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Revista Educação em Questão

versión impresa ISSN 0102-7735versión On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.57 no.54 Natal oct./dic 2019  Epub 10-Feb-2020

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2019v57n54id18565 

Resenha

A agonia de Eros: manifestações autocríticas

The agony of Eros: self-critical manifestations

La agonía de Eros: manifestaciones autocríticas

1Universidade La Salle (Brasil)

HAN, Byung-Chul. Agonia do eros. Tradução de Enio Paulo Giachini, Petrópolis: Vozes, 2017.


A obra Agonia do eros discute o sentido que a sociedade do desempenho confere às dimensões humanas, em termos de negação do bem viver e da ausência de sensibilização do eros com respeito a alteridade. A obra é constituída por sete capítulos que se articulam nos seguintes títulos: Melancolia, Não-poder-poder, O mero viver, Pornografia, Fantasia, Política do eros, O fim da teoria.

Desde o primeiro capítulo Melancolia, Byung-Chul Han afirma que vivemos em uma cultura da comparação, do sempre igual, cuja positividade de consumo elimina a alteridade, a negatividade e as diferenças em virtude da incapacidade de realizar experiências com o outro. Compreende que estamos desconectados com o tempo do amor, em nossas possibilidades ilimitadas de escolha, o que acaba gerando preconceitos e equívocos. A racionalização e neutralização das emoções, pela ampliação das tecnologias de escolha sufoca o amor, contribuindo para a sua crise. O autor diz que nos tornamos cada vez mais narcisistas e nisso reside a dialética do desastre, da melancolia, da depressão pelo sucesso, além de outras síndromes (Burnout), como impossibilidade de amar. Na verdade, “[...] o sujeito do amor próprio estabelece uma delimitação negativa frente ao outro em benefício de si mesmo” (HAN, 2017, p. 9-10). Para o autor, o eros vence a depressão no momento em que permite uma experiência estética com o outro em sua alteridade, pois a “[...] atopia do outro mostra ser a utopia do eros” (HAN, 2017, p. 13). A experiência estética é original e livre em relação ao regramento moral, ético, político e científico, pois tem um nível de complexidade expressiva que não consegue neutralizar a (inter)subjetividade.

O capítulo dois aborda o Não-poder-poder da sociedade do desempenho, em contraposição à sociedade disciplinar, cujas proibições agora são conjugadas pelo dever de produtividade. O homo economicus empreendedor de si desconhece a violência estruturada e as(auto)coerções massivas do capital. Han (2017) aponta que se trata de um projeto capitalista inculpador de submissão e responsabilização pelo próprio fracasso (dado o esgotamento mental e físico) e estima pelo outro, visto que a absolutização do poder aniquila o outro. A totalização do mundo digital elimina o sentido da relação com o outro, bem como a sua força de ação e tendência de mimetizar ideias devido a coisificação econômica dos outros.

No capítulo três, intitulado O mero viver, Han (2017, p. 39) descreve por meio de Platão que “[...] a comunicação erótica da Antiguidade está longe de ser algo ameno”, pois é uma metáfora viva de transformação de si no ser afetado pelo outro, estranho, enquanto narração vivificadora, perfazendo uma negatividade para além do consumo domesticado ou romantizado. Contestando a análise do amor feminilizado, revela-se agora uma perspectiva diferente, de total carência, em termos de “transcendência e transgressão”, tornando a própria vida sinônimo de escravidão pelo trabalho. Assim, “[...] a defesa do mero viver se intensifica e vai se transformando numa absolutização e fetichização da saúde. O escravo moderno a prefere frente à soberania e à liberdade [...]”, cuja vivência reside na imediaticidade e artificialização da própria vida (HAN, 2017, p. 40 e 42).

No capítulo quatro, Pornografia, Han (2017, p. 55) explicita que “[...] a pornografia serve ao mero viver exposto. É o exato contraposto de eros. Ela aniquila a sexualidade. Nesse sentido, é muito mais efetiva que a moral”. Tal exposição aniquila justamente a possibilidade de uma comunicação erótica porque é desprovida de mistério e expressão, exibindo tudo como mercadoria. “A desritualização do amor se realiza na pornografia” (HAN, 2017, p. 62).

O quinto capítulo do livro examina a Fantasia que estaria carregada de informações e levaria a supervalorizar alguém ou a idealizá-lo. As imaginações atuais dispõem de muitas informações, o que leva a uma racionalização das emoções, sem condições de guardar certos desejos ou anseios amorosos em relação aos outros, pela submissão a mecanismos para sonhar acordado. O descompasso entre a produção estética (construção do outro) e a racionalização das emoções não está condicionada a informação visual, mas interdepende da negatividade da retração do outro que o gera em sua alteridade atópica. “A grande quantidade de informações, sobretudo a visual, acaba sufocando a fantasia. A hipervisibilidade não pode ser acrescida e não se coaduna com a força da imaginação” (HAN, 2017, p. 69).

