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Perspectiva

versão impressa ISSN 0102-5473versão On-line ISSN 2175-795X

Perspectiva vol.37 no.1 Florianopolis jan./mar 2019  Epub 18-Jul-2019

https://doi.org/10.5007/2175-795x.2019.e50888 

Artigos

Formação docente e as representações de famílias organizadas em modelos não convencionais: os contos de fadas como proposta de intervenção

Teachers´ formation and the representations of non-conventionally organized families: the use of fairy tales as a proposal for intervention

Formación docente y las representaciones de familias organizadas en modelos no convencionales: los cuentos de hadas como propuesta de intervención

Isaias Batista de Oliveira Júnior1 
http://orcid.org/0000-0002-9068-1983

Solange Franci Raimundo Yaegashi2 
http://orcid.org/0000-0002-7666-7253

1Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR

2Universidade Estadual de Maringa, UEM


Resumo

Este artigo teve como objetivo discutir as representações sociais sobre famílias organizadas em modelos não convencionais entre profissionais da educação e acadêmicos de Pedagogia. Como referencial teórico-metodológico utilizou-se a Teoria do Núcleo Central das Representações Sociais. Os dados da pesquisa foram coletados durante a realização do minicurso intitulado “Formação docente e as representações de famílias organizadas em modelos não convencionais nos contos de fadas”, desenvolvido no II Congresso das Licenciaturas da Universidade Estadual do Paraná. Participaram do estudo 25 sujeitos que responderam a um questionário sociodemográfico e a um instrumento de evocação livre antes e após a intervenção. Os resultados revelaram mudanças nas representações dos sujeitos da pesquisa entre o pré e o pós-teste. Essas mudanças devem-se, em parte, ao fato de os contos de fadas serem de fácil acesso e compreensão, o que favorece a adoção de uma nova postura, principalmente quando aliados a estratégias que visem problematizar as configurações familiares retratadas nas obras, possibilitando a adoção de uma nova postura, que pode vir a refletir no contexto escolar, favorecendo a integração nos ritos escolares e a promoção da cultura do respeito às famílias organizadas em modelos não convencionais.

Palavras-chave:  Contos de Fadas; Famílias organizadas em modelos não convencionais; Formação Docente

Abstract

The social representations of non-conventionally organized families among education professionals and Pedagogy undergraduates are discussed. The Theory of the Central Nucleus of Social Representations has been employed for the theoretical and methodological reference. Data were collected during the mini-course ‘Teachers´ formation and the representations of families organized on non-conventional models in fairytales’, prepared for the II Congress of the Undergraduate Course in the State Universities of Paraná. Twenty-five undergraduates participated. They answered a socio-demographic questionnaire and a free invitation prior to and posterior to the intervention. Results demonstrated changes in the representations of the agents between the pre- and post-test. Changes were due to the easy access to and understanding of fairy tales which favored a new stance, especially when coupled to strategies that problematize family configurations represented in the stories. A new stance may be adopted with consequences in the school context, enhancing the integration of school rites and the promotion of a culture of respect towards families which are organized according to non-conventional models.

Keywords:  Fairy Tales; Non-Conventionally Organized Families; Teachers´ Formation

Resumen

Este artículo tiene el objetivo de discutir las representaciones sociales sobre familias organizadas en modelos no convencionales de un grupo de profesionales de educación y académicos de la carrera de Pedagogía. Como referente teórico y metodológico se utiliza la Teoría del Núcleo Central de las Representaciones Sociales. Los datos de esta investigación se recolectaron a lo largo de la impartición de un mini curso con el título “Formación docente y las representaciones de las familias organizadas en modelos no convencionales en los cuentos de hadas”, que se dio durante el II Congreso de Licenciaturas de la Universidad Estadual de Paraná (Brasil). Participaron 25 sujetos, que respondieron a un cuestionario sociodemográfico y a una tarea de recuerdo libre antes y después de la intervención. Los resultados revelan cambios en las representaciones de los sujetos de la investigación entre pre y postest. Tales cambios se deben, en parte, al hecho de que los cuentos de hada sean de fácil acceso y comprensión, lo que favorece la adopción de una nueva postura, principalmente cuando son aliados a estrategias que buscan la problematización de las configuraciones sociales retratadas en las obras, dando cabida a la adopción de una nueva postura, la que podrá encontrar reflejos en el contexto escolar, favoreciendo la integración en los ritos escolares y la promoción de la cultura del respeto a las familias organizadas en modelos no convencionales.

Palabras clave:  Cuentos de Hadas; Familias organizadas en modelos no convencionales; Formación Docente

Notas introdutórias

A família tradicional/nuclear – sustentada na consanguinidade e no parentesco, estruturada em função do binarismo de gênero (masculino/feminino), cujos papeis são preestabelecidos na família e na comunidade – tida como “normal” e predominante, até no início do século XIX e meados do século XX, sofreu alterações profundas em seu cerne.

Mudanças significativas se deram a partir da década de 1960, reconfigurando a família “contemporânea”, “pós-industrial” ou “pós-moderna”, por conta de fatores como: entrada da mulher no mercado de trabalho, maior longevidade e qualidade de vida, formas de procriação a partir dos métodos anticonceptivos e conceptivos como uma realidade no planejamento familiar, novo exercício da sexualidade, reconhecimento constitucional da união estável e homoafetiva, dentre outros. Esse período, objeto de nosso estudo, reflete as novas formas de parentescos, em que a transmissão da autoridade se torna problemática, à medida que os arranjos conjugais são (re)configurados (ROUDINESCO, 2003; WAGNER, 2011).

Uma dinâmica na estrutura familiar tem atingido até mesmo as culturas mais longínquas do mundo e esse movimento cambiante transformou a família pós-moderna numa organização diferente de outrora, mudando seu estado moral e estrutural, portanto, encontramo-nos diante de uma série de formas de ser família que estão em contradição direta com aquelas, até o momento, admitidas como únicas e verdadeiras (ENGELS, 1984).

