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Revista Educação em Questão

versão impressa ISSN 0102-7735versão On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.57 no.51 Natal jan./mar 2019  Epub 13-Set-2019

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2019v57n51id15381 

Artigos

Comprometimento acadêmico:variável relevante para o desempenho de alunos de Engenharia em Cálculo I

Academic commitment: a relevant variable to the performance of engineering students in Calculus I

Compromiso académico: variable relevante para el desempeño de alumnos de Ingeniería en Cálculo I

Edinéia Zarpelon1 

Luis Mauricio Martins de Resende1 

1Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Brasil)


Resumo

Este artigo, fruto de uma pesquisa de mestrado, tem como objetivo apresentar as concepções de alunos de engenharia sobre os motivos que os levaram a aprovar ou reprovar na disciplina de Cálculo I quando calouros, com vistas a verificar a hipótese de que o comprometimento interfere de forma significativa no desempenho alcançado na disciplina. Trata-se de uma pesquisa aplicada, de cunho explicativo com abordagem qualitativa, cuja amostra é composta por 17 alunos de Engenharia que cursaram a disciplina de Cálculo I. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e examinados sob a perspectiva da análise de conteúdo proposta por Bardin (2011). Os relatos estudantis indicam que as posturas adotadas na época foram determinantes para o desempenho obtido em Cálculo I, sugerindo que o comprometimento acadêmico é uma variável relevante no contexto de aprovações ou reprovações na disciplina. Ademais, as narrativas sinalizam outras variáveis, evidenciando a natureza multifatorial implícita no fenômeno das reprovações em Cálculo I.

Palavras-chave: Engenharia; Cálculo I; Desempenho acadêmico; Postura estudantil

Abstract

This article, the result of a master's research, aims to present the conceptions of engineering students on the reasons that led them to be approved or fail in the course of Calculus I when freshmen, in order to verify the hypothesis that commitment interferes significantly in the performance achieved in the course. This is an applied research, with an explanatory nature with a qualitative approach, whose sample consists of 17 engineering students who have attended the course of Calculus I. Data were collected through semi-structured interviews and examined under the perspective of content analysis proposed by Bardin (2011). The student reports indicate that the students’ attitudes adopted at the time were determinant for the performance obtained in Calculus I, suggesting that the academic commitment is a relevant variable in the context of approvals or failures in the course. Moreover, the narratives indicate other variables, evidencing the multifactorial nature implied in the phenomenon of failures in Calculus I.

Keywords: Engineering; Calculus I; Academic performance; Student attitude

Resumen

Este artículo, fruto de una investigación de maestría, tiene como objetivo presentar las concepciones de alumnos de ingeniería sobre los motivos que los llevaron a aprobar o reprobar en la asignatura de Cálculo I cuando estudiantes de primer año, con el fin de verificar la hipótesis de que el compromiso interfiere de forma significativa en el desempeño alcanzado en la asignatura. Se trata de una investigación aplicada, de cuño explicativo con abordaje cualitativo, cuya muestra está compuesta por 17 alumnos de Ingeniería que cursaron la asignatura de Cálculo I. Los datos fueron recolectados por medio de entrevistas semiestructuradas y examinadas bajo la perspectiva del análisis de contenido propuesto por Bardin (2011). Los relatos estudiantiles indican que las posturas adoptadas en la época fueron determinantes para el desempeño obtenido en Cálculo I, sugiriendo que el compromiso académico es una variable relevante en el contexto de aprobaciones o reprobaciones en la asignatura. Además, las narrativas señalan otras variables, evidenciando la naturaleza multifactorial implícita en el fenómeno de las reprobaciones en Cálculo I.

Palabras clave: Ingeniería; Cálculo I; Rendimiento académico; Postura estudiantil

Introdução

Para ingressantes em cursos de Engenharia, a fase de transição entre o Ensino Médio e o Ensino Superior é marcada por grandes desafios. Um deles refere-se à busca pelo êxito em Cálculo I: uma disciplina (re)conhecida pelos altos índices de insucesso.

Uma das teses, presentes na pesquisa de Lopes (1999), aduz que as reprovações em Cálculo I são consequência do baixo conhecimento matemático apresentado pelos alunos ingressantes. Assim, por não possuírem os pré-requisitos matemáticos necessários, a aprendizagem dos conteúdos específicos de Cálculo I estaria comprometida. Essa proposição passou a ser compartilhada em diversos trabalhos (CURI, FARIAS, 2008; LOPEZ, SEGADAS, 2014; MENESTRINA, MORAES, 2011; MELLO, MELLO,FERNANDES, 2001) realizados a partir de perspectivas docentes e discentes.

Outra hipótese apresentada para justificar os elevados índices de reprovação em Cálculo I refere-se à metodologia e à didática docente. Neste caso, destacam-se as pesquisas de Barbosa (2004) e Garzella (2013).

Estas duas perspectivas - defasagem em relação ao conhecimento matemático básico e, metodologia e didática docente - contribuem para que o insucesso em Cálculo I predomine nas instituições brasileiras. Todavia, há de se considerar também a postura dos acadêmicos frente à disciplina, visto que “[...] nada nem ninguém pode forçar um aluno a aprender se ele mesmo não se empenhar no processo de aprendizagem” (TARDIF, 2002, p. 132).

Cabe reforçar que, diante dos inúmeros recursos disponíveis para fomentar a aprendizagem, é inconcebível que o ensino - em sua forma tradicional - seja interpretado como fonte exclusiva para a aprendizagem. Defende-se que “[...] as fontes de aprendizagem são as ações e as coordenações das ações do sujeito; o indivíduo aprende por força das ações que ele mesmo pratica [...]” (BECKER, 2006, p. 123).

Portanto, empenhar-se na aprendizagem requer um movimento inicial de busca, de interesse pelo êxito na atividade educativa. E para ter êxito, é necessário comprometimento.

Assim, à luz do contexto declarado e considerando ser relevante analisar as atitudes dos estudantes em relação à disciplina de Cálculo I, este artigo tem como objetivo apresentar as concepções de alunos de engenharia sobre os motivos que os levaram a aprovar ou reprovar na disciplina de Cálculo I quando calouros, com vistas a verificar a hipótese de que o comprometimento interfere de forma significativa no desempenho alcançado na disciplina.

Algumas considerações sobre as posturas estudantis

No Brasil, os principais estudos considerando o comprometimento como um fator crucial no processo de aprendizagem foram desenvolvidos por Felicetti (2011) e Felicetti e Morosini (2010). Segundo as autoras, a carência de pesquisas acerca deste tema pode estar associada “[...] a presença de um paradigma tradicional voltado ao ensino, da mesma forma que indica a não presença de um paradigma educacional voltado à aprendizagem” (FELICETTI; MOROSINI, 2010, p. 27).

O comprometimento é constituído pelo fazer e pelo como fazer, indo além do compromisso, cuja definição abarca apenas o fazer (FELICETTI; MOROSINI, 2010). Portanto, subentende-se que é necessária uma postura responsável, crítica e autônoma do aluno perante sua aprendizagem a fim de que possa obter sucesso na vida acadêmica e uma formação de qualidade. Parte deste sucesso pode ser demonstrado pelo envolvimento e interesse do aluno, pelo seu comprometimento com a aprendizagem.

Alguns trabalhos trazem apontamentos sobre a postura dos alunos frente à disciplina de Cálculo I, indicando para a falta de mobilização especialmente daqueles que estão em situação de fracasso. Há relatos de não comparecimento ou pouca participação nos horários de atendimentos dos professores, nas aulas de Pré-Cálculo, oficinas complementares e/ou nas monitorias da disciplina, demonstrando a falta de comprometimento dos acadêmicos e certo descaso em relação às ações institucionais desenvolvidas (CAVASOTTO, 2010; SANTAROSA, MOREIRA, 2011).

