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Revista Educação em Questão

versión impresa ISSN 0102-7735versión On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.58 no.55 Natal ene./marzo 2020  Epub 29-Ene-2021

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2020v58n55id18439 

Artigo

Memes em aulas de língua inglesa: explorando práticas de multiletramentos

Memes en clases de lengua inglesa: explorando las prácticas de multilateralidad

Paulo Boa Sorte1 
http://orcid.org/0000-0002-0785-5998

Jefferson do Carmo Andrade Santos1 
http://orcid.org/0000-0002-3299-0948

1Universidade Federal de Sergipe (Brasil)


Resumo

Os memes têm sido constantemente criados e compartilhados on-line como textos que retratam as mais distintas realidades, podendo propiciar diversas possibilidades no ensino de disciplinas escolares, como o Inglês. Este artigo tem o objetivo de analisar o uso de memes em aulas de Língua Inglesa por meio da Teoria dos Multiletramentos (LUKE, 2000; COPE; KALANTZIS, 2000, 2008; ROJO, 2012). A metodologia de pesquisa baseia-se em análise documental (LAVILLE & DIONE, 1999) como uma extensão da revisão da literatura (MACHI; McEVOY, 2009). Um panorama teórico é apresentado sobre as concepções iniciais dos memes de acordo com os escritos de Dawkins (1976) e novas leituras sobre esse tipo de texto (LUKE, 2000; COPE; KALANTZIS, 2008; ROJO, 2012; CALIXTO, 2018). Como resultado, apontamos os memes como ferramentas direcionadas à construção de aulas de Língua Inglesa com aspectos mais críticos e reflexivos.

Palavras-chave: Aula de Língua Inglesa; Memes; Multiletramentos; Tecnologias digitais

Resumen

Los memes se han desarrollado y compartido comúnmente como grandes potenciales para retratar diversas realidades. Este artículo tiene como objetivo analizar y discutir el uso de memes en clases de inglés a través de perspectivas basadas en la teoría de la multilateralidad (LUKE, 2000; COPE; KALANTZIS, 2000, 2008; ROJO, 2012). La metodología de investigación se basa en el análisis de documentos (LAVILLE; DIONE, 1999) como una extensión de la revisión de la literatura (MACHI; McEVOY, 2009). Se presenta una visión general teórica sobre las concepciones iniciales sobre los memes según los escritos de Dawkins (1976) y nuevas lecturas sobre este tipo de texto (LUKE, 2000; COPE; KALANTZIS, 2008; ROJO, 2012; CALIXTO, 2018). Como resultado, señalamos a los memes como herramientas destinadas a construir clases de inglés con aspectos más críticos y reflexivos.

Palabras claves: Clase de idioma inglés; Memes; Multilateralidad; Tecnologías digitales

Abstract

Memes have been constantly created and shared online, as they appear to be potential sources for portraying different realities. This paper aims at analyzing the use of memes in English classes through the Theory of Multiliteracies (LUKE, 2000; COPE; KALANTZIS, 2000, 2008; ROJO, 2012). Possibilities of working with this digital text, which go beyond the simple linguistic decoding, are pointed out throughout this paper. The research methodology is based on documentary research (LAVILLE; DIONE, 1999) as an extension of literature review (MACHI; McEVOY, 2009). A theoretical overview is presented on the initial conceptions of memes according to the writings of Dawkins (1976) and new readings on this kind of text (LUKE, 2000; COPE; KALANTZIS, 2008; ROJO, 2012; CALIXTO, 2018). As a result, we have pointed out memes as tools that are geared towards developing critical and reflective English classes.

