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Revista Educação em Questão

versão impressa ISSN 0102-7735versão On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.57 no.51 Natal jan./mar 2019  Epub 13-Set-2019

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2019v57n51id16031 

Artigos

Direção ético-política e contradições da “Participação Cidadã” no Projovem Urbano em Mesquita/Rio de Janeiro

Ethical-political management and contradictions of "Citizen Participation" in Pro Young Urban (Projovem Urbano) program in Mesquita/Rio de Janeiro

Dirección ético-política y contradicciones de la "Participación Ciudadana" en el Projovem Urbano en Mesquita/Rio de Janeiro

Carlos Soares Barbosa1 

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Brasil)


Resumo

O artigo analisa a direção ético-política e as contradições no Projovem Urbano - Programa federal destinado aos jovens de 18 a 29 anos, com a finalidade de proporcionar a conclusão do ensino fundamental, qualificação profissional inicial e o protagonismo juvenil. É resultado da pesquisa realizada entre 2015 e 2016 no município de Mesquita/Rio de Janeiro, e contou com a observação das aulas de Participação Cidadã e aplicação de questionários com respostas abertas a 67 estudantes. Fundamentado, teoricamente, no pensamento de Antonio Gramsci e Edward Thompson, o estudo conclui que as condições precárias de reprodução da existência dificultam a conformação dos trabalhadores tanto para a cidadania na perspectiva do capital social, quanto à participação efetiva nos espaços decisórios. Que a baixa participação política institucional dos jovens da periferia não é fruto da alienação política, mas produto das determinações objetivas a que estão submetidos.

Palavras-chave: Projovem urbano; Participação cidadã; Juventude; Capital social

Abstract

The article analyzes the ethical-political management and the contradictions of the community actions promoted in Pro Young Urban (Projovem Urbano) - a Federal program for young people aged 18 to 29 years old, with the purpose of providing the completion of elementary education, initial professional qualification and the youthful protagonism. It is a result of the research conducted between 2015 and 2016 in the municipality of Mesquita / Rio de Janeiro, and included a observation of the Citizen Participation classes and the appliance of questionnaires with open answers to 67 students. Based, theoretically, on the thinking of Antonio Gramsci and Edward Thompson, the study concludes that the precarious conditions of reproduction of the existence make difficult the conformation of the workers both to citizenship in the perspective of the social capital, and to the effective participation in the decision-making spaces. The low institutional political participation of the young people of the periphery is not the result of political alienation, but a product of the objective determinations to which they are subject.

Keywords: Pro Young Urban (Projovem Urnano) program; Citizen participation; Youth; Social capital

Resumen

El artículo analiza la dirección ético-política y las contradicciones en el Projovem Urbano - programa federal destinado a los jóvenes de 18 a 29 años, con la finalidad de proporcionar la conclusión de la enseñanza fundamental, cualificación profesional inicial y el protagonismo juvenil. Es el resultado de la encuesta realizada entre 2015 y 2016 en el municipio de Mesquita/Rio de Janeiro, y contó con la observación de las clases de Participación Ciudadana y aplicación de cuestionarios con respuestas abiertas a 67 estudiantes. Fundamentado, teóricamente, en el pensamiento de Antonio Gramsci y Edward Thompson, el estudio concluye que las condiciones precarias de reproducción de la existencia dificultan la conformación de los trabajadores tanto para la ciudadanía en la perspectiva del capital social cuanto a la participación efectiva en los espacios decisorios. Que la baja participación política institucional de los jóvenes de la periferia no es fruto de la alienación política, sino producto de las determinaciones objetivas a que están sometidos.

Palabras clave: Projovem urbano; Participación ciudadana; La juventud; Capital social

Introdução

A participação juvenil tem sido tema de preocupação e debate nos últimos anos nas sociedades latino-americanas, e obteve destaque nas políticas de juventudes, implementadas nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Vana Roussef por entenderem o modelo participativo como forma de possibilitar o desenvolvimento democrático da sociedade e legitimar os movimentos juvenis e o desenvolvimento integral dos jovens. O estímulo à participação foi um dos eixos da principal política implementada pela Secretaria Nacional de Juventude, em 2005: o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - Educação Básica, Qualificação Profissional e Ação Comunitária (Projovem). Em 2007, o programa sofreu uma série de mudanças, passando a se denominar Projovem Urbano (PJU).

No início do governo de Dilma Roussef, em 2011, novas alterações foram empreendidas, sendo transferida a coordenação geral do programa para a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (SECADI/MEC), onde permanece até o momento, no governo Temer. O PJU é executado por meio da parceria com estados e municípios, com o objetivo de proporcionar aos jovens de 18 a 29 anos, em um prazo de 18 meses, a conclusão do ensino fundamental, iniciação à informática, qualificação profissional inicial e a participação cidadã.