Nos estudos de Lacaz, Carvalho e Fernandes (2007) e Cavasotto (2010), realizados com acadêmicos de engenharia, consta que os alunos se dedicam pouco, estudam de forma insuficiente e apenas na véspera das avaliações. Cavasotto (2010) pontua ainda que não estudar regularmente é uma das causas dos problemas existentes na disciplina de Cálculo, segundo a visão de professores e monitores entrevistados.

Neste sentido, o estudo de Barrozo e Silva (2013) sugere que hábitos de estudo adequados ocasionaram melhor desempenho na disciplina de Cálculo I para alunos do curso de Licenciatura em Química.

Sabe-se que as expectativas iniciais dos ingressantes geralmente são elevadas e que uma frustração pode levar ao abandono do curso e, em situações mais sérias, ao abandono precoce do Ensino Superior. Entretanto, não se pode considerar apenas as ações de terceiros como agravantes para a reprovação, visto que na universidade o aluno deve ser um agente ativo, autônomo e responsável, contribuindo para a construção de seu próprio conhecimento, conforme mencionam Bazzo e Pereira (2013).

Defende-se que através do esforço individual, persistência e envolvimento acadêmico, o aluno poderá obter excelentes resultados e uma aprendizagem efetiva. A aprendizagem é um processo, uma atividade que demanda tempo, ação e dedicação, e que depende essencialmente de cada indivíduo (BAZZO; PEREIRA, 2013).

Aspectos metodológicos

Esta pesquisa é aplicada, de cunho explicativo, com abordagem qualitativa. Destaca-se que investigações envolvendo fenômenos como a reprovação podem desvelar variáveis difíceis de serem quantificadas. Assim, a abordagem qualitativa passa a ser um meio adequado para explorar e compreender os conceitos e significados mais subjetivos que abarcam o problema (SANTAROSA; MOREIRA, 2011).

Creswell (2010) também aduz que se um conceito precisa ser entendido - visto que existe pouca pesquisa realizada a respeito - então a abordagem qualitativa é a mais indicada. Neste caso, o autor sugere que os dados sejam coletados no ambiente do participante, a análise seja construída a partir das particularidades para os temas gerais, e as interpretações sobre os significados dos dados sejam realizadas pelo pesquisador (CRESWELL, 2010).

A investigação em tela enquadra-se nesta perspectiva pois, implicitamente, busca analisar o papel do comprometimento acadêmico - conceito pouco abordado na literatura - no desempenho alcançado por ingressantes de engenharia na disciplina de Cálculo I.

A população é composta por 419 alunos dos cursos de engenharia de dois câmpus da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Quando calouros, estes alunos resolveram um teste diagnóstico - contendo 15 itens dissertativos, englobando conteúdos matemáticos dos níveis fundamental e médio - cujo objetivo era verificar o nível de conhecimento matemático básico apresentado por eles.

A amostra é constituída por 17 acadêmicos de engenharia, selecionados por conveniência a partir dos desempenhos obtidos no teste diagnóstico supramencionado e na disciplina de Cálculo I.

A amostra foi categorizada segundo perfis específicos, cuja escolha foi motivada pelo fato da deficiência em relação a matemática básica ser apontada de forma recorrente na literatura como justificativa para o baixo rendimento dos alunos em Cálculo I. No entanto, 188 alunos da UTFPR (dos 419 que realizaram o teste diagnóstico) foram aprovados neste componente curricular, mesmo apresentando desempenho insatisfatório no teste diagnóstico.

A especificação de cada elemento amostral, segundo o perfil que o caracteriza bem como os respectivos desempenhos no teste diagnóstico e na disciplina de Cálculo I, segue apresentada por meio do Quadro 1.

Quadro 1 Dados da amostra entrevistada 

Identificação Acertos no Teste Diagnóstico Nota final em Cálculo I
Aluno A (++) 13 9,7
Aluno B (++) 09 8,0
Aluno C (++) 12 9,8
Aluna D (++) 11 8,7
Aluna E (-+) 01 7,7
Aluno F (-+) 02 8,0
Aluno G (-+) 03 9,2
Aluno H (-+) 00 7,7
Aluna I (-+) 01 6,9
Aluna J (-+) 01 8,8
Aluno K (-+) 07 9,4
Aluna L (--) 00 2,3
Aluna M (--) 01 3,7
Aluno N (--) 08 3,5
Aluna O (--) 06 4,1
Aluno P (--) 00 2,4
Aluno Q (--) 00 2,2
Legenda: (++): indica que o acadêmico teve aproveitamento igual ou superior a 60% no teste diagnóstico e na disciplina de Cálculo I (-+): indica aproveitamento inferior a 60% no teste diagnóstico e igual ou superior a 60% na disciplina de Cálculo I (--): indica aproveitamento inferior a 60% tanto no teste diagnóstico quanto na disciplina de Cálculo I.

Fonte: Adaptado de Zarpelon (2016).

Cabe esclarecer que, na categoria representada pelo símbolo (+-) “alunos com aproveitamento igual ou superior a 60% no teste diagnóstico e inferior a 60% na disciplina de Cálculo I” foi identificado apenas um acadêmico. Esse aluno recusou o convite para participar desta pesquisa.

Ademais, o parâmetro 60% foi utilizado como ponto de corte, tendo em vista que a média para aprovação nas disciplinas dos cursos de graduação da UTFPR é 6,0.

A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas individualmente, em local e horário estabelecidos previamente, através de contato via e-mail. Esse instrumento é utilizado de forma recorrente em pesquisas educacionais, permitindo que o pesquisador organize um roteiro prévio de pontos a serem contemplados, mas que poderão ser reformulados e reordenados durante a coleta (FIORENTINI; LORENZATO, 2012).

A entrevista amparou-se em duas questões principais. Na primeira, os alunos foram convidados a declarar os motivos que os levaram a aprovar ou reprovar na disciplina de Cálculo I, quando calouros. Na segunda, deveriam relatar quais foram as posturas adotadas frente à disciplina em questão e avaliar em que medida estas contribuíram no desempenho alcançado.

Os dados foram submetidos à metodologia de análise de conteúdo: um conjunto de técnicas de análise das comunicações (verbais ou escritas) visando obter indicadores (quantitativos ou não) que possibilitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção destas mensagens (BARDIN, 2011).

A análise de conteúdo, pressupõe o trânsito pelas seguintes etapas: (a) pré-análise, (b) exploração do material e o tratamento dos resultados obtidos, e (c) interpretação.

Na pré-análise realizou-se a leitura exaustiva e cada vez mais depurada do material (transcrições das entrevistas) a fim de definir os trechos que seriam estudados com maior ênfase, segundo os objetivos propostos na investigação. Buscou-se nas falas estudantis indícios que apontassem para variáveis que interferem no desempenho acadêmico na disciplina de Cálculo I, especialmente para a variável “comprometimento”.

A fase de exploração compreende a codificação do material, ou seja, a transformação dos dados brutos. Neste estudo escolheu-se o tema como unidade de registro, visto que sua utilização é ampla em estudos envolvendo opiniões, atitudes, valores, crenças, assim como em pesquisas que fazem uso de perguntas abertas e entrevistas.

Cumpre destacar que a unidade de registro “[...] é a unidade de significação codificada e corresponde ao segmento de conteúdo considerado como unidade de base, visando a categorização e contagem frequencial” (BARDIN, 2011, p. 134).

Dentre as técnicas utilizadas para tratamento dos resultados - análise categorial, análise de avaliação, análise da enunciação, análise da expressão, análise das relações e análise do discurso (BARDIN, 2011) - elegeu-se a análise categorial, visto que “[...] cronologicamente é a mais antiga; na prática é a mais utilizada. Funciona por operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos” (BARDIN, 2011, p. 201).

