridade anterior, como, por exemplo, o nível de conhecimento ou pré-requisito insuficiente para acompanhar a graduação; e dificuldades de interpretação, de raciocínio e falta de criticidade (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010).

Os pontos relacionados à falta de interesse e de comprometimento, à passividade e à ausência de criticidade por parte do estudante universitário foram destacados nos relatos dos professores colaboradores, pois são posturas recorrentes em suas salas de aulas. Características estas demonstradas desde os ambientes escolares, nos quais o aluno não participa verbalmente da aula, possui uma certa timidez, compreende o espaço da sala de aula como local em que o professor traz o conhecimento e é o principal protagonista do processo.

No relato abaixo, podemos verificar essas características mencionadas pela professora:

Prof. Colaborador A: Eles são muito pouco críticos. Outra coisa que você falou, com a qual concordo plenamente, é que estamos desacostumando a olhar ao nosso entorno, o nosso ambiente. Essa falsa impressão que a gente tem a informação na frente do computador nos deixa cego ao nosso redor, e aí a gente, que trabalha com a parte ambiental, vê muito isso. Você pergunta para os alunos: uma cultura é de verão ou de inverno? Qualquer pessoa que anda por aí, que vê os campos sabe. Os alunos da agronomia não sabem. Porque não vêm do mundo rural, são da cidade, e não prestam atenção. Mas é só eles olharem – eles pegam o ônibus da faixa nova, eles passam por lavouras – o que tá plantado ali no verão, o que tá plantado ali no inverno. E é essa falta de curiosidade ao nosso redor.

É importante considerar que estes alunos são indivíduos que vêm de um sistema de ensino que, nos últimos três anos, centrou seus esforços em ser bem-sucedido em uma avaliação que permitiria aos alunos (ou não) terem acesso ao Ensino Superior, que é o exame vestibular. E os principais requisitos para sua entrada na universidade eram a memorização, o condicionamento aos estudos sem críticas ou problematizações, com atividades pouco participativas.

Sobre essa questão, Azevedo (2016) aponta que

A escolarização para grande parte da população brasileira visa apenas à obtenção de um diploma com objetivo de “melhorar a vida”, e isto significa ganhar mais dinheiro. No ensino fundamental, a questão é passar de ano e nas camadas com mais recursos econômicos é passar no vestibular. A questão do conhecimento como forma de desenvolvimento humano, compreensão de fenômenos, desenvolvimento da inteligência, não é percebida. Os alunos geralmente ficam esperando as aulas expositivas, que servem para “fazer a prova”. (AZEVEDO, 2016, p. 108).

A aprendizagem deles requerida nessa ocasião estava concentrada na absorção do maior número de informações relativas a um assunto qualquer, e os questionamentos e dúvidas ficavam para fora da sala de aula. Com esse histórico de experiência, ao chegarem às universidades, os acadêmicos se deparam com problemas de baixo nível de conhecimento e com a ausência dos pré-requisitos necessários para acompanharem a graduação, como podemos observar na fala da professora acima, que credita o problema à falta de percepção por parte do aluno sobre o que está ao seu redor e de interesse nos temas estudados.

Compartilhando das mesmas preocupações sobre a formação no espaço da universidade, Azevedo (2016), relata:

[...] tendo como objetivo desenvolver em meus alunos a autonomia necessária para busca de aprendizagem nas estâncias fora da sala de aula e do discurso dos professores, e levando em conta que a utilização do computador e internet estão ao alcance da maioria dos alunos, mesmo para aqueles de menor renda, venho incentivando a ampliação da busca do conhecimento por esses meios. Primeiramente, essa proposta para a autonomia se dá, promovendo e acompanhando os alunos em espaços culturais, buscando desenvolver o “olhar pedagógico” que encontra aprendizagem em qualquer experiência. Está se chamando aprendizagem às transformações ocorridas nos indivíduos, sendo elas observáveis ou não; isto é, formas diferenciadas e ampliadas de perceber, interpretar e agir. (AZEVEDO, 2016, p. 107),

Além disso, o estudante que ingressa no Ensino Superior vive em uma sociedade em que o saber está por todos os lados, não se resume a laboratórios, salas de aula, escolas, campus, auditórios e bibliotecas. Ele tem acesso ao mundo de dentro da sua casa, e a comunicação está cada vez mais imediata. É em meio a esse contexto que foi detectada pelos professores colaboradores a necessidade de reconfigurar o ensino nas universidades, nas escolas, enfim, em todos os centros educativos.