Keywords: English Language classes; Memes; Multiliteracies; Digital technologies

Introdução

O início do século XXI é marcado pela quebra de barreiras das telecomunicações e pelo aperfeiçoamento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Presenciamos, na primeira década dos anos 2000, o início daquilo que seria chamado, mais à frente, de revolução dos smartphones, celulares e tablets: um número cada vez maior de pessoas passou a ter um telefone móvel, o que, para a época, ainda era tido como um tipo de status social privilegiado (LUCENA, 2016). No fim dos anos 2000, o grande tópico de discussão girava em torno das novas funções do aparelho celular para além da realização de chamadas e recebimento de mensagens de texto. O foco eram as novas possibilidades de uso que estariam à disposição dos usuários de telefonia móvel, principalmente com o uso da Internet. Outros dispositivos eletrônicos, como computadores de mesa e laptops, seguiam em desenvolvimento. No entanto, o celular talvez tenha sido o aparelho que mais tem revolucionado a vida humana na atualidade por conta da ubiquidade, isto é, da sua possibilidade de mobilidade e conexão a qualquer momento e em qualquer lugar (SANTAELLA, 2010; 2013). Passamos a ter computador, TV, relógio, câmera fotográfica, filmadora, gravador de áudio, bússola, scanner, calculadora, dicionário, mapa, mp3 player, e tantos outros dispositivos em apenas um aparelho.

Outro aspecto que merece destaque na popularização dos smartphones está relacionado à oferta de redes de Internet no Brasil. As formas de acesso, antes restritas aos dados móveis de operadoras de telefonia ou de banda larga única, têm se expandido. Além disso, há o aperfeiçoamento nos modos de transmissão da comunicação por fibra óptica, que vem substituindo o cabeamento elétrico das redes. Nesse sentido, a Internet sem fio, ou wireless, tem produzido um fenômeno de crescimento das empresas de rede de banda larga. Hoje, muitas pessoas dificilmente ficam desconectadas, pois fazem uso de pontos de acesso em casa, nos ambientes profissionais e nas instituições educacionais. Nesse último caso, infelizmente, ainda de forma precária, especialmente no contexto das redes públicas de ensino.

Nesse sentido, apontamos que a expansão do acesso à Internet não é um fenômeno universal. Ao redor do mundo, especialmente em países em desenvolvimento, as pessoas ainda não têm igual acesso à Internet. O fato de as tecnologias permitirem que os seres humanos moldem e mudem o mundo físico à sua volta nos remete a relações de poder (JANKS, 2014). Em países desenvolvidos, há acesso a conexões rápidas, com pouca instabilidade e, em muitos casos, gratuita ou de baixo custo. Por outro lado, em países em desenvolvimento, como o Brasil, ainda enfrentamos a falta de tecnologias mais antigas e/ou mecânicas, como a água potável, ainda não disponível para cerca de 35 milhões de pessoas, segundo dados da ONG O Eco (RODRIGUES, 2018).

Quando pensamos nos efeitos da popularização dos smartphones na vida das pessoas que possuem acesso a tecnologias digitais e à Internet, podemos destacar que eles têm ressignificado as formas de comunicação na contemporaneidade. As conversas por telefone tornaram-se mais dinâmicas e ocorrem não somente pela comunicação sincrônica por meio da voz, a exemplo dos telefones fixos, como também por textos gráficos, chamadas de vídeo, mensagens de áudio e imagens, que vão desde fotografias à combinação de imagens, textos e/ou sons, que são representados de diversas formas, tais como emojis, gifs e/ou figuras.

As formas de comunicação por meio de imagens combinadas com textos gráficos e compartilhados via smartphone têm sido denominadas memes. Recentemente entendidas como mensagens divertidas ou de cunho político que circulam em redes sociais e de comunicação instantânea, a essência dos memes não é tão recente e vem de tempos analógicos, fazendo-se presente em ditos populares, provérbios, bordões, canções de ninar etc. Isso significa que os memes são ideias, frases, maneiras de pensar e agir transmitidos de pessoa para pessoa ao longo de gerações. Com o impulso das tecnologias móveis, eles ganharam força e têm características essencialmente multimodais: textos difundidos a partir de fotografias, figuras, desenhos, imagens, sons, editados e/ou combinados com outras imagens e sons.