Assim, ao final desse processo, as verbalizações estudantis permitiram que as principais percepções fossem organizadas em quatro categorias: (a) impressões iniciais da universidade, curso e/ou da disciplina de Cálculo I (b) docente da disciplina de Cálculo I e metodologias adotadas, (c) conhecimento matemático prévio, e (d) postura individual.

Convém esclarecer que foram realizados ajustes e correções gramaticais nos excertos apresentados neste artigo, pois julgou-se que falas escritas de maneira literal - quando incorretas - não são bem recebidas, inclusive pelos próprios participantes da pesquisa (MANZINI, 2012).

Por fim, em determinados trechos das transcrições entendeu-se que seriam necessários esclarecimentos a fim de contextualizar e situar melhor o leitor em relação às falas estudantis. Nestes casos, as explicações seguem descritas entre dois parênteses, conforme orienta Marcuschi (apud MANZINI, 2012).

Discussão dos resultados

Os relatos estudantis seguem descritos na sequência desta pesquisa, segundo as categorias estabelecidas e mencionadas na seção anterior.

Impressões iniciais sobre a universidade, curso e/ou a disciplina de Cálculo I

O ingresso na Universidade representa o início de uma nova fase na vida dos acadêmicos. No entanto, nem sempre a passagem para este novo ciclo ocorre de forma tranquila, conforme observa-se pelas expressões em destaque no Quadro 2.

Quadro 2 Categoria 1 - Impressões iniciais sobre a universidade, curso e/ou disciplina 

Identificação Temas (s)
Aluna D (++) A gente entra com muito medo porque os veteranos falam: "Cálculo I, meu Deus reprovei". Então a gente já vem meio preparada e pensa "Vamos pegar firme, pelo menos nessa matéria" (que falam que é a mais difícil do primeiro semestre). A gente começa empolgada; eu pegava uma amiga e fazia toda a lista. Pensava "vamos começar certinho, vamos fazer tudo em dia".
Aluna E (-+) A primeira impressão que você tem da faculdade é que é um negócio difícil. E quando eu entrei já vim com o objetivo de estudar, diferente do Ensino Médio (a gente não estudava muito!). Então quando eu entrei na faculdade eu pensei: "bom, vou ter que mudar um pouco de postura".
Aluno F (-+) Aqui é outro nível, daí tem que mudar as atitudes ((neste caso, o aluno estava comparando a sua metodologia de estudo no Ensino Médio e no curso pré-vestibular com a forma de estudo desenvolvida na disciplina de Cálculo I)).
Aluno H (-+) Eu não tive um ensino muito bom de Matemática; eu passava, mas não precisava muito de esforço, era muito fácil passar. Eu me deparei com um cenário muito diferente no Ensino Superior.
Aluna L (--) A gente entra numa faculdade pensando que vai ser praticamente parecido com o Ensino Médio. Quando eu cheguei aqui levei aquele primeiro baque. Me deparei com uma situação que eu não sabia lidar. Eu não conseguia acompanhar o ritmo; era muito conteúdo e muita coisa nova; totalmente diferente do Ensino Médio, nada que eu tivesse visto antes. Então para mim foi muito chocante de início.
Aluna M (--) (...) quando eu entrei eu não sabia como estudar. Eu não sabia onde eu estava, eu cheguei sem informação, não conhecia ninguém, vim de uma cidade diferente, uma realidade totalmente diferente. Na verdade eu não sabia que o curso era tão puxado assim, então até eu me acostumar foi complicado.
Aluna O (--) Você entra naquele ritmo escolar. Você está num ritmo diferente do ritmo que precisa manter numa faculdade. Devido ao fato de ter o ritmo escolar a gente não tem muita noção. Claro, antes de você cursar Engenharia, todo mundo falava "cuidado com a trinca, cuidado com Cálculo I, GA ((Geometria Analítica e Álgebra Linear)) e Física I"; você já entra com um pouquinho de medo.
Aluno P (--) Acredito que seja o choque entre o nível de estudo, o quanto eu estudava antes de adentrar à faculdade e o quanto eu precisaria estudar para passar. ((motivo apontado pelo aluno para justificar sua reprovação)).

Fonte: Adaptado de Zarpelon (2016).

Os relatos apresentados por alguns alunos reforçam que ocorre uma ruptura bruta e uma transição severa entre o Ensino Médio e o Ensino Superior, exigindo rápidas adaptações e gerenciamento de uma nova rotina de estudos com a qual não estavam acostumados.

Os temas transcritos confirmam a visão de Gomes (2012) de que o desempenho na disciplina de Cálculo I pode ser influenciado pelo fato da Matemática vista no Ensino Médio ser considerada muito diferente da que se apresenta no Ensino Superior. Os trechos destacados remetem à “falta de conexão” entre as modalidades de ensino supracitadas, fato que contribui para potencializar as dificuldades de alunos que cursam a disciplina de Cálculo I.

Além disso, nota-se que os alunos conhecedores da alta carga de matemática na primeira fase manifestaram o sentimento de medo existente na época, conforme verifica-se no relato da Aluna D e da Aluna O. Tais constatações corroboram com as colocações realizadas por Mello, Mello e Fernandes (2001) e Oliveira e Raad (2012) a respeito do mito que envolve a disciplina de Cálculo I.

Em síntese, os temas apresentados no Quadro 2 indicam que cerca de 50% dos alunos entrevistados, independente de terem aprovado ou reprovado na disciplina de Cálculo I, não estavam sintonizados, quando calouros, com o ritmo de estudo que o Ensino Superior requer.

Professor(a) da disciplina de Cálculo I e metodologias adotadas

A segunda categoria inclui temas (ver Quadro 3) relatados por 70% dos estudantes entrevistados: professor da disciplina e a metodologia de ensino e/ou didática adotada.

