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Revista Educação em Questão

versión impresa ISSN 0102-7735versión On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.57 no.54 Natal oct./dic 2019  Epub 10-Feb-2020

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2019v57n54id18279 

Artigos

Culturas populares, educação e descolonização1

Popular cultures, education and decolonization

Culturas populares, educación y descolonización

Pedro Rodolpho Jungers Abib1 
http://orcid.org/0000-0003-4868-2074

1Universidade Federal da Bahia (Brasil)


Resumo

Este ensaio tem como objetivo dar continuidade às discussões que venho fazendo a partir de publicações anteriores sobre culturas populares na contemporaneidade, utilizando o referencial teórico dos Estudos Culturais e do Pensamento Decolonial. Busco aqui, por um lado, ampliar a reflexão sobre as relações entre culturas populares e processos de educação, e por outro, estabelecer nexos entre culturas populares e a formulação de uma ação política decolonial que vem ganhando destaque nos últimos anos na América Latina. O exemplo da capoeira, enquanto prática decolonial, aqui abordado, revela os sujeitos protagonistas das culturas populares, enquanto importantes agentes políticos da descolonização em diálogo com a educação. O argumento que pretendo defender é que as culturas populares podem ser compreendidas, também, como práticas de descolonização, aqui descritas enquanto resistência, conscientização e educação libertadora para aqueles que buscam fortalecer esse projeto decolonial em construção.

Palavras-chave: Culturas populares; Educação; Pensamento decolonial; Capoeira

Abstract

This essay aims to continue the discussions I have been making from previous publications on popular cultures in contemporary times, using the theoretical framework of Cultural Studies and Decolonial Thinking. I search here, on the one hand, to broaden the reflection on the relations between popular cultures and education processes, and on the other, to establish links between popular cultures and the formulation of a decolonial political action that has been gaining prominence in recent years in Latin America. The example of capoeira, as a decolonial practice, approached here, reveals the protagonists of popular cultures as important political agents of decolonization in dialogue with education. The argument I want to arise is that popular cultures can also be understood as decolonization practices, described here as resistance, awareness and liberating education for those seeking to strengthen this decolonial project under construction.

Keywords: Popular cultures; Education; Decolonial thinking; Capoeira

Resumen

Este ensayo tiene como objetivo continuar las discusiones que he estado haciendo desde publicaciones anteriores sobre culturas populares en los tiempos contemporáneos, utilizando el marco teórico de Estudios Culturales y Pensamiento Decolonial. Busco aquí, por un lado, ampliar la reflexión sobre las relaciones entre las culturas populares y los procesos educativos, y por el otro, establecer vínculos entre las culturas populares y la formulación de una acción política descolonial que ha ganado importancia en los últimos años en América Latina. El ejemplo de la capoeira como práctica descolonial, abordado aquí, revela a los sujetos protagonistas de las culturas populares como importantes agentes políticos de descolonización en el diálogo con la educación. Lo que pretendo defender es que las culturas populares también pueden entenderse como prácticas de descolonización, descritas aquí como resistencia, conciencia y educación liberadora para aquellos que buscan fortalecer este proyecto descolonial en construcción.

Palabras clave: Culturas Populares; Educación; Pensamiento decolonial; Capoeira

“As culturas populares são as formas que o povo tem de sonhar”

Antonio Nóbrega, Músico, compositor e brincante

Introdução

Este A noção “cultura popular” tem tido interpretações e usos diversos ao longo dos últimos dois séculos, suscitando debates que vão do campo das ciências sociais às artes, passando pela comunicação, filosofia, política, educação, estudos culturais e tantas outras áreas interessadas no estudo das atividades humanas. A cultura, nas últimas décadas, passa a exercer um papel decisivo no processo de compreensão das relações nas sociedades contemporâneas, tanto no que tange à “crise das identidades” (HALL, 2009), como em relação ao papel que desempenha na disputa de espaços políticos oriundos dos novos arranjos sociais.

Palco de disputas e conflitos no âmbito das relações de poder e dominação, a cultura pode também se tornar um importante terreno de luta de povos e comunidades que se utilizam de sua ancestralidade, sua língua materna, suas tradições, memórias, mitos, celebrações, danças, cantos, ritos e, sobretudo, de seu imaginário como forma de resistência a processos de dominação política, econômica e ideológica, constituindo dessa forma estratégias de sobrevivência social. A noção de “cultura popular” que utilizamos nesse artigo se refere a essa concepção acima descrita e, também, como define Homi Bhabha (2008), a uma prática desconfortável, perturbadora, de sobrevivência - entre a arte e a política, o passado e o presente, o público e o privado, como pontuamos em artigo anterior (ABIB, 2016).