Professores de Língua Inglesa precisam pensar nas possibilidades e limitações que o trabalho com esses textos podem trazer a práticas de ensino em todos os contextos (da educação básica ao ensino superior) e nos mais variados domínios do saber - e não só das língua(gens). Os memes têm delineado formas de comunicação, agência, leitura e escrita dos mais diversos grupos, comunidades e culturas. Por essa razão, as práticas de Multiletramentos podem ser encorajadas na escola, isto é, práticas de leitura e escrita materializadas em diversas formas de representação e convencionadas a partir da manifestação de múltiplas culturas, tais como códigos, gestos, símbolos, imagens, sons etc. (LUKE, 2000; COPE; KALANTZIS, 2008; ROJO, 2012; BOA SORTE, 2018).

Este artigo se propõe a explorar possibilidades de ensino de Língua Inglesa a partir de memes, na perspectiva dos Multiletramentos. Inicialmente, apresentamos um breve panorama sobre a história dos memes, de acordo com os estudos de Dawkins (1976) e a sua relação com pesquisas recentes. Depois, delineamos a metodologia de pesquisa utilizada neste estudo. Em seguida, propomos uma discussão acerca do potencial pedagógico dos memes em aulas de Língua Inglesa. Sem a pretensão de oferecer fórmulas ou estruturas de aulas prontas, sugerimos que a utilização desses textos seja feita pelo viés dos Letramentos Críticos (MENEZES DE SOUZA, 2011), buscando ler os memes a partir da realidade dos estudantes, sem deixar de expandir as análises para outras realidades.

Um breve panorama sobre a história dos memes

O escritor britânico Richard Dawkins foi um dos autores a inaugurar a concepção do que chamamos de memes. O conceito inicial foi apresentado de forma bem mais ampla na obra intitulada The Selfish Gene, O gene egoísta, lançada em 1976 pela Oxford University Press. Para Dawkins, os memes são pequenas unidades culturais de transmissão que se espalham de pessoa para pessoa por meio de imitação ou cópia. Dessa maneira, tudo aquilo que modifica a nossa forma de pensar e os nossos comportamentos aliados a características de longevidade, fecundidade e fidelidade de cópia cairia nessa categorização. Nessa concepção abrangente, memes são sons, comportamentos, formas arquitetônicas, frases, vestimentas, dentre outras formas de expressão sonora e visual, que sejam reproduzidas e/ou replicadas.

Atualmente, a nossa atenção tem sido voltada para uma evolução da noção inicial de memes na era digital: os memes da internet. Com a expansão da oferta de aparelhos digitais e o crescimento do acesso à internet, temos experienciado maior difusão na produção de memes. A web 2.0, caracterizada pela possibilidade de produção de conteúdos em meios cibernéticos por qualquer usuário, tem feito a criação de memes se expandir e ganhar variações ainda maiores. O Brasil, segundo Calixto (2018), é responsável pela produção de umas das principais expressões narrativas do tempo presente no ciberespaço - os memes da internet. Essa produção é tão grande, que alcançou o status de “fábrica de memes”, isto é, milhões de usuários criam trabalhos intertextuais com celebridades, atletas, animais de estimação, filmes, séries de TV, jogos e muitos outros (CALIXTO, 2018).

Os memes da internet são caracterizados pela rapidez na disseminação. Além disso, não há uma receita para a produção de memes da internet, embora a simplicidade e a possibilidade de adaptação a diversos contextos sejam marcas características. Outro fator flagrante é a retomada de referências do passado, como, por exemplo, músicas, celebridades e trechos de filmes. Embora possam parecer textos simplórios, os memes demandam habilidades de produção complexas por parte dos seus autores, tendo em vista que produzir memes significa lidar com um conjunto de recursos visuais e/ou sonoros com intenções primárias que podem gerar diversas outras intenções a depender do conhecimento de mundo de cada pessoa que se deparar com essas produções. Na próxima seção, apresentamos a metodologia selecionada para conduzir este estudo. Em seguida, focamos nas visões gerais sobre a Teoria dos Multiletramentos e exemplos de memes da internet no ensino de Língua Inglesa.