Diante de uma realidade em que os saberes estão em constante fluxo, atravessando nossas vidas, em casa, nas praças e nas ruas, a necessidade de reinventar o papel de qualquer instituição educativa se torna evidente. Percebe-se um contexto em que a informação e o conhecimento se distinguem e dão outros contornos para o ensino e a aprendizagem.

A informação toma o lugar de exposição sistematizada do avanço da ciência e da experiência humana, como um produto explicativo sobre determinados fenômenos. O conhecimento, dentro de uma ótica complexa, que envolve interação, subjetividade e comunicação, assume um caráter pessoal autobiográfico, em cujo interior figura o indivíduo, ressignificando a informação a partir de suas formas de ver o mundo e de suas estruturas culturais, emocionais e cognitivas (CUNHA, 2016).

A analogia citada abaixo, trazida por Serres, problematiza o ensino diante das novas transformações, propondo uma urgente mudança em razão do novo perfil de jovem que ingressa nos centros educativos. São jovens que possuem outras formas de comunicação, de relação e de compreensão, bem como outras perspectivas, pois olham e percebem o mundo de formas diferentes.

Quando a Polegarzinha usa o computador ou o celular, ambos exigem o corpo de uma motorista na tensão da atividade, e não o de um passageiro na passividade do relaxamento: demanda e não oferta. Ela arqueia as costas e não fica de barriga para cima. Empurre essa pessoinha para uma sala de aula: habituado para dirigir, seu corpo não suporta por muito tempo a poltrona do passageiro passivo. A Polegarzinha, então, se ativa mesmo sem aparelho para dirigir. Algazarra. Ponha em suas mãos um computador e ela recupera os gestos do corpo-piloto. (SERRES, 2013, p. 50).

Existe uma tendência a alterar a visão tradicional sobre o papel da instituição de ensino e, consequentemente, do professor. No processo de ensino e aprendizagem, as escolas e universidades devem se libertar da condição de transmissoras de informações e voltar-se para o estabelecimento de pontes entre os envolvidos nesse processo: docentes, discentes e o conhecimento.

O professor se depara com significativas mudanças, que lhes exigem diferentes direções, principalmente quando encontra acadêmicos com estudos insuficientes, dificuldades de raciocínio e de acompanhar o processo de formação inicial como um todo. Diante desse estudante real, o docente precisa criar possibilidades de articular a informação, a fim de auxiliar o sujeito aprendiz com a construção de autonomia em seu aprendizado.

Compartilhamos da experiência vivida por Azevedo (2016) sobre a construção da autonomia nos relacionamentos e nos trabalhos pedagógicos que incorporam as mídias ao processo de ensino e de aprendizagem:

Com a popularização dos vídeos, foi possível conhecer lugares, demonstrar experiências e assistir a entrevistas de teóricos que apresentavam seus próprios trabalhos, porém para utilização desses recursos, ainda era necessária a interferência do educador, para a obtenção do material. O advento dos sites de busca na internet permitiu uma revolução na aprendizagem, dando completa autonomia ao sujeito que deseja aprender. Aí está a questão: já temos a tecnologia, e está ela bem possível de ser utilizada, mas ainda não desenvolvemos um imaginário social capaz de lidar com tamanho poder. (AZEVEDO, 2016, p. 108).

Com isso não se quer dizer que as dificuldades constatadas nos estudantes devam ser abandonadas, mas sim que é possível conhecê-las a fim de programar de forma coletiva, com todos os envolvidos no processo de aprendizagem, ações em que se interaja com a ideia de conhecimento em movimento, sempre relativo e possível de mudança. A certeza dá lugar à dúvida, que deve ser reconhecida como o maior motor da geração de conhecimento pelos sujeitos que vivem a universidade, as escolas e qualquer instituição de ensino.