A família pós-moderna é considerada um gênero permeado por várias espécies, “[...] e mesmo no que consideramos ‘nosso’ modelo mais estável e mais familiar, existem tantas subespécies! Os progressos da genética libertam ou aceleram nossa imaginação [...]” (DERRIDA, ROUDINESCO, 2004, p. 53).

Portanto, a família não é mais singular, é plural, e essa multiplicidade não se refere simplesmente ao ato de nomear cada membro que a compõe, mas expressa as ideias que ultrapassam a consanguinidade próxima/distante, igual/desigual, que servem de evidência para um sistema inteiramente organizado e capaz de expressar centenas de diferentes relações de parentesco que permitem aos indivíduos se organizar como família (ENGELS, 1984). Vemos nessas entidades “[...] não somente um agregado mais vasto de pares biológicos, mas, sobretudo um parentesco menos conforme aos laços naturais de consanguinidade [...]” (LACAN, 1981, p. 12), que as tornam organizações extremamente complexas e as possibilitam organizar-se em diferentes configurações.

Isso significa que não devemos procurar nesse instituto um sentido único, mas que, ao realizarmos exames comparativos, possamos compreender que a família, da forma como ela se apresenta, é resultado de significativas transformações, “[...] tanto internamente, no que diz respeito a sua composição e às relações estabelecidas entre seus componentes, quanto às normas de sociabilidade externas existentes, fato este que tende a demonstrar seu caráter dinâmico [...]” (OLIVEIRA, 2009, p. 23). Todas essas evoluções em nossos costumes não são passíveis de compreensão se desprezamos o prodigioso crescimento do sentimento de família que passou a sustentá-la (LACAN, 1981; ÀRIES, 1981).

A escola, por sua vez, é um contexto fundamental na (re)produção cultural e social ao ser considerada como um espaço onde se cuida das novas gerações; uma instância mantenedora das aprendizagens e um lugar de direcionamento da juventude em prol da preparação para o futuro. Portanto, ela tem dupla injunção: social – efetivada por meio da transmissão de determinada herança cultural às novas gerações por intermédio do trabalho de várias instituições; e individual – concretizada na aquisição de conhecimentos, formação de disposições, visões, habilidades e valores (OLIVEIRA JÚNIOR, 2015).

Porém, mesmo diante do dinamismo nas mudanças familiares, a escola – não de forma isolada, mas aliada a outros institutos, como a indústria cultural, igreja, sociedade, religião, dentre outros – tem falado cada vez mais na crise da família tradicional/patriarcal (constituída por pai/mãe e filhos) como sendo a responsável pela desestruturação da cultura burguesa, principalmente no que se refere ao comportamento apresentado por crianças e adolescentes em sala de aula (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016).

Os comentários emitidos pela escola, em grande parte, são baseados no pressuposto de que outrora “[...] existiu uma família estável e boa [a família tradicional], que oferecia amparo, segurança e bons padrões de moralidade às crianças, hoje essa família estaria abalada, produzindo crianças angustiadas, crianças sintomáticas ou, ainda, crianças delinquentes, antissociais [...]”, cujos comportamentos refletem no bom ou no mau desempenho escolar (KEHL, 2001, p. 31).

Desses apontamentos surgem algumas problemáticas sobre a relação da família com a escola em seus ritos: por que a escola idealiza um modelo de família afluente do qual se distancia a grande maioria dos alunos? Os ritos escolares, da maneira como são realizados, possuem relevância para o currículo escolar? Qual a lógica taxativa da escola ao referir-se a pai/mãe como representação de família em eventos comemorativos ou reuniões? Como os alunos e membros, oriundos das configurações familiares não tradicionais, são percebidos nessas circunstâncias?

Em nossas pesquisas encontramos algumas respostas a esses questionamentos, como em estudo realizado por Oliveira (2010). Ao indagar alunos do Ensino Fundamental sobre o significado da comemoração do “Dia das Mães”, a autora constatou que, para eles, essa data não tinha um valor significativo para o currículo escolar.

Quando o mesmo questionamento foi feito às professoras, elas responderam, desviando-se do assunto, para concordar ou discordar da comemoração, cada qual com seu motivo particular ou pedagógico. Todavia, como a data está inclusa no currículo escolar e por obrigatoriedade do sistema educacional, é necessário que haja essa comemoração. Assim, elas o fazem, mas de maneira superficial (OLIVEIRA, 2010).

Por essa razão, a comemoração do “Dia das Mães” fica sem parâmetros e os alunos aprendem somente que é “Dia das Mães” e são induzidos pelas professoras a dizer que aprenderam que têm que obedecer às mães, que bons alunos obedecem às suas mães (OLIVEIRA, 2010).

Não obtendo todas as respostas que permeiam nosso imaginário, continuamos a nos interrogar: por que é tão difícil à escola se libertar de tradições ultrapassadas e adotar uma postura de acolhimento e respeito às múltiplas formas de ser família? Como alguns valores históricos e culturais impedem a escola de aceitar que, independentemente da forma como se organiza, existem várias formas de ser família? Por que é tão comum encontrarmos, no discurso especializado, as expressões “famílias desestruturadas” ou “desorganização familiar” como explicações de algum tipo de fracasso no cuidado de seus alunos? Qual justificativa sustenta o discurso em aliar malogros às famílias não tradicionais? Como desmistificar tais preceitos?

