SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.57 número54Estruturadas X desestruturadas: percepções de família entre profissionais da educaçãoMídias digitais potencializadoras de atos de currículo e autorias em redes de aprendizagem híbridas índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Educação em Questão

versão impressa ISSN 0102-7735versão On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.57 no.54 Natal out./dez 2019  Epub 10-Fev-2020

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2019v57n54id16995 

Artigos

Contribuições da pesquisa pós-qualitativa para o campo de estudo da educação ambiental

Contribuciones de la investigación post-cualitativa al campo de estudio de la educación ambiental

Valéria Ghisloti Iared1 
http://orcid.org/0000-0002-1082-9870

1Universidade Federal do Paraná (Brasil)


Resumo

O manuscrito apresenta um ensaio teórico que objetiva analisar aproximações teórico-metodológicas entre a investigação pós-qualitativa e a educação ambiental. Foram analisados 18 artigos que tomam por base a investigação pós-qualitativa, os quais foram selecionados em três fontes: 1-) base de dados ERIC − Education Resources Information Center, 2-) edição especial do periódico International Journal of Qualitative Studies in Education e 3-) referências de textos encontrados nesses artigos. A partir da análise desses estudos, identificaram-se sete aspectos que se configuram como paralelos às reflexões e preocupações no campo de pesquisa da educação ambiental, sendo eles: materialização do discurso, virada ontológica, superação da dicotomia sujeito~objeto, postura ideológica na pesquisa, ontologia plana, representação dos dados coletados e analisados e reflexões e inovações teórico-metodológicos. O manuscrito conclui que, dependendo da questão de pesquisa, há possibilidades de apropriação da pesquisa pós-qualitativa no campo da educação ambiental.

Palavras-chave: Pós-crítico; Novo materialismo; Pós-humano; Epistemologias ecológicas

Resumen

El manuscrito presenta un ensayo teórico que objetiva investigar aproximaciones teórico-metodológicas entre la investigación post-cualitativa y la educación ambiental. Se analizaron 18 artículos que se basan en la investigación post-cualitativa, que fueron seleccionados entres fuentes: 1-) base de datos ERIC - Education Resources Information Center, 2-) edición especial del periódico International Journal of Qualitative Studies in Education 3-) referencias de textos encontrados en esos artículos. A partir del análisis de estos estudios, se identificaron siete aspectos que se configuran como paralelos a las reflexiones y preocupación es en el campo de investigación de la educación ambiental, siendo ellos: materialización del discurso, vuelta ontológica, superación de la dicotomía sujeto, objeto ideológico en la investigación, ontología plana, representación de los datos recolectados y analizados y reflexiones e innovaciones teórico-metodológicas. El manuscrito concluye que, dependiendo de la cuestión de investigación, hay posibilidades de apropiación de la investigación post-cualitativaen el campo de la educación ambiental.

Palabras clave: Post-crítico; Nuevo materialismo; Post-humano; Epistemologías ecológicas

Abstract

This theoretical essay aims to analyze the theoretical-methodological proximity of post-qualitative research and environmental education research. Eighteen articles based on post-qualitative research were analyzed, selected from three sources: 1) The ERIC database - Education Resources Information Center, 2) a special edition of the International Journal of Qualitative Studies in Education and 3-) references to texts found in those articles. Based on the analysis of those studies, seven aspects, considered parallel to the reflections and concerns in the environmental education research field, were identified: materialization of the discourse, the ontological turn, overcoming of the subject-object dichotomy, ideological postures in research, flat ontology, representation of collected and analyzed data, and theoretical-methodological reflections and innovations. The article concludes that, depending on the research question, there are possibilities for the appropriation of post-qualitative research in the field of environmental education.

Keywords: Post-critical; New materialism; Post-human; Ecological epistemologies

Contextualização

Em seu livro “A nova ordem ecológica”, Luc Ferry (2009) relata contos do século XVI remontando tribunais nos quais humanos e não humanos tinham o igual direito (do ponto de vista jurídico) a reivindicações perante o juiz, como mostra o excerto:

Em 1545, um processo idêntico já ocorrera contra os mesmos besouros (ou pelo menos seus ancestrais). O caso foi resolvido com a vitória dos insetos, defendidos é verdade pelo advogado escolhido para eles, como exigia o processo, pelo próprio juiz episcopal. Este último, usando como argumento o fato de os animais, criados por Deus, possuírem o mesmo direito que os homens de se alimentarem de vegetais, recusara-se a excomungar os besouros (FERRY, 2009, p. 10).

A convivência com o mundo mais que humano sempre fez parte da nossa história como civilização. Desde a arte rupestre até os dias atuais, poderíamos dizer que o que nos faz humanos são os não humanos assim como o que é visível faz o invisível (MERLEAU-PONTY, 1984). Um encontro internacional “The Human-Animal Line Interdisciplinary Approaches”1, ocorrido em fevereiro de 2017 em Praga na República Theca, reuniu pesquisadores com diferentes linhas de trabalho dentro desse tópico. Em todas as apresentações, a temática da nossa relação “somaestética”2 com o mundo mais que humano foi abordada como presente na pintura, na literatura, na mídia em diferentes espaços (zoológicos, aquários, escola) e contextos históricos.

Dessa maneira, poderíamos dizer que a presença dos não humanos nos fazendo humanos é algo que vem sendo debatido de maneira crescente na literatura nacional e internacional. Relacionada a essas discussões está o Antropoceno e que, segundo Pádua (2016), tem duas dimensões: uma restrita e uma ampla. A mais restrita faz referência a passagem da época geológica do Holoceno para a do Antropoceno, a qual ainda não foi aceita pelas associações internacionais de ciências geológicas. A dimensão mais ampla segue uma perspectiva histórica de mudanças culturais, econômicas, políticas, sociais e, também, ambientais.

Para compreender a raiz da problemática ambiental no Antropoceno, faz-se interessante refletir sobre a relação de dominação para com o mundo humano e mais que humano. Para antropólogos como Abram (1996) e Ingold (2000), essa relação começou quando nos sedentarizamos. Na mesma linha, Rousseau (2008) afirma que a apropriação/dominação de uma sociedade para com o espaço surgiu quando a primeira cerca foi colocada numa porção de terra. Essa visão antropocêntrica vem sendo questionada pelo o que Steil e Carvalho (2014) chamam de epistemologias ecológicas, conceito que remete aos movimentos emergentes que problematizam a perspectiva humana como central, única e hegemônica. Essas epistemologias ecológicas apontam para uma ontologia plana ou monista (FOX; ALLDRED, 2018), a qual rejeita diferenças não apenas entre natureza~cultura, humanos~não humanos, mas também - e talvez mais significativamente - entre mente~corpo~matéria.

