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Revista Educação em Questão

versión impresa ISSN 0102-7735versión On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.57 no.54 Natal oct./dic 2019  Epub 10-Feb-2020

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2019v57n54id18289 

Artigos

Racismo na educação escolar: discursos que ferem

Racism in school education: discourses that hurt

Racismo en la educación escolar: discursos que hieren

Rosiney Aparecida Lopes do Vale1 
http://orcid.org/0000-0002-9257-0005

Gabriel Gustavo dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0003-2091-2712

1Universidade Estadual do Norte do Paraná (Brasil)


Resumo

Este artigo tem por objetivo problematizar e refletir acerca do sujeito negro e a sua relação com o saber escolar. Partindo de uma pesquisa bibliográfica, pretendemos discutir sobre o modo como o negro é representado nas mídias e ambientes escolares e o impacto dessas representações na forma como ele enxerga a sua condição e, consequentemente, no modo como se relaciona com o saber escolar. Para tanto, escolhemos, como ponto de partida, o texto literário Lembrança das lições (1996), do autor negro Cuti, pseudônimo de Luiz Silva, para servir como elemento deflagrador dessa problemática, já que esse texto literário materializa para a ficção os dramas comumente vivenciados pela população negra nas escolas. No decorrer de nossa investigação pudemos constatar que muitos discursos, com ampla difusão em diversas mídias e no próprio âmbito escolar, podem propiciar a perpetuação do racismo de cor, de modo que suas consequências na vida de um sujeito negro podem ser, e geralmente são, como exposto no texto supracitado, devastadoras.

Palavras-chave: Educação; Linguagem; Racismo; Sujeito negro

Abstract

This article aims to problematize and reflect on the black subject and his relationship with school knowledge. Through a literature review, we intend to discuss how black people are represented in the media and in school environments, and the impact of these representations in the way he sees his condition and, consequently, in the way he relates to school knowledge. For this purpose, we choose, as a starting point, the literary text Remembrance of Lessons (1996), written by the black author Cuti, Luiz Silva, to serve as an element that initiates this problematic, since this literary text materializes for the fiction the dramas commonly experienced by the black population in schools. In the course of our investigation we were able to identify that many speeches, with wide dissemination in different media and in school contexts, may encourage the perpetuation of racism of color and of its consequences, which are usually, as exposed in the foregoing text, devastating for the black people’s.

Keywords: Education; Language; Racism; Black subject

Resumen

Este artículo tiene como objetivo problematizar y reflexionar sobre el sujeto negro y su relación con el conocimiento escolar. Basándonos en una investigación bibliográfica, pretendemos discutir la forma como el negro está representado en los medios y entornos escolares y el impacto de estas representaciones en la forma como él ve a su condición y, consecuentemente, en el modo como se relaciona con el saber escolar. Con este fin, elegimos, como punto de partida, el texto literário Recuerdo de las lecciones (1996), del autor negro Cuti, seudómino de Luiz Silva, para servir como un elemento desencadenante de este problema, ya que este texto literario materializa para la ficción los dramas comúnmente experimentados por la población negra en la escuela. En el transcurso de nuestra investigación hemos encontrado muchos discursos, con difusión generalizada en diversos medios y en el contexto escolar, que pueden proporcionar la perpetuación del racismo de color, de modo que sus consecuencias en la vida de un sujeto negro pueden ser, y en general son, como se expone en el texto antes mencionado, devastadoras.

Palabras clave: Educación; Lenguaje; Racismo; Sujeto negro

Introdução

Neste artigo objetivamos problematizar e refletir acerca do sujeito negro e a sua relação com o saber escolar. Partindo de uma pesquisa bibliográfica, pretendemos discutir sobre o modo como o negro é representado nas mídias e ambientes escolares e o impacto dessas representações na forma como ele enxerga a sua condição e, consequentemente, no modo como se relaciona com o saber escolar. Para tanto, escolhemos, como ponto de partida, o texto literário Lembrança das lições (1996), do autor negro Cuti, pseudônimo de Luis Silva, para servir como elemento deflagrador dessa problemática, já que esse texto literário materializa para a ficção os dramas comumente vivenciados pela população negra nas escolas. O enredo dessa história nos revela as dolorosas lembranças do personagem/narrador negro, sem nome, sobre a sua juventude e o impacto da escola em sua vida e na vida de seu amigo, Joel, também negro.

Ademais, é nosso foco enfatizar de que forma o discurso propicia a perpetuação do preconceito de cor nas escolas e as possíveis consequências dele decorrentes: violência e a evasão escolar dessa população, por exemplo. Almejamos, desse modo, colaborar com os estudos que versam acerca da questão racial nos espaços escolares, a fim de repensar o papel do negro, na perspectiva do sujeito e a relação com o saber escolar.

À vista disso, utilizamos como referencial teórico sobre a relação que o sujeito estabelece com o conhecimento escolar, os estudos de Bernard Charlot (2000; 2005). Concernente ao racismo “à brasileira”, recorremos à Munanga (2017), Silva (2017), Rosemberg (2017) Vannuchi (2017), Schwarcz (2017), entre outros. Quanto à questão das diversas violências no âmbito escolar, pautamo-nos em Charlot (2002) e Menezes (2002); já a respeito da capacidade coercitiva e libertadora da linguagem, em Teun A. Van Dijk (2018) e Baptista e Rosemberg (2018) etc.

Nosso trabalho se organiza da seguinte forma: primeiro, fazemos uma breve explanação teórica sobre a questão do sujeito e a relação com o saber escolar; em seguida, discutimos sobre a representação social do negro e, por fim, problematizamos o impacto dessas representações na forma como o sujeito negro se relaciona com o saber escolar, a partir do texto literário já mencionado.