Visando à formação integral dos jovens, o estímulo ao protagonismo juvenil fundamenta-se na ideia de que o acesso aos direitos universais só será pleno quando “[...] os segmentos deles privados assumirem-se como cidadãos ativos, conscientes do seu direito a ter direitos e da necessidade de lutar por eles” (BRASIL, 2008, p. 34). Embora o Projeto Pedagógico Integrado do programa ressalte que as diferentes áreas do conhecimento contribuam para a formação crítica e participativa dos estudantes, a pesquisa centrou-se na dimensão curricular denominada Participação Cidadã, concebida como uma das vias para o fortalecimento da participação dos jovens em ações coletivas e de interesse público. Ministrada, preferencialmente, por profissional com formação superior em Serviço Social, a Participação Cidadã possui carga horária total de 78 horas e é constituída por dois conjuntos de atividades: reflexões sobre os conceitos básicos para a participação cidadã e elaboração/execução do Plano de Ação Comunitária (PLA) por parte dos jovens.

O presente texto é resultado da pesquisa empírica desenvolvida entre os anos de 2015 e 2016, com a finalidade de analisar o processo formativo das ações comunitárias realizadas pelos estudantes do PJU de Mesquita, município situado na região da Baixada Fluminense do Estado Rio de Janeiro. O estudo buscou perceber até que ponto as ações comunitárias planejadas/executadas contribuem para fortalecer o sentido de cidadania participativa entre os jovens e mobilizá-los para futuras ações coletivas nos espaços decisórios de sua cidade, uma vez que este é um dos seus objetivos. Cabe ressaltar que à época da pesquisa, o contexto político era caracterizado pelas ocupações das escolas públicas por estudantes secundaristas em vários estados brasileiros, inclusive no Rio de Janeiro, conjugada a dissimulada luta contra a corrupção presente nos discursos de representantes de diversas organizações da sociedade civil e amplamente divulgados pelos aparelhos midiáticos, culminando com o golpe jurídico, midiático e parlamentar, em 2016.

Percurso metodológico e teórico

A pesquisa centrou-se nas duas escolas da rede municipal de Mesquita onde o programa funcionou, conforme parceria firmada entre os governos federal e municipal. Fundamentou-se teórico-metodologicamente no pensamento de Antonio Gramsci e Edward Thompson, no entendimento da história enquanto processo dialético e a sociedade como totalidade de relações entre humanos que se dá sempre no quadro histórico, particular, de um determinado estágio de desenvolvimento social. Na epistemologia marxiana, compreender o real significa compreender o homem nas suas ligações sociais historicamente construídas, isto é, no conjunto determinado de relações de interdependência. Não se trata da representação caótica de um todo, mas da totalidade rica de múltiplas determinações (MARX, 2008).

O contato inicial com a realidade dos estudantes se deu por meio da observação participante das aulas de Participação Cidadã durante os 18 meses de execução do Programa, além de questionários com respostas abertas aplicados no último mês a 67 estudantes, do total de 91, que aceitaram participar da pesquisa de forma espontânea. Quanto à análise dos dados, esta permeou todo o processo da investigação e buscou compreender o real em movimento, isto é, na dialética entre singularidade (como se revela em sua imediaticidade), universalidade (expressão de sua complexidade, de suas conexões internas, de sua totalidade histórico-social) e particularidade (sua especificidade própria em dado tempo, expressão da mediação entre o específico e o universal) (LUCKÁCS, 1970).

Nessa análise, procurou-se enfatizar o pensamento de Antonio Gramsci e Edward Thompson pelo fato de serem autores que não entendem as ações dos sujeitos como meros reflexos das determinações econômicas. Desse modo, isso leva a pensar o empírico, o local, a singularidade, sem deixar de situá-los no conjunto da totalidade. Thompson (1981), ao articular as categorias experiência e cultura, provoca a reflexão do cotidiano, compreendendo ser este o espaço onde as relações, as experiências individuais ou coletivas se manifestam. Enquanto parte integrante da totalidade, essas relações não são destituídas das determinações econômicas, políticas, sociais e culturais, embora não sejam unicamente delas reflexo, uma vez que homens e mulheres pensam e fazem escolhas conscientes, não se constituindo em meros produtos das determinações vindas de “cima” e/ou recipientes passivos da ideologia burguesa. Ao retratar a vida real, Thompson enfatiza a imprevisibilidade do processo histórico e a experiência como mediadora da consciência social pelo ser social, compreendendo a história produto de pessoas reais e não por leis regulares.

Valorizar a cultura não significa tratá-la como fator determinante, minimizando a força da ideologia e das determinações econômicas e políticas, mas evidenciar que homens e mulheres, enquanto sujeitos racionais, do seu modo, criam estratégias, reagem e imprimem novos significados às determinações. Assim, apesar das orientações contidas nos documentos oficiais, o programa apresenta especificidades, dinâmicas e fluxos próprios dependendo de como é apropriado pelos gestores, coordenadores, educadores e estudantes dos municípios onde é executado.