Metodologia de Pesquisa

Desenvolvemos pesquisa documental (LAVILLE; DIONE, 1999) como uma extensão da revisão de literatura (MACHI; McEVOY, 2009). A revisão de literatura baseada nesses autores leva a investigação mais profunda, porque seleciona um interesse de pesquisa e um tópico de pesquisa; então revisa a literatura. As etapas são: 1) selecionar um tópico; 2) pesquisar a literatura que determina quais informações estarão na revisão, montagem, sintetização, análise, levantamento e crítica do atual entendimento do tema. Decidimos seguir esses passos antes e durante a análise documental. Nossa escolha é justificada pelo motivo pelo qual não há necessidade de “reinventar o processo de revisão de literatura” (MACHI; McEVOY, 2009, p.1). Também é relevante destacar que esse tipo de revisão de literatura é a representação de um modelo preciso e minucioso de tal perspectiva de metodologia de pesquisa.

A pesquisa documental, baseada em Laville & Dione (1999), foca em documentos sonoros e visuais, como músicas, fotos, fitas, pinturas, imagens e vídeos, que trazem informações úteis e podem relacionar informações sobre a humanidade e a sociedade. Nesta pesquisa, usamos, como documentos, memes da Internet que foram pesquisados on-line. Nossa escolha é baseada na necessidade de se realizar uma extensão da revisão da literatura previamente realizada.

Os memes da internet no ensino de língua inglesa

A nossa proposta, neste artigo, é analisar os potenciais pedagógicos dos memes no ensino de Língua Inglesa. Entendemos que essa atividade precisa estar conectada a questões sociais como um todo, pois a prática docente não deveria estar exclusa dos acontecimentos mundiais. Sendo assim, baseamos as nossas análises na Teoria dos Multiletramentos (COPE; KALANTZIS, 2000; 2008). A essência dessa teoria está nas possíveis formas de construir sentidos que, com o passar dos anos, têm se multiplicado e se diversificado. O texto deixou de ser entendido apenas como a escrita gráfica e tem se relacionado também ao áudio, às imagens, ao espacial, ao comportamental, e assim por diante. Esse fenômeno é particularmente considerável na comunicação de massa, com ênfase para as mídias sociais, que se integram às crescentes diversidades locais e conectividades globais. Todos os dias, negociamos sentidos e percebemos diferenças a partir dos eventos aos quais tomamos conhecimento ou vivenciamos. Por meio deles, percebemos que nossas comunidades locais se interconectam globalmente por meio do trabalho e da vivência em comunidade.

A Teoria dos Multiletramentos aponta, nesse sentido, a existência de diversas formas de ler o mundo, a si mesmo, os textos em suas mais variadas formas de apresentação e representação e os contextos sociais - uma perspectiva que tem sólidas bases nos estudos de Paulo Freire. A ideia é que o texto não está acabado quando chega às mãos do leitor, mas que ele precisa se responsabilizar pela leitura que faz, pela sua própria interpretação (SOUZA, 2011). Com isso, destaca-se que, mais pertinente do que procurar sentidos empregados pelo autor de um texto, é necessário analisar o porquê de lermos da forma como lemos, a razão pela qual enxergamos ou deixamos de enxergar as intenções do autor. Dessa maneira, o leitor deixa de ter um papel passivo no ato da leitura e assume uma função ativa, de coautoria dos textos com os quais tem contato. Menezes de Souza aponta que o leitor deve “ler se lendo”:

Letramento crítico consiste em não apenas ler, mas ler se lendo, ou seja, ficar consciente o tempo inteiro de como estou lendo, como estou construindo o significado... e não achar que a leitura é um processo transparente, o que eu leio é aquilo que está escrito... Pensar sempre: por que entendi assim? Por que acho isso? De onde vieram as minhas ideias, as minhas interpretações? (SOUZA, 2011, p. 296).