Nessa linha de formulações, o pensamento decolonial vem ganhando destaque, sobretudo nos países da América Latina e África, como fator desencadeador de potencialidades do poder/saber/ser dos povos colonizados, historicamente negadas e invisibilizadas pelo projeto colonial que devastou culturas, memórias e identidades. O argumento que pretendo defender é que as culturas populares também podem ser compreendidas como práticas de descolonização, aqui descritas enquanto resistência, conscientização e educação libertadora para aqueles que buscam fortalecer esse projeto decolonial em construção.

Este ensaio pretende dar continuidade às discussões sobre culturas populares que venho fazendo nos últimos anos a partir de textos e livros publicados. Nesse texto busco, por um lado, ampliar a reflexão sobre as relações entre culturas populares e processos de educação, e por outro lado, estabelecer nexos entre culturas populares e a formulação de ação uma política decolonial que vem ganhando destaque nos últimos anos na América Latina. Compreendendo os sujeitos protagonistas das culturas populares enquanto importantes agentes políticos da descolonização em diálogo com a educação, trago o exemplo da capoeira enquanto uma manifestação da cultura popular que se evidenciou enquanto prática decolonial.

Cultura popular: uma noção que se atualiza na contemporaneidade

Tenho defendido que a noção de cultura popular se atualiza na contemporaneidade (ABIB, 2016), apesar de certo desgaste que esse termo sofreu nas últimas décadas em função de contextos específicos que vivemos no Brasil, já que essa temática foi bastante explorada por diversos campos do conhecimento ao longo da história.

Nas ciências sociais atuais, nos lembra Canclini, a noção (o termo) “popular” tem tido diversos usos e isso:

[...] libertou o popular do rumo economicista que lhe impuseram aqueles que o reduziam ao conceito de classe: mesmo que a teoria das classes continue sendo necessária para caracterizar o lugar dos grupos populares e de suas lutas políticas, a ampliação conceitual permite abranger formas de elaboração simbólica e movimentos sociais não deriváveis de seu lugar nas relações de produção (CANCLINI, 2008, p. 272).

A partir dessa problematização do uso da noção “popular”, Canclini propõe outras abordagens para sua possível utilização, num contexto onde já não é possível operar com os dualismos subalterno-hegemônico e tradicional-moderno para se referir ao popular. Os arranjos atuais no campo cultural, onde a hibridização é uma de suas características mais marcantes, necessitam de outras ferramentas teóricas.

Por isso, ao discutir “culturas populares” no contexto das sociedades contemporâneas, não se pode desconsiderar as questões que envolvem poder e hegemonia a partir de uma abordagem sociológica que envolve o debate sobre classes sociais e ideologia, porém, entendo ser necessário uma ampliação dessa problematização para outras áreas do conhecimento. Penso que esse caminho epistemológico deve ter por base uma abordagem multirreferencial, conforme define Roberto Sidney Macedo (2004), que reconheça os vários campos de saber, legitimando a experiência, sobretudo, dos povos e comunidades historicamente subalternizados.

Como afirma Stuart Hall (2009, p. 233) “[...] definir conceitualmente o termo ‘popular’ é quase tão difícil quanto definir o termo ‘cultura’”. O autor afirma que juntar os dois termos pode tornar essa tarefa ainda mais difícil dado o caráter ambíguo das culturas populares, assim como também pontua Marilena Chauí (1989, p. 124), que aponta que a ambivalência presente nesse universo gera um tipo de atitude “[...] capaz de resistência ao se conformar e conformismo ao resistir”. O estudo sobre culturas populares na contemporaneidade, portanto, deve levar em consideração essa complexidade.

A exemplo do jamaicano Stuart Hall e do argentino Nestor Canclini, outros intelectuais provenientes da experiência colonial/diaspórica, começam a despontar nas últimas décadas, dando um novo tom ao debate sobre cultura. O indiano Bhabha (2009), por exemplo, nos fala a partir do lugar de subalternidade e dominação a que foram submetidos os povos sentenciados pela história, sendo o que ele chama de “ato de sobrevivência social” desses povos, a fonte de inspiração para muitas teorias críticas contemporâneas que enfatizam a capacidade dessas minorias destituídas de traduzir essa experiência em formas criativas de existência.

A partir dessas reflexões, busco afirmar nesse texto a contemporaneidade da noção “culturas populares” e me apoio em Hall, que entende ser a cultura popular um terreno de tensões e antagonismos:

O essencial em uma definição de cultura popular são as relações que colocam a ‘cultura popular’ em uma tensão contínua (de relacionamento, influência e antagonismo) com a cultura dominante. Trata-se de uma definição de cultura que se polariza em torno dessa dialética cultural. Considera o domínio das formas e atividades culturais como um campo sempre variável. Observa o processo pelo qual as relações de domínio e subordinação são articuladas. Trata-se de um processo pelo qual algumas coisas são ativamente preferidas para que outras possam ser destronadas (HALL, 2009, p. 241).

Dessa forma, inspiro-me no pensamento de Hall para atribuir à noção de “culturas populares” um conteúdo político que se articula em torno das relações de poder que definem a luta cultural protagonizada por grupos sociais e comunidades que reivindicam direitos e dignidade.