Diante de tais questionamentos é precípuo reavaliarmos os parâmetros culturais e refletir de onde partir, pois novos elementos, que se sobrepõem, ampliam o conceito de família e passam a desafiar o olhar coletivo sobre essa instituição. Evidentemente, algumas definições e conceitos disponíveis, no que se refere à família, ainda são deficientes para contemplar os fenômenos atuais das relações familiares, desde a nomenclatura até a descrição de seu funcionamento e função. Sendo assim, adotamos o termo “famílias organizadas em modelos não convencionais” e, embora o mesmo seja pouco empregado nos estudos sobre famílias, Oliveira Júnior (2016) defende seu uso ao fazer referência a todas aquelas famílias que não se organizam no modelo tradicional/patriarcal, como tentativa de explicitar a diversidade e complexidade dessas instituições na atualidade.

Pensando em subverter conceitos estigmatizantes acerca das famílias organizadas em modelos não convencionais, vimos como possibilidade de intervenção o desenvolvimento de uma metodologia de formação inicial e continuada de professores e acadêmicos de cursos de licenciaturas, por meio da experiência estética propiciada pela contação de contos de fadas clássicos da literatura infanto-juvenil – assim considerados por transcenderem e ultrapassarem o tempo e o espaço em que se deu sua criação, e se perpetuarem ao longo dos séculos sem perder a essência de seu início – pois os mesmos já retrataram outrora a multiplicidade familiar a qual estamos a discutir.

Pensamos nessa estratégia, pois defendemos que, por meio das histórias, somos interpelados a assumir nosso lugar no cenário, para que nos identifiquemos com algumas (pre)posições e dispensemos outras. Nesse momento há uma simbiose entre as narrativas de vida dos personagens e dos leitores que passam a ocupar o mesmo tempo e espaço representados na obra (FABRIS, 2005; MIRANDA, 2008).

A experiência estética que o conto de fadas nos propicia é análoga a uma viagem, que nos possibilita visitar lugares, povos, culturas, línguas e costumes diferentes dos quais estamos acostumados a vivenciar, deslocamo-nos para o passado, presente e futuro. Portanto, a pedagogia do estético por meio dos contos poderá ser incorporada à formação e atuação dos profissionais da educação, como sujeitos espectadores e consumidores da literatura, proporcionando-lhes concretude ao seu trabalho (FABRIS, 2005; MIRANDA, 2008).

Nesse sentido, acastelamos a articulação entre formação inicial e formação continuada, pois aquela está estreitamente vinculada aos espaços de trabalho, possibilitando associar às disciplinas a prática, e esta, realizada a partir dos saberes e experiências dos professores adquiridos na situação de trabalho contextualiza-se com a formação inicial, propiciando aos docentes uma reflexão mais apurada sobre sua própria prática (LIBÂNEO, PIMENTA, 1999; YUNES, SILVA, 2014).

Defendemos que é a partir desses momentos de formação que podemos refletir sobre os mecanismos de desenvolvimento humano que “[...] ocorrem no interior do espaço da escola e entre a escola e outros contextos pelos quais habitam os professores, seus colegas profissionais da educação, seus alunos e suas famílias e outros diferentes ambientes frequentados por todos [...]” (MACHADO, YUNES, SILVA, 2014, p. 519-20).

Partindo dessa abordagem, pautados em Walsh (2005, 2012) cogitamos ser possível, por meio da contação de histórias, elicitar as percepções dos profissionais no sentido de demonstrar que, independentemente da maneira como se organizam, as famílias possuem a capacidade de enfrentamento e de adaptação como uma unidade funcional, ou seja, elas são capazes de intervir em situações de estresse, superar crises e enfrentar dificuldades, ajustando-se de forma a intervir no bem-estar de toda sua unidade, o que denominamos de “resiliência familiar”.

A resiliência familiar é definida por Walsh (2005) como sendo uma trajetória constituída gradativamente desde o início da vida, sob a influência de processos proximais complexos e crescentes, em que as famílias, mesmo vivenciando um ambiente de risco potencial, conseguem administrar as adversidades, suprir suas necessidades e resolver seus problemas, a partir de três domínios do funcionamento familiar: crenças familiares (valor da união, perspectiva positiva e transcendência e espiritualidade), padrões organizacionais (flexibilidade e conexão) e processos de comunicação (clareza, expressão emocional aberta e resolução colaborativa dos problemas).

Posto dessa forma, não vislumbramos analisar os aspectos técnicos e formais das obras literárias em si, mas propiciar uma abertura ao diálogo com profissionais, sobre as famílias organizadas em modelos não convencionais, retratadas nos contos de fadas, levando-os a fazer associações entre as representações de família na literatura com a vida profissional deles.

Diante do que foi apresentado até o presente momento, assumimos como objetivo para nossa pesquisa discutir as representações sociais sobre famílias organizadas em modelos não convencionais entre profissionais da educação e acadêmicos de Pedagogia. Em busca de atender ao objetivo proposto, coletamos os dados utilizando dois instrumentos: um questionário sociodemográfico e um instrumento de evocação livre de palavras, sendo esse aplicado antes e após a intervenção, o que convencionamos chamar “pré- e pós-teste”, durante a realização do minicurso intitulado “Formação docente e as representações de famílias organizadas em modelos não convencionais nos contos de fada” desenvolvido no II Congresso das Licenciaturas da Universidade Estadual do Paraná (COLI).

Para análise e discussão dos dados obtidos buscamos aporte na Teoria do Núcleo Central das Representações Sociais, proposta por J. C. Abric e estudada por Sá (1996a, 1996b) e por Moscovici (2015) os quais defendem que as representações sociais constituem um conjunto organizado e estruturado de informações, crenças, opiniões e atitudes compostas por um núcleo central e por elementos periféricos que funcionam como uma entidade, em que cada parte tem um papel específico e complementar.

Nesse viés, a Teoria das Representações Sociais oferece importante embasamento aos pesquisadores que buscam compreender os significados criados pelos homens para explicar o mundo e sua inserção nele. Tomando-a como pressuposto para compreender a relação entre escola e famílias, que buscamos estabelecer os mecanismos cognitivos ou afetivos de um grupo de profissionais da educação e acadêmicos de Pedagogia – enquanto indicadores de processos subjetivos que compõem o núcleo central e os elementos periféricos das representações sociais acerca de “famílias organizadas em modelos não convencionais”.

