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Perspectiva

versão impressa ISSN 0102-5473versão On-line ISSN 2175-795X

Perspectiva vol.37 no.1 Florianopolis jan./mar 2019  Epub 18-Jul-2019

https://doi.org/10.5007/2175-795x.2019.e52244 

Artigos

As relações que envolvem o estado, as classes sociais e a escola pública sob a égide do capitalismo neoliberal

The relations that involve the state, the social classes and the public school under the age of neoliberal capitalism

Las relaciones que involucran el estado, las clases sociales y la escuela pública bajo la égida del capitalismo neoliberal

Heulalia Charalo Rafante2 
http://orcid.org/0000-0002-7616-1594

1Universidade Federal do Ceará, UFC

2Universidade Federal do Ceará, UFC


Resumo

O trabalho apresenta uma discussão sobre as relações que envolvem o Estado, as classes sociais e a escola pública do Brasil no contexto dominado pelo capitalismo neoliberal. Destaca as principais características políticas, econômicas e sociais dessa conjuntura para em seguida, tratar das políticas direcionadas à escola pública com foco na Educação Básica, na Reforma do Ensino Médio e no Projeto de Lei da Escola Sem Partido, evidenciando a convergência de princípios visando a manutenção da hegemonia neoliberal. Trata-se de um estudo bibliográfico fundamentado em pensadores que procuram compreender e analisar o Estado articulado às relações sociais, políticas, econômicas e educacionais, entendendo-o como uma dimensão fundamental do modo de produção capitalista, que expressa as relações e os antagonismos de classes. Parte do pressuposto de que, na sociedade capitalista, o suporte político do Estado procura complementar o sistema do capital, criando condições para a manutenção e reprodução do mesmo. Isso se justifica à medida que para prosseguir com sua expansão, impulsionada pela acumulação, o capital pressupõe a subordinação da sociedade aos seus objetivos, nas funções produtivas, distributivas e reprodutivas. Conclui que a Reforma do Ensino Médio e o projeto de Lei da Escola sem partido compõem algumas das ações do Estado no seu objetivo de manter as contradições das classes sociais existentes, favorecendo a ordem burguesa na dominação da classe trabalhadora que tem na escola pública e especialmente na Educação Básica, muitas vezes o único espaço de acesso à cultura e aos conhecimentos acumulados historicamente pela humanidade restringindo concretamente o seu direito à educação.

Palavras-chave:  Estado; Classes sociais; Escolas públicas

Abstract

The paper presents a discussion about the relations that involve the State, social classes and the public school in Brazil, in the context dominated by the neoliberal capitalism. It highlights the main political, economic and social characteristics of this conjuncture, and then deals with the policies directed to the public school, focusing on Basic Education, High School Reform and the Law Project of “Escola sem Partido” (School without Party), showing the convergence of Principles, aiming at maintaining neoliberal hegemony. It is a bibliographical study, based on thinkers who seek to understand and analyze the State articulated to social, political, economic and educational relations, understanding it as a fundamental dimension of the capitalist mode of production, which expresses the relations and antagonisms of classes. Part of the assumption is that, in capitalist society, the political support of the state seeks to complement the capital system, creating conditions for its maintenance and reproduction. This is justified, as in order to continue with its expansion, driven by accumulation, capital presupposes the subordination of society to its objectives, in productive, distributive and reproductive functions. It concludes that the Reform of the Secondary School and the Law of “Escola sem Partido” (School without Party) compose some of the actions of the State in its objective to maintain the contradictions of the existing social classes, favoring the bourgeois order in the domination of the working class, that has in the public school and, especially in Basic Education, often the only space of access to culture and knowledge accumulated historically by humanity, specifically restricting their right to education.

Keywords:  State; Social classes; Public school

Resumen

El trabajo presenta un debate sobre las relaciones que involucran el Estado, las clases sociales y la escuela pública en Brasil, en el contexto dominado por el capitalismo neoliberal. Destaca las principales características políticas, económicas y sociales de esta coyuntura, y luego el tratamiento de las políticas direccionadas hacia la escuela pública, con el enfoque en la educación Básica, en la Reforma de la Enseñanza Media y en el Proyecto de Ley Escola Sem Partido, evidenciando una convergencia de Princípios, teniendo en cuenta la manutención de la hegemonía neoliberal. Es un estudio bibliográfico, basado en los pensadores que buscan y analizan el Estado articulado a las relaciones sociales, políticas, económicas y educativas, comprendiéndolo como una dimensión fundamental del modo de producción capitalista, que expresa las relaciones y las distinciones de las clases. Asume la suposición que la base política del Estado busca complementar el sistema del capital, generando condiciones para su manutención y reproducción. Esto se justifica a medida que para proseguir con su expansión, impulsada por la acumulación, el capital presupone la subordinación de la sociedad por sus objetivos, en las funciones productivas, distributivas y reprodutivas. Concluye que la Reforma de la Enseñanza Media y el Proyecto de Ley Escola Sem Partido componen algunas de las acciones del Estado en su objetivo de mantener las contradicciones de las clases sociales existentes, favoreciendo a los burgueses en el dominio de la clase obrera que tiene en la Escuela Pública, especialmente en la Enseñanza Básica, muchas veces su único acceso a la cultura y a los conocimientos acumulados históricamente por la humanidad, estrechando concretamente su derecho por la educación.

Palabras clave:  Estado; Clases sociales; Escuela pública

Introdução

Este trabalho analisa as relações que envolvem o Estado, as classes sociais e a escola pública sob o jugo do capital de orientação neoliberal. Nessa perspectiva, parte da premissa de que o Estado se apresenta como uma estrutura de poder e organização burocrática com suas respectivas burocracias, considerando, com Engels, que o Estado surgiu diante da necessidade de reprimir as contradições de classes, no conflito dessas classes, resultando que em princípio o Estado é sempre aquele da classe economicamente dominante a qual graças a ele se torna a classe politicamente dominante e adquire, assim, novos meios de oprimir e explorar a classe dominada.” (ENGELS, 1984, p. 193).

Ainda de acordo com Engels (1984), assim como o Estado antigo e o Estado feudal consistiram respectivamente em instrumentos de repressão contra os escravos e os servos, o Estado moderno é o órgão de exploração do trabalho assalariado pelo capital. Nesse sentido, compreende-se o Estado como uma dimensão fundamental do modo de produção capitalista, que expressa as relações e os antagonismos de classes. Portanto, neste breve estudo, parte-se da compreensão que o Estado é um “Estado de classe”.

No modo de produção capitalista, o Estado é produto e produtor das relações sociais capitalistas – à medida que defende o interesse da burguesia – como um instrumento de exploração dominado pela burguesia. Como afirma Lênin (2007), o Estado constitui o órgão de dominação de uma determinada classe, que não pode ser conciliada com a classe que lhe opõe. O Estado, portanto, se coloca exatamente onde os antagonismos de classe não são conciliados, levando ao entendimento de que as contradições das classes são inconciliáveis.

No contexto analisado por Lênin às vésperas da Revolução de 1917 que marcaria a transição do capitalismo para o socialismo na Rússia a necessidade de ter Estado se dá porque está presente, na sociedade, o conflito de classes. Por esta razão, embora em outro período histórico, pois, trata-se da realidade brasileira na segunda década do século XXI quando se verifica o aprofundamento das medidas neoliberais, recorre-se a Lênin, também para compreender que a luta de classes se intensifica no capitalismo e continuaria mesmo na transição do capitalismo para o comunismo pois, esta requer um Estado que elimine a burguesia (Estado operário no poder). Nesse momento, se dá a passagem da ditadura da burguesia para a ditadura do proletariado, ou seja, da ampla maioria da população.