Insisto aqui, portanto, na compreensão sobre culturas populares e os processos educacionais que elas engendram, como terreno de luta, onde memórias, tradições e identidades são acionadas enquanto força motriz que demarca posições e faz reverberar vozes, que buscam reconhecimento e autonomia diante da cultura hegemônica.

Ailton Krenak, importante liderança indígena brasileira e também intelectual autor de vários textos sobre a temática, afirma que a oralidade, como característica dos povos tradicionais, fortalece o sentido de pertencimento ao grupo e essas experiências compartilhadas“[...] vão integrando um sentido da vida, enriquecendo a experiência da vida de cada sujeito, mas, sobretudo, constituindo um sujeito coletivo[...]” (KRENAK, 2019, p. 4), fator que, segundo ele, empodera as comunidades tradicionais para suas lutas por direitos e justiça.

Diante desse contexto, assistimos atualmente a uma nova configuração de comunidades tradicionais, grupos e associações de cunho popular que têm se organizado no Brasil em torno da reivindicação de seus direitos e reconhecimento de seus saberes e práticas, como analisei em publicações anteriores (ABIB, 2016). A capacidade de organização dessas comunidades tem aumentado significativamente, com suas lideranças cada vez mais politizadas, participando ativamente tanto de debates e discussões com a sociedade e o poder público como também com a ocupação de cargos em conselhos municipais, estaduais e federais de cultura. A pressão exercida por esses grupos e associações de cunho popular foi um dos aspectos que contribuiu, por exemplo, com o lançamento, por parte de órgãos públicos nas três esferas, de um grande número de editais de financiamento voltados para o fomento de iniciativas ligadas às culturas populares nos últimos anos.

Deve-se ressaltar aqui a importância das políticas públicas para a cultura no âmbito do governo federal brasileiro, sobretudo no período de 2002 a 2016, ano em que foram então interrompidas pelo golpe de Estado que destituiu o governo democraticamente eleito da presidenta Dilma Roussef, desestruturando praticamente todos os programas e projetos até então desenvolvidos pelo Ministério da Cultura do governo deposto.

Apesar disso, é pertinente ressaltar que a discussão/produção teórica sobre culturas populares dos últimos anos tem alimentado esse debate sobre políticas públicas para a área, qualificando cada vez mais as intervenções desses agentes culturais nesses espaços de discussão, gerando patamares cada vez mais elevados no que diz respeito à formulação de propostas de enfrentamento à situação política atual, apresentadas nos encontros, conferências, seminários e demais fóruns de discussão dessas temáticas.

A noção “culturas populares” na contemporaneidade tem se renovado, pautado debates e produções, possibilitado diversas e contraditórias interpretações. Porém, ressalto aqui o caráter político de atuação de grupos e comunidades que se empoderam ao reivindicar suas identidades e direitos sociais a partir da afirmação de suas práticas tradicionais, regidas pela ancestralidade que faz vigorar o passado e a memória desses povos. Nessa direção, busco estabelecer os nexos entre essas experiências e o projeto decolonial em construção, sobretudo na América Latina, como forma de potencializar esse debate e estabelecer pontos de convergência que possam fortalecer essa luta social, que passa também pelo campo da educação.

Pensamento decolonial e educação

O pensamento decolonial tem se desenvolvido em vários países afetados pelos processos de colonização, sobretudo na América Latina. Essa produção teórica − mas que tem se desdobrado também em ações políticas bem demarcadas no contexto social desses países − tem se tornado uma potente expressão dos povos colonizados que começam a tomar consciência de sua história, sua alteridade, suas identidades, seus modos de ser e estar no mundo enquanto pressupostos de sua existência. Nesse contexto, tem sido profícua a produção do grupo intitulado “Modernidade/Colonialidade”, formado por intelectuais de diferentes atuações e campos do conhecimento, que apontam para uma crítica à modernidade e suas consequências, a partir de um projeto epistemológico, ético e político a ser desenvolvido pelos países colonizados. Acredito que as contribuições desse grupo são de especial relevância e originalidade, apresentando potencial instigante para a reflexão sobre relações interculturais e educação, no contexto atual do continente latino-americano e, sobretudo, no Brasil.

Esse grupo de intelectuais/ativistas de várias nacionalidades e diversas áreas do conhecimento, entre os quais Catherine Walsh, Walter Mignolo, Anibal Quijano, Enrique Dussel, Nelson Maldonado Torres, Arturo Escobar, entre outros, tem como pressuposto principal que a “colonialidade é constitutiva da modernidade e não derivada” (MIGNOLO, 2005). Em outras palavras, todo o projeto da modernidade se constituiu a partir das bases epistemológicas e filosóficas dadas pela colonialidade, ou seja, a produção das ciências humanas situada na Europa se coloca como modelo único, universal e objetivo na produção de conhecimentos, desconsiderando as epistemologias da periferia do ocidente e os valores e pressupostos que elas engendram. Ou, como assevera Santos (2010), o projeto de modernidade que se instaurou a partir do modelo de colonialismo não foi mais que um epistemicídio violento e devastador.