Somando-se aos estudos de Barbosa (2013), Andrade (2010) e Machado (2009), entre outros, que se dedicaram a compreender o processo formativo da Participação Cidadã durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a presente pesquisa visa ampliar esses estudos no intuito de compreender se o contexto político caracterizado pela polarização política (defensores e contrários ao impeachment da presidente Dilma Roussef) e pelos movimentos protagonizados pelos jovens secundaristas, materializados, entre outras ações, com a ocupação de escolas públicas durante o ano de 2016, contribuíram para ressignificar os sentidos da Participação Cidadã e das ações comunitárias planejadas/executas. Ademais, buscou-se compreender se o “novo” contexto impactou a direção ético-política do Programa e as contradições produzidas no processo das ações comunitárias, entendendo a contradição uma das categorias fundamentais do método marxista, já que as realidades e o pensamento humano são constituídos por faces mutáveis e contraditórias (TSÉ-TUNG, 2004).

Visando a uma melhor compreensão do objetivo aqui proposto, inicialmente será apresentada a proposta formativa da Participação Cidadã, identificando os nexos que essa dimensão curricular possui com a educação defendida no Projeto da Terceira Via e nos relatórios das agências internacionais multilaterais. Posteriormente, serão analisadas as condições objetivas/subjetivas dos jovens participantes do PJU, reservando a última parte para análise da direção ético-política das ações comunitárias e as contradições produzidas no processo.

Participação cidadã, capital social e ações comunitárias: processos para a construção da consciência crítica?

O Projovem Urbano é uma das distintas vertentes formativas que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) adquiriu nas últimas décadas, caracterizada, entre outros aspectos, pela fragmentação e proliferação de programas de diferentes perfis de formação, duração, condições institucionais e composição do corpo docente, a exemplos do Programa Brasil Alfabetizado, Proeja e o Pronatec. Ventura (2016) ressalta que essa diversidade de oportunidades formativas visa formar os diferentes perfis de trabalhadores demandados pelas diferentes cadeias produtivas no atual modelo de acumulação flexível, gerando, assim, um modo particular de produção de dualidade educacional de novo tipo.

Como em qualquer política, o PJU é alvo de intensa disputa e tem provocado distintas análises acadêmicas (CASTRO, ABRAMOVAY, 2017; FERREIRA, 2013; RUMMERT, ALVES, 2010). Até o golpe desferido em 2016, o Programa caminhava para se consolidar como significativo processo formativo na escolarização de jovens, ancorado na proposta de formação integral e no reconhecimento da dimensão educativa do trabalho e da participação cidadã. A matriz curricular fundamenta-se, metodologicamente, na interdisciplinaridade e na interdimensionalidade: educação básica, qualificação profissional inicial e participação cidadã.

A dimensão denominada Participação Cidadã “[...] tem como referência a ideia de que participar e exercer cidadania são ações que se aprendem fazendo [...]” (BRASIL, 2008, p. 44). Desse modo, além de trabalhar os conceitos básicos para a participação cidadã, propõe a elaboração/execução de um Plano de Ação Comunitária (PLA). A primeira etapa do PLA é reservada para a construção do “mapa dos desafios” de uma dada comunidade, com base no estudo da realidade a qual os jovens estão inseridos. Realizado esse levantamento, cada turma escolhe o desafio a ser “enfrentado” por um conjunto de ações. Após meses de discussão e elaboração das ações, a etapa seguinte é destinada à execução do plano, reservando a etapa final para avaliação/sistematização de todo processo percorrido com intuito de refletir os aprendizados construídos no curso dessa experiência coletiva.

De acordo com o Edital n° 001/2015 da Secretaria Municipal de Educação de Mesquita, que estabeleceu as normas e procedimentos de seleção dos educadores, cabe ao educador de Participação Cidadã as seguintes atribuições:

Planejar e orientar as atividades de Participação Cidadã e ministrar aulas relativas ao tema; Apoiar e acompanhar a elaboração e implementação do Plano de Ação Comunitária (PLA); Realizar mapeamento de oportunidades de engajamento social na comunidade, identificando organizações e articulando parcerias para a viabilização dos PLA's; Contribuir para a articulação entre os jovens de cada turma em atividades de intercâmbio e apresentações públicas do PLA (PREFEITURA DA CIDADE DE MESQUITA, 2015).

O PJU é um dos braços da política de combate à pobreza, implementada no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, pois, mediante o crescimento na virada do milênio de antigos desafios em escala mundial - consumo desordenado, degradação ambiental, decadência urbana, violação de direitos humanos, pobreza e desigualdade social -, a educação passou a ter a função de prover valores, atitudes, capacidades e comportamentos essenciais de combate a esses desafios. Além de recomendadas nos relatórios das agências multilaterais, no Projeto da Terceira Via (GIDDENS, 2005) e na “Educação para o Desenvolvimento Sustentável” (UNESCO, 2005), as novas funções atribuídas à educação se fizeram presentes nos objetivos, metas e estratégias, estabelecidas nas Políticas de Desenvolvimento do Milênio (ONU, 2003), que invocavam a necessidade de os governantes dos países “em desenvolvimento” darem maior atenção à população pobre. Não só no que se referia aos processos de escolarização e qualificação profissional com o intuito de aproveitar a “vocação produtiva” das comunidades e evitar o desperdício dos recursos humanos potencialmente produtivos, mas também em proporcionar uma educação que assegurasse voz aos pobres e os fomentasse a participar na resolução dos problemas locais (BANCO MUNDIAL, 2004), visto que, desde a Conferência de Joanesburgo, em 2002, desenvolvimento passou a abranger justiça social e luta contra a pobreza. Analisando a proposta curricular do PJU, verifica-se que o Programa estrutura-se de acordo com o papel atribuído à educação no novo milênio, de produzir não só capital humano, mas também capital social.