Dentre as tipologias de memes, podemos destacar aqueles que possuem cunho explicitamente político: os memes políticos. Esses textos têm se tornado verdadeiras práticas de escrita e compartilhamento em redes sociais ao redor do mundo, especialmente em épocas de disputas eleitorais. Há, também, uma tendência na utilização de memes políticos em períodos pós-eleitorais como uma forma de (re)afirmação de posicionamentos políticos. Chagas (2018) faz uma breve contextualização da presença dos memes políticos na sociedade digital:

Burroughs (2013) conceitua os memes políticos como parte de uma ecologia da mídia e uma esfera pública agonística na internet. Já Lawrance (2015), se referindo à organização fundamentalista BokoHaram como um meme, descreve o conceito como uma “ferramenta de referência cultural” capaz de exprimir medos e ansiedades através da repetição de imagens mentais. A ideia de uma imagem mental já aparece originalmente em Dawkins (1976), mas o modo como o conceito evoluiu, o associou permanentemente à arena digital (CHAGAS, 2018, p. 8-9).

Os memes políticos e seu potencial analítico apresentam possibilidades pedagógicas para o ensino de Língua Inglesa que reforçam os propósitos da Teoria dos Multiletramentos. Nas imagens abaixo, fazemos uma referência ao slogan da campanha política de Donald Trump, o atual presidente dos Estados Unidos. A frase let’s make America great again [vamos tornar a América grandiosa novamente], inicialmente utilizada por apoiadores do então candidato à presidência, passou a ser utilizada como base para críticas da oposição ao governo, após a posse de Trump. Um exemplo de apropriação de discursos para fins de oposição pode ser visto logo abaixo, quando os autores dos memes ressignificam o slogan de campanha do candidato. Em tom irônico, foi sugerido que “tornar a América grandiosa novamente”, para o presidente, resumia-se à construção de um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México - uma das suas promessas de campanha - proposta bastante criticada naquele país e ao redor mundo. Na primeira imagem, o presidente Trump aparece com uma fisionomia de autoridade e afirmativa em relação à retomada do “crescimento da América”. A segunda imagem, por sua vez, mostra que essa retomada seria simbolizada pela construção de um muro, neste caso, entre os Estados Unidos e o México. Como todos os aspectos de um meme servem para a construção de sentidos, podemos inferir que haveria alguma intenção em ironizar as posturas ideológicas e as ações governamentais de Trump:

Fonte: memegenerator.net

Imagem 1 Meme que ironiza a construção de um muro na fronteira com o México 

No contexto do ensino de Língua Inglesa, podemos apontar que os aspectos de decodificação linguística não precisam, necessariamente, ser o centro da aula. As imagens acima podem ser exploradas em seus vários aspectos: as possíveis razões por trás da escolha dessas imagens especificamente; prováveis análises e interpretações acerca desse meme; a apropriação de certos discursos por parte de grupos políticos opostos; o fato de que, cada vez mais, tem-se discutido sobre política partidária em épocas nas quais não há eleições; os lugares de fala presentes nos dois memes; e questionamentos acerca das razões pelas quais enxergamos ou deixamos de enxergar os pontos mencionados.

Ainda sobre o mesmo slogan, mas expandindo as discussões, são apresentadas duas imagens com o mesmo conteúdo, mas que foram utilizadas em plataformas diferentes. Por vezes, é apontado que os acontecimentos do mundo real invadem o mundo digital. No entanto, temos observado que esse fenômeno também ocorre de forma inversa: os acontecimentos desse suposto mundo real chegam aos meios cibernéticos, mas são apresentados a algumas pessoas por meio de plataformas não digitais como, por exemplo, as estampas de camisas.

Dessa forma, a desconstrução de uma linearidade no processo de interação entre o real e o digital pode ser um caminho para a construção da crítica no ensino de Língua Inglesa. Além disso, podemos trabalhar o potencial de venda que os discursos políticos podem desempenhar na economia mundial. Partindo dessa perspectiva, aspectos do neoliberalismo e a sua interferência em várias áreas do conhecimento (ZACCHI, 2016) podem ser apresentados, analisados e problematizados em aulas da disciplina.