Entre essas epistemologias ecológicas, está o novo materialismo (COOLE; FROST, 2010) que nas ciências humanas e sociais, tornou-se um pensamento filosófico para denotar uma série de perspectivas que têm em comum uma "mudança para a matéria", ou seja, para a materialidade do mundo e das coisas - sociais e naturais − em oposição ao foco na agência humana da corrente moderna e no discurso do pós-estruturalismo (FOX; ALLDRED, 2018). A materialidade no novo materialismo abrange o corpo humano, ambiente natural e construído, outros organismos, coisas materiais, fatores abióticos, espaço, tempo, lugares e conceitos abstratos como imaginação, memória, afetividade e sentimentos. Nesse sentido, todas as matérias têm a agência/potencialidade para afetar e, por sua vez, também podem ser afetadas. Essa concepção desprivilegia a centralidade na agência humana.

Alinhado ao novo materialismo está o pós-humanismo (BRAIDOTTI, 2013), corrente filosófica que vem ganhando espaço na academia. Rosi Braidotti, filósofa contemporânea, identifica-se como pós-humanista crítica. A autora argumenta que o humanismo não é fundamentalmente falho, mas que está desgastado já que a “[...] a noção restrita do humanismo, do que conta como humano é uma das chaves para entender como chegamos a uma volta pós-humana" (BRAIDOTTI, 2013, p. 16, tradução nossa). Ela aponta para o ambientalismo contemporâneo como fonte valiosa de uma reconfiguração do sujeito pós-humano, pois restitui a humanidade na natureza sendo que um dos objetivos do pós-humanismo crítico é fomentar uma compreensão totalmente nova de um sujeito inerentemente incorporado dentro de um planeta.

Em um livro organizado por Marc Bekoff (2013), Ignoring nature no more (em português, “Ignorando a natureza não mais”), foram reunidos textos de um campo notável de pensadores que discutem o afastamento da humanidade para com a natureza. Os capítulos partem de diferentes áreas do saber para ponderar sobre as relações entre a dimensão humana e mundo mais que humano, contribuindo para enfrentar a dualidade sociedade~ambiente ao nos convidar a repensar quem somos e a complexidade da natureza no todo.

Washington, Taylor, Kopnina, Cryer e Piccolo (2017) afirmam que alguns eventos e documentos mundiais na área ambiental reforçam o antropocentrismo. Segundo as/os autoras/es, a Declaração da Conferência de Estocolmo de 1972, o Relatório do Nosso Futuro Comum de 1987, a Rio + 20 em 2012, entre outros, falharam ao endossar o valor intrínseco da natureza. Para elas/es, inclusive as pesquisas acadêmicas, regulamentações governamentais e propostas como “educação para o desenvolvimento sustentável” feitas pela Organização das Nações Unidas - ONU e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO priorizam as futuras gerações humanas, os direitos humanos, desconsiderando qualquer perspectiva de que a natureza também tenha direitos. Por fim, as/os investigadoras/es pontuam que o ecocentrismo é o caminho fundamental (se não o único) para a real sustentabilidade.

Por outro lado, outros documentos como O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global elaborado durante a ECO-92 estabelece 16 princípios, sendo o décimo sexto: “[...] a educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre todas as formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus ciclos vitais e impor limites à exploração dessas formas de vida pelos seres humanos” (RIO DE JANEIRO, 1992, s.p.).

Também, durante a ECO-92, começou a ser elaborada uma proposta de um documento que viria a se chamar “A Carta da Terra”, a qual foi publicada apenas em 1999. Fazendo analogia ao Direitos Humanos, A Carta da Terra pode ser considerada um hino do mundo mais que humano, trazendo já no primeiro princípio essa perspectiva:

a. Reconhecer que todos os seres são interligados e cada forma de vida tem valor, independentemente de sua utilidade para os seres humanos. b. Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade (BOFF, 2004, s.p.).

De fato, na pesquisa em educação ambiental, algumas/ns autoras/es vêm buscando pontuar enfaticamente a relação humanos~mundo mais que humano (BARRET, 2011; FLOWERS; LIPSETT, BARRET, 2014; IARED; OLIVEIRA; PAYNE, 2016). Por exemplo, a investigação de Russell (2016) indicou que as experiências de morte de animais de estimação no espaço doméstico são significativas na aprendizagem ecológica. Outras pesquisas apontam que ter animais de estimação em casa oferece vários benefícios sociais, de saúde e educacionais para as crianças e pode estar associada a atitudes mais éticas para com outros animais como silvestres e não carismáticos (MYERS, 2007; PROKOP; TUNNICLIFFE, 2009).

Uma vez que essa postura é assumida na educação ambiental, a pergunta que nos instiga é: como legitimar metodologias consistentes com a abordagem filosófica ecocêntrica? Quais as possibilidades/técnicas/ caminhos para problematizar a representação da emoção e sentimentos das pessoas e de suas relações com o mundo mais que humano? Seria possível trazer a perspectiva do mundo mais que humano para a pesquisa? Se sim, quais as possibilidades/ técnicas/ caminhos para “alcançar” essa perspectiva?

Ao assumir o novo materialismo, o pós-humanismo e a ontologia plana ou monista, a pesquisa qualitativa tradicional é colocada em questionamento já que preconiza métodos e coleta de dados que enfocam vozes e ações humanas (FOX; ALLDRED, 2018). Lather e St. Pierre (2013) são uma das autoras pioneiras no que foi intitulado como perspectiva pós-qualitativa:

Se deixarmos de privilegiar o conhecimento sobre ser; se recusarmos hipóteses positivistas e fenomenológicas sobre a natureza da experiência vivida e do mundo; se abandonarmos as lógicas representativas e binárias; se percebemos a linguagem, o humano e o material não como entidades separadas e misturadas, mas tão completamente imbricadas na superfície" − se fizermos tudo isso e o "mais que se abrirá − o inquérito qualitativo como o conhecemos será possível? Talvez não (LATHER, St. PIERRE, 2013, p. 629 - 630, tradução nossa).