O sujeito e a relação com o saber escolar

Na busca por compreender melhor o fenômeno do fracasso escolar, a questão do sujeito e a relação com o saber escolar emerge em Bernard Charlot (2000). De acordo com o teórico, por muito tempo tentou-se explicar esse fenômeno por meio de uma correlação estatística traçada entre a posição social dos pais e a posição dos filhos dentro do espaço escolar. No entanto, o pesquisador salienta que essa metodologia apenas consegue apontar para a existência do fenômeno, mas não é capaz de explicá-lo em toda sua complexidade. É nesse sentido que o pensador introduz para essa problemática o sujeito, pois conclui que, mesmo que haja uma correlação, ainda assim existem casos, por exemplo, em que duas crianças da mesma família podem obter resultados completamente diferentes na escola.

Nessa perspectiva, a posição social é um fator importante, que inegavelmente influencia a relação do indivíduo com o mundo ao seu redor, mas não é capaz de determinar a sua vida. Por conseguinte, mais importante do que a posição social que uma pessoa ocupa é a interpretação subjetiva que faz sobre ela; assim, nos dizeres de Charlot (2005, p. 50), “[...] há modos de ser filho de um operário, de imigrante, ou criança negra: pode-se ter vergonha, orgulho, resolver mostrar aos outros que se tem o mesmo valor que eles, querer vingar-se da sociedade, etc”. Nessa direção, a teoria do sujeito e a relação com o saber escolar busca “[...] compreender como o sujeito categoriza, organiza o seu mundo, como ele dá sentido à sua experiência escolar [...], como o sujeito apreende o mundo e, com isso, como se constrói e se transforma a si próprio” (CHARLOT, 2005, p. 41).

Levando em consideração que nessa relação o mais importante é o que o sujeito faz com o que o mundo fez dele1, e que ele não é um mero produto, mas também o próprio produtor, que age no e sobre o mundo para adequar-se ou rebelar-se contra o sistema, o sujeito negro pode, mesmo vitimado pelo preconceito racial de diferentes formas, perceber na educação uma possibilidade de ascensão social e/ou pessoal; uma forma de conquistar um espaço de respeito e ter orgulho de sua condição. Desse modo, dependendo de como ele lida com a sua posição social objetiva, ele pode enxergar o racismo como uma barreira passível de ser rompida através do saber escolar. Afinal, o conhecimento é uma ferramenta de libertação [Cognitiospiritumliberat], e essa é uma filosofia que tem acompanhado a humanidade em sua trajetória histórica. Dessa maneira, a construção simbólica de uma imagem de si é um dos aspectos de relevância incontestável que permeia essa relação.

Isso posto, na sequência, para ampliarmos o espectro de nosso olhar sobre a questão, discutimos acerca de como o negro é representado socialmente nos mais diversos contextos, a fim de buscar nesses espaços de conflito elementos que subsidiem nossas reflexões e propostas.

A representação social dos negros: da mídia à escola

Segundo Serge Moscovici (2003), podemos entender a representação social como um fenômeno capaz de nos familiarizar com o que é exterior a nós. Ou, ainda, pode ser compreendida como uma narrativa, uma forma de conhecimento, elaborada e compartilhada entre os seres humanos, com o intuito de criar e organizar uma realidade social que seja comum a todos que a compartilham (LASZLO, 1997; JODELET, 2001 apud WACHELKE; CAMARGO, 2007). É no processo de representação, portanto, que nós construímos significados sobre o outro e o outro elabora significados sobre nós. Esse fenômeno fica mais compreensível se o colocarmos em prática: quando vemos/ouvimos o signo índio, por exemplo, e temos alguma familiaridade com o termo, no mesmo instante vão se formando diversas imagens em nossa mente, que se inter-relacionam e dialogam entre si para a construção de um significante; que, por sua vez, seria o produto do modo como representamos esse signo. É preciso ressaltar, porém, que essa representação condiz fielmente “[...] não é uma cópia fidedigna de algum objeto existente na realidade objetiva, mas uma construção coletiva” (WACHELKE; CAMARGO, 2007, p. 380-381).

Essa construção coletiva, mencionada na citação anterior, fundamenta-se, sobretudo, no senso comum: ideias, originadas na vida cotidiana, comumente aceitas e difundidas entre a maioria dos membros de uma sociedade. As representações sociais, sumariamente, são formas de interpretação do mundo pautadas no senso comum que contribuem na formação de nossas condutas. Sendo assim, é na interação com o outro, situados dentro de um contexto e mediados pela linguagem, que vamos construindo discursos, portanto representações, sobre a realidade a nossa volta. As vivências, as crenças, as ideologias, os estereótipos, as imagens cristalizadas no imaginário popular, os mitos, os juízos de valor, os preconceitos, materializados no discurso, balizam o modo como atribuímos significados ao outro.

Em uma sociedade racista como a brasileira, embora se tente a todo custo ocultar os preconceitos com falácias de uma alardeada democracia racial, a questão da representação social se torna um grande problema, uma vez que os meios de comunicação social desempenham um importante papel na manutenção das desigualdades raciais. Mesmo que de forma, por vezes sutis, o uso de discursos pejorativos sobre a figura do negro (DIJK, 2018), verbi gratia, impacta, certamente, na forma como o sujeito negro se relaciona consigo e com tudo que o cerca. É nesse sentido que entender as problemáticas que envolvem a representação dos negros no cotidiano ajudam a entender melhor o modo como eles podem vir a se relacionar com o saber escolar. Dessa maneira, analisar como o racismo opera é crucial.

De acordo com a pesquisadora Fúlvia Rosemberg (2017), o racismo brasileiro é formado por dois planos: o simbólico e o material. Ambos atuam na manutenção das desigualdades raciais no Brasil, seja pela dificuldade/falta de acesso a direitos essenciais da população negra (material) ou mesmo por meio da estigmatização do corpo negro (simbólico). Dessa forma, o modo vertical como organizam-se as relações raciais no Brasil está ligado, entre outros fatores, ao imaginário popular que se constituiu ao longo de séculos em desfavor à figura do negro. Assim, a forma como ela foi moldada, como sendo inferior, diz respeito a uma escolha essencialmente política, feita pelo o que Dijk (2018) chama de “elite simbólica”, que visa uma dominação mais eficaz.