Quadro 3 Categoria 2 - Professor da disciplina e metodologia adotada 

Identificação Temas (s)
Aluno A (++) As aulas, claro, sempre foram boas. Nesse sentido, até os alunos que não iam bem na disciplina avaliavam as aulas como sendo boas ((referindo-se às aulas da Professora Z)).
Aluno B (++) A Professora Y foi muito boa. Eu achei que a qualidade da aula foi boa.
Aluna D (++) Eu fui assistir a primeira aula, já amei. Já falei "ai meu Deus, ainda bem que me identifiquei com o professor" ((referindo-se ao Professor X)). Eu sempre gostei das aulas do X; sempre foram boas. E o X dava PA ((horário extraclasse para atendimento de alunos)). Eu falo para o X passar para os outros professores ter teste toda a semana ((a aluna pertencia a uma turma na qual foram aplicados testes semanais de conhecimento, sendo que estes representavam 20% da nota final da disciplina)). Foi o diferencial: teste, PA. Foi o que me fez passar e com nota boa.
Aluna E (-+) Uma das coisas que eu gostava bastante na disciplina foi a professora ((referindo-se à Professora Z)). Ela era muito querida e incentivava a gente a estudar. O jeito que ela passava o conteúdo me fazia entender bastante e fazia com que eu gostasse, me sentisse empolgada pra aprender mais e fazer as coisas ((a aluna refere-se especialmente às listas de exercícios)).
Aluno H (-+) O professor também funciona quase como um pai na hora que você está tendo Cálculo. Toda hora que você tem dúvidas o professor ((neste caso o aluno refere-se ao Professor X)) está disponível para você tirar suas dúvidas com ele, e a forma como ele te explica, com vontade, desde o início, não tratando você como uma pessoa que já fez Cálculo. Porque muitos professores não percebem qual é o buraco que a gente tem no ensino público ((o aluno refere-se à qualidade do ensino básico)). O professor faz muita diferença, e a forma de correção dele influencia extremamente((referindo-se aos critérios de correção das avaliações)).
Aluna I (-+) O professor ((referindo-se ao Professor X)) foi atencioso do começo ao fim, tirando todas as dúvidas. Particularmente ele tirava minhas dúvidas até da escola; ele me ajudou muito. Ele fazia ((disponibilizava)) as listas para nós; conforme íamos resolvendo ele ajudava e tirava todas as dúvidas.
Aluno J (-+) O professor ((referindo-se ao Professor X)) me ajudava bastante, porque eu ia atrás e realmente perguntava. O professor também incentivava e sempre tirava as dúvidas. Por exemplo, outros professores que dão Cálculo I aqui na UTFPR (não vou dizer nomes!) tentam amedrontar o aluno, falando que você não vai conseguir, que você não sabe nada. E isso realmente só atrapalha.
Aluna L (--) A professora explicava muito bem ((referindo-se à Professora Z)), ela deu uma revisão no começo de funções, um pré-cálculo, para termos uma base, isso me ajudou muito.
Aluna M (--) Os professores eram muito bons ((a aluna esclarece que houve troca de professores durante o semestre)). A aprovação na matéria depende de vários fatores, não só do professor ou só do aluno, ou só do jeito que a matéria é dada. Claro que se o professor não tem uma didática tão boa, nem todo mundo é autodidata para aprender a matéria sozinho, e nem precisa, até porque tem professor. Eu, por exemplo, se o professor não consegue me explicar, eu não consigo aprender a fundo, entendo muito pouco, não consigo ir pra frente. Se o aluno depende muito do professor isso acaba influenciando sim. Eu tinha uma professora maravilhosa ((referindo-se a Professora Z)).
Aluna O (--) Talvez por parte dos professores, faltou passar mais aplicações, mais exercícios mesmo sobre a matéria. Talvez a professora ((referindo-se à Professora Z)) que eu tenha pego não tenha passado tanto essa parte. Eu acho que deveria passar mais exemplos, ou talvez rever essa parte de funções.
Aluno P (--) No caso do Professor X, os testes são ótimos porque você consegue estudar a matéria por etapas, ao passo que se não tivesse os testes, dependendo do teu rigor ((hábito de estudo)), se você não estudasse, sozinho você não conseguiria cumprir todo o conteúdo para a prova.
Aluno Q (--) Na PA ele ((referindo-se ao Professor X)) atendia as pessoas que já sabiam e eu estava ainda aprendendo.

Fonte: Adaptado de Zarpelon (2016).

Visando preservar a identidade dos docentes citados, optou-se por utilizar os codinomes Professor X, Professora Y, Professora Z e Professor W.

Nota-se que, características como: “boa/bom”, “maravilhoso(a)”, “atencioso(a)”, “disponível” atribuídas aos docentes e atitudes de estímulo, incentivo e apoio destes para com os acadêmicos estão presentes em diversos temas descritos no Quadro 3.

A princípio, a expectativa era de que os acadêmicos reprovados atribuiriam parte de seu insucesso ao professor. Entretanto, apenas dois alunos (Aluna O e Aluno Q) dos seis reprovados, mencionaram implicitamente as metodologias docentes como um dos fatores que acarretaram a reprovação. Ademais, houve o reconhecimento de dez alunos (sete aprovados e três reprovados) ao trabalho docente.

Certamente o professor desempenha um papel relevante no contexto educacional, sendo que a mediação desenvolvida por ele impacta diretamente na aprendizagem contribuindo para o desempenho (satisfatório ou insatisfatório) dos alunos, conforme aponta o trabalho desenvolvido por Garzella (2013). Acredita-se que certas atitudes docentes podem fomentar comportamentos discentes que prejudiquem o processo ensino-aprendizagem, todavia, isso praticamente não foi verificado neste estudo. Apenas o relato do Aluno Q gera o entendimento de que, ao direcionar sua atenção para os alunos que questionavam nos horários de atendimento, o professor gerou certa desmotivação no acadêmico.

Percebe-se por meio destes mesmos relatos que a postura docente (apoio, incentivo, preocupação, atenção, disponibilidade) e a metodologia adotada foram fatores relevantes, especialmente para a obtenção de êxito na disciplina, haja vista que cerca de 64% dos entrevistados aprovados na disciplina fizeram menção a tais aspectos.

Conhecimento matemático prévio

A terceira categoria engloba temas relacionados ao conhecimento matemático prévio: conhecimentos adquiridos (ou não) no Ensino Médio e em cursos pré-vestibulares. Aspectos ligados a esta categoria foram citados (quadro 4) por sete alunos, sendo que quatro deles foram aprovados e três reprovados em Cálculo I quando calouros.

Quadro 4 Categoria 3 - Conhecimento matemático prévio 

Identificação Temas (s)
Aluno A (++) O Ensino Médio foi muito proveitoso para mim em Matemática. Eu sempre aprendi muitas coisas sozinho e antes de entrar na faculdade tinha bastante conhecimento do Cálculo Zero, os conteúdos que você precisa saber para o Cálculo I.
Aluno G (-+) Eu sempre gostei de exatas, e também fiz cursinho pré-vestibular que era voltado só pra exatas. Então a base quando eu cheguei na universidade foi boa, (eu entendo que foi boa!), eu tive facilidade para pegar ((o aluno refere-se ao conteúdo do Cálculo I)).
Aluno H (-+) Eu não tive um ensino muito bom de Matemática. Eu passava, mas não precisava muito de esforço; era muito fácil passar.
Aluno J (-+) Eu comecei mal no curso, comecei zerando a primeira prova, o primeiro teste, daí eu vi que realmente não sabia nada. Eu precisava de muito conhecimento do Ensino Médio; eu não tinha esse conhecimento. [...] Aos poucos fui aprendendo tanto a matéria de Cálculo I quanto tudo aquilo que eu não sabia do Ensino Médio, e isso foi ajudando a melhorar meu desempenho na matéria.
Aluna L (--) Nunca precisei estudar no Ensino Médio, nunca precisei pegar um livro, nunca precisei pedir ajuda, nunca ninguém precisou me falar "não, você tem que estudar para essa prova". Eu prestava atenção na aula e fim, eu conseguia fazer a prova perfeitamente bem e ia muito bem. Quando eu cheguei aqui ((referindo-se ao curso superior)) fazia dois ou três anos que eu estava fora do Ensino Médio, então eu já não estava mais acostumada com aquele ritmo. Exatas não é realmente o meu ponto forte. Eu não conseguia acompanhar o ritmo, era muito conteúdo e muita coisa nova, totalmente diferente do Ensino Médio, nada do que eu tinha visto antes, então pra mim foi muito chocante, de início.
Aluna M (--) Eu já não tive uma matemática básica muito boa. Eu soube que tinha o problema da matemática básica quando um professor chegou e falou "você está errando matemática básica", então eu tive que estudar matemática básica, entender ela, entender porque funciona, saber porque funciona e foi a partir daí que corrigi meus erros e consegui aprovar na matéria ((na disciplina de Cálculo I)).
Aluno P (--) O nível da matemática básica, a carga com que eu vim de matemática básica foi muito baixa, então eu tive que aprender além do Cálculo I a Matemática básica que eu não aprendi no Ensino Médio. Tive que pegar material a parte para aprender matemática básica, coisas muito simples que foram pesando para que eu pudesse aprender Cálculo também.

Fonte: Adaptado de Zarpelon (2016).

Os relatos descritos no Quadro 4 fortalecem a tese presente em alguns trabalhos (CAVASOTTO, 2010; CURI, FARIAS, 2008; MENESTRINA, MORAES, 2011; MELLO, MELLO, FERNANDES, 2001) de que a falta de conhecimentos matemáticos básicos é um fator que contribui para o baixo aproveitamento na disciplina de Cálculo I e dificulta o entendimento dos conteúdos específicos desse componente curricular.