Nesse contexto, é que emerge a pesquisa pós-qualitativa (LATHER, St. PIERRE, 2013) já que estudiosas/os argumentam pela revitalização da investigação qualitativa dentro dos movimentos dos “pós” (FOX; ALLDRED, 2018; LATHER; St. PIERRE, 2013) ou das epistemologias ecológicas (STEIL; CARVALHO, 2014). Uma edição especial do periódico International Journal of Qualitative Studies in Education foi integralmente dedicada para apresentar e colocar em debate a pesquisa pós-qualitativa. Na Introdução dessa edição especial, Lather e St. Pierre (2013) foram enfáticas ao assumir que ainda são muitos os desafios para esse tipo de abordagem já que a tradição está arraigada na nossa mente~corpo~matéria.

Com o intuito de compreender e aprofundar essa abordagem da pesquisa pós-qualitativa, o presente estudo objetivou realizar um levantamento bibliográfico sobre essa temática e identificar possíveis contribuições para o campo da pesquisa em educação ambiental que se embasem em uma perspectiva menos antropocêntrica. Acredita-se que analisar as publicações desse campo de estudo facilitará o entendimento dessas perspectivas supracitadas e sua incorporação enquanto referenciais teóricos-metodológicos na educação ambiental.

Procedimentos metodológicos

A base de dados ERIC - Education Resources Information Center (Centro de Informação de Recursos Educacionais, em português) foi escolhida para ser utilizada nesta investigação por ser considerada uma das mais populares e acessadas por pesquisadores da educação. Inúmeros periódicos, documentos, anais de conferências e outros materiais são possíveis de serem acessados no ERIC, o qual se configurou como um recurso confiável e indispensável para a literatura educacional, especialmente para revisões bibliográficas nesse campo científico.

Para o levantamento desse estudo, realizado em fevereiro de 2018, optou-se pelo descritor “pesquisa pós-qualitativa”, o qual poderia ser identificado no título, resumo e palavra-chave. As aspas foram inseridas para selecionar materiais que continham o termo específico e a opção “Peer reviewed only" (apenas revisão por pares, em português) filtrou o levantamento para que fossem eleitos apenas materiais que passaram por uma avaliação rigorosa. Além disso, a busca foi estreitada por uma alternativa oferecida pela base de dados: elencar apenas “Full text available on ERIC” (texto completo disponível no ERIC, em português) com o intuito de que o texto fosse integralmente estudado e analisado. Seguindo esses filtros supracitados, foram encontrados 17 artigos, porém apenas quatro foram enquadrados como pesquisa pós-qualitativa.

Além da base de dados ERIC, foram analisados os artigos publicados em 2013 na edição especial Post-qualitative research do periódico International Journal of Qualitative Studies in Education e alguns textos encontrados nas referências desses manuscritos. Logo, ao todo, 18 textos foram compilados para compor esse estudo. O Quadro 1 elenca todos esses textos apresentando a citação, o título do trabalho e o local de acesso (ERIC ou edição especial ou nas referências de outros textos).

Quadro 1 Textos analisados no presente estudo 

Citação Título Local de acesso
BOULTON-FUNKE (2014) Narrative Form and Yam Lau's Room ERIC
DAVIES; SCHAUWER; CLAES; MUNCK; PUTTE e VERSTICHELE (2013) Recognition and difference: a collective biography edição especial
GILDERSLEEVE (2017) Making and becoming in the undocumented student policy regime ERIC
GREENE (2013) On rhizomes, lines of flight, mangles, and other assemblages edição especial
LATHER (2013) Methodology-21: what do we do in the afterward? edição especial
LATHER (2014) To Give Good Science ERIC
LATHER e ST. PIERRE (2013) Post-qualitative research edição especial
MacLURE (2013) Researching without representation? Language and materiality in post-qualitative methodology edição especial
MARTIN, KAMBERELIS (2013) Mapping not tracing: qualitative educational research with political teeth edição especial
MAZZEI (2013) A voice without organs: interviewing in posthumanist research edição especial
PEDERSEN (2013) Follow the Judas sheep: materializing post-qualitative methodology in zooethnographic space edição especial
ROSIEK (2013) Pragmatism and post-qualitative futures edição especial
ST. PIERRE (2013) The posts continue: becoming edição especial
ST. PIERRE (2014) A Brief and Personal History of Post Qualitative Research: Toward "Post Inquiry" referências dos textos
ST.PIERRE (2011) Post qualitative research: The critique and the coming after referências dos textos
ST.PIERRE (2017) Writing Post Qualitative Inquiry referências dos textos
TAGUCHI (2013) Images of thinking in feminist materialisms: ontological divergences and the production of researcher subjectivities edição especial
TAKAYAMA; AMAZAN; JONES (2017) Thinking with/through the contradictions of social justice in teacher education ERIC

A análise dos artigos centrou-se na perspectiva teórica e na metodologia (coleta e análise de dados). A partir disso, foram elencados e discutidos sete aspectos que se configuram como possíveis contribuições para o campo da pesquisa em educação ambiental: materialização do discurso, virada ontológica, superação da dicotomia sujeito~objeto, postura ideológica na pesquisa, ontologia plana, representação dos dados coletados e analisados e reflexões e inovações teórico-metodológicos.

Esses sete aspectos não são independentes entre si, portanto, optou-se por não desmembrar o próximo tópico em subtópicos. Como o leitor irá perceber, um tópico remete ao outro, sendo que todos estão costurados entre si. Ao longo da apresentação desses aspectos elencados, os artigos apresentados no Quadro 1 dialogam com estudos da educação ambiental com a finalidade de traçar um paralelo e reforçar o argumento de uma possível contribuição da investigação pós-qualitativa para a educação ambiental.

Intersecções e conexões

Particularmente para a educação ambiental, não houve publicação de uma investigação baseada na metodologia pós-qualitativa. No entanto, existem questionamentos e proposições válidas e relevantes para o campo de pesquisa em educação ambiental. Nesse tópico, serão abordadas essas sete aproximações (as quais aparecerão destacadas em itálico) com o intuito de traçar possibilidades metodológicas para a educação ambiental.