Essa inferiorização do sujeito negro por conta de sua raça, como forma de dominação para se conquistar/manter privilégios, não é um problema contemporâneo. Em uma perspectiva psicanalítica, Heidi Tabacof (2017), pautando-se em Aimé Césarie, afirma que, para que a colonização ocorresse, o colonizador teve de se embrutecer a ponto de se tornar uma figura bestial; isso ocorreu pois ele não podia sentir pena dos escravos, caso contrário o sistema escravista estaria fadado ao fracasso e todos os benefícios provenientes dele, destinados à uma pequena camada da sociedade que lucrava com isso, também. Operou-se, então, a lógica da guerra: quanto mais me serve esta situação de dominação e ódio, tanto mais os dominados e tudo o que deles vier deverá parecer desprezível e, em último caso, exterminado (GONÇALVES FILHO, 2017).

Com essa finalidade, uma das principais armas utilizadas foi [e ainda é] a linguagem. Ora, pois, em se tratando da linguagem verbal, é importante ressaltar que o uso de uma ou outra palavra deriva de escolhas que o locutor faz no léxico da língua, no processo real de suas interações. Ou seja, as palavras não são usadas aleatoriamente, mas, sobretudo, refletem intenções, no jogo que se estabelece durante esse processo de interlocução, realizado por sujeitos determinados cultural e socialmente. Sob esse prisma, também, é importante observar que a linguagem não é neutra, nenhum discurso, por mais simples que possa parecer, é imparcial, de modo que constatamos cotidianamente que realmente a função referencial denotativa da linguagem é somente uma de suas funções, como bem já explicitaram vários autores, dentre os quais destacamos Gnerre (1998).

Não obstante, por muito tempo a Europa atribuiu termos extremamente depreciativos aos nativos da América e África, eles eram tidos como: imaturos, primitivos, retardados, degenerados, inferiores, etc. (SCHWARCZ, 2017). A respeito dessa visão eurocêntrica, deveras preconceituosa, o professor Kabengele Munanga (2003, p. 5), citado por Vannuchi (2017), pontua: “A questão colocada tanto pelos teólogos ocidentais do século XVI e XVII quanto pelos filósofos iluministas do século XVIII, era saber se esses índios e negros eram bestas ou seres humanos como os europeus”. Assim, paulatinamente, foi sendo arquitetado e construído um senso comum que reforçasse, endossasse, aceitasse e internalizasse a subalternidade desses povos, que, tempos depois, culminaria em teorias como as do “darwinismo social”, pautadas no determinismo social e na hierarquização das raças.

O resultado disso foi que a linguagem dos discursos do chamado “racismo científico” encontrou materialidade no chicote do colonizador, sendo, com o devido respaldo social e científico, estalado nas costas dos negros escravizados. O interessante é que, mesmo após superada a noção de raça; não é demais lembrar que não existem raças humanas do ponto de vista biológico, mas que elas são construções sociais2, o sentimento de inferioridade voltado aos sujeitos negros ainda persiste no senso comum brasileiro, sendo ratificado diversas vezes, e de distintos modos, por meio do discurso público. E, mesmo diante do desmascaramento de tais “erros” teóricos, o preconceito, embora “maquiado”, ainda persevera. Nesse sentido, Dijk (2018) defende a ideia de que o racismo é aprendido na interação entre os seres humanos entreposto por diferentes tipos de discursos. Sob esse aspecto, urge que nos perguntemos: que tipo de discurso estamos gerando, consumindo e reproduzindo a respeito da população negra? E quais são seus impactos sobre ela? É no intuito de pensar sobre essas questões que nosso trabalho caminha.

Nessa linha de raciocínio, para nos ajudar a refletir sobre esses problemas, recorremos a um estudo realizado por Baptista e Rosemberg (2018), publicado pela primeira vez em 2005, que buscou analisar, à época, a forma como os negros estavam sendo representados nos mais diversos contextos discursivos: como o cinema, a telenovela, a literatura, o jornal e o livro didático; os autores chegaram à conclusão de que o racismo se encontrava, nesses casos, camuflado por debaixo de discursos muito sutis e complexos de serem diagnosticados. Isso ocorre, pois, o racismo à brasileira, conforme discorre Munanga (2017, p. 42), opera de modo “[...] difuso, sutil, evasivo, camuflado, silenciado em suas expressões e manifestações, porém eficiente em seus objetivos [...]”. Por não se expressar, na maioria das vezes, de maneira explícita, tem-se a falsa ideia de que no Brasil existe uma, já referida, democracia racial e que, portanto, as relações raciais ocorrem em harmonia e, independentemente da cor da pele, todos são tratados da mesma forma, possuem os mesmos direitos e as mesmas oportunidades.

Mas na verdade, essa falácia concorre para deixar ainda mais profundas e demarcadas as linhas que separam os brancos e os negros, o que torna seu combate ainda mais difícil. Muitas pessoas, talvez a maioria, só veem como racismo atitudes extremas de hostilidade explícita contra os negros; no entanto, nem sempre ele aparece dessa maneira, como vimos anteriormente. Ampliar a visão sobre o assunto é uma tarefa bastante complexa e que, indubitavelmente, deverá passar pela problemática das representações sociais.

Daí a necessidade de se compreender como o discurso racista se estrutura. Vejamos. Na mídia, por exemplo, existem alguns aspectos a serem destacados, como: a sub-representação da figura do negro; o silêncio diante das desigualdades raciais; a representação do branco como sendo a norma social adequada; a representação do negro por meio de estereótipos, que veicula sua imagem a coisas ruins (BAPTISTA; ROSEMBERG, 2018). Além dessas, outras estratégias muito utilizadas são: a ênfase nos aspectos negativos sobre os negros em contraposição à ênfase nos aspectos positivos a respeito dos brancos; não enfatizar os aspectos negativos dos brancos e não enfatizar os aspectos positivos dos negros (DIJK, 2018). Tudo isso acontece de forma sorrateira, o que faz com que essas formas de racismo passem, por vezes, despercebidas.