Dos quatro alunos aprovados que fizeram menção a esta categoria, dois deles (Aluno H e Aluno J) relataram que seus conhecimentos prévios eram insuficientes e que precisaram superar as dificuldades não só inerentes aos conteúdos específicos de Cálculo, mas também relativas aos conteúdos matemáticos básicos. O mesmo entrave foi encontrado pela Aluna M e pelo Aluno P, porém estes acadêmicos não obtiveram êxito.

O discurso da Aluna L gera o entendimento de que a acadêmica não tinha dificuldades na Matemática do Ensino Médio. Porém, a expressão “totalmente diferente do Ensino Médio, nada do que eu tinha visto antes” sugere que os conhecimentos necessários ao Cálculo I estavam ausentes ou não estavam estruturados adequadamente, o que impedia a estudante de perceber as relações complementares entre os conteúdos matemáticos abordados nos dois níveis de ensino.

Postura individual

Esta categoria comporta os temas referentes às posturas adotadas pelos acadêmicos de engenharia, frente à disciplina de Cálculo I na época em que ingressaram no curso.

Surpreendentemente, todos os alunos mencionaram, explicita ou implicitamente, posturas adotadas ao responderem a primeira questão (“Quando você cursou a disciplina de Cálculo Diferencial e Integral I foi aprovado/reprovado. O que você acha que o(a) levou a ter esse desempenho?”).

Expressões como: o que me ajudou na faculdade foi ter estudado as listas e ter feito uma leitura da teoria (Aluno A), entrei no curso bem motivado e estudei bastante nesse período (Aluno B), dedicação na sala de aula (Aluno C), vamospegar firme”, pelo menos nessa matéria (Aluna D), eu vim com o objetivo de estudar (Aluna E), uma melhor dedicação na matéria (Aluno F), o primeiro fator é o hábito de estudo, não deixar para estudar as coisas na véspera da prova (Aluno G), é fundamental fazer todas as listas (Aluno H), eu gostar da matéria o suficiente para correr atrás (Aluna I), realmente me dediquei bastante (Aluno J), para mim era um prazer estudar Cálculo (Aluno K), praticamente toda a culpa da minha reprovação foi minha (Aluna L), eu não sabia como estudar (Aluna M), eu reprovei porque eu não me dediquei totalmente (Aluno N), falta de disciplina em horários de estudo (Aluna O), acabei reprovando por falta de empenho mesmo, por falta de estudar (Aluno P), acredito que tenha sido a minha falta de interesse (Aluno Q), geram o entendimento que os acadêmicos entrevistados têm consciência de que são protagonistas no cenário educacional e corresponsáveis pelo próprio êxito ou fracasso na disciplina.

Ademais, os relatos permitiram a identificação e separação dos temas da categoria “postura individual” em duas subcategorias: postura em sala de aula e postura extraclasse. Optou-se por apresentar as considerações referentes a cada uma delas em função dos perfis acadêmicos estudados.

Em sala de aula

Nesta subcategoria elencou-se temas associados às posturas adotadas durante as aulas de Cálculo I como: assiduidade, participação nas aulas, questionamentos direcionados ao professor e anotação do conteúdo exposto.

Os relatos dos estudantes que compõem o perfil 1 (++) demonstram que prestar atenção nas explicações, tirar dúvidas com o professor, ser assíduo e copiar o conteúdo ministrado nas aulas foram atitudes que contribuíram para que os mesmos tivessem um bom desempenho em Cálculo I, conforme verifica-se por meio do Quadro 5.

Quadro 5 Postura em sala de aula dos alunos do perfil 1 

Identificação Temas (s)
Aluno A (++) Eu me portava, dentro da aula, sempre prestando a atenção. Não me lembro se eu faltei em alguma aula de Cálculo I, mas acredito que não.
Aluno C (++) Dedicação na sala de aula, prestar atenção nas explicações do professor, não ficar com dúvidas, sempre perguntar para ele ((alguns fatores apontados pelo estudante ao ser questionado sobre o que o levou a ter um bom desempenho em Cálculo I)).
Aluna D (++) Copiava toda a matéria também ((as outras atitudes mencionadas pela aluna referem-se ao estudo extraclasse)).

Fonte: Adaptado de Zarpelon (2016).

Os alunos que constituem o segundo perfil analisado (-+) relataram (Quadro 6) atitudes semelhantes aos alunos do primeiro perfil: prestar atenção nas aulas e tirar dúvidas com o docente.

Quadro 6 Postura em sala de aula dos alunos do perfil 2 

Identificação Temas (s)
Aluno G (-+) Eu sempre fui um aluno, tanto no colégio quanto na universidade, participativo. Eu sempre gostava de sentar na parte da frente da sala, interagir bastante com o professor, tirar minhas dúvidas (...)
Aluno J (-+) Com certeza ((ao ser questionado se sua postura colaborou para o desempenho alcançado) no começo eu não me dedicava absolutamente nada. Apenas ia nas aulas, assistia as aulas e achava que era só isso, mas depois eu comecei a ver que eu precisava me dedicar mais, precisava estudar mais. ((A maior dedicação e estudo refere-se ao comparecimento em horários de atendimento e monitorias, relatados na subcategoria "estudo extraclasse")).
Aluno K (-+) Na sala de aula eu sentava na primeira carteira, tentava prestar o máximo de atenção possível. Se surgisse alguma dúvida falava com o professor no final da aula, tentava não interromper o professor durante a explicação.

Fonte: Adaptado de Zarpelon (2016).

No caso do aluno J, o mesmo menciona não ter se dedicado no início da disciplina, apesar de comparecer e assistir às aulas. Este relato evidencia que é necessário abandonar a ideia ainda presente no meio universitário de que existe uma maneira de estudar pouco e aprender muito; estudo sem trabalho e esforço é lenda; estudar exige dedicação (BAZZO; PEREIRA, 2013). Esta dedicação ultrapassa o âmbito do compromisso, do fazer. É necessário que cada aluno descubra sua forma própria de estudar (identificando estratégias que foram eficientes e descartando as que não foram) e desenvolva a capacidade de organizar e gerenciar seu tempo de estudo, buscando auxílio com professores, monitores e/ou colegas.

Os alunos que constituem o terceiro perfil também mencionaram que compareciam às aulas (Quadro 7). Todavia, grande parte deles confessou não tirar suas dúvidas em sala, ao contrário do que fora apontado pelos alunos dos perfis 1 e 2.

Quadro 7 Postura em sala de aula dos alunos do perfil 3 

Aluna L (--) Eu ia em todas as aulas, só que eu acabava perdendo o foco no meio do caminho, quando eu não conseguia entender alguma coisa eu não tinha o costume de perguntar ((a aluna esclarece que ainda possui este hábito de não fazer perguntas em sala)). Então muitas vezes eu acabava deixando aquela dúvida para depois e eu nunca tirava aquela dúvida, e ficava sempre aquele "Por quê?"
Aluna M (--) Eu prestava atenção nas aulas. Apesar de prestar atenção na aula eu não sabia o jeito certo de estudar, então como que eu ia conseguir passar se eu não sabia como estudar, eu não sabia a base? ((a aluna justifica que ingressou duas semanas após o início das aulas, por isso perdeu parte do conteúdo inicial de Cálculo I)). Quando eu tinha alguma dúvida eu não perguntava.
Aluno N (--) Eu não faltava muita aula, devia ter fechado com uns 90 e poucos por cento de presença, mas eu não me dedicava muito nos exercícios mais complexos porque eu achava que eu não precisava. Então eu acabei reprovando talvez porque faltou isso: faltou uma determinação maior para estudar.
Aluno P (--) Eu fui muito "conservador" ((dando a entender que era um tanto apático, e não se envolvia, não era participativo)), eu "fiquei mais na minha" então eu não dei o melhor de mim, nos testes, por exemplo, eu não procurei refazer os testes que eu fui mal, então eu não tive um rigor para levar a matéria, para estudar de modo rigoroso a matéria ((o aluno refere-se ao fato de não estudar de forma rotineira, não ter o hábito de estudo)).
Aluno Q (--) Eu ia em todas as aulas, nunca desisti das aulas dele ((referindo-se ao Professor X)); sempre ia para as aulas (até o fim das aulas!), mesmo sabendo que eu estava reprovado eu ia para as aulas porque eu sabia que tinha que pegar de novo ((referindo-se ao fato de ter que fazer a disciplina novamente)).