O filósofo porto-riquenho Nelson Maldonado Torres ao diferenciar os conceitos “colonialismo” e “colonialidade” afirma que a ideia de colonialismo está ligada ao poder econômico, militar, jurídico e político que uma nação exerce sobre outra. Por outro lado, a ideia de colonialidade é mais profunda e atinge as mentalidades dos povos colonizados. Segundo o autor, a colonialidade:

[...] se mantém viva em textos didáticos, nos critérios para o bom trabalho acadêmico, na cultura, no sentido comum, na autoimagem dos povos, nas aspirações dos sujeitos e em muitos outros aspectos de nossa experiência moderna. Neste sentido, respiramos a colonialidade na modernidade cotidianamente (MALDONADO-TORRES, 2007, p. 131).

O colonialismo, dessa forma, vai muito além de uma imposição política, militar, jurídica ou administrativa. Na forma da colonialidade, ele consegue se entranhar na vida cotidiana dos povos subjugados e sobrevive apesar da descolonização ou da emancipação das colônias latino-americanas, asiáticas e africanas nos séculos XIX e XX. O que essa rica produção teórica recente pretende alertar é que, apesar do fim dos colonialismos, a partir da independência de diversos países nessa condição, a colonialidade sobrevive.

O conceito colonialidade, segundo o sociólogo peruano Anibal Quijano (2005) faz alusão à invasão do imaginário do outro, ou seja, sua ocidentalização. Mais especificamente, diz respeito a um discurso que se insere no mundo do colonizado, porém, também é reproduzido pelo colonizador. Nesse sentido, conforme o autor, o colonizador destrói o imaginário do outro, subalternizando-o e aniquilando-o, enquanto reafirma o próprio imaginário. Assim, a colonialidade do poder reprime o mundo simbólico, as crenças, a espiritualidade, os saberes do colonizado e impõe novos. Institui-se assim a naturalização do imaginário do invasor europeu, a subalternização epistêmica do outro não-europeu e a invisibilização de processos históricos não-europeus.

O pensamento decolonial, enquanto essa poderosa construção teórica encarnada nas lutas sociais dos povos colonizados, que mais e mais ganha força nos tempos atuais, se baseia na luta pela decolonialidade do poder, do saber e do ser como três importantes eixos onde a colonização se instaura. Emerge, assim, como poderosa forma de contestação a essa lógica imposta pela modernidade aqui criticada, no sentido de buscar a construção de outra lógica, proveniente do pensamento, da experiência, das lutas, das crenças, dos valores e dos sistemas simbólicos dos povos latino-americanos, africanos e asiáticos, contestando as concepções de que diversos povos não ocidentais seriam não modernos, atrasados e não-civilizados.

Entre nós, pensadores das várias etnias indígenas do Brasil, também têm-se produzido reflexões muito importantes sobre essa questão, a exemplo de Ailton Krenak, que faz a crítica às maneiras como os Kraí (como são chamados os brancos na língua de seu povo) impõem suas visões de mundo e modos de vida, ignorando as diferenças e as visões de mundo dos povos indígenas do Brasil. Diz ele:

Só quando conseguirmos reconhecer essa diferença não como defeito, nem como oposição, mas como diferença da natureza própria de cada cultura e de cada povo, só assim poderemos avançar um pouco o nosso reconhecimento do outro e estabelecer uma convivência mais verdadeira entre nós (KRENAK, 1999, p. 2).

Por sua vez, a linguista estadunidense radicada no Equador, Catherine Walsh (2005), afirma que decolonizar-se cumpre papel fundamental do ponto de vista epistemológico e político. A decolonialidade, para ela, implica partir da desumanização e considerar as lutas dos povos historicamente subalternizados pela existência em construir outros modos de viver, de poder e de saber. Portanto, decolonialidade é visibilizar as lutas contra a colonialidade a partir das pessoas, das suas práticas sociais, epistêmicas e políticas. Walsh defende uma pedagogia decolonial, o que ela define como “uma práxis baseada na insurgência educativa propositiva”, concebendo a pedagogia como política cultural baseada nos conceitos de “pensamento de fronteira” e “interculturalidade” (WALSH, 2005).

O pensamento decolonial tem exercido um impacto importante no debate sobre educação no Brasil nos últimos anos, sobretudo porque, conforme Oliveira e Candal (2010), coloca no centro da discussão a questão sobre a necessidade da construção de um projeto de emancipação epistêmica, que é nada mais do que a coexistência de diferentes epistêmes ou formas de produção de conhecimento entre intelectuais, tanto na academia, quanto nos movimentos sociais. Coloca em evidência a questão da geopolítica do conhecimento, dando visibilidade aos saberes silenciados pelo processo de colonização. Esse projeto de emancipação epistêmica passa, sobretudo, pela educação.