Para Coleman (1988), “capital social” é a capacidade de as pessoas trabalharem juntas, visando a objetivos comuns em grupos e organizações. Essa capacidade de associação e participação coletiva depende do grau em que as comunidades compartilham normas e valores e mostram-se dispostas a subordinar interesses individuais aos de grupos maiores. No Brasil, o fomento à participação social das populações pobres não é algo novo. Este foi o objetivo das ações do “Desenvolvimento de Comunidade” (DC), executadas entre as décadas de 1950 e 1970 sob a recomendação da ONU e coordenadas por profissionais do Serviço Social, compreendido como resultante do esforço cooperativo de uma ”[...] comunidade que toma consciência de seus próprios problemas e se organiza para resolvê-los por si mesma, desenvolvendo seus próprios recursos e potencialidades com a colaboração das entidades existentes” (SOUZA, 2010, p. 29).

No novo milênio, a participação adquire novamente a função instrumental do passado, sob a crença de que sem participação ampla, sem capital humano e capital social, “[...] é improvável que o desenvolvimento seja rápido e sustentável, pois a exclusão de grandes segmentos da sociedade desperdiça recursos potencialmente produtivos e gera o conflito social” (BANCO MUNDIAL, 2004, p. 5). Esta é também a concepção da nova Cepal, possuidora de uma visão de desenvolvimento adequado ao mundo globalizado de economias abertas. Os cepalinos defendem que esses valores podem ser mais bem desenvolvidos e estimulados por meio da participação comunitária, entendida como “[...] organização racional, consciente e voluntária dos habitantes de determinado espaço, com o objetivo de propor iniciativas que satisfaçam suas necessidades, definir interesses e colaborar na realização de obras e serviços públicos” (CEPAL, 2007, p. 56).

O PJU, apesar da proposta de formação integral dos jovens, não se contrapõe à ampliação do papel atribuído à escola capitalista de construir/consolidar os valores e comportamentos demandados pela atual configuração do capital. Não por acaso, espera-se que os concluintes do Programa sejam capazes, entre outros, de:

[...] assumir responsabilidades em relação ao seu grupo familiar e à sua comunidade, assim como frente aos problemas que afetam o país, a sociedade global e o planeta; identificar problemas e necessidades de sua comunidade, planejar iniciativas concretas visando a sua superação e participar da respectiva implementação e avaliação; conviver e trabalhar em grupo, valorizando a diversidade de opiniões e a resolução negociada de conflitos; exercitar valores de solidariedade e cooperação, posicionando-se ativamente contra qualquer forma de racismo e discriminação; exercer direitos e deveres da cidadania, participar de processos e instituições que caracterizam a vida pública numa sociedade democrática [...] (BRASIL, 2008, p. 38).

Com base nos objetivos expostos, observa-se que a direção ético-política da Participação Cidadã consiste na produção de capital social baseada nos valores de cooperação, solidariedade e participação, conjugada à atitude proativa de assumir a resolução dos problemas locais. Na nova pedagogia da hegemonia (NEVES, 2005), tais valores são utilizados para negar o conflito de classes e justificar uma sociedade harmônica e coesa, necessária para resolução de problemas sociais intensificados pela macroeconomia neoliberal, constituindo “[...] os pobres os principais agentes de luta contra a pobreza” (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 12). Contudo, com Gramsci (2006), entendemos ser na práxis, no conflito e no confronto de concepções de mundo e de projetos ético-políticos que se constrói a consciência de classe. Essas ações são constituídas de múltiplas contradições, visto que os sujeitos respondem, de múltiplas maneiras, às mesmas determinações devido às distintas relações que estabelecem, podendo vir a romper com as condições que lhes são impostas.

Com base nessa compreensão, busca-se analisar até que ponto as aulas de Participação Cidadã e as ações comunitárias, planejadas/executadas no contexto dos recentes movimentos juvenis, ocorridos em diversas cidades brasileiras, contribuem para a construção da consciência crítica e de classe.

Para Marx (1974), a constituição da classe e da consciência de classe são momentos distintos. Para o autor, não há classe senão na relação conflituosa com outras classes, sendo na luta de classe que se dá a tomada de consciência de classe dos trabalhadores. Ampliando os conceitos marxianos, Gramsci e Thompson refutam a leitura dos conceitos de classe e de luta de classes determinados diretamente da base econômica. Gramsci coloca a questão da consciência de classe para o terreno da luta política, definindo três momentos na construção da consciência política coletiva: (i) o econômico-corporativo, quando um comerciante, por exemplo, sente que deve ser solidário com outro comerciante; (ii) o momento em que a consciência da solidariedade de interesse atinge todos os membros do grupo social, embora se restrinja ao campo meramente econômico; (iii) o momento em que se adquire a consciência de que os próprios interesses superam o círculo de grupo e podem e devem tornar-se os interesses de outros grupos subordinados (GRAMSCI, 2007). O autor destaca que a classe dominante é também dirigente pelo fato de a coerção estar conjugada à dominação cultural, isto é, a capacidade que essa classe tem de difundir por toda a sociedade suas filosofias, concepções de mundo, valores e comportamentos através de atividades e iniciativas de uma ampla rede de organizações culturais, movimentos políticos e instituições educacionais.