Há uma mudança de percepção partindo deste estudante que está em nossas universidades, e ela nos possibilita questionar, refletir e interrogar o sistema de ensino universitário posto. E uma possibilidade a ser pensada é a realização de uma problematização por meio de outros sentidos e significados, através do imaginário do aluno, do professor e de todos os agentes que fazem da educação um espaço vivo e repleto de sentidos.

A partir daí, formulamos o seguinte questionamento: a formação do professor está dando conta desta população de jovens que chega às universidades com outras representações sobre o conhecimento e sobre a formação no Ensino Superior?

Pressupor a formação de professores como um espaço pedagógico é pressupor, também, o reconhecimento da instalação desse impasse, no qual uma nova forma de relação com as instituições, a possibilidade da ruptura da repetição de categorias e conteúdo de pensamento, demanda mais que um espaço de aprendizagem, um espaço de reflexão, um espaço instituinte, de criação, no qual as “verdades estabelecidas”, os significados instituídos possam ser pensados por meio de novos. (HENRIQUES, 2006, p. 77).

É necessário que as atividades e práticas docentes ultrapassem a ideia de automação, de vazio e de alienação, bem como que a autonomia do ser humano ganhe espaço para a criação e recriação de novas possibilidades do ser docente.

A aula universitária: o ponto de encontro dos dois corpos – aluno e professor

É necessário estabelecer uma discussão sobre o ensino, a aula e a docência universitária, considerando a compreensão e o funcionamento desse fenômeno complexo e as situações que se criam ao problematizar o ensino e a aprendizagem dentro da universidade. As discussões até agora nos permitem refletir a respeito das possibilidades de assumir outras posturas, que confiram ao conhecimento papel central nos processos de produção, porquanto seja essa uma das principais características da sociedade contemporânea.

Dentro desse contexto, a universidade, avaliada com base em indicadores de produtividade, passa a ser estruturada por normas e padrões completamente alheios ao conhecimento e à formação intelectual. A universidade se estrutura por estratégias e programas de eficiência organizacional, e isso afeta o seu funcionamento, conferindo-lhe algumas características sobre as quais é pertinente discutir, como o aumento excessivo das horas de ensino, a redução do tempo dedicado à graduação de mestres e doutores, a avaliação baseada na simples quantidade de publicações, simpósios e congressos, entre outras. Dessa forma, o que podemos perceber é que a universidade produz deslocamentos de sentidos com relação ao seu papel de instituição, cujos princípios são pautados na formação, no conhecimento, na reflexão e no compromisso ético e social.

Regida pelo jogo estratégico da competitividade e da produtividade em grande escala, a dimensão formativa da universidade passou a ser (re)configurada pela noção de transmissão rápida de conhecimentos, adestramento e treinamento, deixando de investir nas questões de reflexão e de crítica aos conhecimentos instituídos (CHAUI, 2003).

Dentro dessa lógica, o ensino é compreendido a partir da transmissão de conhecimentos registrados em manuais de fácil leitura, em enciclopédias, livros, textos e teorias. Os professores são contratados para lecionar os conhecimentos pertinentes à sua disciplina de formação e às relações entre ela e demais áreas afins. Além disso, sua inserção na docência do Ensino Superior é pautada na pesquisa, e eles são especializados em alguma área em particular, porém, ao exercerem a profissão docente, faltar-lhes-ão os subsídios para enfrentar as exigências que a docência requererá. O que se vê é um ensino concebido como uma habilitação rápida para indivíduos que precisam ingressar imediatamente no mercado de trabalho. Ou seja, a docência fica reduzida à transmissão e ao treinamento.

O que se observa, dessa forma, é a visão do exercício da docência associado a uma aula expositiva, como única forma de ensinar, em que o professor, como palestrante, coloca-se como a fonte de saber, como portador da verdade. O aluno, nessa concepção tradicional, é o copista de conteúdo, que memoriza o saber transmitido pelo docente. Trata-se da aula magistral, que, segundo Pimenta e Anastasiou (2010, p. 205), se torna o “[...] local onde todos dormem e uma pessoa fala”.