Amostragem e Metodologia

Do número inicial de 35 (trinta e cinco) inscritos no minicurso, 25 (vinte e cinco) pessoas responderam ao questionário sociodemográfico e ao instrumento de evocação livre no pré e pós-teste, ou seja, antes e após o processo interventivo ocorrido durante o minicurso.

No que tange às características da amostra, 24 (vinte e quatro) sujeitos se identificaram como sendo do gênero feminino e 01 (um) do gênero masculino, cuja idade variava entre 18 (dezoito) e 51 (cinquenta e um), com média aproximada de 26 (vinte e seis) anos. Da amostra geral detectou-se que 05 (cinco) participantes são casados, 04 (quatro), divorciados e 16 (dezesseis), solteiros. No que se refere à formação profissional, 02 (dois) são licenciados em Pedagogia e 01 (um), em Geografia e 22 (vinte e dois) acadêmicos do curso de Licenciatura em Pedagogia. Do total de licenciandos, 18 (dezoito) possuem formação no Curso de Ensino Médio Normal Superior, o que lhes confere habilitação para atuar na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Quanto à atuação profissional, todos os participantes exercem tarefas correlatas à educação, tanto no exercício do magistério como em atividades de coordenação pedagógica e área administrativa escolar, em um período compreendido entre 01 (um) mês a 15 (quinze) anos.

Caracterizado o perfil sociodemográfico, estabelecemos a sequência didática adotada durante o processo interventivo em sete momentos, incluindo a etapa final, descritos a seguir.

1º momento: destinado à apresentação do minicurso, leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

2º momento: aplicação dos instrumentos avaliativos anterior ao minicurso: questionário sociodemográfico – levantamento de questões sobre o gênero, a idade, o turno e os anos de atuação, a escola em que exerce a docência, a jornada de trabalho diária, a formação acadêmica, o tempo de magistério ou de função e com quem reside; bem como questão aberta: “Família é...”, e o instrumento de evocação livre de palavras. Este consiste em solicitar aos respondentes que, mediante um termo indutor – geralmente, o próprio rótulo verbal que designa o objeto da representação – digam as palavras, sentimentos, ou imagens que lhes tenham vindo imediatamente à lembrança. Portanto, o método tem seu uso justificado no surgimento espontâneo de associações relacionadas às palavras exploradas e ao nível de pré-conceitos e de estereótipos que a engendram (SÁ, 1996a).

Sendo assim propomos as seguintes assertivas: quais expressões vêm a sua mente diante dos termos “famílias organizadas em modelos não convencionais”, “família e escola” e “família e contos de fadas”? Vale ressaltar que, para este momento, faremos um recorte analisando as evocações dos participantes diante do termo indutor “famílias organizadas em modelos não convencionais”, deixando as demais análises para uma oportunidade futura, próxima.

Além de combinar a frequência da emissão de palavras, sentimentos ou imagens com a ordem com que são evocadas, tal método possibilita criar um conjunto de categorias, organizadas ao redor desses elementos, permitindo a projeção das indicações sobre seu papel organizador das representações, a fim de demonstrar os núcleos de resistência dos sujeitos da pesquisa quanto ao assunto investigado, os quais apresentaremos nos resultados da pesquisa (ABRIC, 1998, SÁ. 1996B).

3º momento: discussão do artigo “Famílias não convencionais na escola: a (in)eficiência das estratégias de (des)integração” desenvolvido por Oliveira Jr, Moraes e Coimbra (2015).

4º momento: contação da obra literária Os três porquinhos, seguida de suas correspondente discussão e problematização, sendo solicitado aos participantes que relatem quais sensações a história lhes provocou, o que acham do comportamento das personagens, como foram retratadas as famílias no conto e como a escola receberia alunos cujas famílias se assemelhassem a das personagens da trama nos eventos escolares.

5º momento: resolução de problema: formação de 05 (cinco) grupos, de até 08 (oito) integrantes, em que cada um recebeu um conto de fadas, dentre eles: A bela e a Fera; Branca de Neve e os Sete Anões; Chapeuzinho Vermelho; Cinderela; O Patinho Feio; diante dos quais, após a leitura, deveriam criar uma estratégia pedagógica para discutir sobre a família do referido conto.

6º momento: apresentação dos resultados da problematização (não nos aprofundaremos nas atividades desenvolvidas e nem apresentaremos as imagens registradas, devido ao limite de espaço, no entanto, para situar nossos leitores, citamos algumas estratégias que foram elaboradas pelos participantes, tais como: cartazes, álbum e desenhos da família, reconto e teatro com fantoches de borracha EVA (mistura de Etil, Vinil e Acetato).

Momento final: preenchimento do instrumento de evocação livre de palavras pós-teste, contendo as mesmas questões do pré-teste. Ressaltamos que, na aplicação de ambos, os participantes foram orientados a evocarem apenas palavras, não havendo, portanto, a evocação de expressões, o que nos possibilitou adotar a análise de dados da forma como propomos adiante.

Para a tabulação das palavras evocadas foi utilizado o programa Excel da Microsoft Office, versão 2013, sendo as mesmas analisadas com o auxílio do Software EVOC (Ensemble de Programmes Permettant I’Analyse dês Êvocations), versão 2005, empregando os subprogramas LEXIQUE, TRIEVOC, NETTOIE, RANGMOT e RANGFRQ, sendo que este último agrupou as representações sociais no núcleo central e nos elementos periféricos de primeira, segunda e terceira periferia. Os dados obtidos nessa última etapa nortearão os resultados e discussões que seguem, no que tange ao termo indutor “famílias organizadas em modelos não convencionais”.