Há, porém, resistências. Os subalternos podem se tornar independentes em relação ao senso comum, às leis e às hierarquias sociais impostas sobre eles caso atinjam um nível mais alto de conhecimento (a consciência superior). Assim, um dos objetivos de Gramsci é fazer com que os homens “simples” “[...] adquiram uma consciência crítica que os conduza superar o senso comum - a concepção do mundo absorvida acriticamente pelos vários ambientes sociais e culturais” (GRAMSCI, 2006, p. 114).

Na compreensão de Thompson (1979), a consciência de classe se constrói por meio das experiências de lutas, ainda que em, um dado momento, sejam “lutas de classe sem classe”. Por essa razão, busca-se compreender as vivências dos jovens nas ações comunitárias, assim como as estratégias elaboradas para o enfrentamento das determinações objetivas. Antes, porém, foi preciso conhecer as condições objetivas/subjetivas da reprodução de existência dos jovens pesquisados.

Os jovens e o processo formativo do Plano de Ação Comunitária: limites, potencialidades e contradições

O reconhecimento das múltiplas juventudes, transversalizadas pelas questões geracionais, de classe, gênero, etnia, regionalidade, sexualidade, entre outras, não invalida a identificação de características comuns entre os jovens pesquisados. Compreendendo a realidade na perspectiva marxiana, isto é, enquanto materialidade histórica dos processos de produção e reprodução da existência dos homens, a realidade dos jovens de Mesquita é mediada por um conjunto de violências que se expressa na precarização das relações de trabalho, na violação dos direitos, e, em alguns casos, na violência desferida pelo narcotráfico e/ou o crime organizado.

Entre os 67 jovens que participaram da pesquisa, 26 deles (39%) se encontravam em situação de desemprego. Entre os 41 estudantes inseridos no mercado de trabalho, 28 (63,5%) encontravam-se no mercado de trabalho formal com alguns direitos trabalhistas garantidos, ao passo que 15 estudantes (36,5%) exerciam atividades na informalidade, especialmente as jovens entre 18 e 25 anos.

Em relação à renda familiar, 42 estudantes (63% do total) informaram ser composta de um salário mínimo, enquanto 6 indicaram que era constituída por menos de um salário e 14 (21%) indicaram que a renda familiar correspondia entre 2 e 3 salários. Apesar de cinco estudantes não terem informado sua renda familiar, os dados reforçam a enorme dívida social do país com expressivo contingente populacional; esse dado leva a compreender a EJA na perspectiva do direito e da importante política de ação afirmativa e inclusão social.

A realidade dos jovens de Mesquita não difere muito da realidade nacional, configurando, entre as maiores vítimas da adoção do Brasil, a agenda neoliberal e os processos de reestruturação produtiva. Os dados do último Censo demográfico (IBGE, 2011) indicaram que, entre os 51,3 milhões de jovens na faixa etária de 15 a 29 anos de idade, 53,5% trabalhavam, 36% estudavam e 22,8% trabalhavam e estudavam simultaneamente. Em 2013, a Secretaria Nacional da Juventude (SNJ) detalhou, um pouco mais, o perfil dos jovens brasileiros e indicou que, entre os jovens de 25 a 29 anos, mais de 70% trabalhavam ou estavam procurando trabalho, enquanto 12% somente estudavam. Em 2014, segundo o estudo do Instituto Unibanco (2016), 52% dos jovens brasileiros de 15 a 17 anos que se encontravam fora da escola sequer haviam concluído o Ensino Fundamental e, apenas, 19%, concluído o Ensino Médio. Entre os jovens de 19 anos, em 2015, 41,5% não haviam concluído essa etapa da escolaridade. Outro dado apontado pelo estudo é a estreita relação entre renda familiar e conclusão da escolaridade, demonstrando que, entre os estudantes que concluíram o Ensino Médio na idade correta, a média da renda familiar por pessoa era de R$ 885 reais, e os que não terminaram o Ensino Fundamental a média era de R$ 436 reais.

A atual precarização das condições de produção/reprodução da existência de expressiva parcela da população brasileira tende a agravar essa realidade educacional, uma vez que mais de nove milhões de pessoas foram jogadas para abaixo da linha de pobreza entre 2014-2016, contabilizando o total de 52,2 milhões de brasileiros (homens, mulheres e crianças) que sobrevivem com até 387 reais por mês, segundo parâmetros usados pelo Banco Mundial (IBGE, 2017). Esse fato tende a se agravar com a aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016, que estabelece um teto para os gastos com despesas primárias, como saúde e educação, sob o argumento da necessidade de reequilibrar os gastos públicos.