Fontes: me.me e teeshirtplace

Imagem 2 Memes em plataformas variadas 

Os usos de memes em aulas de Língua Inglesa não precisam estar ligados apenas ao cunho político. O título deste trabalho sugere explorar memes em suas várias nuances, tendo em vista que a nossa teoria base é a dos Multiletramentos. Seguindo esse caminho de variação e (des)formatação das práticas em aulas de Língua Inglesa, temos um tipo de meme cuja principal característica é ironizar ações comuns do cotidiano: os memes humorísticos. Dentre as escolhas comumente feitas para retratar ações cotidianas de determinado contexto social, temos trechos e imagens vinculadas a séries de TV, filmes, programas jornalísticos e, com frequência, animações.

A imagem 3 apresenta um meme no qual a personagem Pato Donald acorda no meio da noite e recorda uma situação estranha ou embaraçosa que viveu no ano de 2008. Aparentemente, tal imagem não representaria um espaço para análise crítica, ao passo que apresenta o aspecto humorístico como foco. Por outro lado, a depender da abordagem que o docente apresente em relação à imagem, temos as seguintes possibilidades: quais as possíveis razões por trás da escolha do ano de 2008 como um período para algo estranho acontecer? Essa demarcação temporal faz sentido para qualquer pessoa? Se faz sentido, esses sentidos são semelhantes? Que sentidos você construiu a partir da leitura da imagem? Por que você acredita que esses sentidos são legítimos?

Fonte: Pinterest

Imagem 3 Explorando memes humorísticos 

Memes são repletos de sentido. Vale ressaltar, do ponto de vista dos Letramentos, que esses sentidos não devem ser empregados apenas por quem os elabora e divulga nas redes. Cada indivíduo que se depara com um meme pode empregar impressões diferentes sobre a situação retratada. A metáfora do dissenso, empregada por Menezes de Souza (2011), é uma possibilidade a ser explorada em sala de aula, se o professor leva em conta a necessidade de preparar os seus discentes para a complexidade do mundo contemporâneo, onde as mídias digitais e a internet ajudam a impulsionar notícias falsas. Para o autor,

[...] a gente precisa perceber que, dependendo de onde estamos lendo, nós vamos entender X. Outra pessoa em outro contexto pode ler a mesma imagem, o mesmo texto de outra forma. Portanto, haverá sempre um conflito de interpretações. Por que eu entendi assim e ele não? Por que eu acho isso e ele não? (SOUZA, 2011, p. 297).

Dada a fluidez e possibilidade de cultura participativa (JENKINS, 2010) nas redes, o usuário pode, inclusive, editar, adaptar e/ou ressignificar o meme antes de compartilhá-lo mais uma vez. Dessa maneira, assim como já mencionado, o texto não está acabado quando chega às mãos do leitor-autor. Os memes estão em constante processo de (re)criação, mesmo após a sua primeira divulgação - e mesmo que ele não o edite e apenas o encaminhe para outros usuários.

Para ilustrar esse aspecto de coautoria, podemos lembrar quando uma mesma imagem é utilizada para representar contextos variados. Isso acontece porque diferentes pessoas enxergam possibilidades diversas para o uso da mesma imagem, mesmo que algumas adaptações sejam necessárias. Na imagem 4, o cenário é o mesmo do meme apresentado anteriormente. Dessa vez, a personagem Pato Donald, aparentemente, prepara-se para dormir e faz planos de acordar cedo e fazer exercícios físicos no dia seguinte; no entanto, ele acaba não acordando para colocar os planos em prática. Presenciamos um processo de remixagem (BUZATO; AL, 2013; BOA SORTE, 2018), tendo em vista que houve alteração na sequência das imagens e mudança no sentido empregado:

Fonte: Funnycaptions

Imagem 4 (Re)construindo memes da internet 

Ao trabalharmos com aspectos de coautoria e ressignificação de sentidos no ensino de línguas por meio de memes, pode ser necessário discutir questões éticas na apropriação de textos disponíveis nos meios digitais. Investir em um constante exercício de autoquestionamento, de autoproblematização: por que enxerguei tal possibilidade naquele meme? Por que enxergo esse meme diferente do meu colega? De onde vêm a minha leitura, as minhas interpretações? Estou sendo ético ao utilizar tal meme para retratar as minhas realidades/identidades? (SOUZA, 2011).