Uma primeira análise superficial aponta tanto para o baixo número de artigos publicados bem como para a atualidade dessa perspectiva na área da educação. Nesse levantamento, o estudo mais antigo (St. PIERRE, 2011) e o mais recente (St. PIERRE, 2017) são de autoria da pesquisadora Elizabeth Adams St. Pierre, a qual, de fato, vem cunhando o termo “pesquisa pós-qualitativa” e se dedicando a sua construção. Em ambos os artigos, a autora recapitula o histórico do método qualitativo e situa os movimentos “pós” para se contrapor às metodologias de pesquisa qualitativa humanista convencional. Para a autora, a pesquisa qualitativa emergiu na tentativa de se opor aos métodos científicos tradicionais, mas a busca pelo rigor metodológico a tornou positivista e cartesiana e isso se deve ao fato do conhecimento continuar à frente e no centro das ciências humanas e sociais e sua ontologia se manter intacta (St. PIERRE, 2013; 2014).

Todos os textos são enfáticos ao caracterizar a pesquisa pós-qualitativa como uma ruptura ou desconstrução do cientificismo tradicional. Nesse sentido, Lather (2014) em seu ensaio teórico, afirma que a pesquisa pós-qualitativa não tem como recorte de análise o funcionamento dos discursos como se faz no paradigma pós-moderno. Para a autora, o enfoque é o estudo da materialização do discurso. Para a educação ambiental, esse tipo de análise pode ser apropriado tanto em investigações de como a subjetividade se materializa em posicionamentos éticos ou políticos de um grupo de pessoas como para compreender a emergência de mitos e chavões (DEBONI, 2006; BLAUTH; LEME; SUDAN, 2006), discursos midiáticos (HENNING; GARRE; HENNING, 2010) ou políticas públicas (McKENZIE, 2017).

Na mesma linha de argumentação, Gildesleeve (2017) afirma haver uma mudança de perspectiva do epistemológico para o ontológico, no sentido de uma virada ontológica. Segundo o autor, o ontológico exige o reconhecimento do engajamento das coisas através dos discursos e suas consequências afetivas, sendo que a pesquisa pós-qualitativa foca na materialização ou coisificação de posturas do sujeito que comandam a prática transformada no discurso, ou seja, as subjetividades podem se materializar através de discursos que, no caso do artigo, constituem o regime de políticas de estudantes indocumentados na educação superior dos Estados Unidos.

Em um exemplo prático de como esse tipo de pesquisa se constituiria, Pedersen (2013) desenvolveu uma narrativa etnográfica de uma viagem técnica com estudantes de graduação do curso de Medicina Veterinária, na Suécia, em uma fazenda de ovelhas, aves, gado e porcos, acompanhadas de palestras teóricas sobre técnicas de criação, transporte e abate específicas de espécies. A autora analisa, então, como as vivências e discursos nos matadouros se materializam em uma “epistemologia da violência”, ou seja, a violência passa a ser incorporada no cotidiano por uma sutil orquestração de várias materialidades que afetam e são afetadas nesses espaços. O enlaçamento entre enredos humanos~não humanos nesse tipo de estudo abre questões sobre a investigação pós-qualitativa, as concepções ontológicas e epistemológicas na pesquisa e as orientações para biopolítica e bioética.

De fato, algumas/ns autoras/es do campo de pesquisa em educação ambiental, vem pontuando a virada ontológica e o paradigma pós-crítico na pesquisa (por exemplo, HART, 2005; 2013; PAYNE, 2016). O surgimento dessas epistemologias ecológicas (STEIL; CARVALHO, 2014) e os movimentos das “viradas” - virada corporal (SHEETS-JOHNSTONE, 1999) e a virada afetiva (CLOUGH; HALLEY, 2007) - propiciou a emersão de um pensamento filosófico menos antropocêntrico e, consequentemente, acarretou na revisão de conceitos, processos investigativos, metodologias e operações analíticas que diferem e ampliam as teorias tradicionais e teorias críticas que as precederam.

O estudo de Takayama, Amazan e Jones (2017) objetivou realizar uma auto-reflexão por meio de uma experiência narrada a partir da vivência/imersão das pesquisadoras com o intuito de superar a dicotomia sujeito~objeto. Em consonância com esse questionamento da relação pesquisador/a~pesquisado, Boulton-Funke (2014) se opõe a ideia de representatividade ao defender que o encontro é uma experiência dinâmica e não linear e enfoca na duração ao invés do tempo. Na duração, há um processo de destruição da concepção do eu como um objeto fixo e cognitivo, pois o encontro entre pessoas~seres~coisas~pensamentos~vivências provoca uma ruptura com as percepções. A pesquisa e a pedagogia devem provocar um choque afetivo ao pensamento para interromper em vez de repetir essas percepções.

Essa proposta de que o choque afetivo é potencialmente capaz de propiciar novas sensibilidades vai ao encontro do que Payne (2014) e Rodrigues (2015) propõem como desconstrução e reconstrução fenomenológica na educação ambiental, ou seja, uma vivência que passa por uma situação de incômodo e, ao mesmo tempo, reflexão sobre elementos socialmente naturalizados. Segundo os autores, essas experiências criam possibilidades de revisão de posicionamentos estéticos e éticos e superação de dualidades como natureza~cultura, sociedade~ambiente, humano~não humano. De fato, St. Pierre (2011) se baseia na desconstrução proposta por Derrida e afirma que ela rompe com a proposta de fenômenos lineares e descentra oposições binárias como sujeito~objeto, identidade~diferença, entre outras.

O ensaio teórico de Rosiek (2013, p. 694, tradução nossa) aponta para um colapso das “[...] distinções entre sujeito/objeto e conhecimentos/valores em uma única − embora complexa − categoria ontológica de experiência”. Ele sugere que os relatos de pesquisa devem começar com uma descrição do que motivou a investigação e as decisões tomadas pelo/a pesquisador/a ao formular a pergunta. Essa “apresentação” do/a autor/a da investigação é recorrente nas teses e dissertações em educação ambiental, já que somos ambientalistas, ativistas e defendemos uma luta que é ideológica, sendo que, a questão de pesquisa e escolha do referencial teórico-metodológico nos estudos em educação ambiental surgem do nosso posicionamento estético~ético~político - termo usado por Payne (2014). Em paralelo, Rosiek (2013) também salienta que nossas experiências de vida também implicarão nas escolhas metodológicas na pesquisa pós-qualitativa. Isso remete ao quinto aspecto levantado nesse estudo: emaranhado entre pesquisador/a~contexto de pesquisa.