Não obstante seja alto o quantitativo de jovens fora da escola, em torno de 25 milhões de pessoas de 16 a 29 anos de idade, dos quais 11,1 milhões nem trabalham nem estudam (IBGE/PNAD-C, 2017), não significa que a escola perdeu a importância e/ou deixou de ser reivindicada pelo segmento juvenil. Os jovens da pesquisa reconhecem a escola como importante espaço de aprendizagem, mas prevalece, em suas narrativas, a concepção da escola como redentora das mazelas enfrentadas pelos indivíduos na reprodução de sua existência. Para 46% dos entrevistados, a expectativa em “melhorar de vida” e a oportunidade de finalizar mais rápido o Ensino Fundamental ou de conciliá-lo com a qualificação profissional para este fim foram os principais motivos para o retorno à vida escolar. “Terminar os estudos” é entendido, para 54% dos respondentes, como estratégia fundamental de enfrentamento as dificuldades de inserção e permanência no mercado de trabalho. É por essa razão que 57 estudantes (85%) disseram pretender cursar o Ensino Médio; e, entre eles, 7(12%) já pensavam em cursar o Ensino Superior.

Todavia, ao internalizarem, de forma acrítica, os discursos de diferentes sujeitos sociais, inclusive de alguns professores que justificam os altos índices de desemprego em nome da baixa escolaridade e da pouca (ou ausente) qualificação profissional, os estudantes não só se autoculpabilizam pelas mazelas vividas, como isentam de responsabilidade o projeto político-societário em execução e a ineficiente política pública de geração de trabalho e renda. Além de criarem expectativas que extrapolam as funções da escola, já que ela, isolada, não é capaz de mudar as distorções e as desigualdades inerentes ao sistema capitalista.

Percebe-se entre os jovens pesquisados, que poucos fazem planos a longo prazo, como bem retrata o depoimento de uma estudante de 26 anos:

Já fiz mais planos, mas depois de tantas pancadas e decepções a gente vai ficando assim, meio sem esperança... Mas voltar a estudar tem me mostrado que temos que lutar... temos que matar um leão a cada dia (LÚCIA, 2016).

As mudanças efetuadas no mundo do trabalho nas últimas décadas, que têm ocasionado crescimento do desemprego estrutural e precarização das relações de trabalho, materializada no trabalho temporário, parcial, terceirizado e informal, assim como a desregulamentação e o ataque às leis trabalhistas, têm provocado mudanças na subjetividade humana, levando os jovens, principalmente os moradores das periferias, a viver suas vidas em “suspenso” e “provisório”, fazendo do “aqui” e “agora” suas principais estratégias de sobrevivência (SENNETT, 2001). Conforme ressalta o referido autor, quanto mais jovem e maior o grau de precarização das condições reais de existência, maior é o desconto do futuro no presente.

Os jovens do PJU de Mesquita não diferem dos jovens dos demais centros urbanos e periféricos do país, inclusive quando sinalizam certo ceticismo em relação à política institucional. Os escândalos de corrupção, publicizados pelos aparelhos midiáticos envolvendo servidores públicos de diferentes setores, contribuem para o ceticismo verificado entre os jovens pesquisados. Os depoimentos de alguns deles são bastante significativos nesse aspecto:

Temos visto todos os dias na televisão que não dá para acreditar nos políticos desse país. Eles só pensam neles e o pobre que se dane... A gente sempre soube disso, mas agora está escancarado (JOSÉ CARLOS, 2016).

Os políticos roubam sem nenhum pudor, porque tem certeza que nada vai acontecer contra eles... Acreditam na impunidade. Alguns vão presos, mas logo são soltos, enquanto o pobre que rouba ou comete um crime menor morre na cadeia (WILLIAN, 2016).

Nas aulas de Participação Cidadã são discutidas questões relacionadas à cidadania, direitos humanos, orçamento democrático, cultura, lazer, saúde, saneamento básico, segurança, preservação do meio ambiente, violência, drogas, sexualidade, educação, entre outras vivências que proporcionem aos jovens a reflexão de suas ações e experiências enquanto sujeitos de direitos. A intenção é que essas discussões deem sustentação ao projeto de intervenção social, cujas ações são sistematizadas no PLA. Entretanto, constata-se que o tema dos movimentos juvenis ganhou pouco destaque nas aulas de Participação Cidadã e nas conversas informais entre os jovens; esse fato é manifestado nas ações planejadas.