Resultados

Empregando o Software TRIEVOC, no momento anterior ao minicurso (pré-teste), foram associadas 108 (cento e oito) palavras ao termo indutor “famílias organizadas em modelos não convencionais”, sendo que 64 (sessenta e quatro) diferiram entre si.

O subprograma RANGMOT distribuiu as palavras evocadas em seis colunas: na primeira evidencia-se a frequência das evocadas uma única vez até o máximo de citações, na segunda, o número de palavras para cada frequência – nesse caso 01 (uma) palavra apareceu 12 (doze) vezes, e 45 (quarenta e cinco) palavras uma única vez. As demais colunas representam o número e a porcentagem acumulada de evocação, sendo que terceira e a quarta são apresentadas em ordem crescente e a quinta e sexta em ordem decrescente.

Quadro 1 - Distribuição das frequências sobre “famílias organizadas em modelos não convencionais” no pré-teste – RANGMOT 

Fonte: Dados da pesquisa (elaborado pelos autores)

Outra função do subprograma RANGMOT é apresentar além da frequência a ordem em que as palavras foram representadas, o que auxiliará nossa análise posterior, como demonstra o Quadro 2. Por exemplo, o sentimento “amizade” foi evocado 02 (duas) vezes, sendo que um dos sujeitos, ao ser estimulado pela expressão “famílias organizadas em modelos não convencionais”, fez associação com a amizade, em quarta posição, enquanto outro sujeito a colocou na quinta ordem, o que nos remete a cogitar que, diante das expressões que vieram à cabeça desses participantes, três e quatro palavras antecederam ao sentimento de amizade em suas evocações.

Quadro 2 - Distribuição das palavras sobre “Famílias organizadas em modelos não convencionais” no pré-teste – RANGMOT 

Fonte: Dados da pesquisa (elaborado pelos autores)

Ao analisarmos a palavra “amor”, percebemo-la como sendo o sentimento mais evocado pelos participantes, uma vez que tal associação veio inicialmente à mente de 02 (dois) participantes em primeiro lugar, sendo também remetida, em segundo plano, por 05 (cinco) sujeitos e posteriormente, em terceira ordem, por 03 (três) deles.

O Quadro 3, elaborado a partir do subprograma RANGFRQ, agrupou os elementos estruturais das evocações dos participantes da pesquisa, mediante o emprego da expressão indutora “famílias organizadas em modelos não convencionais”, a partir de dois critérios básicos: frequência e Ordem Média de Evocação (OME).

Quadro 3 - Expressões sobre “famílias organizadas em modelos não convencionais” no pré -teste – RANGFRQ 

Fonte: Dados da pesquisa (elaborado pelos autores)

No caso do quadro de “quatro casas” ou diagrama de Vergés, empregado em nossa análise, a frequência das evocações são apresentadas em quatro quadrantes, enfatizando as palavras que compõem o núcleo central das evocações (induzidas com maior frequência) e os elementos intermediários e periféricos (que figuraram com menor frequência).

No diagrama de Vèrges, os elementos que compõem o núcleo central estruturam o primeiro quadrante, por ter maior frequência e maior OME. O segundo e o terceiro quadrantes se organizam em torno dos elementos intermediários e o quarto agrupa os elementos periféricos, assim considerados por serem aqueles pouco evocados, mas que possuem alta OME.

Abric (1994 apud Sá, 1996b, p. 21-22) afirma que “[...] as representações são ao mesmo tempo estáveis e móveis, rígidas e flexíveis [...]” e se organizam em torno de um núcleo central, que determina, ao mesmo tempo, sua significação e sua organização interna, e um sistema periférico que promove a interface entre a realidade concreta e o sistema central.

O sistema central é constituído pelo núcleo central das representações, ao qual podemos atribuir algumas características essenciais que auxiliam na sua definição e compreensão. Ele é caracterizado pela memória coletiva, refletindo as condições históricas, sociais e valorativas de determinado grupo; constitui também o consenso das representações, correspondente à base comum partilhada coletivamente que acaba por homogeneizar aquele grupo social; tem como principal característica a estabilidade, coerência e resistência a mudanças, dando seguridade, continuidade e permanência da representação; além disso possui pouca sensibilidade ao contexto social e material imediato em que a representação se manifesta; enfim tem como função primordial gerar o significado básico da representação, possibilitando a organização global de todos os elementos que as constitui (SÁ, 1996a, 1996b).

Podemos observar que, nos dois quadrantes superiores do Quadro 03, está apresentada a centralidade de alguns elementos, tanto quantitativa como qualitativamente, mas que, de acordo com Abric (1998), é definida mais propriamente pelo caráter qualitativo do elemento do que pela sua expressividade quantitativa. Portanto, os dois quadrantes superiores evidenciam as palavras evocadas preliminarmente pelos sujeitos, ou seja, em primeiro e segundo lugar e os dois quadrantes inferiores citados em terceiro, quarto ou quinto lugar, na ordem das evocações – é possível observamos essa ordem de evocação, mais claramente, se recorrermos novamente ao Quadro 02, apresentado anteriormente.

Dessa forma, observamos no Quadro 03 que os vocábulos mais citados foram “amor” (12), “adoção” (03), “diferenças” (07) e “respeito” (08). Isto quer dizer que essas palavras, além de serem evocadas mais prontamente, foram representadas mais vezes, passando a compor, no pré-teste, o núcleo central das representações sociais docentes acerca de “famílias organizadas em modelos não convencionais”.

É válido reafirmar que, na opinião de Abric (1998), a centralidade de um elemento, embora deva ser atribuída a critérios quantitativos e qualitativos, se define mais pela dimensão qualitativa que o elemento oferece à representação do que pela sua presença expressiva, do ponto de vista quantitativo. Nessa direção, Sá (1996) apresenta as quatro propriedades relativas às cognições centrais: valor simbólico, poder associativo, saliência e forte conexidade na estrutura. As duas primeiras são qualitativas, ditadas pela teoria das representações sociais; já as duas últimas são quantitativas e decorrem das anteriores.

