A professora em Educação pela Columbia University (Nova York), Heloísa Luck, aborda nesta obra a interdisciplinaridade no âmbito da pedagogia como sendo uma resposta cabível à dinâmica da modernidade nas sociedades diversificadas, fenômeno este que influencia diretamente na construção da visão de mundo dos indivíduos, abrindo, portanto, não só uma lacuna para que os mesmos ampliem seu senso cognitivo através do “aprender a aprender” como um precedente para a reorganização do ensino, ressignificando a relação entre educação, educador e educando.

Para tal tarefa, a autora discorre sobre cinco pontos chave, sendo estes: “Problemas enfrentados pelo homem na sociedade diversificada”, “Enfoques do paradigma disciplinar e as disciplinas”, “Demanda de uma nova visão da realidade”, “O sentido da interdisciplinaridade” e “O aspecto humano da construção disciplinar”.

Nos “Problemas enfrentados pelo homem na sociedade diversificada”, desenvolve-se a perspectiva de que o homem tem por desafio o superar os modelos mentais vigentes, que criam uma pseudo realidade, como um senso comum, pautada na conveniência de seus criadores, gerando um ambiente de manipulação e cauterização da consciência. Este desafio impõe dois extremos ao indivíduo: a angústia de ter que confrontar a realidade imposta e a alienação na fuga deste confronto.

Outra discussão, ainda sobre esse aspecto, é a geração de especialistas que compreendem tão somente um fragmento de realidade - quando chegam de fato a essa compreensão! - causando um isolamento do saber por falta de visão holística. A partir de então se evidencia a utilidade principal da interdisciplinaridade de aliar teoria e prática, em disciplinas não inertes. Para isso se faz necessária a criação de um paradigma teórico metodológico que auxilie na formação de uma consciência crítica, que permita ser falseável sem a pretensão de ser “dono da verdade”, antes concedendo ao indivíduo a busca pela sua própria verdade e modo de ver, sentir e interagir com a realidade.

Quanto aos “Enfoques do paradigma disciplinar e as disciplinas” são expostos dois enfoques: o epistemológico da disciplina como conhecimento especializado e fragmentado e o enfoque pedagógico que se ocuparia do ensino de uma área da ciência, este último seria um dos vetores de distanciamento entre prática e teoria uma vez que produz falsas certezas e conteúdos míopes em termos educacionais; trazendo à formação o duplo problema de não dar condições ao sujeito de se conscientizar com base em suas práticas e vivências, e distanciar o mesmo de desfrutar de saberes e ciência tanto apropriados quanto produzidos, uma vez que o enclausura em um universo distinto, no qual a disciplina vale por si só em detrimento de contextos da praxe social.

Dentre os pressupostos da elaboração da disciplina está o fundamento positivista, o método da construção disciplinar e o objetivo da construção disciplinar. Estes nos levam a crer que se podem atomizar os saberes e com isso ter um resultado da realidade, gerando uma setorização e, por conseguinte, um retraimento das probabilidades de análise, criando “certezas absolutas” por vezes inquestionáveis.

A autora ao tratar da “Demanda de uma nova visão da realidade” explicita a relevância dos novos contextos históricos, que influem diretamente na cultura, política e até economia, e pormenoriza a fragmentação sucessiva do ensino. Aponta também para a nova relação entre epistemologia e pedagogia, bem como ciência e ensino, quebrando paradigmas de contradições e instituindo uma visão integrada entre estes, tendo como resultado a interdisciplinaridade.

A esta altura é abordado o currículo como sendo ferramenta para auxiliar a desenvolver a interação do ensino de forma dinâmica concomitantemente com a realidade sociocultural vigente aonde quer que for.

No que tange “O sentido da interdisciplinaridade” Heloisa atribui como papel da interdisciplinaridade a postura e ação de agregar toda a fragmentação causada pela disciplinaridade clássica, trazendo coerência e aproximando o ensino ao quotidiano das sociedades, além de ser promotora de livre articulação entre as disciplinas.

Por fim, “O aspecto humano da construção interdisciplinar” revela que a interdisciplinaridade em discussão tem por premissa e comprometimento o agir beneficamente no bem estar do homem e sua respectiva qualidade de vida, podendo proporcionar a superação de questões existenciais e de cunho social, tudo isso com base em uma nova ótica oportunizada pela mesma, na qual o indivíduo não é apenas expectador do teatro da vida e sim um ator crítico, pronto a lidar com as intempéries da vida.

Heloisa Luck cumpre com êxito o objetivo de sua obra aqui resenhada ao nos levar a refletir sobre a interdisciplinaridade e os velhos padrões de ensino desalinhados da realidade. Porém observo que a mesma atribui ferrenhamente à disciplinaridade um papel de vilão dentro do contexto pedagógico, uma vez que, em sua visão, torna estáticos os saberes; neste exato ínterim questiono até que ponto é salutar refutar o estudo particularizado de certos conhecimentos, uma vez que a atomização é parte básica da análise, que viabiliza o vislumbre de fenômenos que, quando em um ambiente macro, podem passar despercebidos, a exemplo do estudo da medicina que torna específico o conhecimento por partes do corpo para obter melhores resultados, por intermédio de seus especialistas.

Ainda sobre o tema aqui abordado, a autora deixa o conceito de interdisciplinaridade subjetivamente embaçado, atribuindo ao mesmo suas consequências e características e não propriamente um conceito assertivo e objetivamente clarificado, o que remete o leitor a uma mistura na concepção entre o que é e o que faz a interdisciplinaridade, sem a devida clareza.

Por fim, para fins de contribuição e sugestão, a obra poderia ser bem mais enriquecida com “cases” de sucesso sobre o tema, fator que além de dar mais credibilidade à obra permitiria também uma melhor compreensão do tema abordado.

A leitura deste livro é indicada a acadêmicos e profissionais da educação em geral e simpatizantes da área, por tratar de um tema multifacetado, presente em todas as áreas do conhecimento: a didática.