Após meses de pesquisa nos problemas da comunidade, a precarização da garantia do direito à saúde foi considerada pelos jovens de uma escola como o principal desafio a ser enfrentado pelos moradores da comunidade. Assim, as ações planejadas no PLA se voltaram a proporcionar - em parceria com a equipe da clínica da família local - serviços como: aferição de pressão aos adultos, realização de palestras sobre prevenção de doenças cardiovasculares e sexualmente transmissíveis, além de atividades lúdicas para crianças referentes à saúde bucal. Na outra escola, os jovens apontaram a problemática do recolhimento e o acondicionamento do lixo como um desafio a ser enfrentado pelos moradores da comunidade, tendo sido elaboradas as seguintes ações: limpezas de rios e canais, além da realização de palestras em um espaço público da comunidade sobre educação socioambiental. Ao analisar os PLAs, elaborados pelos jovens das duas unidades escolares, verifica-se uma análise superficial dos problemas vivenciados na comunidade, justificados pela apatia e maus comportamentos dos moradores e/ou pela negligência dos governos e da classe política para com as condições de vida da população pobre, sem questionar as causas estruturais da desigualdade social, própria do capitalismo e do sistema de classes.

Isso não significa afirmar que a experiência do Programa não tenha provocado novas aprendizagens em relação à compreensão do seu papel político-social, já que o ser social não é um objeto inerte, tampouco a consciência social um recipiente passivo de reflexões (THOMPSON, 2001). As experiências, portanto, ao mesmo tempo que são determinadas (limitadoras), são vividas, geram contradições e abrem possibilidades de uma consciência, podendo vir a adquirir feições classistas na vida social e na consciência (THOMPSON, 1981). Nesse sentido, busca-se refletir o modo com que os jovens adaptam/reagem à participação estimulada nas ações comunitárias, compreendendo que os sujeitos reagem de diferentes maneiras às determinações objetivas/subjetivas. Essa compreensão levou a considerar as experiências vividas nas ações comunitárias e nas demais experiências do PJU como possibilidades de nascedouro da consciência crítica. Entretanto, por ser pouco explorada a potencialidade política do conteúdo da Participação Cidadã e do PLA, o resultado obtido é uma ação comunitária disfarçada de participação, baseada em ativismo acrítico que não coloca em xeque a desresponsabilização do Estado com os graves problemas sociais. Os depoimentos dos jovens em relação aos aprendizados construídos com as ações comunitárias apontam para isso. Quando se questiona o que aprenderam com o PLA, as respostas, de modo geral, foram: “cuidar da natureza e do meu bairro”; “servir a comunidade em que vivo”; “conhecer melhor minha comunidade”, “ajudar o próximo”; “descobrir a solidariedade”; “conviver melhor com as pessoas”.

De fato, solidariedade (de classe), cooperação e responsabilidade social são valores difundidos historicamente nas lutas dos trabalhadores e de suas organizações, mas não para negar o conflito de classes e justificar uma idealizada sociedade harmônica e coesa como ocorre na perspectiva do capital social. A participação fomentada no Programa, por não articular a análise dos problemas locais ao conjunto das determinações de diversas ordens (totalidade) configura um associativismo colaboracionista, prestador de serviços sociais de interesse público, sem apresentar um caráter reivindicativo que propicie a criação de direitos e a ampliação ou criação de espaços de participação política.

A despeito da direção ético-política, de produção de capital social, há, também, a produção de uma intencionalidade que é construída nas relações sociais estabelecidas entre os diferentes sujeitos. Assim, apesar de os valores do capital social se fazerem presentes no discurso dos jovens, no final do PJU apenas em torno de 5% se sentiam “mobilizados” para futuras ações coletivas em movimentos ou organizações sociais. A interpretação desse dado pode significar que, assim como o PJU não fora suficientemente capaz de promover a cidadania ativa e o protagonismo juvenil na perspectiva defendida pelos teóricos da matriz crítica, também não logrou êxito quanto a sua direção ética e política de educar para a nova cidadania na perspectiva do capital social. Na realidade concreta, a ideologia do capital social não é tão facilmente permeável aos jovens pesquisados, em face das suas precárias condições de existência e reprodução da vida, e que têm sido agravadas com a retomada do projeto neoliberal e os ajustes estruturais, justificados em nome da (suposta) crise econômica vivida no país e, em específico, no Estado do Rio de Janeiro.

A pesquisa evidencia que a contradição principal do Programa reside na realidade concreta dos jovens; fortemente marcada pela pobreza e pela privação de uma série de direitos, o que os leva a priorizar ações que lhes garantam a sobrevivência e outros ganhos imediatos. Desse modo, a não participação, nos espaços decisivos da cidade, e/ou a manifestação de desinteresse em participar de movimentos coletivos não configura produto da alienação política, mas produto das determinações objetivas, esse fato não pode ser negligenciado pelos movimentos e organizações juvenis.

Ademais, não se pode esquecer que as experiências vividas no Programa são entremeadas por muitas outras experiências da vida social, constituindo, apenas, uma etapa de um longo processo de formação na qual os jovens estão inseridos. Nesse sentido, tais experiências não são suficientes para a construção da ação política criadora de direitos e de espaços de participação, porque, para muitos deles, 18 meses não são suficientes para modificar suas concepções em relação à coletividade e seu posicionamento na sociedade. Trata-se de um processo de longa duração, que ultrapassa o período de execução do Programa, mas que permanece em plena construção.