Fonte: Adaptado de Zarpelon (2016).

Em síntese, os relatos presentes nos Quadros 5, 6 e 7 permitem a identificação de alguns pontos fundamentais para que o aluno tenha um bom desempenho em Cálculo I. Comparecer e prestar atenção nas aulas são atitudes presentes tanto nas falas dos estudantes aprovados quanto dos reprovados, mas, apesar de serem importantes, revelam-se ineficazes se não estiverem aliadas a outras posturas como a de participar das aulas e questionar sempre que as dúvidas surgirem.

Extraclasse

Nesta subcategoria foram incluídos temas relativos às atitudes tomadas nos horários extraclasse, dentre as quais pode-se citar: participação nos atendimentos dos professores e monitorias, participação em grupos de estudo, resolução de listas de exercícios, pesquisas extras, etc.; atitudes que vão além do “prestar atenção” e “não faltar às aulas”.

Os alunos que constituem o primeiro perfil relataram como pontos principais: fazer as listas de exercícios, comparecer aos horários de atendimento do professor e participar de grupos de estudo. Além disso percebe-se, nos excertos apresentados no quadro 8, que esse grupo de alunos, em geral, não procurava os monitores para sanar suas dúvidas.

Quadro 8 Postura individual extraclasse dos alunos do perfil 1 

Identificação Temas (s)
Aluno A (++) O que me ajudou na faculdade foi ter estudado as listas e ter feito uma leitura da teoria para entender o cerne da questão. O grupo de estudo era mais os colegas da nossa sala mesmo e estudávamos na biblioteca algumas listas juntos. Agora, grupo de estudo geral eu não participei, nem fui em monitorias.
Aluno B (++) Eu estava motivado para estudar, então eu estudei bastante. Eu ia nos atendimentos do professor, mas em monitorias eu não ia. Eu fiz muitas listas; não fiz todas, mas fiz bastante lista! Eu estudava sozinho. Às vezes estava meio longe das provas então eu não estudava nada, mas "apertava o pé" quando chegava perto ((ao ser questionado se este "apertava o pé" era uma ou duas semanas antes da prova, o aluno comenta que era mais tempo, porque havia muitas listas)).
Aluno C (++) Ir em monitorias e fazer lista de exercício em casa, bastante exercício e treino mesmo ((fatores apontados pelo estudante que contribuíram para seu bom desempenho em Cálculo 1)). Em grupos de estudo a gente fazia bastante lista com os amigos, sempre. Não faltar as aulas, sempre participando bastante das aulas, perguntando e indo em PAs e monitorias. Na verdade, eu acabei não indo em muitas, mas sempre que eu tinha alguma dúvida eu acabava indo sim (resposta ao ser questionado sobre participação em monitorias))
Aluna D (++) Sempre fui nas PAs do X ((referindo-se ao Professor X)). Podia estar super cansada, mas eu ia em todas as PAs. Mesmo sem fazer exercício nenhum eu ia para as PAs. Eu ouvia as dúvidas dos outros, sabe? Monitoria eu nunca fui, nunca me interessou. Fazer os exercícios, as PAs e estudo; esse eu acho que foi o meu diferencial.

Fonte: Zarpelon (2016).

Os acadêmicos do segundo perfil, cujos relatos seguem apresentados no Quadro 9, também enfatizam a necessidade de fazer as listas de exercícios e comparecer aos horários de atendimento docente. Além disso, grande parte dos alunos deste grupo buscou auxílio com monitores, fato que reforça a importância das intervenções institucionais (como oferta de monitorias e horários de atendimento docente) a fim de minimizar os impactos associados à disciplina de Cálculo I.

Quadro 9 Postura individual extraclasse dos alunos do perfil 2 

Identificação Temas (s)
Aluna E (-+) Uma das coisas que eu nunca participei foi das monitorias, porque não batia com os meus horários e eu tinha um pouco de medo de ir lá, falar com os monitores, para falar a verdade. Mas eu tinha um grupo de amigos; a gente estudava bastante juntos. Eu sempre estudei bastante nas horas vagas, que eu não tinha disciplina ((referindo-se aos horários em que estava na UTFPR, porém não tinha aula)). Nos períodos que eu tinha livre eu ficava fazendo as listas, que eu também acho bem importante ter. Eu estudava bastante, não deixava de fazer meu lazer, de ir na avó passear, de conversar com meus pais, mas quando percebia que tinha que estudar, eu sentava e ia estudar.
Aluno F (-+) Uma melhor dedicação na matéria ((fator apontado pelo aluno para justificar seu bom desempenho na disciplina)). Como eu não me dedicava ((o aluno refere-se ao período em que cursou o Ensino Médio e curso pré-vestibular, no qual estudava apenas para obter a nota mínima)), comecei a me dedicar porque, no começo tem a ver com a parte do Ensino Médio, mas depois são coisas que a gente não vê no Ensino Médio (...), então você tem que correr atrás do prejuízo. E era livro e lista ((entende-se que o aluno estudava com auxílio do livro e fazia as listas de exercícios)), e eu vinha nos atendimentos ((horários de atendimento do professor)) e nas monitorias também.
Aluno G (-+) O primeiro fator é o hábito de estudo ((um dos fatores na visão do aluno que colaborou para seu bom desempenho em Cálculo I)), não deixar para estudar as coisas na véspera da prova; ter um hábito de estudo, não é todo mundo que tem! Mas acaba criando uma resistência, você consegue estudar aquele pouquinho todo dia, não fica chato, você não cansa porque está distribuindo as tarefas, você não está sobrecarregando. Ai o aprendizado fica melhor, você internaliza melhor o assunto também. E você não está decorando, você está aprendendo! Eu sempre gostava de sentar na parte da frente da sala, interagir bastante com o professor, tirar minhas dúvidas; e não deixar nenhuma lista pra trás, fazer todos os exercícios que tinha para fazer. Monitoria eu ia muito pouco, mas uma vez ou outra ia sim. Nos atendimentos eu sempre procurava ir.
Aluno H (-+) É fundamental fazer todas as listas. Eu fazia as listas, alguns exercícios todo dia. Fui em todas as PAs, porque ver o professor resolver exercícios me ajudava muito mais a aprender. Eu poderia não ter nenhuma dúvida, mas ainda assim eu ia na PA do professor. Monitorias eu não fui em muitas porque eu conseguia tirar todas as minhas dúvidas diretamente com o professor.
Aluna I (-+) Sim, todas as PAs, e nas aulas e, às vezes, até fora do horário, desde que o professor pudesse me atender para tirar alguma dúvida ((resposta da aluna quando questionada sobre a participação nos horários de atendimento)). A monitoria sempre acabava ficando mais enrolada porque tinha mais pessoas, daí eram pessoas de outros cursos, e tudo mais. Então eu gostava mais da PA; era mais fácil para eu entender a matéria e me ajudava mais ((a aluna confirma que foi algumas vezes à monitoria)).
Aluno J (-+) Eu comecei a ir em todas as PAs do professor. Eu fui na monitoria dos quatro monitores e com dois eu me identifiquei mais. Eu ia nas monitorias toda semana; ia lá e perguntava, não tinha vergonha, perguntava, perguntava para o Professor X nas PAs. Então realmente me dediquei bastante.
Aluno K (-+) Sempre eu fazia as listas antecipadamente, caso surgisse alguma dúvida eu ia em horário de PA, falava com o professor. Inclusive eu fui em todas as PAs mesmo não tendo dúvida. Eu sempre procurava o professor depois da aula caso surgisse alguma dúvida no exercício ((o aluno refere-se aos exemplos/exercícios resolvidos durante a aula)) e também colegas que tinham dificuldade eu sempre buscava ajudar porque acho que a melhor maneira de você aprender é você ensinar