No que diz respeito à educação e, especialmente, à escola pública, isto envolve o papel desempenhado pelo Estado e as instituições que fazem parte da estrutura ou da superestrutura na concepção gramscimiana. No âmbito específico dessa questão, portanto, faz-se necessário analisar o envolvimento da política educacional brasileira com as necessidades econômicas, políticas e sociais do contexto em que se efetiva.

É nessa perspectiva que se apresenta as mais recentes políticas para a escola pública brasileira, destacando a Reforma do Ensino Médio e o Projeto de Lei Escola Sem Partido sob a justificava de que o estudo do Estado e sua intervenção na escola pública exigem uma visão de totalidade, do contexto social do qual é parte e com o qual estabelece uma relação permanente e, nesse prisma, o conflito de classes assume uma posição significativa.

As relações de produção o conflito de classe e o estado: a luta pela hegemonia

A sociedade se desenvolve em uma realidade concreta e o desenvolvimento do modo de produção capitalista implicou necessariamente, na sua divisão em classes, sendo que o Estado se tornou uma necessidade, justamente em consequência dessa divisão em classes. Conforme Engels (s/d, p. 605):

Acababa de surgir una sociedad que, en virtud de las condiciones económicas generales de su existencia, había tenido que dividirse en hombres libres y en esclavos, en explotadores ricos y en explotados pobres, una sociedad que no solo no podía conciliar estos antagonismos, sino que por el contrario, se veía obligada a llevarlos a sus límites extremos. Una sociedad de este género no podía existir sino en medio de una lucha abierta e incesante de estas clases entre sí o bajo el dominio de un tercer poder que puesto aparentemente por encima de las clases en lucha, suprimiera sus conflictos abiertos y no permitiera la lucha de clases más que en el terreno económico, bajo la forma llamada legal. […] y remplazado por el Estado (ENGELS, s/d, p. 605).

Isso indica que surgiram interesses particulares ligados a determinados grupos e classes que em conflito impuseram como necessária a “interposição prática e o refreamento pelo interesse – geral ilusório na condição de Estado” (MARX; ENGELS, 2007, p. 57). Como o Estado nasceu da necessidade de conter os antagonismos de classe e ao mesmo tempo em meio ao conflito dessas classes, ele é o Estado da classe mais poderosa economicamente dominante. Por meio dele, torna-se politicamente dominante e adquire novos meios para reprimir e explorar a classe já oprimida.

As classes sociais comumente são tratadas como categorias analíticas que permitem visualizar diferenças entre grupos sociais separados prioritariamente, por fatores econômicos, dentre os quais, as posições ocupadas pelos sujeitos nas relações de produção são fundamentais. A concepção sócio histórica de classe a define como uma relação entre apropriadores e produtores determinada pela forma específica em que, de acordo com Marx (2011), se extrai a mais-valia (WOOD, 2006, p. 73). Marx observa ainda que: “Nas primeiras épocas históricas, verificamos, por quase toda parte, uma completa divisão da sociedade em classes distantes, uma escala graduada de condições sociais” (MARX, 2011, p. 7).

Marx e Engels (2011, p. 16), afirmam que “a história de toda a sociedade até nossos dias consiste no desenvolvimento dos antagonismos de classes antagonismos que se têm revestido de formas diferentes nas diferentes épocas”. As classes, portanto, segundo Marx e Engels (2011) se constroem nas relações de produção, ou seja, fundamentam-se no âmbito econômico. Logo, as relações de produção constituem as relações de classe marcadas fortemente pelo antagonismo entre os detentores dos meios de produção e os portadores da força de trabalho.

O conflito de classes, no capitalismo, tende a se “encapsular no interior da unidade individual da produção” e, em geral, “somente quando sai para a rua, o conflito de classes se transforma em guerra aberta, principalmente, porque o braço coercitivo do capital está instalado fora dos muros da unidade produtiva”. Assim, não é o capital, mas o “Estado, que conduz o conflito de classes, quando ele rompe as barreiras e assume uma forma mais violenta” (WOOD, 2006, p. 47).

A “predominância do capital no campo da produção material e o desenvolvimento das práticas políticas totalizantes do Estado moderno andam lado a lado” (WOOD, 2006, p. 28) e, conforme Wood (2006), eles se complementam; um não existe sem o outro. Estas relações conflituosas fazem parte da história dos homens, da história de como eles produzem socialmente suas vidas, unindo-se ou opondo-se uns aos outros em razão da sua posição nas relações de produção, na sociedade ou no Estado.

Mészáros (1999) também sublinha que, na sociedade capitalista, o suporte político do Estado procura complementar o sistema do capital, criando condições para a manutenção e reprodução do mesmo. Isso é importante porque para prosseguir com sua expansão, impulsionada pela acumulação, o sistema do capital pressupõe a subordinação da sociedade aos seus objetivos, nas funções produtivas, distributivas e reprodutivas.

Wood (2006, p. 28) afirma que o capitalismo “enfiou uma cunha” entre o político e o econômico à medida que “questões essencialmente políticas, como a disposição de poder de controlar a produção e a apropriação ou a alocação do trabalho e dos recursos sociais, foram afastadas da arena política e deslocadas para outra esfera”. O que fica oculto, no sistema capitalista, refere-se às relações sociais e à disposição do poder que se estabelecem entre o capitalista e os operários (WOOD, 2006, p. 28), que têm um “corolário”: [...] a disposição de poder entre capitalista e o trabalhador [...] como condição a configuração política do conjunto da sociedade - o equilíbrio de forças da classe e os poderes do estado [...] “a expropriação do produtor direto, a manutenção da propriedade privada absoluta para o capitalista e seu controle sobre a produção e a apropriação” (WOOD, 2006, p. 28).

Este corolário é representado pelo Estado que se coloca, não apenas, como intermediário, mas, a serviço do capital. Assim, a produção, conforme Marx (2011) não é apenas uma produção particular; contudo, sempre um corpo social, um sujeito social, que é ativo numa totalidade maior ou menor. A sociedade, portanto, é concreta e o “modo de produção não existe em oposição aos fatores sociais” (WOOD, 2006, p. 31), é um “fenômeno social”. A propriedade privada, a relação contratual e o processo de troca de mercadorias exigem as formas legais, aparato de coação e as funções policiais do Estado pois, “historicamente, o Estado tem sido essencial para o processo de expropriação que está na base do capitalismo”. E, em “todos os sentidos, apesar de sua diferenciação, a esfera econômica se apoia firmemente na política” (WOOD, 2006, p. 35).

Com a divisão do trabalho os “dois momentos de exploração capitalista – a apropriação e a coação – são alocados separadamente à classe apropriadora privada e uma instituição coercitiva pública o Estado” (WOOD, 2006, p. 36). Evidencia com isso, “de um lado, o Estado relativamente autônomo”, que tem o poder da força coercitiva e, do outro essa, “força sustenta o poder econômico” privado, que investe a propriedade capitalista da autoridade de organizar a produção. Surge assim, “uma autoridade provavelmente sem precedentes no grau de controle sobre a atividade produtiva e os seres humanos nela engajados” (WOOD, 2006, p. 36).