A arte em geral serviu de espaço, durante longo tempo, para que discursos como esses, que colocavam o negro em posição de subalterno e inferior (quando simplesmente não o ignoravam) fossem reafirmados e propagados, criando, assim, um imaginário problemático que persiste até os dias de hoje (DAVIS, 2018). A exemplo disso, podemos citar o polêmico filme lançado em 1915, The Bird of a Nation (O Nascimento de uma Nação), dirigido pelo diretor D. W. Griffith, baseado no romance The Clasman (1905), escrito por Thomas Dixon Jr. O filme, cujo enredo conta a história de duas famílias amigas que se afastam por motivos políticos durante a Guerra de Secessão, chama atenção não pela qualidade de sua narrativa, mas pelo seu conteúdo extremamente racista. Os negros, interpretados por atores brancos que utilizam o blackface3, são representados como pessoas malandras, preguiçosas, burras, selvagens, cruéis, violentas, sexualmente perigosas e em quem não se pode confiar; além disso, seus traços físicos são estigmatizados e ridicularizados. A produção cinematográfica, que na época teve um enorme impacto, foi uma das responsáveis pela reestruturação e solidificação da Ku Klux Klan nos Estados Unidos sendo utilizado como ferramenta para o recrutamento de novos integrantes, pois ela conseguia transmitir ao telespectador branco a imagem do negro como uma praga social, um ser perigoso, alguém a ser combatido, como bem demonstra o longa Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman, 2018).

Joel Zito Araújo (2000), em A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira, analisou cerca de 70% das telenovelas brasileiras produzidas até aquele momento e revelou que em mais de um terço delas não aparecia um negro sequer. O cineasta e pesquisador observou que, nas poucas vezes que o negro aparecia, ele era retratado, geralmente, na figura de um pobre com o objetivo de ascender socialmente a qualquer preço, ou, no caso da mulher negra, representada através da imagem de uma empregada devotada aos patrões brancos. Baptista e Rosemberg (2018) nos mostram, também, que na imprensa a figura do negro geralmente está relacionada à violência; à criminalidade; ao sexo; às profissões de menor prestígio social; à pobreza; à marginalidade/malandragem; à força braçal e à fraqueza intelectual. Nesse sentido, a imprensa, enquanto vetor parcial e tendencioso da realidade, certamente serviu de inspiração, em algum momento, para a elaboração de telenovelas, seja no enredo ou na construção das personagens; ambas, numa íntima relação, foram responsáveis pelo desenvolvimento de um imaginário social e racial bastante “pervlexo”, para criar, já que a linguagem nos permite, um neologismo que dê conta de amalgamar o perverso e complexo.

Por sua vez, a literatura também foi um campo fértil para que os estereótipos sobre os negros proliferassem. Os romances publicados no Brasil durante o Abolicionismo já traziam em suas páginas a dicotomia do sujeito negro: representado ora como um ser domesticado, com consciência de sua inferioridade em relação ao homem branco; ora como um ser violento, cruel, rebelde e selvagem (BROOKSHAW apud BAPTISTA; ROSEMBERG, 2018). De igual modo, esse discurso de inferiorização se manifestou na literatura infanto-juvenil brasileira do século XX, introjetando nas crianças da época um sentimento de vergonha de sua própria identidade. O estereótipo como elemento chave na construção da figura do negro dentro da ficção e sua presença diminuta nas narrativas também foram analisados na literatura brasileira moderna, pela pesquisadora Regina Dalcastagnè (2008), cuja pesquisa nos releva que entre os protagonistas, a concentração de personagens brancas é de 84,5% ao passo que as negras se restringem em 5,8%. As narradoras identificadas foram 86,9% brancas e somente 2,7% negras.

Em um estudo mais recente sobre a autoria e a representação de personagens negras em narrativas infanto-juvenis, o pesquisador James Rios de Oliveira Santos (2017), analisando os acervos do PNB4 de 2011 e 2013, verificou que o problema no que diz respeito à falta de diversidade racial entre os escritores contemplados pelo programa ainda persistia, sendo: 88,9 brancos e 2,8% negros (PNBE 2011); 85% brancos e 4,6% negros (PNBE 2013). Talvez essa discrepância entre autores negros e brancos explique a ausência de temáticas voltadas à cultura negra e às suas vivências, pois no PNBE de 2011 e 2013, respectivamente, Santos constata que apenas 4,6%/2,3% das obras traziam como tema a cultura africana; 5,6%/2,3% a cultura afro-brasileira; 0,0%/6,9% o preconceito racial e 90,2%/88,5% abordavam outros assuntos. Entretanto, diferentemente das pesquisas supracitadas, que também apontavam para uma ausência do sujeito negro na ficção, mas que denunciavam sua má representação, o autor nota que, nas raras vezes em que o negro foi retratado nas obras do PNBE, não houve uma inferiorização de sua condição, mas pelo contrário, sua cultura e suas características físicas foram trabalhadas de maneira crítica, a fim de que o jovem leitor criasse uma imagem positiva, vindo a sentir-se, caso negro também, orgulhoso de suas origens e de ser o que é.

Referente ao espaço escolar, Paulo Silva (2005), citado por Baptista e Rosemberg (2018), analisando os livros didáticos publicados entre os anos de 1980-2005, destaca que, enquanto o sujeito branco e sua cultura aparecem em posição de destaque, como representantes da espécie humana, os negros estão relegados aos papeis secundários, e seus aspectos culturais quase não são mencionados. Mesmo após a criação da Lei nº 10.639/03, promulgada em 2003, pelo então presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva, que visava, em um primeiro momento, incluir no âmbito do currículo escolar ‘’[...] o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil’’ (BRASIL, 2003), e com sua alteração para a Lei nº 11.645/08, decretada em 2008 pelo já mencionado presidente, que tornou obrigatória a inclusão, também, de conteúdos sobre o povo indígena na matriz escolar das disciplinas de Literatura, Educação Artística e História, ainda assim foi possível encontrar livros didáticos que apresentassem o negro vinculado a uma imagem estereotipada. Em um estudo sobre essa questão, após a implementação da referida Lei, Monteiro, analisando os livros didáticos de história, afirma que muitos deles ainda

[...] retratam os negros apenas como pessoas que vieram para o Brasil como escravas e que trouxeram com elas comidas, danças típicas e palavras de mesma origem. Não é retratado nos textos e imagens quem são os negros hoje e sua participação na cultura. Infelizmente as palavras ‘escravo’ e ‘negro’ são utilizadas como sinônimas, como se ser negro fosse necessariamente subordinado a um regime de trabalho forçado e sem remuneração. O negro não é representado em nenhum outro contexto de trabalho a não ser o trabalho escravo. Dessa forma, podemos inferir que os livros didáticos continuam violando o direito das crianças que utilizam estes livros, pois elas certamente não são representadas pelas imagens depreciativas veiculadas nos livros (MONTEIRO, 2013, p. 8).