No capítulo seis desenvolve análises da Política do Eros que assegura um gérmen do universal na perspectiva do autor. É importante frisar que não há uma política do amor (ela permanece antagonista), mas “[...] as ações políticas possuem um nível que se bifurca distante e se comunicam com eros” (HAN, 2017, p. 78). A perspectiva do amor é um palco do diverso, do encontro com a experiência diferenciada, que cria o mundo a partir do ponto de vista do outro e no agir solidário, porque provoca uma ruptura e abertura ao novo.

No último capítulo (sete), é problematizado O fim da teoria para lançar novas inquietações de Eros às aporias da linguagem, que acendem a uma cupidez erótica no pensar misterioso, superando a atrofia de mero trabalho, que reproduz o sempre igual. Enquanto o pensar necessita de silêncio, “a massa de informações eleva massivamente a entropia do mundo [...]”, a proliferação de informações e a estagnação espiritual, o que coloca em xeque a teoria, a literatura, a vivacidade da comunicação e da arte (HAN, 2017, p. 88). O perigo do barulho social e da ausência de inquietação humana mostra que falta-lhe o eros, que transforma.

Na perspectiva de Adorno (1985), o amor evidencia um sentido transformador relativo à arte de educar ligada ao processo de criação humana e implica uma expressão utópica voltada à emancipação. Importa que se plante o amor para manter-se aberto, com todos os sentidos e sentimentos, para o discurso alheio, livre, a favor da cultura do diálogo com a pluralidade, as diferenças e o reconhecimento dos outros. O amor é um fenômeno do sentir humano e batalha com uma espécie de encantamento tecnológico, de hegemonização e colonização das culturas por padrões de desempenho. A complexidade desta obra serve para resgatar a necessidade de descentralização e humanização das relações na vida cotidiana, para o reconhecimento da sociedade multicultural com os outros.

Adorno (1985, p. 64) afirma que “[...] para haver formação cultural se requer amor; e o defeito certamente se refere à (in)capacidade de amar [...]”, porque formar é um ato de respeito ao outro, que implica (re)conhecimento, ou seja, o nascer de uma experiência conjunta e manifestada pela pertença cultural, baseada na autorreflexão crítica e na íntima intercomunicação entre os sujeitos e os mundos. Para Freire (1999, p. 52), “[...] a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”. A arte de educar tem a ver com a (re)criação humana, é um ato ético, estético e político de busca pelo conhecimento (Eros que transforma o mundo), que se torna impregnado de sentido ao ser posto em prática no encontro formativo com o outro. Diante de uma realidade extremamente violenta contra os outros e suas diferenças em todas as esferas da vida, precisamos exercer a liberdade para pensar sobre a nossa formação cultural, sob a perspectiva da resistência autocrítica, enfrentando as visões hegemônicas dos processos de colonização. Nesse sentido, a Agonia do Eros nos aponta para a necessidade de pensar a educação como prática de liberdade, para resistir ao endeusamento do desempenho, porque estamos condenados à autoexploração da vida pela desumanização dos outros e do eros sensível.

Referências

ADORNO, Theodor Ludwig Wiesengrund. Educação e emancipação. Tradução Wolfgang Leo Maar. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. [ Links ]

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. [ Links ]

Recebido: 20 de Agosto de 2019; Aceito: 13 de Dezembro de 2019

Doutorando Adilson Cristiano Habowski, Universidade La Salle (Brasil), Programa de Pós-Graduação em Educação (Canoas - Rio Grande do Sul), Núcleo de Estudos sobre Tecnologias na Educação (NETE/UNILASALLE/CNPq), ORCID ID: 0000-0002-5378-7981. E-mail: adilsonhabowski@hotmail.com

Profa. Dra. Elaine Conte, Universidade La Salle (Brasil), Programa de Pós-Graduação em Educação (Canoas - Rio Grande do Sul), Núcleo de Estudos sobre Tecnologias na Educação (NETE/UNILASALLE/CNPq), ORCID ID: 0000-0002-0204-0757. E-mail: elaine.conte@unilasalle.edu.br

Mestranda Carla Milbradt, Universidade La Salle (Brasil), Programa de Pós-Graduação em Educação (Canoas), Núcleo de Estudos sobre Tecnologias na Educação - NETE/UNILASALLE/CNPq, ORCID ID: 0000-0002-3608-6366. E-mail: cal_milbradt@hotmail.com

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