Também podemos compreender de outra forma o espaço da sala de aula, a partir da problematização feita por Serres (2013), sobre o fato de que também ali não existe comunicação e diálogo. O autor traz a ideia de repensar esse espaço da sala de aula, pois o professor não consegue mais impor silêncio. São vozes possíveis de ouvir desde a Educação Infantil, transformadas em ondas cada vez maiores nos próximos anos escolares e, na universidade, podem se tornar tsunamis de falas, que abafam o saber que descansa nos livros transmitidos pelo porta-voz do escrito, o professor.

As vozes desinteressadas que se desencontram no espaço da sala de aula não dão ouvidos ao saber que se anuncia, isso porque ele está dado por inteiro. “À disposição. Na mão. Acessível pela internet. Wikipédia, celular, em inúmeros sites. Explicado, documentado, ilustrado, sem maior número de erros do que nas melhores enciclopédias” (SERRES, 2013, p. 45). Existe a necessidade de estabelecer uma nova direção, ou seja, de romper com essa estrutura de ensino que já não responde mais aos desafios colocados aos professores.

O que os professores observam nos estudantes são indivíduos desinteressados, pouco críticos, apáticos diante da aula e dos assuntos tratados nela. Algumas falas dos professores colaboradores ilustram isso:

Prof. Colaborador A: Então você vê o grau de pensamento deles. Ou falta de pensamento. Porque eles são muito pouco críticos. Não têm curiosidade.

Prof. Colaborador M: Às vezes, eu fico pensando se eu não deveria deixar eles falarem mais. Eu acho que fico falando muito, mas claro que é uma aula teórica mesmo, ela é assim, né.

Percebe-se um desafio dentro desta lógica, que é a superação de um modelo centrado na fala do professor como ação de ensinar e na repetição e memorização por parte do estudante como ação de aprender. Há que se pensar e inventar uma nova sala de aula, e Serres (2013, p. 49) nos ajuda a refletir sobre este espaço, ao afirmar que, nele, “[...] os corpos, então se mobilizam, circulam, gesticulam, chamam, conversam, facilmente trocam entre si o que têm junto aos lenços”.

É uma nova estrutura, que já não cabe mais na expressão “assistir à aula”, pois não envolve um ato passivo do estudante, mas sim o instruir-se, o exercitar-se. Uma noção de enredar-se, poder-se-ia dizer, em que o docente, conduzindo e provocando a aprendizagem do discente, ensina-o a pensar e a refletir. Ou seja, são exercícios que se determinam e se condicionam mutuamente, assim como os descrevem Pimenta e Anastasiou (2010, p. 208): “[...] o ensino como atividade do professor e do aluno, acentuado na atividade do primeiro, e a aprendizagem como atividade do professor e do aluno, acentuada na atividade do segundo”.

E é nesse diálogo que os colaboradores da pesquisa percebem sua forma de dar aula dentro da universidade.

Prof. Colaborador A: Na verdade, a evolução da aula é diferente, o meu ânimo e o deles é diferente. Na outra turma, como eles são mais participativos, mais atuantes, a interação é bem melhor. Eles puxam a gente, se eles não puxam a gente, a gente tem uma sensação mais desestimulada. Vai passando, eu vou passando.

Prof. Colaborador C: Eu achei que foi uma relação bem aberta o fato de você deixar o aluno a falar a qualquer momento. Eu também prefiro assim, que o aluno possa a qualquer momento parar a aula e falar, né, acho que você incentiva isso. Isso é bem legal.

Prof. Colaborador L: Por exemplo, as manifestações que começaram na internet. Então, é tu tentar trazer isso. E, quando tu veres que um aluno está dispersando, é tu trazeres ele pra discussão: “E o que tu achas sobre isso?”. E aí tu vais levando, de alguma forma tu vais conduzindo a turma, isso é um desafio, né, as tecnologias.

Percebe-se então que aquela aula de antigamente, que muitos de nós vivenciamos durante nossa experiência como alunos, na qual o professor era o palestrante e o estudante o ouvinte, deve ser repensada tendo-se em vista a necessidade crescente de construir um paradigma que responda aos atuais enfrentamentos. É momento de transformações, de mudanças paradigmáticas a partir de uma perspectiva inovadora, que repense o espaço da sala de aula como um local de construção e de parceria, elementos fundamentais da relação professor/aluno.