Destarte, é preciso que sejamos críticos às representações sociais, pois elas servem para naturalizar em nosso imaginário a figura do outro. Assim, é preciso estar sempre alerta à mídia e à forma como esse meio molda os sujeitos, atentando aos discursos utilizados com essa finalidade. Em tempos de comunicação sem fronteiras, de tecnologia, mais do que nunca, a mídia desempenha um papel central na construção de nosso imaginário, de nosso senso comum, que por sua vez, exerce uma função primordial na construção de sentidos e significados sobre o mundo a nossa volta. Dessa maneira, quando a população negra tem sua imagem, sorrateiramente, veiculada a estereótipos negativos e o discurso preconceituoso se torna naturalizado, e comumente ratificado pela mídia, torna-se perigoso para o próprio sujeito negro se relacionar com o mundo, uma vez que a representação que tem de si nos canais de comunicação, como a popularizada televisão, por exemplo, não o leva a sentir orgulho de sua própria condição, mas o faz negar sua especificidade para se adequar ao padrão branco ideal; padrão esse que, cruelmente, jamais poderá ser alcançado.

Para melhor entendimento e ilustração, a seguir, conforme anunciamos, problematizamos o impacto dessas representações sobre o modo como o sujeito negro se relaciona consigo e com o saber escolar, a partir do texto Lembrança das lições, de Cuti (1996).

Lembrança das lições: problemáticas sobre o sujeito negro e a relação com o saber escolar

O ingresso da criança na escola é um período importante, pois é nesse momento que ela começa a ser integrada ao espaço social de forma mais sistematizada e a estabelecer novos vínculos. No entanto, para os negros, essa pode ser uma etapa controversa e dolorida, pois “[...] esse contato diversificado poderá fazer da escola o primeiro espaço de vivência das tensões raciais” (MENEZES, 2002, p. 1). O ambiente escolar é, dadas as suas características, um dos lugares mais eficazes e perigosos para a difusão da ideologia racista, uma vez que as vítimas estão iniciando o processo de construção de suas identidades, de modo que as consequências podem ser irreversíveis. É justamente isso que encontramos no texto de Cuti (1996) 5, Lembrança das lições: um protagonista/narrador negro (sem nome) que relembra os impactos do racismo vivenciado durante a infância na escola por ele e seu amigo, também negro, Joel. As tensões raciais, nesse caso, surgem através da representação depreciativa e insultuosa do sujeito negro dentro da sala de aula, e do contato conflituoso com os demais alunos brancos da turma.

Conforme vimos discorrendo, no curso da história a imagem do negro foi sendo moldada como inferior em face ao sujeito branco. A educação escolar, como qualquer outra instância social, longe de estar imune a isso, contribuiu, de diferentes formas, para consolidação desse pensamento. Nessa linha de raciocínio, cabe aqui, mesmo que de forma sintética, abordarmos um conceito essencial: o eurocentrismo. Praxedes (2010) o define enquanto uma tendência de avaliar aspectos físicos e culturais tendo como parâmetro a sociedade europeia.

O autor expõe que a principal dificuldade dos professores no enfrentamento do racismo na escola é que muitos ainda acreditam que existe uma hierarquia entre culturas, conhecimentos, comportamentos e aparência física, na qual o modelo europeu desponta como norma (PRAXEDES, 2010). Nessa perspectiva educacional, a história do povo negro, suas contribuições para a construção da sociedade brasileira, sua diversidade cultural, suas tradições, seus valores, seus conhecimentos e suas lutas são ignoradas e reduzidas apenas ao período da escravidão. É o que acontece em Lembrança das lições:

A palavra escravidão vem como um tapa [...]. Os negros escravos eram chicoteados... - e dá mais peso à palavra negro e mais peso à palavra escravo! Parece ter um martelo na língua e um pé-de-cabra abrindo-lhe um sarcasmo de canto de boca, de onde me faz caretas um pequeno diabo cariado [...]. Os NEGROS ESCRAVOS eram vendidos como CARNE VERDE, peças, desprovidos de qualquer humanidade. Eram humildes e não conheciam a civilização. Vinham porque o Brasil precisava de...? Vejamos quem é que vai responder... (CUTI, 1996, p. 108-109, grifos nossos).

Podemos observar, a partir dessa citação o modo tendencioso e desumano como o negro foi representado pela professora. A escravidão, nesse caso, é abordada da perspectiva do dominador, como uma fatalidade histórica e não como produto deliberado da iniciativa humana. Além disso, nele podemos constatar a forma depreciativa como a professora se refere aos negros escravos, como objetos desprovidos humanidade, que não conheciam a civilização, logo eram selvagens, ignorantes e não possuíam cultura. Essa passagem denota, ainda, a forma acrítica como essa questão foi trabalhada durante muito tempo pela educação escolar.

A esse respeito, cumpre destacarmos, que, em nosso entendimento, ao educador, como profissional, cabe, não só o conhecimento científico sobre o conteúdo a ser tratado, mas, como ser humano, a sensibilidade ao tratar de assuntos que tenham já, por si mesmos, uma carga histórica de sofrimento. Não é demais reforçar que é, muitas vezes, a escola, a sala de aula, o espaço onde a criança negra tem os primeiros contatos com a história de suas origens. Uma possível abordagem acerca dessa temática, como propõe Oliveira, Reis e Lins (2009), seria uma educação emancipatória que parta da conflitualidade, isto é, uma educação que seja contraponto, que problematize e fragilize os modelos de conhecimento dominantes. No entanto, os pesquisadores constatam que muitos docentes, a pretexto de evitar conflitos, fogem de discutir sobre a questão racial com seus alunos, com isso, contribuem para silenciar aqueles que são vítimas do racismo. Isso ocorre, dentre outras coisas, devido à falta de preparo dos professores, que por muito tempo foram formados por um enfoque exclusivamente eurocêntrico.