O sistema periférico, por sua vez, apresenta características diferentes do núcleo central, visto que possibilita a integração das vivências individuais, convive com a heterogeneidade e as possíveis contradições do grupo, além disso é evolutivo e pode ser afetado pelo contexto sistêmico imediato. Em síntese, “[...] suas funções consistem, em termos atuais e cotidianos, na adaptação à realidade [contextual] concreta e na diferenciação do conteúdo da representação e, em ternos históricos, na proteção do sistema central [...]” (SÁ, 1996b, p. 22).

Para Moscovici (2015, p. 10), os elementos periféricos se relacionam estreitamente com o núcleo central, como entidades quase tangíveis, que se “entrecruzam e se cristalizam continuamente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião em nosso cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos que nós produzimos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos”.

Quando as pessoas emitem julgamentos aparentemente absolutos, como no caso de “famílias organizadas em modelos não convencionais” – objeto de nosso estudo – já se encontram nesses valores incutidas distintas alternativas condicionais, tidas como legítimas ou mesmo condicionalmente genéricas ou abertas. É essa hipótese da condicionalidade que propicia um critério analítico para distinguir entre as cognições do núcleo central, consideradas absolutas, e as periféricas, tidas como condicionais, ao mesmo tempo em que permite conferir maior plausibilidade à dinâmica relacional entre os elementos cognitivos dos dois sistemas, como proposta pela teoria das representações sociais (MOSCOVICI, 2015; SÁ, 1996a, 1996b).

Tomando esse discurso como pressuposto, podemos observar, no Quadro 03, a organização dos elementos periféricos, onde na 1ª periferia (quadrante superior direito), encontramos as palavras “Homoafetiva” (03) e “União” (04). Dito de outra forma, ao se deparar com o termo indutor “família”, alguns participantes prontamente associaram-nas em segunda e terceira ordem, ou seja, antes desse sentimento, apareceram uma ou duas evocações – como a palavra “amor” – que compõe o núcleo central das representações.

Nos quadrantes inferiores, de 2ª e 3ª periferias, as palavras “carinho” (02), “estrutura” (02), “família” (02), “novidade” (02), “preconceito” (02), “separação” (02), “superação” (02), “acolhimento” (02), “afeto” (02), “amizade” (02), “curiosidade” (02), “lar” (02) e “sentimentos” (02) representam o núcleo de evocações em ordens menores e/ou de menor espontaneidade.

No pós-teste, ao empregarmos o conceito “famílias organizadas em modelos não convencionais”, tivemos 01 (uma) palavra evocada 21 (vinte e uma) vezes e 35 (trinta e cinco) palavras apenas 01 (uma) vez, como podemos observar no Quadro 4. As demais colunas apresentam o número e a porcentagem de evocações em ordem crescente ou inversamente decrescente, como explicado anteriormente.

Quadro 4 - Distribuição das frequências sobre “famílias organizadas em modelos não convencionais” no pós-teste – RANGMOT 

Fonte: Dados da pesquisa (elaborado pelos autores)

O Quadro 5 traz a frequência e a colocação em que as palavras foram evocadas na pós-intervenção, diante do termo indutor “famílias organizadas em modelos não convencionais”. Nesse caso, a palavra “amor” (21), foi representada com mais ênfase entre a primeira e terceira ordem de evocação, seguida de “respeito” (12), em segunda ordem, conforme aponta a distribuição das palavras do Quadro 5. Vale chamar novamente a atenção do leitor para o fato de que, para a Teoria das Representações Sociais, o que está em jogo não é a quantidade de evocações, mas sim a frequência e a OME, por isso citamos essas palavras apenas a título de exemplificação.

Quadro 5 - Distribuição das palavras sobre “Famílias organizadas em modelos não convencionais” no pós-teste – RANGMOT 

Fonte: Dados da pesquisa (elaborado pelos autores)

O Quadro 6 apresenta a distribuição das palavras evocadas em quadrantes, a partir do emprego da palavra indutora “famílias organizadas em modelos não convencionais”, após o minicurso “Formação docente e as representações de famílias organizadas em modelos não convencionais nos contos de fada”.

Quadro 6 - Expressões sobre “famílias organizadas em modelos não convencionais” no pós -teste – RANGFRQ 

No núcleo central encontramos a palavra “amor” (21), como um sentimento evocado pela maioria dos integrantes do projeto, já “diferença” (06), diversidade (03), “estrutura” (03), “respeito” (12) e a “união” (09) passaram a compor o ideário desse grupo, indicando o núcleo central das representações, após o minicurso. É precípuo observarmos que, no pré-teste, as palavras que ocupavam essa posição eram “amor” (12), “adoção” (03), “diferença” (07) e “respeito” (08).

Nas evocações dos participantes após o minicurso tivemos a inclusão de novas representações como “diferença” (06), “diversidade” (03), “estrutura” (03), “respeito” (12) e “união” (09). Essas mudanças são significativas para analisarmos as representações de “famílias organizadas em modelos não convencionais” do momento anterior ao posterior à intervenção, tanto no quadrante central quanto nos periféricos.

Discussões

Diante do que apresentamos nos resultados do pré-teste, torna-se mais fácil para nosso leitor situar-se quanto à evocação dos elementos de 1ª, 2ª e 3ª periferia, no pós-teste, ao observar os dados evidenciados no Quadro 06, em que as palavras evocadas no pré-teste, posteriormente à intervenção, foram substituídas ou acrescidas por outras. Diante desse panorama imediato, obtido previamente ao Minicurso em questão, o “amor” foi uma palavra evocada com mais ênfase, ao se referir a “famílias organizadas em modelos não convencionais”.