Fonte: Zarpelon (2016)

Em síntese, os trechos dos Quadros 8 e 9 confirmam um dos resultados obtidos na pesquisa de Barrozo e Silva (2013), realizada com alunos que cursaram Cálculo I. Os alunos aprovados atribuíram seu sucesso especialmente à “[...] dedicação e disciplina com os estudos, responsabilidade, prestar atenção nas aulas e resolver todos os exercícios e frequentar os plantões de dúvidas e monitorias, o que reforça o fato de que, o que fez a diferença entre estes alunos foi o hábito de estudo” (BARROZO; SILVA, 2013, p. 272).

Por outro lado, o discurso da maioria dos alunos que constituem o terceiro perfil (quadro 10) evidenciam que os mesmos não tinham o costume de resolver exercícios e de procurar ajuda junto aos professores e monitores de forma rotineira.

Quadro 10 Postura individual extraclasse dos alunos do perfil 3 

Identificação Temas (s)
Aluna L (--) Eu não sabia organizar os meus horários para estudar sozinha, eu não conseguia fazer os exercícios, eu nunca fazia tarefa de casa, eu nunca fazia nada, nada. E antes da prova, uma semana antes da prova eu tentava recuperar todo aquele conteúdo perdido e aí já não dava mais tempo. Eu ficava com aquela dúvida ((referindo-se às dúvidas que surgiam nas aulas, durante a explanação da professora)), esperava a lista ((lista de exercícios)), aprendia como fazer ali na hora, não praticava mais exercícios semelhantes pra aprender mesmo como fazer e isso, eu acho, que foi uma das principais coisas que me atrapalhou. Eu nunca fui em monitoria, até hoje. A maioria das dúvidas eu tirava com meus amigos, porém meus amigos também tinham tantas dúvidas quanto eu. As listas, também, eu fazia no final do semestre quando eu queria estudar eu tentava pegar a lista e fazer mas eu acho que isso foi o principal: a minha falta de buscar né? Eu precisava ter corrido atrás mais cedo, porque eu deixei tudo muito pra última hora, acumulou e aí eu já não tive mais o que fazer. Também nunca fui nos horários de atendimento, não sei te dizer por que.
Aluna M (--) Eu não sabia o jeito certo de estudar. Quando eu tinha alguma dúvida eu não perguntava. Eu buscava os horários de atendimento e, monitoria foi só por um tempo, depois eu parei com as monitorias. Pedi ajuda de colegas, mas cada cabeça é uma cabeça, então o que era óbvio pra ele pra mim não era tão óbvio assim e acabei tendo que achar meu jeito de estudar.
Aluno N (--) Eu não me dedicava muito nos exercícios mais complexos porque eu achava que não precisava ((o aluno dá a entender que não seria necessário fazer os exercícios mais complexos das listas porque estes não seriam cobrados nas avaliações)). Então eu acabei reprovando talvez porque faltou isso: faltou uma determinação maior para estudar.
Aluna O (--) Na primeira vez que eu fiz Cálculo eu percebi que, às vezes, faltou um pouquinho ir nas monitorias, faltou ir buscar ajuda do professor, eu não buscava mesmo! Tentava ((resposta da aluna a ser questionada se tentava resolver as listas de exercício)), mas às vezes eu pensava "ah.. vai deixando, vai deixando"; aí ficava para o último dia, e daí ia correndo e não adianta, se você vai correndo não tem como.
Aluno P (--) Eu não tinha o hábito de estudar de modo rotineiro e chegue aqui, não me adequei e acabei reprovando por falta de empenho mesmo, por falta de estudar. Eu não procurei refazer os testes que eu fui mal, eu não tive um rigor para levar a matéria, para estudar de modo rigoroso a matéria. Isso aí foi determinante para que eu viesse a reprovar. Até chegava a ir ((quando questionado sobre sua participação em horários de atendimento e monitorias)) mas eu acho que, de certo modo, houve um bloqueio psicológico, não sei, talvez. Porque a partir do momento que você começa a tirar notas ruins isso te dá um rebote emocional. Dependendo de como você tiver seu controle emocional você não leva para a frente. Acredito que foi isso!
Aluno Q (--) Eu acredito que se tivesse mais interesse e soubesse estudar direito, o tempo certo, a estabelecer as prioridades de estudo eu conseguiria; teria ido melhor e teria conseguido passar na disciplina. Eu ia nas PAs dele ((referindo-se ao Professor X)), eu ia na monitoria. Eu ia bastante, mais até do que eu vou agora no Cálculo 2. Mas, eu acho que foi meu estudo em casa mesmo que foi difícil. Porque eu também não tinha nenhuma ajuda, não tinha amigos na verdade.

Fonte: Zarpelon (2016).

Os relatos de alguns alunos (Aluna L, Aluna M, Aluno P, Aluno Q) coadunam com outra conclusão obtida por Barrozo e Silva (2013), de que os acadêmicos reprovados apontaram o hábito errado de estudar e a falta de organização em relação aos estudos como fatores que contribuíram para o insucesso na disciplina de Cálculo I. Reforça-se: mais importante que o compromisso (o que se faz) é o comprometimento (o que se faz e como se faz), conforme pontuam Felicetti e Morosini (2010).

Na visão de Felicetti (2007) a falta de hábitos de estudo - decorrente do fato do aluno não saber como aprender, não saber estudar, não identificar os caminhos para tal - é um forte desencadeador de derrotas e fracassos escolares. A autora afirma que o aluno que está no Ensino Médio (especialmente no primeiro ano) “[...] não sabe estudar, não conhece a si mesmo, não percebe a forma que melhor contribui para a sua aprendizagem, não identifica e nem acredita em suas capacidades, desenvolvendo apatia em relação à aprendizagem e ainda a aversão à Matemática” (FELICETTI, 2007, p. 113). Esta constatação parece propagar-se para parte dos alunos que se encontram nas primeiras fases do Ensino Superior.

Além disso, a baixa procura pela monitoria e atendimento dos professores (destacada especialmente pelos alunos do terceiro perfil) revelam a cultura de estudar apenas em véspera de prova, indicando dificuldades para organizar o tempo livre, corroborando parcialmente com as conclusões obtidas por Cavasotto (2010).

Considerações finais

Este artigo teve como objetivo apresentar as concepções de alunos de engenharia sobre os motivos que os levaram a aprovar ou reprovar na disciplina de Cálculo I quando calouros, com vistas a verificar a hipótese de que o comprometimento interfere de forma significativa no desempenho alcançado na disciplina.

Os discursos estudantis revelam que diversos fatores incidem sobre seus desempenhos. O primeiro deles refere-se às dificuldades de adaptação no Ensino Superior, uma vez que esta modalidade de ensino exige novas atitudes quando comparadas àquelas que os acadêmicos praticavam no Ensino Médio. Os relatos permitem identificar que existe grande dificuldade em relação à organização dos horários de estudo, distribuição de tarefas no tempo livre, em saber a forma correta de estudar.