O renomado educador Paulo Freire (1982) sempre foi um profundo crítico das formas de dominação, exercidas pelos colonizadores que também se estenderam ao período pós colonial e, na sua obra, buscou estabelecer de forma aguda critérios daquilo que chamou de “ação cultural” como alicerce da construção de uma educação libertadora no nosso país. Afirma ele:

Na medida em que a introjeção dos valores dos dominadores não é um fenômeno individual mas social e cultural, sua extrojeção implica também numa certa forma de ação cultural. Ação cultural através da qual se enfrenta, culturalmente, a cultura dominante. Os oprimidos precisam expulsar os opressores não apenas enquanto presenças físicas, mas também enquanto sombras míticas, introjetadas neles. A ação cultural em diferentes momentos do processo de libertação, que é permanente, facilitam esta extrojeção (FREIRE, 1982, p. 54).

Freire acredita que esse processo de libertação passa pela “conscientização”, que não significa apenas estar diante da realidade, assumindo uma posição estritamente intelectual, mas a verdadeira conscientização implica na práxis e, assim, não pode existir sem ação-reflexão. Para ele,

[...] a conscientização é o teste da realidade. Quanto mais nos conscientizamos, mais desvelamos a realidade, e mais aprofundamos a essência fenomênica do objeto diante do qual nos encontramos, com o intuito de analisá-lo (FREIRE, 2016, p. 56).

O processo de colonização teve, na escola oficial, um de seus principais pilares, utilizada como forma de propagação de seu ideário de subalternização das culturas não europeias e, mesmo já passados mais de 500 anos do início da colonização na América Latina, ainda carrega fortes resquícios de sua gênese. Diz o educador Moacir Gadotti (2012, p. 11) que “[...] os currículos monoculturais do passado, voltados para si mesmos, etnocêntricos, desprezavam o ‘não-formal’ como ‘extra-escolar’ [...]” trazendo, como consequência, essa tendência observada até hoje em grande parte dos sistemas de ensino formal em nosso país, que ainda insistem em desconsiderar os saberes provenientes das tradições afro-brasileiras e indígenas, não as tratando como conhecimentos válidos no âmbito da escola, embora reconheçamos que avanços já podem ser notados nessa área, a partir de algumas iniciativas baseadas em legislação recente.

Carlos Rodrigues Brandão ilustra essa crítica ao modelo que prevaleceu e ainda prevalece no nosso sistema educacional do seguinte modo:

Não há uma única forma nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu único praticante (BRANDÃO, 2007, p. 9).

Para o autor, a educação diz respeito às formas de organização e vida dos grupos sociais que a reinventam, como reinventam cotidianamente sua cultura. Sendo assim, existem tantos modos de educar quanto existem grupos sociais diversos numa determinada sociedade.

Esses distintos modos de educar são chamados pelo sociólogo e educador Miguel Arroyo (2014) de “outras pedagogias”, pedagogias edificadas por “outros” sujeitos e que se diferem da pedagogia oficial, colonizadora, pois se originam de processos de resistência dessas minorias destituídas. De acordo com esse autor, os efeitos da pedagogia do colonizador em terras latio-americanas se traduzem como dominação/subalternização, pedagogia essa nascida de uma concepção de poder/saber que oprime, que inferioriza, uma pedagogia desumanizante, que destrói culturas, memórias e sujeitos coletivos.

Nesse sentido, um projeto de educação que se queira emancipador, deve estabelecer um amplo e profundo diálogo com os saberes historicamente silenciados, provenientes das experiências dos povos subalternizados pelos processos de colonização na América Latina, sobretudo dos povos indígenas, originários dessas terras e dos povos escravizados vindos de África. A ancestralidade, a memória, a oralidade e a ritualidade encarnada nas práticas desenvolvidas por esses povos constituem um acervo de humanidade registrado através de danças, cantos, celebrações, religiosidade, formas de se relacionar com a natureza, formas simbólicas de ser e estar no mundo. Esse profundo acervo de humanidade aqui denominamos “culturas populares”.

Os processos de luta e resistência ao domínio do colonizador, protagonizados por esses povos, bem como esse rico acervo de tradições e celebrações, construídas durante os processos civilizatórios dos países colonizados - o que caracterizo aqui com a noção “culturas populares” - constituem um amplo manancial de saberes e práticas, que poderão transformar verdadeiramente a educação dos países afetados pela colonização na América Latina, se forem dignamente reconhecidos como tais em processos educativos, orientados por políticas educacionais que valorizem e deem visibilidade para essa rica e poderosa experiência

As culturas populares e seu papel no projeto decolonial: o exemplo da capoeira

As culturas populares trazem no seu cerne a semente da rebeldia e da contestação. Constituem-se e organizam-se justamente pela necessidade de sobrevivência num contexto de subalternidade em relação à cultura hegemônica. As relações de tensão contínua entre as esferas de poder na sociedade é que estabelecem as linhas de fuga que permitem aos menos poderosos estabelecerem suas táticas, como afirma Michel de Certeau (1994), para poderem enfrentar essa luta desigual. Por isso, essa cultura subalterna é feita de dissimulações, desvios, perspicácias, disfarces, sagacidades, astúcias e artimanhas utilizando as “fendas” e “brechas” do sistema para constituírem suas formas simbólicas de enfrentamento.