Nessa discussão, que envolve as classes sociais, o Estado e as relações estabelecidas passam necessariamente pela questão do trabalho já que a riqueza econômica é e continuará sendo resultado do trabalho, do trabalho produtivo. O trabalho, portanto, além de ter uma centralidade ontológica, como assegura Marx, tem centralidade política à medida que cabe à classe operária, justamente por ser ela a produtora de riqueza, transformar a sociedade. O que acontece, entretanto, é que não existe a socialização do poder político, muito menos do econômico.

O Estado não produz a sociedade econômica, mas expressa a sua condição à medida que a questão social é produzida e reproduzida na sociedade capitalista de forma ampliada. Esta situação se deve ao fato das relações de produção se constituírem com base na estrutura da sociedade (MARX, 2002). Nesta perspectiva, pode-se entender, conforme Marx (2002), que a criação de excedentes possibilitou a apropriação privada dos meios de produção, culminando com o aparecimento de classes sociais desiguais e contraditórias – “os possuidores de propriedade e os trabalhadores sem propriedade” (MARX, 2002, p. 110) – portadores de características específicas.

Essas reflexões, a partir de Marx (2002), são confirmadas por Wood (2006, p. 37), para quem o cumprimento das funções sociais do Estado implica uma divisão social do trabalho e a apropriação, por alguns grupos sociais, dos excedentes produzidos por outros. Portanto, a existência de classes antagônicas na questão social implicou a existência do Estado, frente à necessidade de uma instituição, aparentemente neutra, que, sob essa aparente condição, mantém a ordem social, mesmo representando os interesses de apenas uma das classes, a burguesia.

Esta questão é importante para a compreensão do percurso histórico que leva ao capitalismo, com as características específicas do econômico e do político (WOOD, 2006, p. 38), embora se inter-relacionem e que designa “poder de classe” como diferente de “poder de Estado”, como um poder que não se baseia apenas no aparato coercitivo do Estado. Um processo em que a apropriação privada se separa das funções sociais e comunitárias. O Estado, que é separado da economia, embora intervenha nela, pode, aparentemente, pertencer a todos “por causa do sufrágio universal”, sem que se usurpe o poder do apropriador.

Conforme Wood (2006), em contrapartida, existe outro sentido em que o poder político privado é a condição da produção capitalista, isto é, quando se apresenta a forma assumida pela autonomia da esfera econômica. Isso se verifica quando as leis do mercado determinam a venda do poder de trabalho e, neste caso, são as leis autônomas da economia e do capital, em abstração que exercem o poder e não a imposição voluntária pelo capitalista de sua autoridade sobre o trabalhador. Assim, as leis abstratas ao mesmo tempo em que impõem ao capitalista estas situações, dão-lhe condições de fazer o controle sobre a produção.

Esta possibilidade é assegurada nesse sistema, pois, o trabalho é organizado e disciplinado e responde diretamente às exigências da apropriação. O controle, entretanto, das classes, para que seja garantida a divisão, passa para o Estado, para as “mãos impessoais” do Estado (WOOD, 2006, p. 46). Esta interpretação de Wood (2006) sinaliza o afastamento da coação política direta do processo de extração de excedentes e remoção para o Estado, que intervém, geralmente, indiretamente nas relações de produção. A coação política e a extração deixam de ser coação política imediata e, com isso, muda o enfoque da luta de classes.

Nesse sentido, Gramsci (1991) elaborou o conceito de Estado Ampliado, considerando a superestrutura em dois planos: a sociedade política, ou seja, o Estado no sentido estrito, e a sociedade civil, enquanto um conjunto de organismos privados, que estabelece relação dialética com a sociedade política, na construção da hegemonia e no domínio estatal. Ainda de acordo como o filósofo italiano, à medida em que a sociedade civil se desenvolve e os intelectuais orgânicos da burguesia conseguem incutir a moral dessa classe sobre a ampla maioria dos trabalhadores, o aspecto coercitivo do Estado deixa de ser direto, pois estabelece-se o consentimento da maioria da população. Gramsci apresenta uma concepção ampliada da perspectiva marxiana de Estado, para a qual, este era percebido como um comitê para gerir os negócios da sociedade civil burguesa, constituindo-se em espaço para garantir o domínio dessa classe na sociedade capitalista. Para além da sociedade política, portanto, faz-se necessário problematizar a luta de classes no âmbito da sociedade civil em sua relação dialética com o Estado, em sentido estrito.

Da apropriação da produção, resultou o surgimento do Estado, que é capaz de assumir posições diferentes, desde que não fira os interesses dos grupos sociais dominantes. Uma vez que o Estado, como afirma Marx (2007), é a forma sob a qual a classe dominante faz valer seus interesses e, conforme Gramsci (1991), na sua constituição é preciso considerar os organismos presentes na sociedade civil, deduz-se, daí que as instituições comuns se objetivam e adquirem forma política por meio desse processo dialético. Ocorre, portanto, uma ligação intrínseca entre o Estado no sentido unilateral e o Estado amplo (GRAMSCI, 1991). A seguir, identificam-se como essas relações se apresentam na conjuntura neoliberal.

A regulação e a (contra) reforma de estado: o estado gerencial neo/liberal

Numa conferência realizada no Brasil em 1994, Perry Anderson fez um balanço do neoliberalismo, desde a década de 1940 até sua efetiva implantação na Europa, no final da década de 1970. De acordo com Anderson (1995), o neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na Europa e na América do Norte, onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito em 1944. Trata-se de um ataque contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça à liberdade, não somente econômica, mas também política.

O alvo imediato de Hayek era o Partido Trabalhista inglês, às vésperas da eleição geral de 1945, na Inglaterra, em que esse partido venceria. Seu propósito era combater o keynesianismo, a teoria econômica referente ao pensamento do economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946), que defendia o intervencionismo estatal (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011) reinante e preparar as bases de outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro.

Naquele contexto, porém, o capitalismo estava numa longa fase de auge, apresentando o crescimento mais rápido da história, durante as décadas de 1950 e 1960. Por esse motivo, os avisos neoliberais do perigo da regulação do mercado por parte do Estado não faziam muito sentido. Por outro lado, a polêmica contra a regulação social alcançava uma repercussão maior. Os neoliberais argumentavam que o novo igualitarismo, promovido pelo Estado de bem-estar, destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos. Chegavam ao ponto de defender que a desigualdade era algo positivo.

Com a crise econômica de 1973, também conhecida como Crise do Petróleo, provocada pelos países membros da OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo), os quais quadruplicaram o preço do petróleo em decorrência do apoio dos Estados Unidos a Israel, durante a Guerra do Yom Kippur (entre árabes e israelenses) (RISTOF, 2008), as ideias neoliberais passaram a ganhar terreno. Segundo Hayek, as origens da crise estavam no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, no movimento operário, que havia corroído as bases da acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais.

Os neoliberais apontam, como solução, um Estado ampliado, no sentido de romper com o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. Propõe a contenção dos gastos com bem-estar e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. A hegemonia desse programa levou mais de uma década para se consolidar. Na década de 1970, com a eleição de Margaret Thatcher, surgiu a oportunidade na Inglaterra, primeiro país capitalista empenhado em colocar em prática o programa neoliberal. Em 1980, foi a vez dos Estados Unidos, com Ronald Reagan na presidência. Progressivamente, esses ideais foram se espalhando pelo globo terrestre, com a promessa de superação da crise capitalista.