Essa falta de preparo dos professores é um assunto que foge ao escopo desse trabalho; todavia, seria ingênuo não aludirmos ao fato de que o notável despreparo, no trato de assuntos dessa ordem, tem, ao longo da história, privilegiado certos grupos sociais e agido no sentido de manter o status quo, contribuindo, sobremaneira, para a legitimação desses grupos (dominantes), que acabam por estabelecer suas visões de mundo, criando e recriando significados que lhes sejam favoráveis.

Voltando ao texto de Cuti, constatamos que o excerto transcrito acima, materializa uma imagem, criada pela professora, que causa no protagonista um profundo sentimento de mal-estar: “Tremo, encolhido, dolorido diante da possibilidade de ser chamado. Meu coração bate na vertical e meus intestinos se revoltam. Saio apressado da sala, sem pedir licença. Chego à privada em tempo” (CUTI, 1996, p. 109). Essa citação nos instiga a pensar quais os possíveis impactos dos discursos racistas sobre as crianças negras. No que se refere a essa questão, Maria Lúcia da Silva (2017) declara que a maior vitória do racismo é quando ele atinge a dimensão psicológica do sujeito, pois ele tem o poder de criar no próprio negro um sentimento de inferioridade e desvalorização de seus atributos em relação ao branco, como se ele fosse um subalterno, reduzindo-o a uma condição sub-humana. Dessa forma, por estarem em processo de formação emocional, social e cognitivo, as crianças negras tendem a incorporar mais facilmente e passivamente os discursos de conteúdos discriminatórios, influenciando no desenvolvimento de suas identidades ao se reconhecerem nas representações pejorativas criadas pelos brancos (MENEZES, 2002).

Nesse sentido, estamos diante de uma das facetas mais cruéis do racismo, já que é exercida pela própria vítima contra si mesma por meio da autonegação. Logo, esses fragmentos extraídos do texto literário contribuem para evidenciar e colocar em discussão a vulnerabilidade da população negra quanto à violência institucional, simbólica, praticada pela escola contra os alunos (CHARLOT, 2005), uma vez que o sujeito negro passa a ser identificado e avaliado apenas por sua marca (estigma) e não por sua individualidade, sendo ignoradas todas suas potencialidades em virtude de sua cor. Referente a isso, o sociólogo brasileiro Oracy Nogueira, em um importante estudo publicado pela primeira vez em 1957, cunha o termo “preconceito de marca” para explicar o racismo à brasileira. Segundo Nogueira, essa forma de racismo elege a aparência física como critério de discriminação; e entre as características examinadas estão: a tonalidade da pele; o tipo de cabelo; a grossura dos lábios; a largura do nariz; etc., quanto mais um sujeito se distanciar do padrão branco de beleza, tanto mais ele será afetado pelo preconceito de marca.

Outrossim, além dessa, a violência simbólica pode se manifestar de inúmeras outras formas dentro do ambiente educacional: seja pela ausência da figura do negro no cotidiano escolar ou por sua representação estereotipada/inferiorizada nos materiais didáticos; pela linguagem não verbal; no modo como o professor trata o aluno negro; pelo silêncio das autoridades escolares frente à situações de clara discriminação racial; pela naturalização do sofrimento oriundo dessas ações discriminatórias; pela defesa de discursos tendenciosos por parte dos professores; por meio de piadas ou mesmo através de insultos explícitos dos colegas de classe; podendo, dessa maneira, fazer a criança negra “[...] incorporar esse discurso e sentir-se marginalizada, desvalorizada e excluída, sendo levada a falso entendimento de que não é merecedora de respeito ou dignidade, julgando-se sem direitos e possibilidades [...]” (MENEZES, 2002, p. 8), cerceando, assim, o seu direito de pleno desenvolvimento enquanto ser humano. Dessa maneira, a escola, por gozar de uma autoridade que lhe é atribuída socialmente, considerada por muitos a detentora e guardiã da verdade absoluta, pode, se assim o pretender, facilmente perpetuar, consolidar e naturalizar crenças preconceituosas que vão de encontro à luta pela igualdade racial, como é possível verificar na narrativa aqui abordada.

Vale lembrar que, na escola, por certo, a maior parte de nós não ouviu falar sobre os guerreiros e guerreiras ou líderes negros que desenharam a História do Brasil; ou seja, a memória das lutas e trabalhos dos negros, muitos dos quais se destacaram, inclusive, cultural e politicamente, foi deliberadamente ocultada, enquanto a ênfase que se dá a sua figura se restringe à escravidão. Desse modo, repetimos, é crucial que estejamos atentos às formas de representação da população negra no espaço escolar, preocupamo-nos com isso, na certeza de que os posicionamentos e visões que propagamos, influenciarão o modo como o aluno negro se relacionará consigo e com o saber escolar. A história tem sido testemunha disso, e não obstante, não neguemos que a arte imita a vida. Salientamos, ainda, conforme pontua Dijk (2018), e comungamos da mesma opinião, que ninguém nasce racista: torna-se racista por meio de um processo amplamente discursivo. Sendo assim, esses discursos depreciativos não afetam somente as crianças negras, mas as brancas também, que assim como àquelas o internalizam e o reproduzem de outra forma que, por vezes, pode vir através de um racismo explícito: “É você, macaco. Você é escravo - cochicha-me um aluno branco” (CUTI, 1996, p. 109). Por seu turno, quando a criança negra é vítima de tais agressões e incorpora essa violência simbólica, ela pode iniciar um processo de distanciamento e exclusão dos demais colegas, como podemos observar no conto: “O clima pegajoso estende-se na sala. O outro garoto negro da classe permanece de cabeça baixa o tempo todo. Nenhuma reação. Uma caverninha humana. Imóvel” (CUTI, 1996, p. 109, grifos nossos).