Aí se manifestaria, segundo Certeau (1994, p. 65), a “[...] opacidade das culturas populares - a pedra negra que se opõe à assimilação”. O que aí se chama sabedoria, define-se, segundo o autor, como trampolinagem, um jogo de palavras associado à acrobacia de um saltimbanco e à sua arte de saltar no trampolim, e como astúcia e esperteza, no modo de utilizar ou de driblar as normas estabelecidas. Nestes estratagemas de combatentes, existe, para Certeau (1994, p. 79), “[...] uma arte dos golpes, dos lances, um prazer em alterar as regras do espaço opressor”.

As culturas populares, nessa perspectiva, cumprem um papel fundamental no enfrentamento ao poder estabelecido pelo colonizador num primeiro momento histórico, em que o domínio territorial, político e econômico estava posto, ou ainda na contemporaneidade, onde essa colonização assumiu a forma de colonialidade, como já vimos acima, se diluindo nas relações sociais não menos opressoras nos países que se tornaram independentes.

Muitos exemplos poderiam ser citados no âmbito das culturas populares - de expressões, manifestações ou celebrações - que foram criadas como forma de se afirmar, de resistir ou de se contrapor - mesmo que às vezes de forma dissimulada - às normas e padrões das sociedades a que pertencem ou pertenciam. Porém, irei me deter nesse ensaio somente à uma expressão bastante significativa da cultura afro-brasileira: refiro-me aqui à capoeira.

Em trabalhos anteriores (ABIB, 2005, 2009, 2018), abordamos a capoeira sob diversos aspectos, dialogando com os princípios observados no universo das culturas populares entre os quais a ancestralidade, a oralidade, a memória, a temporalidade, porém, sempre enfatizando o seu aspecto educacional como uma valiosa ferramenta de emancipação social pela via da construção e afirmação das identidades.

Nesse sentido, seria difícil pensar num outro exemplo de prática decolonial no Brasil mais significativo do que a capoeira. A capoeira sempre foi decolonial, desde seu surgimento. A gênese da capoeira traz consigo o germe da contestação da dominação exercida pelo colonizador e da luta e do enfrentamento a esse processo violento e desumano que foi a escravidão no Brasil. A capoeira é o símbolo da recusa às regras impostas pelo colonizador e o combate ao conformismo e à passividade diante dessa imposição. A capoeira sempre significou desobediência civil, subversão, transgressão e, por isso, sempre foi vista como uma ameaça ao sistema opressor instaurado pelo colonizador em terras brasileiras. Por isso, foi brutalmente perseguida, reprimida, criminalizada, marginalizada e estigmatizada como prática social e cultural, por um poder que, a todo custo, durante séculos, utilizou-se de todos os recursos para aniquilá-la completamente.

Os sujeitos sociais envolvidos com a prática da capoeira, sobretudo no século XIX e início do século XX, período mais duro dessa repressão, sempre exerceram na prática a luta contra a dominação colonial (e sua continuidade através dos regimes subsequentes), ao enfrentarem no plano físico do corpo a corpo os duros embates contra os representantes do poder. Os capoeiras e valentões de outrora ao enfrentarem o capitão do mato ou o feitor, transmutados mais tarde na figura dos soldados da polícia que os perseguiam, representavam muito mais do que uma metáfora da luta contra o poder. Era a luta corporal em si, concreta, encarnada por sujeitos sociais que se negavam a submeter-se às regras desse poder tirano, se valendo de rabos de arraia, rasteiras, cabeçadas e pontapés que deixavam fora de combate seus oponentes, isso, quando não se valiam de porretes, pedras, facas e navalhas nesses embates, tornando essas disputas ainda mais sangrentas.