Nesse sentido nota-se que esse foi o sentimento que veio em primeiro ou segundo lugar, em quase sua totalidade, no ideário dos participantes da pesquisa, que, associado a termos como adoção, diferença e respeito, passou a compor o núcleo central das representações sociais acerca de “famílias organizadas em modelos não convencionais” no pré-teste. Em outras palavras, esses sentimentos foram tidos como “[...] elementos unificadores que estabilizam a representação, a base comum, que é coletivamente compartilhada, consensual dentro do grupo e [portanto, mais] resistente às mudanças [...]” (RIBEIRO; CRUZ, 2013, p. 615).

A união e as relações homoafetivas foram evocados como elementos intermediários, estreitamente relacionados ao núcleo central. O carinho, a estrutura, a família, a novidade, o preconceito, a superação e a separação, por sua vez, foram considerados elementos de 2ª periferia, assim como o acolhimento, o afeto, a amizade, a curiosidade e o lar figuraram na 3ª periferia. Na visão dos participantes, tais fatores permitem à família, independentemente de sua configuração, se estruturar como um grupo social básico, cujo funcionamento é determinante no desenvolvimento de seus membros, ao promoverem um microssistema “[...] incentivador, protetivo e seguro, no qual as pessoas possam aprender e se desenvolver [...]” (POLETTO; KOLLER, 2008, p. 411).

Ao compararmos os resultados obtidos no pré e no pós-teste, notamos que no pré-teste os participantes perceberam a família como um microssistema, em que o amor é sentimento essencial para a transmissão da segurança de seus membros, e que, associado ao respeito às diferenças, estabelece formas ativas de conexão, proporcionando o alicerce necessário para a socialização de seus integrantes com os demais sistemas. Os resultados obtidos no pós-teste nos apontam algumas mudanças tanto no núcleo central, tido como mais rígido pela Teoria das Representações Sociais, quanto nos sistemas intermediários e periféricos, considerados mais flexíveis, quando empregamos a expressão estímulo “famílias organizadas em modelos não convencionais”.

Por essa razão, as representações respondem por uma das suas funções principais: a adaptação sociocognitiva. Essa abordagem estrutural salienta que o núcleo central possui duas funções principais: a função geradora, que cria e transforma a significação de outros elementos que constituem a representação; e a função organizadora, que determina a natureza das relações que unem os elementos de uma representação (RIBEIRO; CRUZ, 2013, p. 615).

Sendo assim, podemos perceber que o sentimento “amor” passou a figurar com mais ênfase, no pós–teste, o que demonstra a compreensão de que, independentemente de como a família se organiza, o fator basilar que a sustenta é o amor entre seus membros. Esse dado sugere que, para os sujeitos da pesquisa, a família é a base estrutural de qualquer indivíduo, incluindo a diversidade de sua conformação, pois devem prevalecer em seu cerne a união e o respeito às diferenças entre seus entes, como é possível observar no discurso de dois participantes: “Família é um grupo de pessoas com grau de parentesco, ou não, que convivem em harmonia” (Participante 05) e “Família são pessoas vivendo unidas em um mesmo lar ligadas pelo amor e o respeito” (Participante 08).

O carinho e a cumplicidade passaram a definir os elementos intermediários no pós-teste, sendo que no pré-teste, a cumplicidade não foi evocada em nenhum momento das representações, sendo esse sentimento incorporado posteriormente: “[...] a família é a base, é a estrutura que nos mantem firmes nos momentos difíceis [...] o que realmente conta é a assistência, o apoio, o cuidar um do outro, o importar-se.” (Participante, 13).

Poletto e Koller (2008, p. 411) corroboram essa visão ao afirmarem que, para além da configuração, as famílias “[...] que apresentam coesão, aconchego, continência e estabilidade, nas quais as relações são permeadas por afeto, equilíbrio de poder, cuidados adequados, senso de pertencimento e disciplina consistente, são mais propensas a ter membros saudáveis emocionalmente [...]”, pois tais aspectos, como afirma Silva et al. (2009, p. 93), possibilitam que as pessoas ou as famílias “[...] administrem as adversidades que enfrentam, de forma a encontrar respostas aos seus problemas e suas necessidades [...]”.

Nessa etapa da pesquisa, a palavra “homoafetividade”, componente da 1ª periferia, no pré-teste, passou a estruturar, junto ao “divórcio”, “novidade” e “realidade”, os elementos de 2ª periferia no pós-teste. Embora os contos de fadas utilizados no minicurso não retratem nenhuma família homoafetiva, os participantes fizeram associações dessa configuração ao se depararem com o estímulo “família organizada em modelos não convencionais”, tanto no pré quanto no pós-teste.

De fato, o reconhecimento jurídico de famílias homoafetivas é uma realidade recente em nossa sociedade, visto que a maior corte do Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu em decisão histórica, em 05 de maio de 2011, por unanimidade de votos, a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, conferindo-lhe os mesmos efeitos jurídicos previstos para União Estável. Sendo assim, casais homossexuais passaram a ter direito a casar, adotar filhos e registrá-los em seus nomes, deixar herança ao cônjuge, bem como incluí-lo como dependente nas declarações de imposto de renda e planos de saúde (LEÃO; SIMAS; FARIELLO, 2011). A partir de então, “Tribunais de todo o país estão seguindo o exemplo dos julgados favoráveis e agindo do mesmo modo, tendo por base os princípios da dignidade da pessoa humana e do respeito aos indivíduos [...]” (BARCELLOS, 2011, p. 45).

Quanto à evocação da palavra “divórcio”, é preciso lembrar que a Lei do Divórcio chegou ao País em 26 dezembro de 1977, a partir de então o número de divórcios no Brasil é uma constante crescente, e, de acordo com dados do IBGE (2013), tivemos um salto quantitativo de 161,4% nesse número na última década. Esse dado nos revela uma mudança de comportamento da sociedade brasileira, que passou a vê-lo com mais naturalidade, bem como para a facilidade de acesso aos serviços de Justiça, de modo a formalizar as dissoluções dos casamentos dando novos contornos a essas famílias.