O mesmo foi observado pela professora e pesquisadora Ana Célia da Silva, durante suas aulas no ensino fundamental: ”Percebi a dificuldade de interação entre os alunos de biótipo diferente e o isolamento das crianças de pele mais escura, como uma forma de livrar-se das agressões, dos apelidos, das brincadeiras humilhantes” (SILVA, 2011, p. 15). Isso ocorre, pois de acordo com a estudiosa Maria Lúcia da Silva (2017), a vergonha pela humilhação racial impede a convivência entre aquele que é agredido e o seu agressor. O sofrimento, portanto, é expresso através do silêncio e do distanciamento.

A passagem acima consegue ilustrar bem o quanto os discursos de não pertença e de inferiorização podem servir para aprisionar os sujeitos dentro de um mundo fechado e intransponível, tornando-os invisíveis. Nesse contexto, a criança negra, como vimos, pode recusar-se a participar das atividades escolares ou mesmo a ir para a escola, com o receio de ser humilhada, menosprezada ou alvo de chacota. Sendo assim, a baixa autoestima desses alunos pode ser um dos principais empecilhos em seus desempenhos escolares.

Essas problemáticas no tocante ao tratamento do negro no âmbito educacional nos leva a outra questão: a evasão escolar desse aluno. A incorporação dos discursos discriminatórios por parte desses estudantes pode fazer com que eles se desinteressem pela educação, uma vez que lhes é transmitido, de diferentes formas, a incapacidade de sucesso social de seu povo e, por consequência, a sua própria. É o que ocorre com o protagonista da história:

Saio. Perambulo sozinho pelas ruas, carregando um mal-estar no meio dos cadernos e um nó de silêncio no peito. No dia seguinte, nada de escola [...]. Joel vem comigo. É meu vizinho, negro também, de outra turma na escola. Entre sutilezas de nosso diálogo, percebo que a ‘história’ da escravidão já espancou mais um por dentro. Não tocamos no assunto, contudo o protesto vem do nosso jeito: falta em cima de falta e nota vermelha, e a gente falsificando os boletins; cartinhas da diretora para os nossos pais, e a gente fazendo assinaturas falsas. As mentiras sempre ao lado da verdade de nosso sentimento de revolta (CUTI, 1996, p. 110, grifos nossos).

A citação acima caracteriza, sobremaneira, o processo de recalcamento das discriminações raciais ao qual o sujeito negro, por vezes, é submetido. E se, conforme atesta a sabedoria popular, “falar é prata, calar é ouro”, mutatis mutandis, talvez a expressão possa nos ajudar a entender melhor tal situação, dado que o racismo à brasileira é marcado pelo silêncio; o que, nas palavras do pesquisador Munanga (2017, p. 40), o torna um crime perfeito: “[...] pois além de matar fisicamente, ele alija, pelo silêncio, a consciência tanto das vítimas quanto da sociedade como um todo, brancos e negros”. Desta feita, a vergonha muitas vezes impede que se denuncie experiências de preconceito racial ou mesmo que elas sejam discutidas, o discurso racista é tão efetivo e bem orquestrado que imobiliza suas vítimas, fazendo com que elas não saibam agir diante de sua manifestação.

Por conseguinte, a evasão escolar dessa população se caracteriza como uma das últimas e mais desesperadas formas de resposta contra esse sistema racista do qual a educação, também, faz parte. E o resultado dessas problemáticas vivenciadas pelos negros dentro do espaço escolar pode ser catastrófico, uma vez que o discurso racista pode afetar a consciência do sujeito negro e fazer com que ele acredite se ver refletido na imagem depreciativa que lhe é apresentada nos mais diferentes contextos, assim, ele é levado a crer na sua inferioridade decorrente de suas características étnicas.

Isso, inegavelmente, influencia no modo como esse sujeito se relacionará com o saber escolar, dado que o contexto, permeado de discursos discriminatórios, oferece muito mais chances de que ele se torne fechado e excluído do que sinta orgulho de sua condição. Todos esses fatores podem gerar um desinteresse pela educação, pois não lhe são ofertadas referências que indiquem outras possibilidades de vida além daquelas que ele já conhece. Por certo, o exemplo trazido na história contada por Cuti, nos faz refletir sobre as consequências catastróficas do discurso racista na formação subjetiva da juventude negra, que, pode, interiorizá-lo e interpretá-lo; e, em decorrência disso, desenvolver traumas psíquicos de inferiorização que, consequentemente, concorrem para a manutenção de um lugar de subordinação dentro da pirâmide social, previamente definido para o negro, dificultando o estabelecimento de relações sociais e pessoais, bem o rompimento com nosso passado racista.

Em contraste, esse não é um fato determinístico, dado que na relação com o saber escolar, conforme vimos anteriormente, o sujeito é sim influenciado por sua condição social, que nesse caso é marginalizada, mas o que determinará o modo como ele se relacionará com o saber será o seu posicionamento diante do que o mundo faz dele (CHARLOT, 2000). Nesse caso, ele não é um mero produto, mas também o próprio produtor, que age no e sobre o mundo para adequar-se ou rebelar-se contra o sistema. Dessa forma, o sujeito negro pode, mesmo vitimado pelo preconceito racial, perceber na educação uma possibilidade de ascensão social e/ou pessoal, interpretando o racismo como uma barreira a ser rompida e estabelecendo uma relação com o saber escolar que o permita conseguir transpô-la. E aí está a força da educação. Ilustrativo e oportuno citar a história da professora aposentada Diva Guimarães, que ficou conhecida nacionalmente, após seu emocionante relato durante a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) de 20176. Por meio de sua voz trêmula, lágrimas e nós na garganta conhecemos, um pouco, a sua difícil trajetória escolar, marcada pela discriminação racial. Mulher, pobre e negra, foi desacreditada diversas vezes por seus professores em virtude de sua cor, mas mesmo assim não se deixava abater, pois tinha a convicção de que, diante de sua condição estigmatizada, só a educação a salvaria. E salvou.