No Brasil, segundo Oliveira (1995), a ditadura começou o processo de dilapidação do Estado brasileiro, o que propiciou o clima para que a ideologia neoliberal encontrasse terreno fértil para se instalar. E foi com a eleição de Fernando Collor de Mello (1989) que se iniciou a ofensiva para o avanço neoliberal no Brasil. Porém, a sociedade civil conseguiu barrar esse movimento. No início dos anos de 1990, a função pedagógica da hiperinflação era administrada pelo presidente Itamar Franco para incutir a desesperança nas formas econômicas, sociais e políticas, que estavam sendo construídas, com intuito de produzir condições para nova investida neoliberal.

Silva Jr. (2002) analisou a conjuntura de 1996, quando o Brasil sedia um seminário, cuja temática foi a reforma do Estado e a mudança do paradigma da administração pública em face da universalização do capitalismo. O discurso de abertura desse encontro já anunciava um Estado que se adaptaria às novas condições do capitalismo. Apontava para a necessidade de reformas do Estado brasileiro para torná-lo competente, capaz de dar rumo à sociedade.

Essa reforma do Estado foi implementada nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso-FHC na presidência do Brasil (1995-2003). Para essa empreitada, foi criado o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), cujo ministro foi Luiz Carlos Bresser Pereira (1997), que defendeu a Reforma da Gestão Pública como a “grande tarefa política dos anos 90”. Esta concepção se apresentava como uma possibilidade de desenvolvimento econômico, de modernização e racionalização, criando uma ideia de superação do desemprego, de contenção da hiperinflação e de bom uso do dinheiro público.

No entanto, como definiu Elaine Behring (2008, p. 22), significou “uma contrarreforma do Estado, que implicou um profundo retrocesso social, em benefício de poucos”, trazendo a minimização do papel intervencionista do Estado, no que diz respeito às políticas sociais e à redução ou ao desmantelamento das políticas de proteção e de direitos humanos.

O período de “desertificação neoliberal” – quando se inicia adoção da ideologia neoliberal no Brasil, por parte do governo Collor, que se tornou mais evidente no governo FHC, a exemplo da privatização acelerada e da desregulamentação do Estado, ou seja, da diminuição da intervenção estatal na economia (ANTUNES, 2005) – e, nos anos de 1990, a “pragmática desenhada” pelo Consenso de Washington – que surgiu em 1989 durante uma reunião de representantes do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do governo norte-americano e de economistas latino-americanos – marcaram a implantação do projeto neoliberal no Brasil (MONTEIRO, 2010, pp.14-15) e uma significativa reestruturação produtiva (ANTUNES, 2008, p. 105).

As contrarreformas concebidas no país acompanharam as reestruturações implementadas na esfera produtiva no mercado mundial as quais promoveram uma guinada nas relações entre capital e trabalho pactuadas no período. De acordo com Silva Jr. (2002), percebeu-se o enxugamento da máquina estatal, com a transferência das responsabilidades públicas para a sociedade civil, por meio das Organizações Não-governamentais num diálogo direto com o Estado. O resultado foi um Estado ampliado no âmbito interno e submisso no plano internacional, tratando-se de um novo colonialismo.

Em 2002, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), inicia-se um período que vem sendo denominado de Lulismo, que, de acordo com Antunes (2015, p. 12) é “caracterizado pela força eleitoral de Lula e sua liderança ‘messiânica’ e carismática” que contou, uma vez mais, com o apoio político de diversas frações burguesas que se sentiam satisfeitas e plenamente representadas pelo bloco de poder então vigente (ANTUNES, 2015, p. 10), cujo estudo se complexifica, devido aos desdobramentos que ainda se fazem presentes na realidade brasileira, o que dificulta a compreensão do seu significado histórico e, também, pelas controvérsias que engendra.

Há interpretações, como a de Antunes (2015, p. 10), que afirma que, no momento da eleição de Lula, o PT “oscilava entre a resistência ao neoliberalismo e a aceitação de uma ‘nova política’, muito mais moderado, policlassista e adequado à ordem capitalista típica da era da financeirização”. Nessa perspectiva, o primeiro mandato (2003-2006) foi marcado mais pelas continuidades do que pelas rupturas e, no segundo (2007-2010), houve a ampliação de políticas sociais, estabelecendo-se a conciliação de classes, uma vez que “os grandes capitais lucraram como poucas vezes na história recente do país, sendo que parcelas da base mais empobrecida e pauperizada da pirâmide social brasileira puderam ascender pequenos degraus [..]” (ANTUNES, 2015, p. 11). Todavia, as estruturas geradoras das desigualdades sociais não sofreram modificações. Antunes (2015) estende essa mesma caracterização para os mandatos de Dilma Rousseff, destacando a ruptura com a classe trabalhadora, ao assumir o segundo mandato em 2015, implementando medidas que, em campanha, foram rechaçadas.

Com a cassação do mandato de Dilma Rousseff, em 2016, sob a acusação de praticar “pedaladas fiscais” – “apelido dado ao sistemático” atraso nos repasses de recursos do Tesouro Nacional para que o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES para pagar benefícios sociais como o Bolsa-Família, Minha Casa Minha Vida, seguro desemprego, crédito agrícola etc.; como “as instituições financeiras pagam em dia os benefícios, o atraso no repasse dos recursos públicos gera contratualmente o pagamento de juros pelo governo aos bancos públicos [...] (RIBEIRO, 2015, p. 3)” – a Presidenta Dilma Rousseff foi submetida a um processo de impeachement, que assume as características de golpe parlamentar, jurídico e midiático, pois “não há, até o presente, evidência clara de crime cometido por Dilma em seu atual mandato” (ANTUNES, 2015, p. 19). Com Michel Temer na presidência do Brasil, tem-se vivenciado um aprofundamento significativo das medidas neoliberais, com a destruição dos direitos sociais1 de forma abrupta e autoritária.

Após essa breve discussão sobre neoliberalismo, infere-se que a contrarreforma do Estado implementada no Brasil na década de 1990, em curso até o momento atual (2018), atendeu e atende às exigências dos organismos internacionais (BIRD-Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento e BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento) para a concessão de novos empréstimos, condição indispensável para a consecução das políticas de ajuste fiscal propostas pelo governo (ALVES, 2000; SPINK, 2001).

Assim como já havia acontecido nas décadas de 1930 e de 1970, quando o capitalismo manifestou suas crises, o que, segundo Antunes (1999), se evidenciou pela queda da taxa de lucro, pelo esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista dos modos de produção, pela hipertrofia da esfera financeira, pela maior concentração de capitais graças às fusões entre as empresas monopolistas ou oligopolistas, pela crise do Welfare State e pelo incremento acentuado de privatizações, mais uma vez o capitalismo precisa “revolucionar os instrumentos de produção, por conseguinte as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais” (MARX; ENGELS, 2010, p. 43).

O contexto neoliberal globalizado está envolvido por uma densa e penetrante trama de relações econômicas, sociais, políticas, ideológicas e militares, que acompanha a estrutura do poder internacional e que se organizou como resultado do modo de produção capitalista (CHOMSKY, 1994). A expressão globalização não descreve apenas o fenômeno específico de expansão do capital. Politicamente, ela designa o avanço da ideologia neoliberal, caracterizada pelo declínio do Estado de bem-estar social, pela desregulamentação dos mercados, pela privatização das empresas estatais pela flexibilização das relações de trabalho e pela destruição de direitos elementares dos trabalhadores.