O enfrentamento ao poder exercido pelos capoeiras através das “maltas” de capoeira no Rio de Janeiro do século XIX (SOARES 2002), ou de capoeiras baianos(as) do início do século XX a exemplo de Siri de Mangue, Rosa Palmeirão, Noronha, Caboclinho, Maria Doze Homens, Najé, Júlia Fogareira, Lamite, Aufeu Dizordeiro, Zé Veneno, Maria do Camboatá, Pedro Porreta, Inimigo sem Tripa, Salomé, Duquinha, Traíra, Aberrê ou mesmo o lendário Besouro Mangangá, entre tantos outros, muitos deles imortalizados pela história oral ou registrados por pesquisas recentes (PIRES, 2001; DIAS, 2004; OLIVEIRA, 2006; ABIB, 2009, ABREU, 2017) sempre foi levado às últimas consequências. Podemos dizer, sem de dúvida, que esses personagens, heróis e heroínas populares, tidos como criminosos pela sociedade, foram alguns dos importantes agentes da descolonização no Brasil. Devemos muito a eles, pois, graças à sua coragem e valentia, a capoeira atravessou esse difícil período da repressão, se tornando hoje um símbolo da cultura brasileira. E o aspecto educativo que se extrai dessa experiência pode se tornar valioso, quando pensamos na capoeira como “pedagogia decolonial”, como diz Catherine Walsh (2005).

A luta pela descolonização do poder/saber/ser, conforme estabelece o pensamento decolonial, como vimos acima, pode ser claramente explicitada no processo histórico dessa importante manifestação da cultura afro-brasileira. A capoeira foi uma forma de luta pela descolonização do poder exercido sobre os corpos através dos grilhões da escravidão num primeiro momento, ou da crueldade do sistema que se instauraria logo após a abolição, não menos violento do ponto de vista da discriminação e desumanização a que a população negra foi submetida outrora e que persiste nos tempos atuais. Ao protagonizar o enfrentamento e a luta direta contra esse poder instituído, a capoeira foi uma prática responsável por confrontos extremamente perturbadores para o regime colonial escravocrata e, posteriormente, por disputas de território e afirmação de uma identidade social nos espaços urbanos das grandes cidades.

Também sempre foi a luta pela descolonização do saber, que nega as formas tradicionais de saber do povo africano, baseadas na oralidade, na ritualidade e na ancestralidade como seus pilares de sustentação. A capoeira sempre buscou, nas referências ancestrais de um passado que se atualiza no presente, formas de afirmação de uma cultura e de produção de um saber pautado em outra lógica, que não se submete à lógica imposta pela modernidade/colonialidade, pois se caracteriza por outros princípios, por outra temporalidade, por outro sistema simbólico/religioso, por outra racionalidade.

Sempre foi, ainda, a luta pela descolonização do ser, que subsiste no esvaziamento da humanidade do negro africano e seus descendentes no Brasil, transformado em mercadoria, coisificado, negada a possiblidade de sua humanização diante do homem branco. A capoeira sempre buscou a afirmação do modo africano de ser e estar no mundo, sempre reivindicou seu estatuto ontológico, sua condição de humanidade diante da terrível perseguição que sofreu outrora. O sujeito que afirma sua identidade de capoeirista na sociedade atual está, também, afirmando o seu caráter ontológico de herdeiro das tradições africanas e de seus ancestrais capoeiras que impunham o seu “ser” diante dos poderosos e seus representantes fardados, através dos enfrentamentos e combates violentos que travavam em seu cotidiano.

O sujeito que se afirma como capoeira2 na atualidade, carrega consigo toda essa carga ancestral de rebeldia e insubordinação diante de todo e qualquer poder repressor. Significa ser consciente de seu papel e sua responsabilidade em dar continuidade a uma tradição que resistiu a todo tipo de perseguição e violência e se mantém viva graças a essa força ancestral que se revigora a cada vez que os acordes do berimbau gunga3 fazem seu chamado ao iniciar-se uma roda de capoeira em qualquer parte do mundo. Nesses aspectos, a capoeira torna evidente seu caráter de pedagogia decolonial.

Porém, a capoeira traz também, assim como as culturas populares em geral, algumas contradições importantes, como por exemplo, a discriminação de mulheres e LGBTs ainda em boa parte dos espaços de sua prática, embora esse debate tenha reverberado com mais força, ultimamente, ampliando a consciência e necessidade de enfrentamento dessa questão por parte da sociedade em geral, graças à atuação e luta de grupos feministas e antissexistas que também têm elaborado com importante produção teórica na área4.

Compreender a capoeira como importante instrumento de educação implica adotar a postura questionadora e desafiadora que caracteriza um processo pedagógico, baseado numa educação libertadora e decolonial. Nesse sentido, a capoeira sempre foi uma contestação ao estabelecido. Ao inverter a lógica das coisas, quando fica de pernas para o ar, subvertendo, assim, esse “olhar” para o mundo, o capoeirista exprime o sentido maior da dialética humana. Assim, cabe ao educador estabelecer “pontes” entre essas qualidades que caracterizam um bom capoeirista, com posturas a serem assumidas nas suas práticas sociais, ou seja, ser também um “bom capoeirista” no enfrentamento das dificuldades e obstáculos da vida e na construção da sua própria cidadania.