De fato, entre as inquietações das/os autoras/es lidos nesse estudo estão as técnicas de coletas de dados como entrevistas, observações, transcrições e categorizações. Nesse posicionamento pós-humanista, os “dados coletados” não são representações diretas ou lineares da realidade uma vez que existem diversas forças imbricadas na máquina de pesquisa como, por exemplo, quem são as/os participantes, qual o critério de seleção das/os participantes, técnica e local da coleta de dados, quem são as/os pesquisadoras/es, quais as vozes representadas, quais as questões de pesquisa:

Se a entrevista também deve ser pensada como uma assemblage, não pode haver mais uma divisão entre um campo da realidade (o que pedimos, o que nossos participantes nos dizem e os lugares que habitamos), um campo de representação (narrativas de pesquisa construídas após a entrevista) e um campo de subjetividade (participantes e pesquisadores). Em vez disso, estes devem ser pensados como agindo um pelo outro simultaneamente (MAZZEI, 2013, p. 735, tradução nossa).

MacLure (2013) afirma que os dados não podem ser tratados como inertes, à espera de um tratamento analítico. Para a autora, os dados também se tornam inteligíveis para nós quando, por exemplo, algo se torna interessante para ser analisado: o trecho de uma transcrição, um evento em particular, uma observação incomum. No estudo, MacLure (2013) defende seu argumento usando como exemplo os fragmentos de reuniões da equipe de quatro pesquisadoras/es que analisavam gravações de vídeo e notas de campo de um projeto. O foco do estudo é a análise das respostas e intensidades afetivas (alegria, euforia, velocidade da conversa, brilho no olhar) dos encontros com os dados, os quais geraram sensações que ressoaram no corpo~mente das/os pesquisadoras/es. A autora, ao defender o não distanciamento entre pesquisador/a e contexto de pesquisa e a coleta e análise, pontua que os dados nos convidam a serem analisados.

Nesse sentido, os convencionais processos de análise de trechos de transcrições de entrevistas ou diários de campo ou observações e suas respectivas categorizações também são colocados em suspensão na investigação pós-qualitativa (LATHER, 2013; MAZZEI, 2013; St. PIERRE, 2011; TAGUCHI, 2013). Ao assumir a não dissociação entre sujeito~objeto e contexto de pesquisa~pesquisador/a é que Lather e St. Pierre (2013) perguntam como determinamos o objeto de nosso estudo nos desconectando da assemblage como se fossemos nos separar por um tempo suficiente para estudá-la. Muitos dos manuscritos analisados nesse artigo defendem um processo de análise atrelado à coleta de dados, o qual, por sua vez, emerge de uma questão de pesquisa que nos incomoda, justamente, porque estamos mergulhados na assemblage. Para Taguchi (2013), esse é o meaning making3 do processo de pesquisa já abordado no estudo da MacLure (2013).

Particularmente no Brasil, a pesquisa-ação ou pesquisa-participante e a metodologia comunicativa crítica têm sido apropriadas no campo da educação ambiental com algumas intersecções relevantes com essa proposta de dissolver a separação entre sujeito~objeto (por exemplo, CARVALHO; GRÜN; AVANZI, 2012; TOZONI-REIS, 2008; VALENTI; OLIVEIRA; LOGAREZZI, 2015). Essas investigações também partem de um contexto social e cultural de luta ideológica da/os pesquisador/a e participantes ou colaboradoras/es da pesquisa, as/os quais se engajam em várias etapas do estudo. A metodologia comunicativa crítica preconiza uma análise colaborativa rigorosa dos dados, na qual todas/os as/os envolvidas/os contribuem efetivamente com o processo de categorização.

O conceito de assemblage é um ponto crucial na pesquisa pós-qualitativa. Segundo Greene (2013), nessa orientação epistemológica e ontológica o mundo em que vivemos não se estabelece apenas em termos sociais ou humanos no qual a linguagem é fundamental no processo de elaboração de significados e entendimentos. Outras formas de interações humanas e não humanas como pensamentos, sentimentos, emoções, discurso e materialidades não humanas são partícipes deste mundo e, portanto, definidas como assemblage na escrita pós-qualitativa e consideradas tão relevantes quanto a linguagem. Em uma ontologia plana, não há posição privilegiada para a linguagem ou para o sujeito humano, incluindo o/a pesquisador/a ou o “eu” da pesquisa qualitativa mais convencional, sendo o "eu" apenas parte da assemblage.

Em consonância com essa preocupação, Davies; Schauwer; Claes; Munck; Putte eVerstichele (2013) caracterizam a biografia coletiva não como um método a ser seguido, mas como uma alternativa para que percepções, histórias e memórias sejam lembradas e acessadas por meio de encontros intra-ativos4 entre humanos~mundo mais que humano. Nesse estudo, as/os participantes escreveram suas memórias e leram em voz alta para o grupo. À medida que elas foram sendo contadas de forma não linear, as/os participantes questionavam uns aos outros e detalhes afetivos e perceptivos foram sendo incorporados. Isso acarretou momentos de lágrimas, mãos e vozes trêmulas. As histórias foram, então, intensificadas, propiciando um encontro difrativo no qual foi possível se reconhecer e se diferenciar uns dos outros, ou seja, para as/os autoras/es, cada um visivelmente afetou e foi afetado pelo outro.

Atrelado a isso está a ideia de representação dos dados coletados e analisados. Martin e Kamberelis (2013) e Rosiek (2013) dizem que as representações convencionais de descobertas de pesquisa (números, textos, gráficos) retratam a realidade como relações diretas, lineares, de causa e efeito e ignoram outras forças em ação (a assemblage, como colocada anteriormente). Questionar essa imagem representacional do pensamento constitui uma grande mudança ontológica (TAGUCHI, 2013). Da mesma maneira, MacLure (2013) rejeita a lógica estática, categórica e hierárquica das representações. Para a autora, a proposta de uma interpretação de um sujeito separado e fora dos "dados" com a finalidade de identificar significados, padrões, temas ou categorias de ordem superior também se enquadra como um pensamento representacional convencional. Segundo St Pierre (2013), na pesquisa pós-qualitativa a divisão entre um campo da realidade (que seria o mundo), um campo de representação (que seria o livro ou o texto) e um campo de subjetividade (o eu) é desfeita e todos esses campos passam a ser concebidos como entrelaçados.