Chomski (1994) afirma que a globalização neoliberal não é um fenômeno completamente novo, pois ela coloca, de fato, novos problemas em relação às estratégias de resistência e à formulação de alternativas. Segundo o autor, isso se deve ao fracasso daquelas que guiaram, no passado, as lutas anticapitalistas e também porque, pela primeira vez na história ocidental moderna, o capitalismo apresenta-se como um modelo civilizacional global, ao subordinar praticamente todos os aspectos da vida social à lei do valor e, para isso, conta com a ação dos organismos multilaterais.

Neste processo, a privatização e o recuo nas políticas sociais se apresentam como uma saída para a organização administrativa neoliberal. Para a população, dependente do Estado, ele perde a sua função social. Para os capitalistas, representa a ampliação das possibilidades de exploração do trabalho e a ampliação das áreas de atuação, pois, atividades, antes oferecidas pelo Estado, como saúde, previdência social e educação, passam a constituir serviços, que devem ser oferecidos pela iniciativa privada, subsidiados pelas políticas públicas.

De acordo com Sader (2013, p. 135), “o neoliberalismo representa o projeto de realização máxima do capitalismo, na medida em que visa a mercantilização de todos os espaços das formações sociais”. Portanto, para garantir a permanência e o fortalecimento do sistema capitalista, realiza-se um processo de reorganização do Estado, que envolve privatização, publicização e imposição das políticas ideológicas neoliberais, afetando a vida de toda a sociedade brasileira, acirrando a luta de classes.

O papel do Estado e as políticas públicas educacionais

Ao tratar da educação, da escola pública e das questões que as envolvem, diante da conjuntura que está sendo discutida (a implementação e a consolidação do neoliberalismo na realidade brasileira) é importante salientar que se trata de um processo complexo em que o campo educacional é uma parte. Ele envolve a necessidade, por parte do capital, de manutenção ativa dos trabalhadores no sistema.

Assim, conforme Mészáros (2005), em relação à educação “trata-se de uma questão de 'internalização', pelos indivíduos, da legitimidade da posição que lhes foi atribuída na hierarquia social, juntamente com suas expectativas 'adequadas' e as formas de conduta 'certas', mais ou menos explicitamente estipuladas nesse terreno” (MÉSZÁROS, 2005, p. 44).

Nessa lógica: “enquanto a internalização conseguir fazer o seu bom trabalho, assegurando os parâmetros reprodutivos gerais do sistema do capital, a brutalidade e a violência podem ser relegadas a um segundo plano” posto que “são modalidades dispendiosas de imposição de valores, como de fato aconteceu no decurso do desenvolvimento capitalista moderno” (MÉSZÁROS, 2005, p. 44).

Neste sentido, poderia se reafirmar a concepção defendida por Gramsci (1991), de que a hegemonia repousa sob a armadura da coerção. Assim, no que diz respeito às políticas públicas, elas se constituem como ações emanadas pelo Estado, com o fim de estabelecer as imposições sobre a sociedade, algumas vezes por meio da coerção, outras pelo consenso, objetivando a legitimação, o que se dá por via constitucional, tendo em vista, conforme Lênin (1960), que o Estado aparece, justamente, quando os antagonismos de classes não podem objetivamente ser conciliados.

Em uma sociedade em que a luta de classes se faz presente, as políticas públicas evidenciam o antagonismo e representam os interesses do grupo dominante, operacionalizadas por meio de decretos, leis e outras formas de regulamentação, legitimando a disputa pelo próprio controle do Estado e por meio do Estado. Nessa querela, encontram-se os partidos políticos, o empresariado, os banqueiros, as fundações, as ONGs, os sindicatos e os movimentos sociais, dentre outros.

No caso brasileiro, as políticas públicas hegemonizadas pelas elites levaram historicamente à exclusão social, pois sempre impuseram as suas leis. No entanto, o povo de uma ou outra maneira, se organizou e reagiu, estabelecendo, em vários momentos históricos, uma correlação de forças. Foram, portanto, as lutas de classe que forçaram o sistema capitalista e os governos a criarem políticas públicas, tanto para atender às reivindicações, quanto para calar os movimentos.

Estas políticas, embora tenham acalmado as manifestações populares, representavam, para a elite, fugas de lucros e benesses, que, desta forma, passa a criticar o Estado forte, intervencionista. Cabe destacar, que, especialmente no contexto em que a globalização da economia avançou, as políticas neoliberais ganharam centralidade, o número de desempregados aumentou, o processo de trabalho se transformou, as empresas enxugaram seus quadros de funcionários, conduzindo, ao desemprego, milhares de trabalhadores; o emprego informal cresceu e as demandas da sociedade se intensificaram junto com a exclusão social.

Diante deste quadro, o Estado passou a criar políticas de inserção social para as pessoas excluídas do mundo do trabalho através de políticas compensatórias. Por outro lado, as políticas estruturais em nome da qualidade, da tecnologia, da “modernidade” têm colaborado para aumentar o desemprego e a desigualdade social.

O sistema capitalista passa por uma grande transformação e o Estado contribui com o seu delineamento, à medida que se torna mínimo no atendimento das necessidades sociais e ampliado, no sentido dado por Gramsci, quando quer levar a cabo as reformas. Essa diretriz, portanto, foi encampada pelo Estado brasileiro a partir da segunda metade da década de 1980, ratificando-se nos anos de 1990, quando o ideário neoliberal foi incorporado como caminho salvacionista do crescimento econômico, compassando a orientação das políticas sociais e educacionais e desembocando na escola, especialmente, na escola pública.

Os governos passam então a realizar a contrarreforma do Estado, projetando a inclusão brasileira no tão valorizado modelo defendido pelo ideário neoliberal, colocando para a educação a responsabilidade e o compromisso de preparar as “gerações para este mundo globalizado”. Defendem que a educação de qualidade é fundamental no desenvolvimento socioeconômico do país e na inserção do trabalhador no mercado de trabalho e as políticas educacionais seguem essa lógica. Nessa esteira, cabem algumas reflexões sobre a educação como um instrumento para o desenvolvimento social, valendo-se do entendimento de Saviani de que a educação é inerente ao homem, pois, originou-se do mesmo processo que deu origem ao homem. Assim “desde que o homem é homem ele vive em sociedade e se desenvolve pela mediação da educação” (SAVIANI, 1999, p. 1).

A educação, portanto, é decisiva para a vida dos seres humanos, sendo criada e recriada por eles, na interação com outros seres humanos com os quais se relacionam. Compreendida desta forma, ela estaria servindo como instrumento de emancipação e libertação dos homens como seres históricos dotados de capacidade de transformação. O que se tem constatado, no entanto, é que, longe de tornar as pessoas capazes de construírem e reconstituírem a sua própria vida, de transformarem a sua realidade e interagirem na sociedade, a educação tem contribuído para a manutenção das estruturas vigentes em cada contexto histórico.