No meme apresentado logo abaixo, o efeito de humor é produzido na situação em que a mãe tem um dia de folga do trabalho e os filhos não têm aula na escola. Como resposta a esse cenário, a mulher relata que essa situação não é justa. A imagem escolhida aparentemente foi retirada de uma cena dramática, tendo em vista que a personagem parece chorar. É possível notar que as escolhas na construção do meme foram estratégicas para produzir humor a partir de uma cena que, originalmente, é comovente. Por outro lado, a relação entre as frases e a imagem pode fazer surgir sentidos diversos a depender de cada leitor-autor.

Fonte: BoredPanda.com

Imagem 5 Abordando papéis sociais 

O aspecto de humor pode dar espaço à análise de papéis sociais. Apesar das diversas conquistas de direitos e de avanços na garantia da dignidade feminina, ainda percebemos uma tendência à padronização dos papéis sociais desempenhados por mulheres e por homens. Quais seriam as razões para a escolha de uma mulher na retratação desse cenário? Essa escolha reflete padrões que persistem na sociedade atual? O quão diferente seria ter escolhido a imagem de um homem ao invés de uma mulher? A recepção dessa escolha seria diferente? Geraria outros tipos de posicionamentos por parte dos leitores? Quem poderia se sentir representado/a por esse meme? Há somente um tipo de representação? Essas são algumas das questões preliminares que poderiam ser propostas pelo professor em uma aula de Língua Inglesa na qual este meme fosse utilizado.

Longe de sugerir padrões de discussões, a nossa intenção é que os usos de memes sejam permeados por práticas de Letramentos Críticos. Levando em consideração as nossas leituras da imagem 5, temos algumas possibilidades: uma discussão que trate do grande número de mulheres que trabalham fora de casa; que são responsáveis por educar seus filhos; que são as únicas responsáveis por todas as tarefas domésticas. Nesse sentido, pode-se mencionar que, talvez, a maior intenção da mulher da imagem não seria a chance de ter algum tempo para cuidar de si, mas a oportunidade de administrar pendências domésticas que ficam apenas sob a responsabilidade dela.

Diante do exposto, podemos partir de um questionamento das nossas posturas diante das tecnologias e dos textos, sem deixar de analisar as posturas do outro. Podemos nos basear nos seguintes questionamentos: de qual lugar estou falando quando me posiciono nas redes sociais por meio de memes? A quais públicos os meus discursos acabam favorecendo e/ou desfavorecendo? Procuro me posicionar de forma consciente e crítica diante das minhas postagens e de outras pessoas? Sou consciente do alcance e da validade das minhas postagens para a formação social de outras pessoas? O que entendo por ser crítico? (JANKS, 2014)

Considerações finais

Iniciamos este artigo com uma breve introdução sobre o conceito de memes em sentido geral, levando em consideração a definição de Dawkins (1976). Segundo esse autor, os memes são caracterizados pela ideia de longevidade, fecundidade e fidelidade aliada à possibilidade de réplica. Em seguida, discutimos a presença desses aspectos aplicados em uma grande teia de produção digital: os memes da internet. Esses artefatos culturais largamente difundidos em nossa era digital retratam séries de TV, músicas, filmes, celebridades em geral, além de pessoas não famosas que ganham as redes por conta de uma simples frase ou gesto, dentre outros exemplos. Com isso, de acordo com Calixto (2018), temos o Brasil como um dos maiores centros de produção de memes da internet, o que fez o país ganhar o título de “fábrica de memes”.