Lucarelli e Cunha (2009, p. 89) tomam a inovação como referência do trabalho pedagógico desenvolvido pelo docente de Ensino Superior, afirmando que assumindo essa postura existe a possibilidade de uma “[...] ruptura com a forma tradicional de ensinar e aprender e/ou com os procedimentos acadêmicos inspirados nos princípios positivistas da ciência moderna”.

Assumindo a inovação como referência no trabalho docente, é possível desconstruir as práticas consolidadas tradicionalmente, pois a inovação exige que o professor (re)configure seus saberes, reconhecendo a necessidade de trabalhar buscando a transformação e o reconhecimento da diferença, em uma relação mais estreita com seus alunos, que priorize o diálogo e a interação com eles.

Dessa forma, considerar o saber pedagógico levando em consideração a perspectiva da inovação permite compreender a docência como uma profissão que vai além da execução de certas tarefas, que busca, através da ação docente, a transformação, numa tentativa de fazer avançar o processo de mudança social, numa lógica de reconhecimento das culturas, diferenças e subjetividades.

Da diferenciação entre saber e conhecimento emerge a importância do saber pedagógico – enquanto saber construído pelo professor no exercício da docência – como elemento que contribui para uma nova leitura da (des) qualificação docente, pois mostra a atividade do professor como uma atividade que demanda uma capacidade que vai além da execução, uma atividade de grande relevância na condução do processo educacional que vise a um ensino de qualidade. (AZZI, 2002, p. 44-45).

É necessário buscar a realização de um trabalho docente com mais qualidade; que o professor se coloque como um observador atento das demandas que surgem no espaço de seu trabalho, que a reflexão no plano teórico possa permear sua ação, mesmo que o que estiver inscrito na memória e no trajeto formativo o empurre para a direção contrária.

Dentro dessa perspectiva, destacamos uma ação docente, relatada por um dos colaboradores desta pesquisa, que caminha em direção ao ideal de uma prática contextualizada, investigativa, construída junto com o estudante:

Prof. Colaborador L: Eles falaram [os estudantes] “Ah! Eu vi o Pokémon Go ali no teu celular, professor”, e eu disse: “Sim, vocês vão chegar ao [fim do] semestre falando, e eu tinha que, de alguma maneira, conhecer a sistemática”. Tanto que eu vi um vídeo no Facebook de um professor usando para dar aula de matemática sobre distância a partir do Pokémon, porque é a realidade deles. Aí parece que começou a ter sentido para eles. (Prof. Colaborador L.)

Dessa forma, pretende-se defender aqui uma nova forma de compreender o conhecimento, a partir de inovações na prática pedagógica. Inovações que, segundo Cunha (2016, p. 94),

[...] se materializam pelo reconhecimento de formas alternativas de saberes e experiências, nas quais se imbricam objetividade e subjetividade, senso comum e ciência, teoria e prática, cultura e natureza, anulando dicotomias e procurando gerar novos conhecimentos. Entendida como ruptura paradigmática, exigem dos professores reconfigurações de sabres e favorecem o reconhecimento da necessidade de trabalhar o sentido de transformar.

A partir dessa compreensão, apontam-se novas direções ao campo da pedagogia universitária, e um deles é o alargamento do conceito de aula, defendido pela autora. A partir das discussões e da proposta de repensar este espaço, Cunha (2016) nos auxilia na defesa dessa ideia, ao sentenciar que a concepção de sala de aula como um lócus em que as classes e as cadeiras estão posicionadas nos seus devidos lugares não se sustenta mais, pois atualmente ela excede os limites físicos e institucionais, por isso exige mais movimento e novas racionalidades.

Defesa partilhada também por Serres (2013), cuja concepção de ensino dentro da universidade considera o ambiente acadêmico como um espaço misturado, desarrumado, mesclado, constelado, enfim, real, com descontinuidades, ruídos e movimentos. Um lugar cuja razão de existir/ser precisa ser mudada.