A intervenção do Estado nas políticas educacionais: para onde caminha a Educação Básica

A conjuntura das políticas educacionais no Brasil demonstra sua centralidade na hegemonia das ideias liberais e neoliberais sobre a sociedade como reflexo do forte avanço do capital sobre a organização dos trabalhadores, sobretudo, a partir da década de 1990. A intervenção de mecanismos internacionais como, por exemplo, o Fundo Monetário Internacional- FMI, o Banco Mundial - BM, a UNESCO, a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI, aliadas à subserviência do governo brasileiro à economia mundial, repercute de maneira decisiva sobre a educação e à escola pública.

No campo das políticas educacionais, portanto, esses organismos internacionais: “cumprem [...] um decisivo papel na normalização das políticas educativas nacionais, estabelecendo uma agenda que fixa não apenas as prioridades, mas igualmente as formas como os problemas se colocam e equacionam”, e que constituem uma forma de fixação de um mandato, “mais ou menos explícito conforme a centralidade dos países” (TEODORO, 2001, p. 128).

A estratégia neoliberal defende a ideia de colocar a educação como prioridade, apresentando-a como alternativa de “ascensão social” e de “democratização das oportunidades”. Efetivamente, no entanto, no âmbito educacional, o que se tem para às políticas educacionais, difundidas pelo neoliberalismo e decorrentes da globalização, é a racionalidade empresarial. Os valores que se apregoam são a eficiência como caminho para a competitividade e a produtividade e o lucro como recompensa e fins a serem auferidos. Assim, nesta lógica, sendo a educação um bem de consumo e fonte de lucro, continua acessível somente a uma pequena parcela da sociedade.

Os excluídos, os derrotados ou os miseráveis do mundo pagam o preço de sua incompetência ou de suas escolhas, justifica-se, a exclusão e a desigualdade como elementos “necessários à competitividade” (FRIGOTTO, 2008, p. 14). Assim, a tendência é a continuação da seletividade e elitização do conhecimento historicamente evidenciada no Brasil por meio do dualismo educacional. As implicações disso são trágicas para a grande maioria da sociedade: a exclusão, o analfabetismo, o desemprego, a miséria e a violência (ANDRIOLLI; SANTOS, 2005).

Neste prisma, na educação, as consequências sinalizam para a aplicação de menos recursos, por dois motivos principais: a) diminuição da arrecadação (através de isenções, incentivos, sonegação); b) não aplicação dos recursos e descumprimento de leis (ANDRIOLLI, 2002). Em consonância com o sistema econômico, por parte do Estado, como sublinha ainda Andriolli (2002, s/p.), as políticas educacionais são efetivadas por ações que visam: assegurar a Educação Básica, porém, sem a qualidade necessária; defender o rápido e barato na formação como critério de eficiência; a formação menos abrangente e mais profissionalizante; a reforma do ensino médio e profissionalizante; a privatização do ensino; a aceleração da aprovação para desocupar vagas; o aligeiramento da formação docente; o compromisso da sociedade em assumir o papel que compete ao Estado.

Nessa lógica, a autonomia que se apresentou como uma das bandeiras das lutas do professorado, dos estudantes e dos movimentos sociais de caráter popular nos anos de 1970 e 1980, tão propalada no contexto neoliberal, como possibilidade, na realidade condiciona a sociedade civil a arcar com o ônus da escola pública. Conclui-se, nesse caso, que as avaliações, livros didáticos, currículos, programas, conteúdos, cursos de formação, critérios de controle e fiscalização, continuam dirigidos e centralizados (ANDRIOLLI, 2002).

A educação básica, por sua vez, prioridade a partir dos organismos internacionais, com ênfase no BM, ao colocar neste nível o foco justifica o seguinte: a educação, especialmente a primária e a secundária, ajuda a reduzir a pobreza, aumentando a produtividade do trabalho dos pobres, reduzindo a fecundidade, melhorando a saúde, e favorece a população de atitudes que necessitam para participar plenamente na economia e na sociedade (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 15).

Estas, conforme o BM, são mudanças necessárias, embora não sejam fáceis de serem implantadas. De qualquer forma, o objetivo consiste em qualificar, minimamente, o trabalhador para inserção no mercado de trabalho, limitando a aprendizagem ao ler, escrever e calcular. As políticas educacionais brasileiras, implementadas a partir dos anos de 1990, portanto, pautadas nesses princípios, ajustaram-se às novas exigências postuladas pelo ideário neoliberal e, ao acatar as orientações políticas dos organismos internacionais de financiamento, passaram a realizar reformas educacionais que atendessem a essas prerrogativas. Essas reformas, de uma maneira geral, foram acordadas por meio do pacto: A Educação para Todos (EPT). Esse corresponde a um compromisso global, firmado por 164 governos reunidos na Cúpula Mundial de Educação, em Dakar (2000), para oferecer uma educação que atenda às necessidades básicas de aprendizagem e que inclua aprender a aprender, a fazer, a conviver e a ser, conforme o Relatório Delors, os quatro pilares da educação.

Os participantes dessa convenção, ao assumirem o pacto, se comprometeram a alcançar, até 2015, seis metas que estabelecem um Marco de Ação. São Metas da Conferência:

    1. Expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena, especialmente para as crianças mais vulneráveis e em maior desvantagem;

    2. Assegurar que todas as crianças, com ênfase especial nas meninas e crianças em circunstâncias difíceis, tenham acesso à educação primária, obrigatória, gratuita e de boa qualidade até o ano 2015;

    3. Assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e adultos sejam atendidas pelo acesso equitativo à aprendizagem apropriada, a habilidades para a vida e a programas de formação para a cidadania;

    4. Alcançar uma melhoria de 50% nos níveis de alfabetização de adultos até 2015, especialmente para as mulheres, e acesso equitativo à educação básica e continuada para todos os adultos;

    5. Eliminar disparidades de gênero na educação primária e secundária até 2005 e alcançar a igualdade de gênero na educação até 2015, com enfoque na garantia ao acesso e o desempenho pleno e equitativo de meninas na educação básica de boa qualidade;

    6. Melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e assegurar excelência para todos, de forma a garantir a todos resultados reconhecidos e mensuráveis, especialmente na alfabetização, matemática e habilidades essenciais à vida. (BRASIL, 1990).

Assim, a Educação Básica no Brasil precisou passar por um processo de adequação às determinações e, com a aprovação da Constituição Federal em 1988, no seu art. 205 a instituiu como sendo: “[...] direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).

Estabeleceu-se, ainda, no art. 206 e seus incisos, que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: “I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; [...] IV- gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais” (BRASIL, 1988). A educação básica é definida no art. 21 como um nível da educação nacional, que contempla, articuladamente, as três etapas: a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. Ao longo dessa formação, as crianças e adolescentes devem receber a formação comum indispensável para o exercício da cidadania, como aponta a LDB nº 9.394/96 (BRASIL, 1996).

As políticas, portanto, ao atenderem às demandas colocadas por esta realidade global, não fogem à regra. Ao seguir as orientações gerais da política educacional no campo da formação, obedecem às necessidades postas pela reforma educativa para a educação básica. Isto se consolida em decorrência das transformações no campo produtivo e das novas exigências e determinações do capitalismo.

A educação se situa numa área de interações e de influências, representando um espaço de interesses e impasses políticos e econômicos, os quais a colocam em um plano estratégico, porém, contraditório, à medida em que é condicionada no atendimento a estas prerrogativas, mas, também, conduz à correlação de forças (ANDRIOLLI, 2002).