A utilização de memes da internet em aulas de Língua Inglesa abre várias possibilidades para (re)leituras de diversos aspectos da realidade social. Seja qual for o tipo de conteúdo, do tom humorístico aos questionamentos políticos, é necessário que o professor conduza as aulas em direção à problematização do conteúdo apresentado nos memes sem deixar de garantir momentos para autorreflexão por parte dos estudantes. Dessa maneira, o papel docente rumo ao estabelecimento de posicionamentos críticos se mostra essencial.

Dentre as análises empreendidas, destacamos dois memes da internet envolvendo Donald Trump, o atual presidente dos Estados Unidos. O slogan de campanha “Vamos fazer a América grandiosa novamente” e a decisão de construir um muro separando os Estados Unidos do México foram apropriados por lados opositores ao governo como forma de ironizar as posturas do presidente. Tanto o slogan de campanha quanto a construção do muro EUA/México estão entre os pontos mais criticados por parte da população estadunidense (e também de outros países) atualmente. A utilização desses memes em aulas de Língua Inglesa possibilitaria análises críticas e discussões sobre questões políticas, de apropriação e ressignificação de discursos, além do estabelecimento de leituras variadas em sala de aula.

Como forma de variação nos usos de memes da internet, apontamos dois exemplos de memes humorísticos baseados em imagens da personagem de animação Pato Donald. Nos dois exemplos, as imagens utilizadas como base são as mesmas, mas as disposições de uso são invertidas, o que caracteriza processos de remixagem. Com isso, percebemos que os criadores primários dos memes enxergaram possibilidades diferentes para as imagens, o que, certamente, teve relação com as experiências vividas por eles, a saber: o humor com a falta de motivação para a prática de atividades físicas e lembranças constrangedoras e/ou inusitadas de anos anteriores. Esses exemplos poderiam ser utilizados em discussões acerca dos sentidos de apropriação e autoria nos atuais contextos de culturas digitais.

O último exemplo mostra uma mulher alegando a injustiça de ter folga do trabalho no mesmo dia em que os filhos não têm aula na escola. A priori, é flagrante um aspecto humorístico, tendo em vista que a personagem parece chorar por algo aparentemente inusitado. No entanto, uma análise mais detalhada e cuidadosa possibilitou tratar dos papéis sociais comuns a muitas mulheres na sociedade atual: trabalhar fora de casa, cuidar dos filhos e ser a única responsável pelas tarefas domésticas. Essa, então, poderia ser uma das explicações para a queixa apresentada no meme.

Diante dos aspectos apresentados, pode-se afirmar que o professor, ao se propor a trabalhar com memes, precisa ter o devido cuidado em procurar as origens e a relevância social desses textos para os dias atuais. Com isso, ele terá base para contextualizar as adaptações que tais textos foram apresentando ao longo dos anos até adquirir as formas que possuem atualmente. Sendo assim, destacamos o necessário papel do planejamento das aulas.

Concluindo, apontamos que os usos de memes precisam ocorrer de forma planejada e crítica por parte dos professores. De nada adianta inserir memes nas aulas se essa prática não faz sentido para o professor e para os alunos. Dessa maneira, destacamos os usos conscientes e significativos de memes como um dos aspectos essenciais para uma prática docente crítica. É preciso que os posicionamentos, tanto por parte dos estudantes quanto dos professores, sejam permeados de reflexão, significado e criticidade.

Referências

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Recebido: 07 de Agosto de 2019; Aceito: 11 de Outubro de 2019

Prof. Dr. Paulo Boa Sorte Universidade Federal de Sergipe (São Cristóvão-SE, Brasil) Departamento de Letras Estrangeiras Programa de Pós-Graduação em Educação Grupo de Pesquisa Letramentos em Inglês: língua, literatura, cultura ORCID : https://orcid.org/0000-0002-0785-5998 E-mail: pauloboasorte1@gmail.com

Mestrando Jefferson do Carmo Andrade Santos Universidade Federal de Sergipe (São Cristóvão-SE, Brasil) Programa de Pós-Graduação em Educação Grupo de Pesquisa Letramentos em Inglês: língua, literatura, cultura ORCID : https://orcid.org/0000-0002-3299-0948 E-mail: jeffersonandrade06@hotmail.com

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