Essa compreensão inventiva, defendida também por Cunha (2016), é colocada para refletirmos sobre o contexto da aprendizagem e do ensino na universidade, que deve ir além da reinvenção do seu espaço arquitetônico, rumando na direção da produção de algo novo, através da resolução dos problemas de forma intencional. É a possibilidade de alicerçar novas transformações a partir da incorporação de uma condição de experimentação na docência, o que exige o reconhecimento da dimensão artesanal da ação do professor e da aprendizagem.

Vivemos em um tempo em que as estruturas do conhecimento estão sujeitas a mudanças. É uma era científica, das possibilidades e das probabilidades. Nesse tempo da pós-modernidade, o instável, o diverso e o imprevisível nos rodeiam. Na academia, a pesquisa científica não é diferente; ela balança e movimenta-se sem andaimes seguros, sem quaisquer amarras. Esta instabilidade da vida pós-moderna deve movimentar nosso olhar perante nossas dúvidas; as perguntas devem ser diferentes, nossos problemas devem assumir novos ângulos, novas lentes, novas formas.

A ciência na pós-modernidade, segundo Díaz (2009),

[…] acepta la instantaneidad, la diversificación y la inestabilidad propias de las partículas con trayectorias imprevisibles, la evolución biológica, la expansión del universo, el caos, las catástrofes, la entropía, las estructuras disipativas y los procesos sociales. (DÍAZ, 2009, p. 55).

A autora afirma que toda essa irreversibilidade temporal e essa multiplicidade de condutas não negam os processos reversíveis e determináveis pela ciência moderna. Uma forma de ciência não pode esquecer-se da outra, afirma a autora, que compara essa ideia com as entradas de um edifício. Enquanto a modernidade fora construía com entradas imponentes, a pós-modernidade inventa outras formas, burla o estilo anterior, mas segue utilizando o mesmo edifício.

A pós-modernidade é a atitude de suspeita, de abertura à diversidade de métodos, à interação entre a teoria e a prática, é a interdisciplinaridade e a compreensão do sujeito, das teorias e da realidade como construções históricas. Essa ciência dá espaço para um pensamento “[...] que se sabe emancipado de categorias a priori, de condicionamentos absolutos y de predeterminaciones hegemónicas” (DÍAZ, 2009, p. 71).

Considerando-se esse pensamento científico, que dá lugar às incertezas, instabilidades e dúvidas, compreende-se que o ensino dentro da universidade deve educar para a mudança e a incerteza. O ensino universitário é uma possibilidade de formação profissional em que o acadêmico percorre um percurso formativo, para então atuar de forma colaborativa no mundo do trabalho. Portanto esse caminho preenchido pela realização das disciplinas, experiências em projetos de pesquisas e extensão, em grupos de estudos e demais vivências universitárias deve ser destinado ao estudante e pensado de forma coletiva por quem o proporciona.

Os professores que integram um curso superior necessitam desenvolver sua disciplina tendo a consciência de que ela é parte de um processo formativo. Ou seja, além de integrar o contexto relativo a um quadro teórico-prático global, ela pertence, ao mesmo tempo, a um quadro parcial, pertinente ao processo de formação profissional. E isso é um exercício que deve ser construído de forma coletiva pelos integrantes dos cursos superiores, professores e demais profissionais que possuem o objetivo de organizar um projeto político-pedagógico institucional com o intuito de conseguir superar a fragmentação curricular.

Na pesquisa intitulada A aula universitária: coreografias de ensino, Barboza (2015) mostra como a tensão entre a formação acadêmica e a formação profissional atravessa o campo da chamada Pedagogia Universitária:

Destaca-se, ainda, que é muito recente o interesse pela universidade como “espaço de tomada de decisões formativas”, tal qual cunhado por Zabalza (2003, p. 12). Esse entendimento põe em questão o ensino como transmissão de conhecimentos. Considera-se que, aqui, está uma parte das tensões vivenciadas nas Instituições de Ensino Superior, sejam elas públicas ou privadas, entre o componente investigativo e o componente da docência, entre a formação acadêmica e a formação profissional, fatores estruturantes da vida acadêmica e social, que na organização institucional, apresentam-se com dimensões e prestígios distintos. (BARBOZA, 2015, p. 26).