Os estudantes também relataram a importância da atuação docente, destacando que ao demonstrar atitudes de apoio, incentivo, preocupação, atenção e disponibilidade os professores motivam os alunos, fazendo-os se sentirem confiantes e capazes de superar as adversidades. Ressalta-se que 12 (dos 17) acadêmicos entrevistados mencionaram aspectos ligados à docência em suas falas, sendo que dois deles atribuíram suas reprovações à metodologia utilizada pelo professor de Cálculo I.

Apesar de reconhecer que a didática e a metodologia docente interferem no desempenho estudantil, acredita-se que as ações praticadas pelos acadêmicos são a força propulsora da aprendizagem (BECKER, 2006). Portanto, é inaceitável supor que o professor seja o único responsável pela aprendizagem do aluno e, consequentemente pelo êxito ou fracasso deste em uma disciplina. As possibilidades de construir e adquirir conhecimento ampliam-se se o aluno transitar pelas múltiplas formas de acesso a esse conhecimento: aulas, leitura dos livros, estudo em grupo, pesquisas extras, resolução de listas de exercícios, participação em monitorias, etc.

O terceiro ponto levantado pelos alunos refere-se ao conhecimento matemático básico, necessário para que os conteúdos de Cálculo I possam ser entendidos e assimilados de maneira mais fácil. Há consenso de que o ensino de Matemática está estruturado em uma cadeia de pré-requisitos, do Ensino Fundamental ao Ensino Superior, e que se um elo desta cadeia está frágil todo o sistema fica comprometido (FELICETTI, 2007). Porém, mesmo diante da defasagem em relação aos pré-requisitos os alunos possuem capacidade de saná-la e obter um bom desempenho na disciplina, fato exemplificado por três alunos entrevistados.

Neste sentido, é fundamental que as instituições reavaliem a carga horária do primeiro semestre, com vistas a: (1) possibilitar aos ingressantes uma transição saudável entre os níveis médio e superior, bem como uma orientação adequada em relação às exigências dessa nova etapa, especialmente no tocante à rotina de estudos, e (2) permitir que ingressantes com eventuais defasagens na matemática básica possam dedicar parte do tempo extraclasse para recuperar esses conhecimentos.

O quarto item refere-se às atitudes adotadas pelos estudantes frente à disciplina de Cálculo I, quando calouros. Os acadêmicos reconheceram-se como corresponsáveis por seu desempenho em Cálculo I, uma vez que todos relataram que as posturas adotadas na época contribuíram para a aprovação ou reprovação na disciplina.

As atitudes mencionadas (destacadas nos quadros 5 a 10) realçam que “[...] é a qualidade do esforço que investem sobre os recursos e oportunidades disponibilizadas pela universidade para o desenvolvimento da aprendizagem que faz a diferença” (FELICETTI, 2011, p. 55). Posturas individuais como: ser dedicado, assumir responsabilidades, prestar atenção nas aulas, resolver exercícios, comparecer aos atendimentos dos professores e monitorias, são reveladoras do grau de comprometimento acadêmico.

No entanto, dificuldades quanto à organização e estabelecimento de rotinas de estudo demonstram ser possível que alunos assíduos, que tiram dúvidas e resolvem exercícios, não tenham sucesso na disciplina exatamente pelo fato de estudarem de maneira equivocada e ineficiente, conforme percebe-se nos discursos da Aluna M (“apesar de prestar atenção na aula eu não sabia o jeito certo de estudar, então como que eu ia conseguir passar se eu não sabia como estudar?”) e do Aluno Q (“acredito que se tivesse mais interesse e soubesse estudar direito, o tempo certo, a estabelecer as prioridades de estudo eu conseguiria”).

Acredita-se que as dificuldades dos alunos em Cálculo I decorrem de inúmeros fatores, alguns deles citados neste estudo. Entretanto, a solução para a superação destas dificuldades tem como ponto principal o empenho e comprometimento de cada estudante para com sua aprendizagem.

Inquestionavelmente ações institucionais são relevantes e devem ser mantidas e/ou aprimoradas. Vários trechos evidenciaram a importância dos horários de atendimento docente e de monitorias para a superação das dificuldades estudantis em relação ao Cálculo I, assim como demonstraram que a maioria dos alunos que não obtiveram êxito na disciplina não participavam ou participavam de forma tímida dessas iniciativas.

Interessante reforçar que os programas de monitoria atuam em duas frentes: no atendimento específico das dificuldades correspondentes às disciplinas do ensino superior e na retomada dos conteúdos pertinentes à educação básica que permitirão o entendimento dos conteúdos subsequentes (FELICETTI; GOMES; FOSSATTI, 2013). Além disso, o papel da monitoria transcende o resgate dos conteúdos, colaborando também no sentido de desenvolver o hábito de estudo nos alunos que participam de forma constante deste programa (FELICETTI; GOMES; FOSSATTI, 2013).

Entretanto, é importante salientar que, de nada adianta mobilizar inúmeros esforços se o aluno, que é o protagonista deste cenário, não aproveitar de forma adequada as oportunidades oferecidas pela instituição e se comprometer efetivamente com sua aprendizagem. Infelizmente tem-se relatos de que essas inciativas não são usufruídas de forma satisfatória, conforme verifica-se em alguns estudos (LACAZ, CARVALHO,FERNANDES, 2007; OLIVEIRA, RAAD, 2012, CAVASOTTO, 2010; SANTAROSA, MOREIRA, 2011) e, nesta pesquisa, por meio das falas estudantis, especialmente dos alunos que reprovaram na disciplina.

Evidentemente o comprometimento com a aprendizagem deve ser uma preocupação de todos os envolvidos no processo educativo (FELICETTI, 2011). O aluno - protagonista do cenário - é amparado por todos os demais envolvidos, cuja missão é auxiliar o acadêmico a obter sucesso em sua trajetória. Assim, a almejada mudança na postura discente frente a aprendizagem deve ser estimulada por estratégias que promovam a autonomia estudantil e que permitam ao aluno: 1) desenvolver a capacidade de organizar e gerir o tempo de estudo, analisando suas condutas habituais, verificando as estratégias que foram eficientes ou não, 2) acompanhar e controlar seu próprio processo de compreensão, questionando o professor, buscando relação entre o assunto trabalhado com outros conhecimentos, 3) procurar ajuda com professores, colegas, monitores, 4) trabalhar em grupo de forma eficaz, e 5) não protelar tarefas.

Cabe à instituição dar condições aos alunos (especialmente aos ingressantes) de refletirem sobre as exigências inerentes à vida acadêmica, a fim de desenvolverem condutas exitosas. Isso implica também que os estudantes devem aproveitar as oportunidades oferecidas cientes de que é a qualidade de sua dedicação e esforço que fará a diferença.

Por fim, os relatos dos alunos entrevistados geram o entendimento de que dedicação, esforço e persistência são essenciais para obter sucesso, não só na disciplina de Cálculo I, mas em todo seu percurso acadêmico. Portanto, o comprometimento acadêmico é uma variável relevante, interferindo de forma expressiva no desempenho dos calouros de engenharia na disciplina de Cálculo I.

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Recebido: 22 de Agosto de 2018; Aceito: 09 de Novembro de 2018

Profa. Ms. Edinéia Zarpelon

Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Campus Pato Branco (Brasil)

Departamento Acadêmico de Matemática

Grupo de Pesquisa em Educação, Ciência e Tecnologia

Grupo de Pesquisa de Ensino em Engenharia

E-mail: ezarpelon@utfpr.edu.br

Prof. Dr. Luis Mauricio Martins de Resende

Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Campus Ponta Grossa (Brasil)

Departamento de Engenharia de Produ

Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia

Grupo de Pesquisa de Ensino em Engenharia

E-mail: lmresende@utfpr.edu.br

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