Considerações finais

A capoeira espalhou-se por toda a parte e difundiu entre seus praticantes uma maneira muito peculiar de ser e estar no mundo, herdada daqueles homens e mulheres que se negaram a submeter-se ao regime escravocrata e ao poder repressor de uma sociedade colonial racista e excludente. Essa herança, tatuada no corpo de cada capoeirista, mas também observada nas atitudes dos demais protagonistas de nossas culturas populares, se atualiza e adquire um sentido mais evidente ao nos depararmos com a necessidade de enfrentamento das questões que ameaçam as relações sociais e a própria noção de humanidade, sobretudo, nos últimos tempos, onde uma “onda conservadora”, que atinge um número crescente de países em todo o mundo, tem disseminado o ódio, a intolerância, a xenofobia, a discriminação, o preconceito a partir de comportamentos e práticas fascistas e violentas, que destituem a humanidade e o direito à diferença do outro, visto como o outro vagabundo, marginal, baderneiro, imoral, incapaz, perigoso e que, por isso, precisa ser afastado, excluído, segregado, exterminado. Exatamente como eram vistos os capoeiras de outrora!

Assim, como o exemplo da capoeira, grande parte das manifestações das culturas populares no Brasil, sobretudo aquelas de influência afro-brasileira, sofreram e ainda sofrem discriminações, perseguições e “folclorizações” que contribuem para sua desqualificação enquanto fonte de saberes e fazeres extremamente ricos e profundos e que dizem respeito a um modo de ser e estar no mundo que, em última análise, se contrapõem à lógica imposta pela educação colonizadora. Os caprichos da “circularidade do tempo” − compreensão que prevalece nas culturas tradicionais5 − fazem com que situações passadas retornem e se ressignifiquem no presente. Os desafios colocados pelos contextos sociais contaminados por essa onda conservadora/fascista que tem crescido assustadoramente nas sociedades atuais necessitam ser enfrentados com a mesma astúcia, tenacidade e coragem com que os capoeiras de outrora enfrentavam as adversidades da luta contra o poder colonial repressor.

Por isso, na atualidade, assim como a luta que a capoeira protagonizou durante séculos no Brasil, a luta pela descolonização, protagonizada pelos sujeitos fazedores das culturas populares na América Latina e demais países colonizados nos tempos atuais, pode ser uma inspiração para o enfrentamento a essa problemática que atinge uma grande parcela das populações excluídas e marginalizadas em todo o mundo, expostas a todo tipo de humilhações, preconceitos e violências, ao reivindicarem seus direitos e conduzirem suas lutas específicas em busca da humanidade e dignidade negadas.

Não podemos, no entanto, cair na mesma armadilha dos românticos defensores da cultura popular da década de 1960, conforme já abordado, e analisar de forma maniqueísta e ingênua as culturas populares como responsáveis diretas pela transformação social. As culturas populares, suas manifestações tradicionais e seus protagonistas possuem também contradições importantes e muitas vezes reproduzem em seu seio valores e atitudes atribuídas ao processo de colonização. Porém, o que chamo a atenção nesse artigo é para as potencialidades de conscientização, insubordinação, transgressão e emancipação que podem ser acionadas a partir da inspiração nas práticas, que são também educacionais, presentes no universo das culturas populares.

Acredito que os processos educacionais que tenham princípios e métodos baseados num pensamento decolonial e numa educação emancipadora podem ser responsáveis por uma importante transformação na sociedades atuais, onde possa prevalecer a solidariedade, o respeito às diferenças, a consciência política, o apoio às lutas antirracistas e antissexistas, a defesa do meio ambiente e da vida no planeta terra. Esse pensamento decolonial e educação emancipadora, formais ou não, dão visibilidade e dignidade aos saberes e fazeres das culturas populares, que têm como protagonistas os povos tradicionais subalternizados pela violência física e simbólica do colonizador. Assim, se reestabelece a conexão com uma ancestralidade oriunda de tempos primordiais como nos ensinam esses povos que sempre souberam resistir à dominação lutando, mas também celebrando, cantando, dançando e sonhando.

1Esse artigo é fruto de reflexões inspiradas em vivências do autor por mais de 30 anos em contato com as culturas populares e seus protagonistas, bem como da coordenação de projetos envolvendo mestres e mestras das culturas populares e estudantes universitários tanto no âmbito da universidade como no âmbito das comunidades tradicionais a que pertencem esses sujeitos.

2O termo “capoeira” é tanto utilizado para denominar a manifestação quanto o seu praticante

3O berimbau chamado de “gunga” tem o som mais grave e é aquele que tem a responsabilidade de comandar a bateria numa roda de capoeira angola.

5Em trabalho anterior (ABIB 2016), analisamos a concepção circular do tempo como uma característica das culturas tradicionais, se contrapondo à concepção linear do tempo que é instituída pela modernidade.

Referências

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Recebido: 16 de Julho de 2019; Aceito: 27 de Setembro de 2019

Prof. Dr. Pedro Rodolpho Jungers Abib, Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Coordenador do Grupo de Pesquisa Griô: Culturas Populares, Ancestralidade e Educação, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4868-2074. E-mail: pedrabib@gmail.com

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