Na 3ª periferia, o acolhimento, o afeto, a amizade, a curiosidade, o lar e os sentimentos cederam lugar ao alicerce que a família concede aos seus membros, a felicidade possível de ser encontrada no lar como lugar de refúgio, ao preconceito a ser combatido e a responsabilidade que cada membro familiar tem uns para com os outros, sem levar em conta como a família se configura. Tais mudanças eram de se esperar pelo fato de as evocações intermediárias serem mais flexíveis e, portanto, passíveis de mudança ao empregarmos os contos de fadas na formação docente.

Diante desse cenário, podemos observar que os núcleos centrais do pré-teste para o pós-teste, diante da palavra-estímulo “família desestruturada”, sofreu um acréscimo de determinadas representações. Como exemplo cite-se o termo “briga”, citado no momento inicial da pesquisa, ao qual foram incorporados sentimentos de “desafeto” e “falta de amor”.

Nos elementos intermediários, percebemos um deslocamento de palavras, sentimentos ou imagens, do pré- para o pós-teste de uma periferia para a outra. Isso nos leva a apontar que os participantes, desde o princípio da intervenção, mantiveram o discurso de que os aspectos desestabilizantes das famílias disfuncionais estão estreitamente relacionados ao desempenho dos papéis de seus integrantes, que, quando distorcidos, geram inadequações e mau funcionamento, o que independe da configuração familiar.

Ao empregarmos o termo “famílias organizadas em modelos não convencionais” como indutor para obtenção dos dados dessa pesquisa, tínhamos como suposição que encontraríamos representações relacionadas à estruturação familiar, tais como, “separação”, “recasamento”, “mães solteiras”, dentre outras. No entanto, os dados obtidos não corroboram com nossa suspeita inicial, visto que, desde a primeira etapa da pesquisa, os participantes fizeram referências ao funcionamento familiar, priorizando os sentimentos que permeiam o contexto familiar, ao invés de enfatizar a configuração familiar.

Sendo assim, observamos que as famílias não convencionais retratadas nos contos de fadas permitiram aos professores a incorporação de novos sentimentos e valores ao núcleo central, tido como mais rígido e, portanto, de menor flexibilidade, quando pensaram em “famílias organizadas em modelos não convencionais”, no pós-teste. Embora tenha sido possível comprovar mudanças significativas nos resultados obtidos nos momentos pré e pós-intervenção, recomendamos, para estudos futuros ou semelhantes ao nosso, que se empregue outro tipo de análise estatística que dê conta de responder as demandas da pesquisa, ou, então, que o número amostral seja relativamente superior ao que empregamos neste estudo, uma vez que o Software EVOC demonstra ser pouco sensível a um número reduzido de evocações acerca dos termos indutores.

Conclusão

O ponto de partida para esta pesquisa foi pautado em um incômodo dos pesquisadores ao se depararem com reiterados discursos docentes e estratégias escolares que afastam, do interior da escola, alunos oriundos de famílias organizadas em modelos não convencionais. A partir daí, alguns questionamentos foram levantados: qual o conceito de família idealizado e adotado pela escola em seus ritos? De que forma as famílias não convencionais são percebidas por professores da educação básica? É possível desenvolver um projeto de formação capaz de re/dimensionar conceitos acerca dessas famílias?

Foi nesse cenário de incômodo e inquietação que nos propusemos a analisar as representações sociais sobre famílias organizadas em modelos não convencionais entre profissionais da educação e acadêmicos de Pedagogia, mediante uma proposta de formação inicial e continuada empregando os contos de fadas como estratégia metodológica, problematizando obras centradas em famílias organizadas em modelos não convencionais como: A bela e a Fera; Branca de Neve e os Sete Anões; Chapeuzinho Vermelho; Cinderela; O Patinho Feio.

Asseguramos que, apesar da curta duração – quatro horas –, o desenho da proposta interventiva e os dados que ela nos forneceu, por meio da aplicação de instrumentos que validam os resultados, no momento anterior e posterior ao processo de formação, levam-nos a considerar que os contos de fadas são capazes de mobilizar uma série de sentimentos, sensações, valores, expressões e opiniões, sobre famílias organizadas em modelos não convencionais, sendo capaz de re/des/construir sentidos. Tendo como respaldo a Teoria do núcleo Central das Representações Sociais, podemos afirmar que essa abordagem serviu, de início, para uma problematização que encaminhou os educadores a se mobilizarem, refletirem e (re)significarem suas percepções, valores em relação às famílias que fogem de padrões normativos de organização.

Essa nova visão tem o poder de ultrapassar os espaços de formação docente e se prolongar no aprendizado do cotidiano. As vivências com os contos de fadas mostraram-se aos participantes como um meio de comunicação eficaz e de acordo com seu contexto cultural, possibilitando que a reflexão se prolongasse para além daquele espaço dedicado às discussões, aspecto que pode refletir em uma nova postura docente, ao lidar cotidianamente com famílias organizadas em modelos não convencionais na escola.

Sendo assim, podemos concluir que as mudanças propiciadas pela intervenção apontam que os contos de fadas, como estratégia utilizada para formação docente, são capazes de re/des/construir conceitos considerados, até mesmo, mais rígidos. Essas mudanças devem-se, em parte, ao fato de essas obras literárias serem de fácil acesso e compreensão e, quando aliadas a estratégias que visem problematizar as configurações familiares retratadas nos contos de fadas, permitem a adoção de uma nova postura, que pode vir a refletir no contexto escolar, favorecendo a integração e a promoção da cultura do respeito às famílias organizadas em modelos não convencionais nos ritos escolares.

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Recebido: 03 de Junho de 2017; Aceito: 16 de Outubro de 2018

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