A preocupação com a representação dos dados dentro de uma ontologia plana e uma abordagem menos antropocêntrica também é preocupação no campo de pesquisa da educação ambiental. A busca por alternativas metodológicas para acessar, testemunhar ou trazer à luz a agência não humana é fonte de discussão, questionamento e tentativas de enfrentamento para muitos educadoras/es ambientais (IARED; OLIVEIRA; REID, 2017; PAYNE, 2016). Para Payne (2016), precisamos de novos recursos intelectuais, vocabulários e gramáticas que possam informar, correlacionar, legitimar noções descolonizadas e “desterritorializadas” de interações, agências, relações, arranjos e estruturas entre humanos~não humanos~mundo mais que humano. O autor faz referência a Paul Hart (2005, 2013) que argumenta por uma noção pós-crítica na educação ambiental e recomenda reflexões e inovações teóricas e metodológicas por considerar as já existentes insuficientes para responder aos atuais movimentos intitulados de "pós" (pós-modernismo, pós-humanismo, pós-fenomenologia, pós-estruturalismo etc.).

Esse sétimo paralelo é uma das forças propulsoras para o deslocamento de muitas/os pensadoras/es para a chamada investigação pós-qualitativa. O manuscrito de Lather (2013) nos convida a (re)conceitualizar o disciplinamento das investigações qualitativas, relatando alguns estudos pós-qualitativos. Em um deles, é apresentado uma pesquisa com 10 estudantes de doutorado que realizaram uma análise colaborativa baseada na intra-ação (BARAD, 2007). Nesse estudo, identificou-se a materialização de discursos dominantes no trabalho. Os dados foram revividos de diferentes posições de sujeito e a análise produziu um efeito difrativo em oposição ao efeito reflexivo, ou seja, encontros/conexões que ao promover muitos efeitos ao mesmo tempo produzem um novo evento (BARAD, 2007). Da mesma maneira, Martin e Kamberelis (2013) apostam em outras alternativas metodológicas e trazem o mapeamento como uma possibilidade de desvelar articulações do fenômeno ao invés de reproduzir alguma organização prévia do mesmo. Para tanto, citam o trabalho de Handsfield (2007), a qual usou o mapeamento para investigar e interrogar experiências de aprendizado de estudantes com diversidade linguística. A pesquisadora criou uma representação da sala de aula − um mapa − com linhas de articulação e linhas de fuga para expressar as diversas forças (assemblage) envolvidas nesse contexto.

Uma primeira reflexão reside na dificuldade em romper com as amarras acadêmicas na redação, estruturação, delineamento e linguagem de trabalhos científicos. Toda essa assemblage na qual estamos mergulhadas/os nos propiciam incorrer nas armadilhas das dicotomias e representações. De fato, a virada ontológica e a proposição de um pensamento e sociedade menos antropocêntricos passam pela revisão de infinitos detalhes que compõem nosso cotidiano, sendo um deles a pesquisa em educação ambiental. Questionar, se contrapor e propor possibilidades de rupturas se configuram como um primeiro movimento de uma longa trajetória. Como já supracitado, Paul Hart, em suas publicações (2005, 2013), sugere que o aporte de outros campos de conhecimento como antropologia, filosofia, psicologia poderão auxiliar na superação conceitual e metodológica de diversos silêncios e ausências e legitimar versões não antropocêntricas de pedagogia, currículo, formulação de políticas públicas, pesquisa e avaliação na educação ambiental.

Discussão Final

Retornando às indagações do início do manuscrito, a discussão pós-humana e a proposta de uma ontologia plana não são novidades na educação ambiental. Autoras/es da literatura nacional e internacional ressaltavam, há décadas, a importância de uma ética ambiental (por exemplo, GRÜN, 2012). Um dos pioneiros na defesa dessa ética para além dos humanos é Aldo Leopold (1949) com a famosa obra póstuma A Sand County Almanac (em português, “Pensar Como uma Montanha”) o qual advoga por uma ética da terra. O livro de Rachel Carson Silent Spring (em português, “Primavera Silenciosa”), publicado em 1962, reeditado inúmeras vezes por várias editoras, perpassa por essas questões, apesar de não ser o enfoque da obra. O próprio Luc Ferry (2009), filosófico pelo qual iniciamos esse manuscrito, relembra que o pós-humano não pode ser considerado tão “pós” como se coloca já que outras civilizações remotas ou contemporâneas têm essa concepção e relação com o mundo mais que humano.

No entanto, o que se argumenta aqui é método. E como diz Lather (2013), o método é político. Ora, se uma das tarefas da educação ambiental é propiciar um novo olhar (menos objetivista, predatório e utilitarista) para com os outros seres vivos, como postulam o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (RIO DE JANEIRO, 1992) e a Carta da Terra (BOFF, 2004), não seria coerente propor uma investigação em que isso esteja explícito? Uma pesquisa pós-crítica não ignora as questões ontológicas de repensar e reconstruir relações que são estéticas~éticas~políticas (FAY, 1987; PAYNE, 2014; St. PIERRE, 2013). Trazer intencionalmente o afeto, a emoção, os outros seres vivos e assumir que esses encontros vão além da interação e reflexão − possibilitando a intra-ação (BARAD, 2007) e outras formas de representação − é necessário e urgente na educação ambiental.

O campo de pesquisa da educação ambiental dedica-se a entender os processos educativos referentes à relação indivíduo~sociedade~natureza, sendo que essa relação busca ser compreendida em sua complexidade. Seguindo Dussel (2000) e Freire (1987), nos colocamos ao lado da vítima ou do oprimido que, na proposta dessa perspectiva de investigação, são os outros seres não humanos que, historicamente, vêm sendo desconsiderados na lógica da cultura ocidental. Incorporar ou, ao menos, considerar a perspectiva do não-humano durante a coleta e análise de dados na busca de uma pesquisa menos antropocêntrica parece ser coerente com os princípios da educação ambiental e a investigação pós-qualitativa pode contribuir com essa tarefa.

Os questionamentos elencados pelas autoras/es que seguem a perspectiva pós-qualitativa se aproximam de colocações feitas por pesquisadoras/es no campo da educação ambiental. Logo, a apropriação desse paradigma da pesquisa poderá ser válida em alguns contextos de investigação. O presente estudo se configurou como uma primeira aproximação para com essa perspectiva teórico-metodológica. Logo, aprofundamentos teóricos são sugeridos e continuarão as ser realizados para compreender alternativas de coleta e análise de dados para auxiliar no delineamento de pesquisas que se pautem nesse referencial.