Estes interesses alcançam materialidade a partir de discursos e ações que buscam instalar-se no núcleo do sistema educacional, ou seja, nas políticas educacionais, buscando alcançar legitimidade e amplitude. A orquestração desses interesses assume, em alguns momentos, características ainda mais intensas, pois, mesmo condições como essas, que foram colocadas para a educação básica, submetida aos ditames dos organismos internacionais e ao mercado, se tornam ainda mais complexas à medida que, mesmo esta perspectiva da educação básica, com todas as limitações acima apresentadas, é negada à grande parcela da população brasileira.

Esta afirmação poderia surpreender diante do quadro explicitado, entretanto, exatamente por se tratar de uma questão de classes sociais, a educação básica, que havia sido negada ao longo da história brasileira, embora em atendimento aos objetivos do mercado, permitiu o acesso de grande parcela dos excluídos à escolaridade. Mesmo que de forma não hegemônica, numa perspectiva dialética, ainda conseguiu romper com esses princípios neoliberais, desenvolvendo processos formativos conscientizadores e politizadores, em algumas escolas públicas, como indicam várias experiências que temos acompanhado por meio de estudos e pesquisas.

Trata-se da resistência dos sujeitos sociais diante das reformas/contrarreformas, que não têm sido implantadas para a emancipação da classe trabalhadora, ao contrário, retiram as pequenas possibilidades que se apresentaram. É o que se pode identificar neste momento no Brasil, pois as políticas públicas partem do Estado, representando os interesses de uma classe em detrimento de outra, como, por exemplo, a Reforma do Ensino Médio e a Escola Sem Partido.

Com a Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, que institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, o artigo nº 36 da LDB (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996) passa a vigorar com as seguintes determinações:

O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:

I - Linguagens e suas tecnologias;

II - Matemática e suas tecnologias;

III - Ciências da natureza e suas tecnologias;

IV - Ciências humanas e sociais aplicadas;

V - Formação técnica e profissional. (BRASIL, 2017).

O site do MEC informa que o jovem pode obter uma formação técnica dentro da carga horária do ensino médio, permanecendo obrigatório o ensino de português e matemática, sendo que, em três anos, terá concluído o ensino médio com a formação profissionalizante. Essa estrutura substitui a anterior, segunda a qual, o jovem tinha que cursar 2400 horas do ensino médio regular e mais 1200 horas do técnico (BRASIL, 2016).

Essa mesma lógica vale para os incisos I, II, III e IV da LDB, ou seja, o (a) aluno (a) terá uma parte dos seus estudos dedicados ao que estiver determinado pela Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e o restante da carga horária será direcionado para um desses itinerários formativos. É importante destacar que a organização dessas áreas será feita de acordo com as possibilidades e os critérios estabelecidos por cada sistema de ensino, o que significa que não é obrigatória a oferta de todos esses itinerários.

A Lei estabelece o progressivo aumento da carga horária do ensino médio, de modo a constituir sua oferta em tempo integral, vinculando, para esse fim, o repasse de recurso, por 10 anos, da União aos Estados, que aderirem a essa estrutura do ensino médio, estabelecendo o projeto político pedagógico conforme determina a legislação, de acordo com o número de matrículas e a disponibilidade orçamentária. Portanto, além da colaboração entre as esferas ser limitada a um período de 10 anos, não há garantia de que os recursos chegarão aos estados, que, de acordo com a LDB, têm responsabilidade por essa etapa da educação básica.

Junte-se a esse fato, a aprovação da PEC do teto dos gastos – Emenda Constitucional nº 95 – limitando os gastos públicos por 20 anos, ou seja, mesmo aumentando a demanda ou a arrecadação, a União não poderá destinar mais recursos do que aquele montante do ano anterior, o que compromete o apoio do governo federal.

Essa reforma liquida a “dura conquista do ensino médio como educação básica universal para a grande maioria de jovens e adultos, cerca de 85% dos que frequentam a escola pública” (FRIGOTTO, 2016, s/p). Consolida-se, dessa maneira, como afirma Frigotto (2016, s/p) “uma agressão [...] à Constituição de 1988 e à Lei de Diretrizes da Educação Nacional que garantem a universalidade do ensino médio como etapa final de educação básica”. Ao determinar a escolha pelos itinerários formativos, sem a garantia da sua oferta, concretiza-se o cerceamento ao direito de acesso à educação de qualidade, fragmentando a formações dos nossos jovens, limitando suas possibilidades de ingressarem no ensino superior.

Estas prerrogativas, definidas a partir das cartilhas elaboradas por intelectuais do BM, UNESCO, OMC, dentre outros organismos definidores das macro e micropolíticas, indicam que, à educação básica, deve-se imputar o mínimo de qualidade e criticidade, pois a “consideram um serviço que tem que se ajustar às demandas do mercado” (FRIGOTO, 2016), ou seja, o projeto para a educação básica explicita claramente o tipo de educação que deve ser oferecido e a qual grupo social.

Pressupondo o mínimo de qualidade e criticidade e o atendimento do mercado, a Reforma do Ensino Médio busca ajustar o processo de formação humana aos interesses da classe econômica e política dominante. Para essa classe, é relevante apenas uma formação que qualifica a mão de obra para o mercado de trabalho e, uma vez que, uma formação não crítica contribui para manter as classes dominadas em estado de alienação.

Ainda, nesta perspectiva, as políticas apontam, neste momento, para a criação da “Escola sem Partido”, que se fundamenta no argumento da “Liberdade para ensinar”, mas que elimina, na realidade, a liberdade de educar (FRIGOTTO, 2016). A Escola Sem Partido surge do PL nº 867 de 2015, de autoria do deputado Izalci Lucas Ferreira, filiado ao PSDB/DF, e chama a atenção ao propor, no seu art. 2º, o seguinte princípio: I - neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado. Na sequência, o Art. 3º do Projeto Escola Sem Partido, para que haja uma melhor compreensão e clareza de propósitos: afirma que são vedadas, em sala de aula, “a prática de doutrinação política e ideológica, bem como a veiculação de conteúdo ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”.

As ideias defendidas por meio do princípio e do artigo apresentados na Proposta de Escola Sem Partido remetem ao que Marx afirmava: “as ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes” (MARX, 2009, p. 67) e a afirmação ajuda a compreender o que realmente interessa à classe dominante ao propor a neutralidade na educação: negação aos homens e mulheres de sua história real, da possibilidade de acesso ao conhecimento. Ainda, limita a compreensão de o conhecimento pode ser fator de emancipação, de luta, de busca por um novo formato de sociedade, na qual a condição humana possa ser compreendida e vivida em sua totalidade.

Frigotto assegura que este projeto trata, pelos arautos que a defendem e apresentam, da:

[...] escola do partido absoluto e único: partido da intolerância com as diferentes ou antagônicas visões de mundo, e conhecimento, de educação, de justiça, de liberdade; partido, portanto da xenofobia nas suas diferentes facetas: de gênero, de etnia, da pobreza e dos pobres, etc. Um partido, portanto, que ameaça os fundamentos da liberdade e da democracia liberal, mesmo que nos seus marcos limitados e mais formais que reais. Um partido que dissemina o ódio, a intolerância e, no limite, conduz à eliminação do diferente. (FRIGOTTO, 2016, s/p).