Considerações Finais

O quadro apresentado na narrativa escrita por Cuti exemplifica, conforme nos propusemos, algumas das tensões raciais às quais os negros estão expostos dentro da escola diariamente. Além disso, abre margem para reflexões, problematizações e discussões acerca de temas que permeiam esse universo como o ainda atual despreparo par parte das instituições de ensino no trato a questões relativas ao racismo contra os negros; mesmo depois da emergência de leis sobre a matéria. De mais a mais, é evidente que, acima de tudo, é necessário arrancar as amordaças, romper com o silêncio que envolve o racismo à brasileira, denunciar seus mecanismos de coerção e evidenciar suas várias faces.

Falar disso e dar voz àquilo que está emudecido é movimentar a esfera das representações, da construção e desconstrução das imagens, testemunhar e tratar desse pesadelo social [...]. Há um longo percurso a ser percorrido e esse caminho começa com o uso da palavra. Palavra para falar, testemunhar, ultrapassar a dor, usar a língua em sua função de ferramenta cultural, que pode desenhar outros destinos (VANNUCHI, 2017, p. 68).

Desse modo, acreditamos, assim como defende Schwarcz (2017, p. 118), que a “[...] história não é destino, mas luta, conflito e mudança [...]”; nesse sentido, embora a figura do negro tenha sido, no curso da história, enclausurada em representações depreciativas, que buscavam naturalizar sua subalternidade, esse cenário está mudando. Um exemplo disso são os resultados apresentados por Santos (2017), que apontam para novas possibilidades de representações do negro dentro do ambiente escolar.

A busca por uma valorização, afirmação e reconhecimento de sua imagem é necessária para a produção de mecanismos que criem, dentro do espaço escolar, um resgate da autoestima das crianças negras e possibilitem a plena integração delas no convívio social. É nessa perspectiva que se revela a importância da Lei nº 10.639/03 - 11.645/08 - como uma forma redesenhar o imaginário popular que durante tanto tempo serviu de arma contra essa população. O trabalho com os temas representações, identidades, desigualdades e diferenças precisa ser constante, não pode ocorrer de forma fragmentada, é urgente que esteja no cotidiano escolar. Nesse sentido, a discussão sobre a questão de raça dentro da escola não pode estar restringida a datas comemorativas, mas presente a todo momento e em todo lugar. Um ensino que privilegie esses assuntos, certamente estará contribuindo na construção de uma identidade individual e coletiva que valorize as diferentes etnias, culturas e valores que a sociedade brasileira comporta. Sem isso, desumanizados, estaremos fadados ao fracasso e à destruição.

Longe de esgotar essa necessária discussão, o nosso artigo se propôs a refletir sobre algumas problemáticas comumente vivenciadas pela população negra dentro da escola. Percorrido o percurso proposto, avulta-se, como não poderia ser diferente, a complexidade que é lidar com a temática. E, por outro lado, avulta-se, também, o fato de que para reverter essa situação desigual em que o Brasil se encontra, uma das ações essenciais é estarmos criticamente atentos aos discursos que circulam publicamente e, é claro, aos discursos que nós mesmos ajudamos a propagar a respeito dessa população, com vistas a coibir e repudiar referências que partam de representações pejorativas sobre o negro. E isso é tarefa de cada um de nós. Se não vai por si só resolver o problema, também a resolução não pode de ações dessa ordem prescindir.

Portanto, a escola, enquanto instituição capaz de auxiliar o sujeito na transformação de si e do contexto em que está inserido, em que pese suas limitações, configura-se, como um espaço extremamente importante para a reversão desse preconceito racial. Com efeito, a instituição e os profissionais a ela relacionados não podem se ocultar de firmar um compromisso com a questão racial, na busca por desenvolver estratégias que possibilitem a valorização da população negra dentro do espaço escolar evitando a exclusão e violência simbólica desse grupo social.

1Essa formulação de Charlot tem raízes na teoria do filósofo, escritor e crítico Francês Jean-Paul Sartre, conhecido como representante do existencialismo.

2A esse respeito sugerimos a leitura da obra “A invenção das raças”, de Guido Barbujani (2007).

3Prática teatral que consistia na coloração de atores brancos com carvão de cortiça para representarem a figura do negro de forma cômica, exagerada e estereotipada, muito popular no século XIX.

4O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi criado em 1997 para a distribuição gratuita de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência teórica para escolas públicas da rede básica de ensino cadastradas no Censo Escolar. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/programa-nacional-biblioteca-da-escola. Acesso em: 26 mar. 2019.

5Cuti é pseudônimo de Luiz Silva. Nasceu em Ourinhos-SP, em 1951. Doutor em Literatura Brasileira pela Unicamp (1999/2005). Foi um dos fundadores e membro do Quilombhoje-Literatura, de 1983 a 1994, e um dos criadores e mantenedores da série Cadernos Negros, de 1978 a 1993. Disponível em: https://www.cuti.com.br/autordadosbiograficos. Acesso em: 31 mar. 2019.

6Segue link do Youtube da fala da profa. Diva Guimarães na FLIP de 2017: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Z5aS8bukb2o. Acesso em: 2 abr. 2019.

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Recebido: 18 de Julho de 2019; Aceito: 27 de Setembro de 2019

Profa. Dra. Rosiney Aparecida Lopes do Vale, Universidade Estadual do Norte do Paraná (Jacarezinho, Paraná - Brasil), Centro de Letras, Comunicação e Artes- CLCA, Grupo de Pesquisa Preservação dos Bens Culturais: História, Memória, Identidades e Educação Patrimonial da UENP/CJ, ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-9257-0005. E-mail: rosineyvale@uenp.edu.br

Graduando Gabriel Gustavo dos Santos, Universidade Estadual do Norte do Paraná (Jacarezinho, Paraná - Brasil), Grupo de Pesquisa Preservação dos Bens Culturais: História, Memória, dentidades e Educação Patrimonial da UENP/CJ, ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-2091-2712. E-mail: gabrielsantosps50@gmail.com

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