1Para mais informações sobre a programação do evento, acesse: http://www.cefres.cz/en/agenda/event/the-human-animal-line-interdisciplinary-approaches-2

2O termo em inglês é somaesthetics, cunhado por Richard Shutterman (2008) e é tido como um campo de estudo interdisciplinar que investiga a mente encarnada no mundo onde não há dissociação entre corpo~mente~mundo e não há ruptura espaço~temporal para o meaning-making, ou seja, estamos na experiência estética sentindo e atribuindo sentido (significado).

3Termo em inglês que se refere ao processo de como as pessoas constroem, compreendem ou dão sentido a eventos de vida, relacionamentos e a si mesmos.

4Edith Barad cria o neologismo “intra-ação”, que ao contrário da “interação”, não assume “agências individuais que precedem sua interação”. Pelo contrário, “[...] intra-ação reconhece que distintas agências não precedem, mas sim emergem através de sua ação interna” (BARAD, 2007, p. 33; tradução nossa).

Referências

ABRAM, David. The spell of the sensuous: perception and language in a more-than-human world. New York, NY: Pantheon, 1996. [ Links ]

BARAD, Karen. Meeting the Universe Halfway: Quantum Physics and the Entanglement of Matter and Meaning. Durham: Duke University Press, 2007. [ Links ]

BARRET, M. J. Doing animist research in academia: a methodological framework. Canadian Journal of Environmental Education, v.16, p. 123-141, 2011. [ Links ]

BEKOFF, Marc. (Ed) Ignoring nature no more: the case for compassionate conservation. Chicago & London: The University of Chicago Press, 2013. [ Links ]

BLAUTH, Patrícia; LEME, Patrícia Cristina Silva; SUDAN, Daniela Cássia.Mitos populares pró-lixo. In: CINQUETTI, Heloisa; LOGAREZZI, Amadeu (Org.). Consumo e resíduo: funda mentos para o trabalho educativo. São Carlos: EDUFSCar, 2006. [ Links ]

BOFF, Leonardo. A Carta da Terra. Valores e princípios para um futuro sustentável. Petrópolis: Edição do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis, Ministério do Meio Ambiente e Itaipu Binacional, 2004. [ Links ]

BOULTON-FUNKE, Adrienne. Narrative form and Yam Lau’s room: the encounter in arts based research. International Journal of Education & the Arts, v. 15, n. 17, p.1-17, 2014. [ Links ]

BRAIDOTTI, Rosi. The posthuman. Malden, MA: Polity Press, 2013. [ Links ]

CARSON, Rachel. Silent Spring. Houghton Mifflin: Mariner Books, 2002. [ Links ]

CARVALHO, Isabel; GRÜN, Mauro; AVANZI, Maria Rita. Paisagens da compreensão: con tribuições da hermenêutica e da fenomenologia para uma epistemologia da educação ambiental. Cadernos CEDES, Campinas, v. 77, p. 99-115, 2012. [ Links ]

CLOUGH, Patricia; HALLEY, Jean (Eds). The affective turn: theorizing the social. Durham, Duke University Press, 2007. [ Links ]

COOLE, Diana; FROST, Samantha (Eds). New materialisms: ontology, agency, and poli tics. Durham/ NC: Duke University Press, 2010. [ Links ]

DAVIES, Bronwyn; SCHAUWER, Elisabeth De; CLAES, Lien; MUNCK, Katrien De;PUTTE, Inge Van De; VERSTICHELE, Meggie. Recognition and difference: a collective biography. International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 26, n. 6, p. 680-691, 2013. [ Links ]

DEBONI, Fabio. Debatendo alguns mitos e chavões da educação ambiental (EA) brasi leira. 2006. Disponível em: http://www.adital.com.br. Acesso em: 27 abr. 2010. [ Links ]

DUSSEL, Enrique. Ética da libertação na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis: Vozes, 2000. [ Links ]

FAY, Brian. Critical social science, Ithaca, NY: Cornell University Press, 1987. [ Links ]

FERRY, Luc. A nova ordem ecológica: a árvore, o animal e o homem. Tradução Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009. [ Links ]

FLOWERS, Michelle, LIPSETT, Lisa, BARRETT, M. J. Animism, Creativity, and a Tree: Shifting into Nature Connection through Attention to Subtle Energies and Contemplative Art Practice. Canadian Journal of Environmental Education, v. 19, p. 111-126, 2014. [ Links ]

FOX, Nick; ALLDRED, Pam. Mixed methods, materialism and the micropolitics of the rese arch-assemblage. International Journal of social research methodology, v. 21, n. 2, p. 191-294, 2018. [ Links ]

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. [ Links ]

GILDERSLEEVE, Ryan Evely.Making and becoming in the undocumented student policy regime:a post-qualitative [discourse] analysis of US immigration and higher education policy. Education Policy Analysis Archives, v. 25, n. 31, p.1-15, 2017. [ Links ]

GREENE, Jennifer Caroline.On rhizomes, lines of flight, mangles, and other assemblages. International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 26, n. 6, p. 749-758, 2013. [ Links ]

GRÜN, Mauro. Ética e educação ambiental: a conexão necessária. Campinas: Papirus, 2012. [ Links ]

HART, Paul. Preconceptions and positionings: can we see ourselves within our own ter rain? In: STEVENSON, Robert; BRODY, Michael; DILLON, Justin;WALS, Arjen. International Handbook of Research on Environmental Education. New York: Routledge Publishers, 2013. [ Links ]

HART, Paul. Transitions in thought and practice: links, divergences, and contradictions in post-critical inquiry. Environmental Education Research, v. 11, n. 4, p. 391-400, 2005. [ Links ]

HENNING, Clarissa; GARRE, Bárbara. H.; HENNING, Paula Côrrea. Discursos da educa ção ambiental na mídia: uma estratégia de controle social em operação. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v. 25, p. 243-252, 2010. [ Links ]

IARED, Valéria Ghisloti, OLIVEIRA, Haydée Torres; PAYNE, Phillip. The aesthetic experience of nature and hermeneutic phenomenology. The Journal of Environmental Education, v. 47, n. 3. p .191-201, 2016. [ Links ]

IARED, Valéria Ghisloti, OLIVEIRA, Haydée Torres; REID, Alan. Aesthetic experiences in the Cerrado (Brazilian savanna): contributions to environmental education practice and rese arch. Environmental Education Research, v. 23, n. 9, p. 1273-1290, 2017. [ Links ]