Esta compreensão, no entanto, não se vislumbra explicitamente, pois, na Escola Sem Partido, a perspectiva da Liberdade para Ensinar, bem como a reforma do ensino médio são apresentadas de forma nebulosa, disfarçada, com grande apoio midiático para construir o consenso, dificultando a identificação do caráter limítrofe das propostas, pois elas se escondem sob o manto ideológico de “liberdade”, de formação para a competitividade e sucesso do mercado. Encontra-se, portanto, a classe trabalhadora brasileira diante de uma iniciativa que visa retirar da escola seu papel essencial de formar para a emancipação, o que demonstra o caráter autoritário desse movimento.

É importante a elucidação que Ponce (2007) apresenta para compreensão e aprofundamento sobre o que a dita neutralidade propõe: A única finalidade da chamada “neutralidade escolar” é subtrair a criança da verdadeira realidade social: a realidade das lutas de classe e da exploração capitalista; capciosa “neutralidade escolar” que, durante muito tempo, serviu à burguesia para dissimular melhor os seus fundamentos, e defender, assim, os seus interesses (PONCE, 2007, p. 180-181).

Ainda sobre a questão da neutralidade suposta pelo Programa “Escola Sem Partido”, Ramos (2017) considera que a educação e a política processos, apesar de não idênticos, compõe uma unidade. A partir dessa consideração, o referido autor afirma que as sociedades capitalistas são pautadas pela submissão da educação à prática política. Nesse compasso, não existe neutralidade, uma vez que a educação sempre será guiada por uma filosofia política ou alguma concepção de mundo “mesmo que esses não sejam explicitados nos respectivos projetos políticos-pedagógicos ou que seus sujeitos não tenham plena consciência dos mesmos.” (RAMOS, 2017, p. 81).

Os intelectuais defensores dessas propostas compreendem que manter o acesso ao conhecimento sob controle é fator de interesse e de necessidade da classe dominante, que busca usar desse artifício para defender, perpetuar e legitimar sua dominação e exploração dos que são privados do acesso ao conhecimento. A manutenção dos “padrões de controle” sobre a Escola e os membros que a constituem pode lhes garantir a permanência no poder sem conflitos ou insurreições.

Newton Duarte auxilia na compreensão de que a classe dominante teme que o conhecimento chegue à classe trabalhadora: “Não interessa, porém, à classe dominante que esse conhecimento seja adquirido pelos filhos da classe trabalhadora” (DUARTE, 2012, p. 154). Negar o acesso ao conhecimento aos mais desfavorecidos economicamente é uma maneira de perpetuação, consolidação e permanência no poder aos que dominam. É usar do discurso sedutor, que é reproduzido pelos diferentes equipamentos ideológicos, que os dominantes possuem, dentre eles a escola, para afirmar que todos têm acesso à Educação, ao mesmo tempo, em que são recusadas as poucas possibilidades que se apresentam.

Nesse sentido, pode-se considerar que as políticas educacionais, que definem a educação básica e a escola pública, reafirmam a desigualdade social e buscam disfarçar a luta de classes. Entretanto, a materialização dessas propostas pelos sujeitos concretos pode apresentar algumas possibilidades de rompimento por meio de um processo educativo emancipatório, embora não seja nada fácil, especialmente, em uma conjuntura, na qual, vive-se o retorno ao passado de uma política educacional fracassada de um projeto de sociedade inaugurado nos anos 1990 com Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso, continuada, apesar das diferenças, por Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, e aprofundadas significativamente pelo governo de Michel Temer.

Considerações finais

Gramsci (1976) defende a educação como prática social capaz de produzir e reproduzir relações sociais, que pode se apresentar como uma possibilidade de superação e/ ou transformação das relações sociais capitalistas. Isto se dá quando práticas libertárias, reflexivas e emancipatórias são efetivadas. Nesse sentido, pode-se afirmar que a educação básica é uma política que poderia contribuir com a transformação social.

Na sociedade sob o domínio do capital, ocorre uma permanente luta, que mede forças entre capital e trabalho, dominantes e dominados, opressores e oprimidos, o que se confirma na história concretamente constituída por uma constante luta de classes. Não há luta de classes sem que as classes sejam antagônicas, como Marx e Engels afirmam. Estas classes são produtos das relações econômicas de sua época; todavia, toda luta de classes é uma luta política.

Estes antagonismos estruturais do sistema do capital precisam ser corrigidos pelo Estado, a quem cabe esta ação, no sentido de mantê-los sobre controle e não de sua eliminação (MÉSZÁROS, 2002, p. 214). O Estado surgiu exatamente para desempenhar um papel coesivo, coercitivo em uma sociedade fragmentada e antagonicamente estruturada, para garantir a reprodução social fundada na exploração do trabalho pelo capital.

O Estado, como afirma Mészáros (2002), é inconcebível sem o capital que lhe dá sustentação, e o capital, por sua vez, precisa do Estado como seu complemento necessário. Nesse contexto, entende-se, a partir dos pensadores que referenciam esse trabalho, que a origem do Estado está relacionada à divisão da sociedade em classes, tendo o Estado o papel de manter as contradições das classes sociais existentes.

A preocupação exposta por Gramsci e Mézsáros, em relação à proposta educativa, que seja capaz de propor a emancipação, vai na contracorrente em relação à ideia de neutralidade da Educação defendida e sustentada pelo projeto Escola Sem Partido ou à própria reforma do ensino médio, que limita a realização de projetos educacionais politizadores e conscientizadores. Assim, o tipo de ensino e educação que se propõe, a partir dessas políticas atuais, legitimam e contribuem para a existência de indivíduos sem condições intelectuais de compreender a sua realidade, tendo em vista que, a esses homens e mulheres, é negado o acesso ao conhecimento.

Duarte, (2012. p. 4) sublinha que “para se transformar conscientemente a realidade social, é preciso compreendê-la para além das aparências, para além do imediato”. Nesta ótica, no contexto em estudo, acaba se destacando claramente a dialética da luta de classes: enquanto o trabalhador é explorado e não se permite que tenha acesso aos bens produzidos, aos conhecimentos acumulados historicamente, eliminando-se a possibilidade de superação dessa alienação pelo processo educativo; o explorador do trabalho se vê satisfeito com essa situação, pois consegue ocupar o Estado, no sentido estrito, fazendo deste o representante dos seus interesses, além de articular a sociedade civil, para legitimar a sua hegemonia.

Além da perspectiva política, a dominação se consolida, também, no campo ideológico, pelo controle da educação em nível nacional, e, ainda, no campo econômico, frente ao empresariamento da educação e a formação da mão de obra de acordo com as necessidades do mercado. Nesse cenário, apresenta-se a possibilidade de pensar na perspectiva dialética da luta de classes e articular a resistência da classe trabalhadora, frente a tantos retrocessos nos direitos sociais.

1Considerando que, sob o sistema capitalista, o Estado constitui uma instituição a serviço dos interesses do capital e de exploração das classes trabalhadoras, em qualquer forma de capitalismo, o atendimento aos direitos sociais, por meio das políticas públicas, se encontrará atrelado a tais interesses.

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Recebido: 17 de Agosto de 2017; Aceito: 15 de Outubro de 2018

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Revisores

Língua Portuguesa

José Anderson Santos Cruz

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Língua Inglesa

Flávio Henrique M. Moreira

E-mail: contato.riaee@gmail.com

Língua Espanhola

Mariana Bulegon

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