A Pedagogia Universitária, como campo de produção do conhecimento sobre as questões da formação do professor do Ensino Superior, vem mostrando a necessidade, através das investigações realizadas em redes nacionais e internacionais, de organizar programas de formação continuada para os professores das Instituições de Ensino Superior, visando ao acompanhamento do seu desenvolvimento profissional.

Palavras finais sem pretensão conclusiva

Compartilhar e produzir conhecimentos no espaço/tempo de um Grupo de Pesquisa referenciado no campo do imaginário social é um convite e um exercício constante de pensar no que instituímos como nosso, como sociedade que somos, nas formas de vida que temos inventado e em nossas relações com o que criamos. É também a possibilidade do esticamento do pensamento, problematizando a relação, por exemplo, da formação profissional no espaço da universidade com relação às mídias. De vencer o sedentarismo a que nossas corporalidades estão submetidas, de levantar questões e produzir alternativas para o que Fantin (2006, p. 39) chama a nossa atenção e escuta:

Estamos sendo educados por imagens e sons e muitos outros meios provindos da cultura de mídias, o que torna os audiovisuais um dos protagonistas dos processos culturais e educativos, e a escola precisa redimensionar tais potencialidades (ainda que o texto escrito tenha seu lugar assegurado por ser um referencial fundamental que possibilita voltar, pensar, refletir). Afinal, as mídias não só asseguram formas de socialização e transmissão simbólica, mas também participam como elementos importantes da nossa prática sociocultural na construção de significados na nossa inteligibilidade do mundo e apesar destas mediações culturais ocorrerem de qualquer maneira, tal fato implica a necessidade de mediações pedagógicas.

Mostramos, no âmbito da empiria referenciada no texto, a necessidade dessas mediações pedagógicas. Sejam elas mediações pensadas para ressignificar o conceito de aula para o estudante, na construção da sua autonomia, sejam mediações pensadas para o professor formador, ainda preso num imaginário de formação alicerçado no ensino tradicional e mais atento às necessidades da lógica da investigação do que às necessidades formativas produzidas pela docência.

Voltando a nossa pergunta inicial, componente do título deste trabalho – o que pode um professor no espaço da universidade? –, utilizamo-nos da pergunta feita por Merçon (2009) (apud OLIVEIRA; SILVA, 2016) – O que pode um corpo? –, para continuarmos esticando o pensamento no exercício da imaginação criadora:

O aprendizado ético-afetivo pelo corpo que somos e pelo corpo que podemos vir a ser, pela nossa potência e pelos afetos que passam a ser mobilizadores de outras energias – tristes ou alegres – que aumentam ou diminuem nossa potência, é uma das possíveis respostas para a vida longa de um grupo que quando imerso em projetos de formação/investigação com outros professores consegue mobilizar afetos alegres que geram mais potência ao corpo-grupo e ao corpo-pessoa. (OLIVEIRA; SILVA, 2016, p. 61).

É nessa defesa das relações, das interações e intervenções no mundo que compreendemos a ativação do desejo, constituída não de forma solitária, mas sim através do aprendizado possibilitado pelo encontro que potencializa os indivíduos. Corroborando as ideias de Merçon (2009), este artigo quer trazer um olhar para possibilidade do trabalho coletivo na docência, a partir de uma mudança na concepção de cultura docente que atravesse o isolamento e a individualidade e caminhe em direção a uma perspectiva de colaboração entre pares.

São mudanças que devem partir de pequenas ações, de algumas atitudes que vão trazendo novos percepções sobre o que já está instituído. Dessa forma, compartilhamos da defesa de Beraza (2011), ao mencionar as mudanças visíveis em nosso mundo e como isso vai alterando o referencial que orienta nossas ações. Sendo assim, já é hora de instituirmos outros marcos, para então direcionarmos novos caminhos, orientando-os no sentido de ajustar as demandas a nossa forma de pensar e agir na docência.

Inventando outras formas de aula e de formação no espaço da universidade, vamos esticando também o pensamento, para criar outras formas de ensino e de aprendizagem que tomem nosso tempo e os aparatos midiáticos que inventamos sempre como possibilidades de ressignificação dos nossos modos de vida..

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Recebido: 05 de Setembro de 2017; Aceito: 06 de Dezembro de 2018

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