INGOLD, Timothy. The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: UK: Routledge, 2000. [ Links ]

LATHER, Patti. To give good science: doing qualitative research in the afterward. Education Policy Analysis Archives, v. 22, n. 10, 2014. [ Links ]

LATHER, Patti. Methodology-21: what do we do in the afterward? International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 26, n. 6, p. 634-645, 2013. [ Links ]

LATHER, Patti; St. PIERRE, Elizabeth Adams. Post-qualitative research. International Journal of qualitative studies in education, v. 26, n. 6, p.629-633, 2013. [ Links ]

LEOPOLD, Aldo. A sandy country almanac: and sketches here and there. Oxford: Oxford University Press, 1949. [ Links ]

MacLURE, Maggie. Researching without representation? Language and materiality in post -qualitative methodology. International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 26, n. 6, p. 658-667, 2013. [ Links ]

MARTIN, Adrian; KAMBERELIS, George. Mapping not tracing: qualitative educational rese arch with political teeth. International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 26, n. 6, p. 668-679, 2013. [ Links ]

MAZZEI, Lisa. A voice without organs: interviewing in posthumanist research. International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 26, n. 6, p. 732-740, 2013. [ Links ]

McKENZIE, Marcia. Affect theory and policy mobility: challenges and possibilities for critical policy research. Critical Studies in Education, v.58, n. 2, p.187-204, 2017. [ Links ]

MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. Tradução José ArthurGiannotti e Armando Mora d’Oliveira. São Paulo: Perspectiva, 1984 [ Links ]

MYERS, Gene. The significance of children and animals: Social Development and our connections to Other species. 2. ed. West Lafayette, Indiana: Purdue University Press, 2007. [ Links ]

PAYNE, Phillip. What next? Post-critical materialisms in environmental education. The Journal of Environmental Education, v. 47, n. 2, p.169-178, 2016. [ Links ]

PAYNE, Phillip. Vagabonding slowly: ecopedagogy, metaphors, figurations, and nomadic ethics. Canadian Journal of Environmental Education, v. 19, n. 1, p.47-69, 2014. [ Links ]

PADUA, José Augusto. Entrevista com José Augusto Pádua. Fronteiras: revista catarinense de história, v. 28, p. 113-119, 2016. [ Links ]

PEDERSEN, Helena. Follow the Judas sheep: materializing post-qualitative methodology in zooethnographic space. International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 26, n. 6, p. 717-731, 2013. [ Links ]

PROKOP, Pavol; TUNNICLIFFE, Sue Dale. Effects of Having Pets at Home on Children’s Attitudes toward Popular and Unpopular Animals. Anthroos, v. 23, n. 1, p. 21-34, 2009. [ Links ]

RIO DE JANEIRO. Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. Rio de Janeiro, jun. 1992. [ Links ]

RODRIGUES, Cae. O vagabonding como estratégia pedagógica para a “desconstrução fenomenológica” em programas experienciais de educação ambiental. Educação em Revista, Curitiba v. 31, n. 1, p. 303-327, 2015. [ Links ]

ROSIEK, Jerry Lee. Pragmatism and post-qualitative futures, International. Journal of Qualitative Studies in Education, v. 26, n. 6, p. 692-705, 2013. [ Links ]

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens. Tradução Paulo Neves, Porto Alegre: L&PM, 2008. [ Links ]

RUSSELL, Joshua. 'Everything has to die one day:'children’s explorations of the meanings of death in human-animal-nature relationships. Environmental Education Research, v. 23, n. 1, p. 75-90, 2016. [ Links ]

SHEETS-JOHNSTONE, Maxine. The primacy of movement. Amsterdam: John Benjamins, 1999. [ Links ]

St. PIERRE, Elizabeth Adams. Writing post qualitative inquiry. Qualitative Inquiry, Ahead of print, 2017. [ Links ]

St. PIERRE, Elizabeth Adams. A Brief and Personal History of Post Qualitative Research: Toward “Post Inquiry”. Journal of Curriculum Theorizing, v. 30, n. 2, 2014. [ Links ]

St. PIERRE, Elizabeth Adams. The posts continue: becoming. International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 26, n. 6, p. 646-657, 2013. [ Links ]

St. PIERRE, Elizabeth Adams. Post qualitative research: The critique and the coming after. In: DENZIN, Norman.; LINCOLN, Yvonna (Eds.). Sage handbook of qualitative inquiry. 4. ed. Los Angeles, CA: Sage, 2011. [ Links ]

STEIL, Carlos Alberto; CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Epistemologias ecológicas: delimitando um conceito. Mana, v. 20, n. 1, p. 163-183, 2014. [ Links ]

TAGUCHI, Hillevi. Images of thinking in feminist materialisms: ontological divergences and the production of researcher subjectivities. International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 26, n. 6, p. 706-716, 2013. [ Links ]

TAKAYAMA, Keita; AMAZAN, Rose; JONES, Tiffany. Thinking with/through the contradic tions of social justice in teacher education: self-reflection on NETDS experience. Australian Journal of Teacher Education, v. 42, n. 4, 2017. [ Links ]

TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Pesquisa-ação em educação ambiental. Pesquisa em Educação Ambiental, v. 3, p. 155-170, 2008. [ Links ]

VALENTI, Mayla Willik; OLIVEIRA, Haydée Torres; LOGAREZZI, Amadeu José Montagnini. Exclusory and transformative dimensions of adult environmental education in two Brazilian protected areas. Environmental Education Research, v. 21, p. 1-12, 2015. [ Links ]

WASHINGTON, Haydn; TAYLOR, Bron; KOPNINA, Helen; CRYER, Paul; PICCOLO, John. Why ecocentrism is the key pathway to sustainability. The Ecological Citizen, v. 1, p. 35-41, 2017. [ Links ]

Recebido: 02 de Março de 2019; Aceito: 24 de Setembro de 2019

Profa. Dra. Valéria Ghisloti Iared, Universidade Federal do Paraná (Brasil), Departamento de Biodiversidade, Programa de Pós-Graduação em Educação (Palotina - Paraná), Grupo de Pesquisa sobre Educação Ambiental e Cultura da Sustentabilidade, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1082-987. E-mail: valiared@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution NonCommercial, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que sem fins comerciais e que o trabalho original seja corretamente citado.