Considerações Finais

A relativa ampliação de direitos conquistados pelos trabalhadores durante os governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016) e a nova expressão política juvenil no tempo recente são mediações importantes para compreender a atual apreensão das frações dominantes-dirigentes, que se materializa, entre outros, nos dissimulados discursos contra a corrupção, contra a doutrinação ideológica e de gênero por parte dos professores das escolas públicas e na busca de maior controle do currículo escolar, por meio de ações como o Projeto Escola sem Partido e a reforma do Ensino Médio (Lei n° 13.415/2017). Com o golpe, tem-se presenciado a retomada crescente do combate ao Estado democrático de Direito em nome da necessidade dos ajustes estruturais. Igualmente como ocorrera na década de 1990, a redução dos gastos públicos com políticas sociais é justificada em nome do equilíbrio orçamentário, afetando, assim, imediatamente, a educação. Principalmente a Educação de Jovens e Adultos, que volta a ser concebida como gastos e não como direito.

Como consequência desse processo, figura a deterioração das condições de produção/reprodução da existência das classes trabalhadoras. Segundo dados da PNAD-C (IBGE, 2017), o quantitativo de desempregados situa-se em torno de 12,7 milhões de brasileiros, sendo que, entre 2014-2016, mais de nove milhões de pessoas foram jogadas para baixo da linha de pobreza, totalizando 52,2 milhões de brasileiros (homens, mulheres e crianças) que vivem nessa condição, ocasionado pelo alto índice de desemprego. Nesse contexto de precarização extrema, os jovens de baixa escolaridade, pouca experiência profissional e moradores das regiões metropolitanas constituem as maiores vítimas do projeto político em execução.

Na tentativa de reverter essa realidade, jovens das classes trabalhadoras voltaram a ocupar as ruas nos últimos três anos e protagonizaram movimentos reivindicatórios em defesa, entre outras questões, de uma maior e melhor mobilidade urbana, transparência dos gastos públicos com a educação e resistência à forma autoritária a qual a reforma do Ensino Médio tem sido conduzida pelo atual governo federal. Esses foram alguns pontos de pauta apresentados pelo movimento secundarista para a ocupação de algumas escolas públicas, ocorrida em sete estados brasileiros no decorrer de 2016. O fato de o PJU ser o único programa escolar que se propõe a estimular a participação social dos jovens contribuiu para investigar o sentido da participação fomentada, sobretudo, mediante a expectativa conferida às ações comunitárias, de que a promoção de “[...] vivências coletivas, diálogos e interações com o contexto social de pertencimento dos jovens, por meio de metodologia participativa, pudessem contribuir para sua formação como sujeitos de direitos e cidadãos proativos” (VILLAS-BÔAS, 2008, p. 11), conforme argumenta uma das elaboradoras da proposta.

Participação é ação que se desenvolve em solidariedade com outros, no âmbito do Estado ou de uma classe, “[...] com o objetivo de modificar ou conservar a estrutura (e, portanto, os valores) de um sistema de interesses dominante” (AVELAR, 2007, p. 264). Pode, portanto, se constituir em elemento fundamental para transformação da realidade vivida, ou em ferramenta a serviço da sua reprodução, caso configure a perspectiva do capital social.

Os resultados da pesquisa aqui expostos demonstram que os mecanismos/estratégias criados para conformar os trabalhadores à sociabilidade do capital não são capazes de imprimir totalmente seus modos de perceber, sentir e estar no mundo. Trata-se de reconhecer, em diálogo com Gramsci e Thompson, que homens e mulheres podem superar, em alguma medida, as limitações impostas pelas “circunstâncias” ou pela “necessidade histórica”. O fato de homens e mulheres fazerem história em condições não escolhidas por eles não os impedem de transformar tais condições; não os destituem de agirem enquanto agentes de mudanças. Isto porque, ao viverem, estabelecem relações uns com outros e produzem sentidos e significados a essas relações e as compartilham. Por meio das experiências, homens e mulheres vão se constituindo e construindo a história; um processo dialético em aberto, em construção. Um processo nada harmônico, tampouco linear e determinado.

Nesse sentido, o fato de, no final do Programa, 95% dos jovens não se sentirem mobilizados para futuras ações políticas e coletivas leva à compreensão de que o agravamento das precárias condições de existência e a reprodução da vida dificultam a participação política dos jovens, seja na perspectiva do capital social, seja na perspectiva da participação política na disputa por projetos políticos e societários. Aqui reside um desafio que não pode ser negligenciado ou minimizado pelos movimentos e organizações juvenis: as precárias condições de existência e reprodução da vida dos jovens de baixa renda criam obstáculos que dificultam a sua plena mobilização política e participação nos espaços decisivos da cidade. Não se trata, portanto, de um fenômeno de alienação política dos jovens de baixa renda, como muitos acreditam ser.

Referências

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Recebido: 24 de Novembro de 2018; Aceito: 05 de Dezembro de 2018

Prof. Dr. Carlos Soares Barbosa

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Brasil)

Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana

Faculdade de Educação

Grupo These - Projetos Integrados de Pesquisas sobre Trabalho, História, Educação e Saúde (UERJ-UFF-EPSJV/Fiocruz)

E-mail: profcarlossoares@gmail.com

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